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Nova Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias de Saúde e impacto ao Sistema Único de Saúde

A new Brazilian Committee for Incorporation of Health Technologies and its impact on Public Health System

INFORMES TÉCNICOS INSTITUCIONAIS

Nova Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias de Saúde e impacto ao Sistema Único de Saúde

A new Brazilian Committee for Incorporation of Health Technologies and its impact on Public Health System

Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Decit - Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde Esplanada dos Ministérios Bloco G sala 845 70058-900 Brasília, DF, Brasil

O direito à saúde está inscrito na constituição de 1988 e é realizado por meio da oferta de um sistema universal, integrado e hierarquizado de atenção à saúde, segundo as necessidades de prevenção, promoção, diagnóstico, tratamento e reabilitação da saúde, com base nas melhores práticas disponíveis e aplicadas às diversas realidades do Brasil.

Para levar essa missão a termo, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem se pautado nos princípios da universalidade, da integralidade e da eqüidade, balizado nas diretrizes de hierarquização, descentralização e participação da comunidade.

A Atenção Primária é a política estruturante do SUS. Ocupa a base da hierarquia dos serviços; tem capilaridade em todo o território nacional e articula-se aos demais níveis de atenção, organizados regionalmente, segundo as complexidades e as exigências especiais de cada nível de atenção.

Na prática observa-se que esses níveis hierárquicos do SUS organizam-se em função da disponibilidade de recursos humanos especializados e de tecnologias pesadas, principalmente equipamentos médico-hospitalares para diagnóstico e tratamento instalados e em operação. Talvez por esse motivo o conceito de tecnologias em saúde e o conceito de atenção à saúde se confundam no imaginário da população.

As tecnologias em saúde incluem, além dos equipamentos médicos, os produtos para a saúde, os medicamentos, as vacinas, os testes diagnósticos, as órteses e próteses, e inúmeros materiais e sistemas informacionais de aplicação na assistência à saúde. São insumos que podem demandar o emprego de cadeias de tecnologias para monitoramento e controle, e geralmente são dedicados a grupos restritos de pacientes de alta vulnerabilidade, cuja aplicação ao tratamento venha possibilitar e/ou favorecer a melhoria do cuidado.

Embora fundamentais para o apoio à assistência, essas tecnologias não substituem o diagnóstico clínico, a indicação do esquema terapêutico apropriado, o acolhimento e os cuidados nas dimensões físicas, psíquicas e sociais que fazem a diferença na atenção à saúde das pessoas. Assim, oferecer atenção integral e universal à saúde, como é a missão do SUS, é muito mais do que simplesmente oferecer acesso a tecnologias em saúde.

Em vista do custo expressivo dessas tecnologias e da complexa logística necessária para a sua operação, a modernização do sistema é preocupação constante dos gestores do SUS. Por esse motivo, vêm sendo desenvolvidas competências para avaliar as inovações do mercado, qualificando o processo de incorporação de tecnologias em saúde e direcionando os recursos existentes para aquelas que realmente fazem a diferença no cuidado ao paciente.

Tecnologias em saúde: um nicho especial de negócios no Brasil e no mundo

O complexo produtivo e industrial da saúde tem se constituído como uma das áreas de negócio que mais cresce no mundo. Com o envelhecimento das populações, a necessidade de tratamentos especializados aumenta exponencialmente, criando novas oportunidades para a inovação em saúde.

No Brasil, a entrada maciça de novas tecnologias em saúde se deu principalmente a partir da década de 1990 e foi amplamente estimulada pela redemocratização do País, pelo crescimento dos nossos índices de desenvolvimento econômico e social, bem como pela existência de um sistema de saúde público e universal que assiste a mais de 190 milhões de habitantes, o que oferece escala importante para o mercado. Alia-se a isso um ambiente regulatório estável, com regramento definido que permite o desenvolvimento dos negócios.

Dessa forma, em poucos anos, o País passou de uma fase em que buscava ter acesso às tecnologias de ponta em saúde, só existentes em centros no exterior, para a fase atual, em que se observa hiper oferta de produtos, de marcas, tipos e modelos diferentes. Isso aumenta a complexidade da análise que o sistema de saúde tem que desenvolver para se modernizar com racionalidade.

Tecnologias focadas no usuário final são desenhadas para serem amigáveis e fáceis de operar. Diferentemente, as tecnologias de saúde demandam muitas vezes tecnologias de suporte e longos períodos de capacitação de equipes multiprofissionais. Suas curvas de aprendizado podem propiciar o aumento de falhas no processo, com prejuízo para os pacientes e para os sistemas de saúde.

Por esse motivo a avaliação das evidências clínicas de eficácia e segurança de um novo produto é fundamental, porém não é suficiente. É necessário avaliar também as realidades e capacidades locais, visto o contexto de interações de atores tão diversos, como: fornecedores, prestadores de assistência técnica, equipes de treinamento, profissionais de saúde, gestores, prescritores, pacientes, cuidadores e população em geral.

A modernização do SUS é objeto do desejo da sociedade, embora freqüentemente ela pouco se preocupe com o provimento para que o processo de inovação em saúde se dê com racionalidade e segurança. A propaganda, como a divulgação dos milagres da tecnologia pelos meios de comunicação, tem um papel muito importante em forjar a idéia de que, quanto mais novos, mais sofisticados, mais tecnológicos forem os métodos de diagnose e terapia, melhores serão os resultados. Ao assistir o desfile dessas maravilhas chega-se a pensar que a técnica venceu definitivamente a dor e a morte, o que obviamente é uma falácia.

A pressão por incorporação de novas tecnologias no SUS se manifesta por meios diretos e indiretos, e envolve a ação de produtores, pacientes, prescritores, sociedades médicas, associações de portadores de patologias e do próprio sistema judiciário. Este vem acionando a União, estados e municípios a prover insumos de saúde os mais diversos, com base no direito genérico à saúde.

Esse fenômeno acontece no Brasil e em países da América Latina, nos quais a figura do direito à saúde é base legal de seus sistemas públicos de saúde. Como os julgamentos dessas ações se baseiam no direito individual à saúde, e não no direito de uma população, não levam em conta critérios de priorização, de oportunidade, de adequação ou racionalidade. Assim, a judicialização da saúde desafia o princípio da eqüidade, ameaça a sustentabilidade dos sistemas, desloca prioridades e gera riscos à saúde. Porém, tem o mérito de mobilizar as atenções para o setor Saúde, sinalizando o que a sociedade espera do SUS.

Um bom exemplo dessa pressão pode ser visto no setor de incorporação de novas vacinas. O Programa Nacional de Imunizações incorporou nos anos 2000 a maioria das novas vacinas de alta tecnologia preconizadas em países desenvolvidos, ao custo de 800% de incremento nesse mesmo período. Ainda assim, as demandas judiciais não cessam e buscam a incorporação de vacinas cujo perfil de benefícios e riscos ainda é indefinido.

O planejamento de campanhas e de programas de vacinação, bem como sua implementação em países de grandes dimensões como Brasil, demandam muito mais que recursos financeiros. Demandam logística complexa em que se envolvem as forças de todas as esferas da gestão da saúde. E é nesse contexto que as ferramentas da avaliação de tecnologias em saúde (ATS) devem ser empregadas: orientando decisões mais informadas e com maiores chances de bons resultados.

SUS e a Lei da Integralidade

Desde que vigem as leis que complementam o texto constitucional sobre o SUS, um dos temas que mais despertam polêmica é a materialização do conceito de integralidade. As diversas opiniões variam em extremos; por um lado o SUS deve oferecer à população aquilo que os gestores do sistema (secretários municipais, estaduais, distrital e ministro da saúde) julgarem adequado, a partir de suas referências técnicas, políticas e financeiras. No outro extremo, o SUS deve fornecer toda e qualquer tecnologia que for demandada, desde que devidamente indicada por profissionais de saúde.

A falta de definição clara tem sido determinante no crescimento exponencial de ações judiciais para fornecimento de tecnologias, sobretudo medicamentos, pelos serviços públicos de saúde. Tal fenômeno é tão mais importante quão mais desenvolvido é o Estado da federação.

A escalada do interesse sobre o assunto culminou, em 2009, com a realização de Audiência Pública sobre Saúde, promovida pelo Supremo Tribunal Federal. Isso foi um marco para a aprovação da Lei 12.401, de abril de 2011, cujos desdobramentos contribuíram para aumentar a visibilidade do assunto.

A opinião corrente, tanto no meio jurídico como dos representantes da sociedade civil, era de que o não-fornecimento de determinados medicamentos de alto custo pelo SUS decorre predominantemente da má gestão dos recursos públicos e da inexistência de políticas públicas que atendam aos preceitos constitucionais. Assim, é necessário rever as políticas públicas de saúde voltadas à incorporação de tecnologias, e não somente ao fornecimento de medicamentos.

Na audiência pública, professores e pesquisadores convidados apontaram a necessidade de que as políticas públicas delineadas para a adoção de novas tecnologias no SUS acompanhem os avanços científicos e levem em conta, entre outros aspectos, a análise cuidadosa e atualizada das evidências médicas. Além disso, alertaram para as estratégias de propaganda que aumentam a pressão para que novas tecnologias sejam acriticamente incorporadas nos sistemas de saúde e recomendaram cautela para não se submeter o interesse público ao dos fabricantes de medicamentos e demais tecnologias de saúde.

Representantes do campo da gestão nas três esferas de governo apontaram os enormes avanços da política de assistência farmacêutica nos últimos anos, de fácil constatação na análise de série histórica dos gastos com medicamentos. Enfatizaram a necessidade de que a ação do SUS represente efetivamente o interesse público ao oferecer políticas universais, que valorizem a eqüidade e baseadas em conhecimento científico consistente. Mencionaram também as dificuldades relacionadas à grande quantidade de procedimentos judiciais para fornecimento de tratamentos, muitas vezes desprovidos de base técnica, incluindo procedimentos considerados experimentais e produtos sem registro no País.

O Ministério da Saúde afirmou seu compromisso em ampliar e atualizar os protocolos clínicos para tratamento e fornecimento de medicamentos como forma de aperfeiçoamento da atenção integral e fomentar sua utilização racional.

Outro ponto destacado refere-se à necessidade de transparência dos processos, tendo sido citadas como exemplo audiências públicas promovidas pelas agências reguladoras, que utilizam sistematicamente essa ferramenta para ampliar a participação da comunidade na edição e atualização de atos normativos.

Como desdobramento dessa audiência pública foi elaborado o projeto de Lei PL nº 7.445-A, que se transformou em Lei 12.401, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, publicada em 28/4/2011 e que entrará em vigor em 26/10/2011. A nova lei determina a criação e as bases de funcionamento da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS e complementa a Lei 8.080 no capítulo que trata da incorporação de tecnologias no sistema. Dentre as principais inovações estabelecidas pela Lei 12.401, estão:

• análise das solicitações de incorporação de tecnologias com base em evidências de eficácia, efetividade, segurança, e em estudos de impacto no sistema;

• oferta de tecnologias segundo protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT);

• na ausência de PCDT, o fornecimento será realizado com base em relações de medicamentos do SUS;

• incorporação, exclusão, alteração de medicamentos e tecnologias no SUS e PCDT definidos como atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias;

• participação da sociedade por meio de representantes do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho Federal de Medicina;

• prazo para análise: 180 dias corridos, prorrogáveis por mais 90, contados a partir da data de protocolo da solicitação, para que seja concluído o processo administrativo de incorporação, exclusão ou alteração de tecnologia;

• consulta pública obrigatória e audiência pública se a relevância da matéria justificar, antes da tomada de decisão.

Considerações finais

Embora a Lei 12.401 ainda não tenha entrado em vigor, o processo de ATS com vistas à incorporação de tecnologias em saúde nos programas do Ministério da Saúde já vem acontecendo desde a criação da Comissão de Incorporação de Tecnologias (CITEC) em 2006. Por meio da portaria MS 2.587, de 30/10/2008, sua atuação foi aperfeiçoada e sua coordenação transferida para a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Tem sido objeto de trabalho da CITEC e de seus consultores técnicos a busca sistemática da melhor evidência de eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade das tecnologias submetidas à avaliação, bem como estudos de impacto econômico no SUS e a avaliação da capacidade do sistema de implementar os novos procedimentos que a nova tecnologia a ser incorporada requer.

Assim, a modernização do SUS já está em curso. Graças ao empenho do Ministério da Saúde ao longo dos últimos 18 meses, cerca de 90 protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas foram formulados e/ou atualizados e em breve estarão em consulta pública para as contribuições dos diversos setores da sociedade interessados.

Os novos protocolos clínicos são elaborados com base na melhor evidência disponível, têm previsão de atualização a cada dois anos nas áreas de grande efervescência tecnológica, e na medida da necessidade, nas áreas mais estáveis quanto à inovação.

O processo de avaliação das evidências implementado na CITEC acompanha o modelo implementado em países desenvolvidos, porém privilegia uma estrutura central leve que responde pelos processos administrativos e técnico-científicos que dão suporte ao trabalho da Comissão. A CITEC conta com apoio de uma rede de instituições acadêmicas, públicas, de ensino e assistência, Rede Brasileira de ATS, que realiza pareceres técnico-científicos e análises econômicas sob encomenda.

A introdução da ATS nos processos de regulação da saúde já está consolidada no nível federal e em alguns estados e municípios. Além da incorporação de tecnologias em saúde no SUS, as decisões de autorização de registros de medicamentos novos no País e estabelecimento de preço de mercado também são apoiadas em avaliação de evidências científicas.

A capacitação de profissionais para a realização das avaliações cientificamente embasadas tem recebido investimento importante do Ministério da Saúde e seus parceiros: Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Agência Nacional de Saúde Suplementar, governos estaduais e municipais, hospitais de ensino e hospitais de excelência, que tem multiplicado cursos virtuais e presenciais visando qualificá-los para desempenhar essas novas atividades.

O Brasil talvez seja um dos únicos países do mundo a trazer em sua constituição a saúde como um direito de todos e dever do Estado. Agora, com sua publicação, a Lei 12.401 complementa o texto constitucional, estabelecendo a forma de análise das novas tecnologias em saúde, no sentido de garantir que só serão incorporadas as tecnologias e os tratamentos que comprovaram ser efetivos e seguros. Ainda, o processo deverá ser compartilhado com todas as instâncias que constituem o SUS e será amplamente divulgado à sociedade.

Finalmente, a regulação com base em evidências é fundamental para sistemas públicos de saúde, como é o caso do SUS. É responsabilidade do Estado oferecer tratamentos seguros e efetivos à população, selecionando as tecnologias de saúde que se mostrem mais adequadas ao seu grau de desenvolvimento, disponibilidade de infra-estrutura existente nas regiões sanitárias, conformação e qualificação de recursos humanos, preferências e cultura. Para isso, um amplo processo de comunicação deverá ser cada vez mais estimulado para que todos participem da importante decisão de escolher o melhor modelo de alocação e utilização de tecnologias para o SUS, de forma a ampliar o acesso e a qualidade da assistência prestada a todos os cidadãos.

Texto de difusão técnico-científica do Ministério de Saúde

  • Correspondência | Correspondence:

    Decit - Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde
    Esplanada dos Ministérios Bloco G sala 845
    70058-900 Brasília, DF, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011
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