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Apresentação

DOSSIÊ "EMPRESARIADO, ESTADO E DESENVOLVIMENTO"

Apresentação

Paulo Roberto Neves Costa

Coordenador do Dossiê e Editor da Revista de Sociologia e Política.

Nos vinte anos da Revista de Sociologia e Política este é terceiro dossiê que se volta para os assuntos relacionados ao empresariado. Tivemos o Dossiê Burguesia e Política em 1995 (nº 4/5), o Dossiê Empresariado, Economia e Política (nº 28 de 2007) e o atual, intitulado Dossiê Empresariado, Estado e desenvolvimento. Felizmente, este dossiê tem em comum com os anteriores a articulação entre questões de natureza acadêmica, política e conjuntural, ou seja, o debate sobre o quadro atual e as perspectivas dos estudos sobre este assunto, e também sobre o futuro da sociedade brasileira. Além disso, assim como nos dossiês anteriores, temos também a diversidade de referenciais teóricos e procedimentos metodológicos dos trabalhos, o que torna a coletânea mais rica e interessante e reforça a importância deste diálogo para a continuação da expansão deste campo de estudos. Mas, os textos aqui apresentados têm como novidade em relação aos anteriores a presença de autores estrangeiros, fruto do processo de internacionalização tanto deste campo de estudos, quanto das revistas acadêmicas nacionais. Por último, os autores e trabalhos que compõem esta coletânea estão relacionados diretamente às atividades e eventos do grupo de pesquisadores que, desde 1998, vêm organizando as edições bianuais do Workshop Empresa, Empresários e Sociedade, mais especificamente à sua oitava edição, realizada em 2012 na Universidade Federal do Paraná. Em função disso, agradecemos ao CNPq pelo apoio à realização do referido evento e a esta publicação. Portanto, com os trabalhos que constam deste dossiê pretende-se menos sugerir uma, mas mostrar parte das várias possibilidades de aportes teóricos, metodológicos e analíticos sobre a relação do empresariado com a economia, a sociedade e a política, e remeter, ainda que incompletamente, à diversidade dos estudos que foram apresentados neste evento, o qual, por sua vez, reflete o avançado estágio de desenvolvimento desta área de pesquisa. Apresentamos a seguir as características gerais desses trabalhos.

Eli Diniz abre o dossiê e, mais particularmente, o debate que vai, de uma forma ou de outra, perpassar as reflexões dos demais autores, ou seja, a questão do desenvolvimento. Neste balanço e debate com a literatura internacional sobre a relação entre Estado e desenvolvimento, um elenco de questões vão sendo levantadas, das quais destacamos as seguintes: "não há uma fórmula fixa universal para se construir um estado desenvolvimentista"; "desenvolvimento e estado desenvolvimentista estão estreitamente interligados no processo de produção de novas rotas desenvolvimentistas"; "somente uma abordagem multidisciplinar capaz de conjugar os aportes da moderna teoria do desenvolvimento, com as análises do papel das instituições e da política pode responder aos desafios de interpretar essa nova construção"; e, "um Estado desenvolvimentista vai além de políticas governamentais pró-desenvolvimento; portanto não é redutível aos indicadores de êxito de suas políticas econômicas". Portanto, as proposições teóricas subjacentes remetem à discussão do que se entende por desenvolvimento e às formas de tratá-lo sociologicamente. Mas, as conclusões remetem à política, quando se afirma que, embora ainda não tenha sido instalado no país o "modelo desenvolvimentista no sentido forte deste termo", haveria diversos sinais de uma "agenda desenvolvimentista", ou seja, de que o Estado desenvolvimentista no Brasil está "em construção". Esta é, portanto, a tônica da análise da conjuntura e das perspectivas da relação entre economia, democracia e desenvolvimento no Brasil. Este texto nos sugere que os empresários brasileiros terão que enfrentar concretamente tais questões, para cuja compreensão e análise certamente este texto traz grandes contribuições.

Luiz Carlos Bresser Pereira argumenta que existem duas formas de organização econômica e política do capitalismo, o "liberalismo econômico" e o "desenvolvimentismo" e que o Brasil, a partir do segundo mandato de Lula, se caracteriza pela instalação de um "novo desenvolvimentismo", que não apenas é "social-democrático" como também "ambiental". O autor defende que este novo desenvolvimentismo funda-se em uma "aliança" liderada pelo Partido dos Trabalhadores, e que é composta pelos trabalhadores, pela "tecnoburocracia pública" e pelos empresários, cuja presença nesta aliança implicaria no seu afastamento em relação aos "capitalistas rentistas" e aos "financistas", defensores e sustentadores do liberalismo econômico. Assim, este desenvolvimentismo, caracterizado como "a intervenção moderada na economia através do planejamento dos investimentos nos setores não-competitivos ou pouco competitivos da economia, e uma ativa política econômica e social", teve forte impacto no campo político e ideológico. As bases da argumentação articulam a análise de conjuntura, para a qual se mobiliza desde teorias sociológicas até a história pessoal, e a Economia. Aos empresários, se atribui certa perplexidade diante dos desafios de compreensão e ação diante das injunções econômicas, políticas e sociais relativas ao embate em torno do desenvolvimento e do papel que nele deveriam exercer o capital, o trabalho e o Estado. Em suma, Bresser Pereira conclui que há condições para a constituição de uma "nova coalizão política", que daria bases e promoveria o "novo desenvolvimentismo", colocando desde já uma questão para ser tratada em estudos futuros.

As questões da aliança política e do desenvolvimentismo aparecem também no texto de Armando Boito Jr. e Tatiana Berringer, mas revestida de outro viés teórico. Os autores defendem a existência da "frente neodesenvolvimentista", dirigida pela "grande burguesia interna brasileira" e composta também pela baixa classe média, pelo operariado urbano, pelo campesinato e pela "massa marginal" da sociedade brasileira. Tal frente se contrapõe ao "campo político conservador, de orientação neoliberal ortodoxa", representado pelo PSDB, e que reúne, o "grande capital financeiro internacional, a fração da burguesia brasileira plenamente integrada a esse capital, a maior parte dos grandes proprietários de terra e a alta classe média do setor público e do setor privado". A argumentação se caracteriza pelo diálogo com a literatura e pela análise da política externa brasileira e da situação frente a ela por parte de algumas entidades de representação empresarial. A tese defendida é a de que esta frente busca o desenvolvimento econômico sem romper com o "modelo neoliberal". O "neodesenvolvimentismo", apesar das diferenças em relação ao "velho", é o "desenvolvimentismo da época do capitalismo neoliberal". Em relação à conjuntura e às perspectivas, a ideia é que o "neodesenvolvimentismo" explica as características fundamentais das políticas econômicas e do arranjo de forças expresso nas instituições políticas. Os autores defendem que tal frente não é algo que necessariamente favoreça o fortalecimento da democracia ou da economia brasileira e que se trata de uma situação instável e sujeita a revezes, sendo que o Estado continua sendo um espaço e um ator fundamental no processo político, aqui pensado a partir da questão das relações entre classes sociais, frações de classe, em especial da burguesia, e o Estado.

Markus Pohlmann e Elizangela Valarini, do Instituto Max Weber de Sociologia da Universidade de Heidelberg, problematizam a internacionalização da alta gerência das maiores empresas industriais brasileiras, em comparação com outros países, através da análise do grau de internacionalização de sua carreira no contexto da globalização e dos mecanismos de reprodução de valores capitalistas. A metodologia, de forte orientação empírica, se caracteriza pela pesquisa, ainda em andamento, acerca da biografia, da trajetória profissional e da mobilidade internacional dos altos executivos brasileiros, em comparação com os alemães, usando a prosopografia e a life course analysis. A base teórica passa pela sociologia das organizações e das elites, e pelo debate com a literatura, de Max Weber a Moss-Kanter e Boltansky e Chiapello. Os dados, não apenas do caso brasileiro, não indicam a existência de borderless career entre a elite econômica industrial, nem que a internacionalização da carreira seja uma condição necessária para ascensão aos altos cargos nas empresas. Enfim, a globalização implicou, no máximo, em uma "light internacionalization", sem prejuízo de uma formação vinculada à própria empresa e a valores e princípios que são nacionais. Além disso, os top managers da indústria, indicam os autores, não advém da "alta burguesia", que se auto reproduziria, mas sim de diversas camadas da sociedade. Em suma, os autores indicam que as dimensões nacionais das atividades gerenciais, sejam ou não voltadas exclusivamente para o mercado interno, continuam sendo muito importantes, o que colocaria estes empresários, ainda que através de suas atividades específicas, mais próximos do que afastados das questões nacionais, entre elas aquelas relativas ao desenvolvimento econômico. Além disso, este texto é muito importante também por representar uma área de estudo voltada para a empresa como organização e para os empresários como atores fundamentais, ou seja, as características dos indivíduos como um elemento importante para se pensar as dimensões de maior agregação, tais como empresariado ou elite econômica.

Por sua vez, Anibal Jáuregui, Professor Associado da Faculdade de Ciências Económicas Universidade de Buenos Aires, ao analisar a relação entre as entidades de representação empresarial e a política na Argentina, entre 1955 e 1976, mostra como as questões enfrentadas pelos empresários argentinos neste período em muitos aspectos são semelhantes àquelas enfrentadas pelos brasileiros nos dias de hoje, por exemplo, a organização dos interesses empresariais e os conflitos políticos e ideológicos entre as entidades de representação, a definição de estratégias de ação e a relação com os trabalhadores e o Estado. Outra semelhança é a dificuldade dos empresários em equacionar os desafios colocados pela construção de formas de representação política e de interferência no modelo de desenvolvimento, e como desta discussão se mantém ou ressurge a questão do corporativismo.

Por último, as questões e conclusões apresentadas pelos autores induzem a pensarmos não apenas nos problemas de natureza acadêmica ou relacionados aos estudos sobre o empresariado como ator político, como também a outras questões correlatas à atual conjuntura e às perspectivas da economia capitalista e da democracia no Brasil. As análises parecem sugerir que a velha questão, que é diferente do conceito ou do projeto político, da burguesia nacional, ou seja, da possibilidade de uma forma de funcionamento da sociedade capitalista no Brasil que implique em outro arranjo tanto na correlação de forças no interior do empresariado, quanto, e sobretudo, na relação entre alguns de seus setores e outras parcelas da sociedade e o Estado, e que inclusive contemple um tipo específico de relação com os interesses e dinâmicas internacionais, não foi desautorizada nem pela literatura nem pelos fatos históricos, e nem parece que isso vá acontecer no futuro próximo. Mas, por outro lado, os trabalhos sugerem também que os empresários, assim como tantos outros grupos sociais, estão ainda aprendendo a se colocar como agentes econômicos, políticos e sociais e a agir dentro dos marcos da democracia, e o resultado deste aprendizado é de fundamental importância para o futuro deste regime político, no nosso ou em qualquer outro país.

Boa leitura a todos.

Recebido em 27 de novembro de 2012.

Aprovado em 07 de fevereiro de 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Out 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013
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