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RESUMOS/ABSTRACTS

André Francisco Pilon

SCHIEFELE, H. – Ensino programado (Resultados e problemas teóricos e práticos). São Paulo, Melhoramentos/Editôra da Universidade de São Paulo, 1968. 178 p.

A programação do ensino pode ser considerada em função de um super-planejamento, em que o grau de predição aproxima-se da ordem de pràticamente 100%. Assentados os objetivos, as etapas se sucedem ordenadamente, de maneira a levar o aprendiz a um progressivo domínio da matéria, cuja estruturação a priori é condição sine qua non para a programação do ensino.

É evidente que, nesse sentido, apenas conhecimentos tidos como comprovados poderão ser objeto de programação. Para avançar na aprendizagem é necessário, portanto, escolher a resposta correta, as alternativas de êrro ou acêrto excluindo-se mùtuamente. Assim, a resposta errada implica, no ensino programado, em uma revisão dos conhecimentos anteriores, também programados, até o aprendiz encontrar-se em condições de seguir avante, mercê de respostas corretas.

Em têrmos de psicologia da aprendizagem, o ensino programado apoia-se no "conexionismo", de Thorndike, desenvolvido por Skinner, sendo certo, no entanto, que outros autores, como Crowder e Pressey, apresentaram importantes inovações, tendo em vista uma maior flexibilidade, notadamente nos casos em que não é possível declarar uma resposta simplesmente como certa ou errada ou de aprendizes excepcionais (confirmação ou correção adequada à reação e diversificação de programas para os mais talentosos, respectivamente).

Na obra em epígrafe, o autor esclarece ainda que "Pressey considera seus programas e utensílios, antes como complementos do ensino normal em classe, ao passo que Skinner e seus discípulos consideram o ensino e a aprendizagem programados como substitutos superiores aos métodos de ensino usuais até agora" (pág. 30).

Divergindo de Skinner, que considera a aprendizagem como um processo de condicionamento, Crowder explica a realizazação do ensino e da aprendizagem como um processo de comunicação. Como diz Schiefele, "a aprendizagem em conjunto, desde o jardim da infância à universidade, é muito importante...; o campo social influencia a motivação; os alunos exercem entre si estímulo constante no aprender; além disso, significam incentivo propulsor, tanto quanto os professôres, os pais e a sociedade, em seu sentido amplo. Na interação social, certos objetivos vêm a ser compreendidos e fixados, bem como a aprovação social desejada é obtida" (pág. 70).

Nesse sentido, é, importante, para o educador, a compreensão exata do alcance do ensino programado. Em têrmos de filosofia da educação e mesmo de pedagogia, é impróprio falar em "educação" programada, pois aquelas situações de vida, na escola e na comunidade, de extraordinária importância educacional, não podem, nem devem, sofrer o contrôle mecânico, indispensável às experiências de aprendizagem da "instrução" programada.

A figura do professor, em trabalhos de grupo ou na classe, não pode ser completamente substituída pelos programas de ensino, mas sim libertada para as tarefas que só ela possa cumprir. "Existem òbviamente domínios do saber em que a compreensão, ou a escolha de uma posição e sua avaliação, representam certo papel, não podendo assim, sem mais nem menos, sem nenhuma dúvida, ser declarados como certos ou errados" (Schiefele, pág. 72). E conclui (pág. 73) : "Onde a peculiaridade do assunto exija a interação das perguntas e respostas, teòricamente ilimitada, entre docente e discente, a tarefa docente não pode Ser delegada a "programas" e aparelhos.. . A pessoa que ensina não pode ser substituída em suas funções de motivadora, e assim também nos demais domínios em que se trate de aprendizagem social, porque aí a interação pessoal, a imitação, o exemplo, são condições capitais".

Quanto à possível estereotipia do saber e rigidez da capacidade humana resultantes da experiência e compreensão adquiridas pela reduzida variabilidade do processo de "ensino programado", que preocupa algumas pessoas, é problema que Schiefele transfere à Didática, que deverá indicar as matérias em que a "conservação da plena variabilidade das respostas não ofereça vantagem alguma de aprendizado, ou a qualidade do saber assim adquirido não seja incrementada" (pág. 71).

Em sua "observação final" (págs. 169 e seguintes), o autor considera as experiências realizadas no ensino escolar insuficientes para provar a real aplicabilidade do nôvo sistema. A maioria dos programas foi escrita para finalidades de pesquisa. Programas que descrevam e transmitam integralmente uma matéria existem em menor número. Só o uso permanente do ensino programado possibilitará a avaliação didático-pedagógica em têrmos realistas.

O livro traz ainda vários capítulos dedicados às técnicas de programação, cuja descrição interessará, por certo, o leitor especializado ou inovador e curioso.

André Francisco Pilon

COHEN, A. K. – Transgressão e controle. São Paulo, Pioneira Editôra, 1968. 250 p.

Para que a vida em sociedade possua um sentido compartilhado pelo grupo, é necessário observar determinados valores e normas, que regulam as relações sociais.

Sua violação é perigosa não tanto por eventuais prejuízos "concretos", mas por atentar contra a própria validade dessas relações, gerando insegurança nos demais indivíduos que as incorporaram.

Nesse sentido, equilíbrio psico-social é função do "status quo". A mudança gera angústia por que estamos acostumados a nos definir em função de posições e papéis ocupados em sociedade, aos quais se aderem normas e valores.

Daí a existência de mecanismos de contrôle, mais ou menos rígidos, conforme a importância relativa das normas e valores a serem observados. A transgressão isolada termina com o castigo do transgressor e restabelece-se assim o equilíbrio. Tanto o comportamento conformista como o transgressor definem-se em função de normas e valores, cuja validade, em sí, é reconhecida até pelo indivíduo transviado.

Por isso o perigo, aqui, é relativo. O transviado está apenas interessado em auferir uma vantagem ilícita, furtivamente. Já o inconformista deseja mudar as normas que nega na prática em virtude de um juízo moral ou de um ideal de vida, que se choca com as normas e valores específicos de uma sociedade, embora possa estar apoiado em normas e valores filosóficos universais* * Nesse sentido a Declaração dos Direitos do Homem, promulgada pela ONU, parece mais refletir um modêlo filosófico do que o consenso social das diversas nações, correspondendo a uma aspiração ética ainda não bem compreendida pela maioria dos homens. . O rebelde, por sua vez, não contesta apenas a sabedoria desta ou daquela regra, mas nega a autoridade mesma que a emana. Lutero, por exemplo, não só negou a validade de determinadas regras, mas a própria possibilidade papal de dar a qualquer regra validade.

Diríamos então que o transgressor não se caracteriza como agente consciente de mudança social em virtude de seus móveis por demais restritos e particulares e por não fazer uso das possibilidades maiores ou menores que o sistema possa permitir àqueles que tentam reformá-lo. O transgressor, via de regra, reconhece-se como tal e não questiona a norma transgredida, nem a autoridade daqueles que a promulgam ou policiam sua execução. Excetua-se aqui a transgressão tipo "protesto".

Assim caracterizada a transgressão, o autor se reporta às teorias clássicas que procuram explicar sua emergência, no contexto da constituição individual (tipos de pessoas) e do ambiente (influência histórica e atual).

São os seguintes os modelos da pesquisa apresentados para verificá-las na prática, em que as diversas variáveis são testadas:

a) tipos de pessoas versus freqüência do comportamento transgressor e não-transgressor;

b) ambiente de formação versus tipos de pessoas;

c) tipos de situações versus freqüência do comportamento transgressor e não-transgressor;

d) tipos de pessoas versus tipos de situações, em função da freqüência do comportamento transgressor e não-transgressor.

Nos modelos acima, a transgressão é tratada como um evento isolado. No entanto, nas teorias que acentuam o processo de interação, o comportamento transgressor se desenvolve com o tempo, através de uma série de fases, em que as oportunidades de escolha entre o comportamento transgressor e não-transgressor sofrem uma determinação progressiva, neste ou naquele sentido. Aqui a predição é contingente às diversas fases, razão porque um comportamento potencialmente transgressor pode acabar em conformismo e um comportamento potencialmente conformista pode acabar em transgressão.

Na transgressão é importante o grupo de referência do transgressor, suas normas e valores específicos, e não as normas e valores da sociedade em geral. Isso porque a personalidade de qualquer pessoa depende dos contados face-a-face dos grupos primários e não de padrões ideais de conduta. Como diz o autor, o cumprimento das normas sociais é uma fonte de satisfação para o indivíduo, mercê do reconhecimento que aufere, mas para que isso ocorra é necessário que seu grupo de referência as incorpore.

Critica ainda o autor a tendência a identificar o ato transgressor com a natureza humana "original" ou "não-socializada". Em primeiro lugar, porque a natureza humana implica em infinitas possibilidades, cada uma das quais dependente de experiências específicas para seu desenvolvimento; em segundo lugar, porque os impulsos biológicos apoiam instituições sociais altamente valorizadas, como a família, por exemplo. Finalmente, a transgressão é resultado de variados e variáveis fatores, nenhum dos quais, isoladamente, a explica.

A transgressão aparece ainda como "válvula de segurança" numa sociedade, "pois impede a acumulação excessiva de descontentamento e alivia um pouco a tensão da ordem legítima". Alguns psicanalistas sugerem mesmo que "o criminoso faz aquilo que todos nós secretamente desejamos fazer", partindo de que existe em nós "um caldeirão de necessidades agressivas e destrutivas, reprimidas e contidas por um diligente ego e um poderoso super-ego". Ultimamente diversos pesquisadores vêm indagando até que ponto essas necessidades, tidas como inerentes à expécie humana, são fomentadas pela própria sociedade.

Como ilustração dos mecanismos psico-dinâmicos nas explicações sociológicas o autor apresenta um estudo sôbre o alcoolismo, a partir do trabalho de McCord e McCord, realizado nas décadas de 30 a 40 (sobre delinqüência juvenil nos Estados Unidos), que culminou com um estudo intercultural de Bacon, Barry e Child.

"Transgressão e Contrôle", de Albert K. Cohen é sem dúvida uma obra comcorrentes sociológicas e psicológicas a respeito do comportamento humano em face das normas e valores sociais. A preocupação do autor não é "fechar" o assunto, mas antes abrí-lo ante as variadas perspectivas que comporta.

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    Nesse sentido a Declaração dos Direitos do Homem, promulgada pela ONU, parece mais refletir um modêlo filosófico do que o consenso social das diversas nações, correspondendo a uma aspiração ética ainda não bem compreendida pela maioria dos homens.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 1969
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