RESUMO
OBJETIVO Adaptar e avaliar as propriedades psicométricas da Escala Triagem de Vulnerabilidade ao Abuso (Vulnerability to Abuse Screening Scale – VASS) para identificar risco de violência doméstica contra idosos no Brasil.
MÉTODOS O instrumento foi adaptado e validado em uma amostra de 151 idosos de um centro de referência do idoso, do município de Belo Horizonte, MG, em 2014. Foram coletadas informações sociodemográficas, clínicas e relacionadas a abusos. A confiabilidade via reprodutibilidade foi verificada em uma amostra de 55 idosos, submetidos ao reteste do instrumento sete dias após a primeira aplicação. Foram realizadas análises descritivas e comparativas para todas as variáveis, com nível de significância de 5%. A validade de construto foi analisada pelo método de componentes principais com matriz de correlação tetracórica, a confiabilidade da escala pela estatística Kappa ponderado (Kp) e a consistência interna pelo estimador Kuder-Richardson fórmula 20 (KR-20).
RESULTADOS A idade média dos participantes foi 72,1 anos (DP = 6,96; IC95% 70,94–73,17), com máxima de 92 anos, e o sexo foi predominantemente feminino (76,2%; IC95% 69,82–83,03). Ao analisar a relação entre os escores da Escala Triagem de Vulnerabilidade ao Abuso, categorizados em presença (índice > 3) ou ausência (índice < 3) de vulnerabilidade para abuso, com condições clínicas e de saúde, encontramos diferenças estatisticamente significantes para autopercepção de saúde (p = 0,002), sintomas depressivos (p = 0,000) e presença de reumatismo (p = 0,003). Em relação ao sexo, não houve diferença estatisticamente significante. A Escala Triagem de Vulnerabilidade ao Abuso comportou-se de forma aceitável na avaliação da validade no processo de adaptação transcultural, demonstrando dimensionalidade coerente com a proposta original (quatro fatores). Na análise da consistência interna, o instrumento apresentou bons resultados (KR-20 = 0,69) e a confiabilidade via reprodutibilidade foi considerara excelente para a escala global (Kp = 0,92).
CONCLUSÕES A Escala Triagem de Vulnerabilidade ao Abuso mostra-se como instrumento válido e com boas capacidades psicométricas para o rastreio de abuso doméstico contra idosos no contexto brasileiro.
Maus-Tratos ao Idoso; Violência Doméstica; Psicometria; Reprodutibilidade dos Testes; Estudos de Validação
ABSTRACT
OBJECTIVE Adapt and evaluate the psychometric properties of the Vulnerability to Abuse Screening Scale to identify risk of domestic violence against older adults in Brazil.
METHODS The instrument was adapted and validated in a sample of 151 older adults from a geriatric reference center in the municipality of Belo Horizonte, State of Minas Gerais, in 2014. We collected sociodemographic, clinical, and abuse-related information, and verified reliability by reproducibility in a sample of 55 older people, who underwent re-testing of the instrument seven days after the first application. Descriptive and comparative analyses were performed for all variables, with a significance level of 5%. The construct validity was analyzed by the principal components method with a tetrachoric correlation matrix, the reliability of the scale by the weighted Kappa (Kp) statistic, and the internal consistency by the Kuder-Richardson estimator formula 20 (KR-20).
RESULTS The average age of the participants was 72.1 years (DP = 6.96; 95%CI 70.94–73.17), with a maximum of 92 years, and they were predominantly female (76.2%; 95%CI 69.82–83.03). When analyzing the relationship between the scores of the Vulnerability to Abuse Screening Scale, categorized by presence (score > 3) or absence (score < 3) of vulnerability to abuse, with clinical and health conditions, we found statistically significant differences for self-perception of health (p = 0.002), depressive symptoms (p = 0.000), and presence of rheumatism (p = 0.003). There were no statistically significant differences between sexes. The Vulnerability to Abuse Screening Scale acceptably evaluated validity in the transcultural adaptation process, demonstrating dimensionality coherent with the original proposal (four factors). In the internal consistency analysis, the instrument presented good results (KR-20 = 0.69) and the reliability via reproducibility was considered excellent for the global scale (Kp = 0.92).
CONCLUSIONS The Vulnerability to Abuse Screening Scale proved to be a valid instrument with good psychometric capacity for screening domestic abuse against older adults in Brazil.
Elder Abuse; Domestic Violence; Psychometrics; Reproducibility of Results; Validation Studies
INTRODUÇÃO
A violência é um fenômeno mundial e um relevante problema de ordem pública. Para os idosos, a literatura apresenta evidências consolidadas de mortalidade por violências associadas a quedas e acidentes de transportes1-3. Contudo, a realidade das violências como abusos que ocorrem predominantemente em ambiente domiciliar é pouco conhecida9,12,14,a.
Essa situação demanda a construção e a validação de ferramentas para rastreio da violência contra idosos4,16, sobretudo em estudos de adaptação transcultural, possibilitando a comparabilidade de resultados em amostras distintas17.
Atualmente, existem dois instrumentos para rastreamento da violência doméstica contra idosos validados à cultura brasileira e com estudos psicométricos16: o Hwalek-Sengstock Elder Abuse Screening Test (H-S/EAST)19 e o Caregiver Abuse Screen (CASE)20, que capta informações de abuso potencial por parte de cuidadores.
Além desses, a Vulnerability to Abuse Screening Scale (VASS)16,23 foi sugerida como elegível à validação no Brasil por ser simples e autoaplicável. Esta escala é constituída por 12 itens dicotômicos. Possui como ponto de corte interpretado como alta vulnerabilidade para a violência o escore maior ou igual a três. Apesar da VASS possuir perguntas oriundas do H-S/EAST, em sua análise psicométrica esses itens se comportaram de forma diferente ao se alocarem em fatores distintos do apresentado no estudo do H-S/EAST. Dessa forma, a VASS constitui um novo construto e, assim, um instrumento alternativo ao seu antecessor.
A decisão favorável à análise da VASS baseou-se também na premissa de que a escala possui uma variável validada para nossa cultura na Escala Tática de Conflitos (Conflict Tactics Scales – CTS)6,11 que poderia sugerir a ocorrência de violência por parceiro íntimo; e um item relacionado à sensação de medo de alguém da família, o que poderia explicar o construto geral de vulnerabilidade ao abuso, sobretudo os ocasionados por pessoas próximas aos idosos.
Face esta perspectiva, o presente estudo objetivou realizar a adaptação transcultural para o português da Escala de Triagem de Vulnerabilidade ao Abuso (Vulnerability to Abuse Screening Scale – VASS) contra idosos e analisar suas propriedades psicométricas de validade e confiabilidade.
MÉTODOS
Foi realizado estudo transversal alicerçado nos procedimentos para adaptação transcultural propostos por Reinchenhem e Moraes18, Herdmam et al.7 e Beaton et al.2 Foram efetuadas análises de equivalências: conceitual e de itens; semântica, operacional e de mensuração.
A equivalência conceitual e de itens foi realizada por especialistas, que avaliaram a pertinência dos termos e conceitos utilizados no instrumento original e o impacto de significado na cultura brasileira. Explorou-se a adequação de itens do instrumento original em relação à capacidade de representar tais dimensões na população14,18.
A equivalência semântica correspondeu à análise gramatical e dos vocabulários, verificando se a tradução expressa o mesmo conceito do instrumento original e é adequada à realidade local2,7,18. Foram percorridas cinco etapas.
Na primeira, tradutores bilíngues realizaram duas traduções (T1 e T2). Estas foram encaminhadas à segunda etapa para retrotraduções (RT1 e RT2) a dois tradutores da área médica, de forma cega e independente, sendo um tradutor juramentado e outro com a mesma nacionalidade do instrumento original. Na terceira etapa, os pesquisadores encaminharam as versões retrotraduzidas a um quinto avaliador bilíngue, que verificou o significado geral e referencial dos termos e das expressões contidas na escala.
O significado conotativo (geral) foi classificado em quatro categorias: inalterado, pouco alterado, muito alterado e completamente alterado. Já o significado referencial foi analisado segundo a Visual Analogue Scale, cuja equivalência é julgada de zero a 100%. Portanto, quanto maior a relação de correspondência literal entre os termos traduzidos e a versão original, maior a equivalência do seu significado referencial. Na quarta etapa, cinco profissionais especialistas, dentre estes as pesquisadoras e uma médica geriatra, formularam a versão final consolidada em português, incorporando as alterações necessárias.
Por fim, a versão síntese foi aplicada por meio de grupo focal a uma amostra de idosos para verificar a aceitabilidade e compreensão do instrumento. Cada item foi lido aos participantes, que expressaram o entendimento e sugestões de mudanças. A reformulação dos itens fundamentou-se no percentual igual ou superior a 15% de entrevistados que não compreendessem às perguntas.
A estrutura dimensional da VASS foi aferida pela análise fatorial exploratória com extração de componentes principais pela matriz de correlação tetracórica10. O ajuste do modelo e das cargas fatoriais foi realizado pela rotação ortogonal varimax5.
A consistência interna foi estimada pelo coeficiente Kuder-Richardson, fórmula 20 (KR-20)10, e pela confiabilidade intraobservador por meio da concordância pelo Kappa simples (K) e Kappa com ponderação quadrática (Kp), sendo estes últimos interpretados sob as recomendações de Shrout25. Os coeficientes KR-20 foram obtidos em três níveis: para a escala geral, para a dimensão do construto (fator) e após a subtração de cada item sequencialmente da escala (KR-20KR-1). A confiabilidade intraobservador foi efetuada em amostra aleatória simples de 55 idosos, nos quais o instrumento foi reaplicado aproximadamente sete dias após a primeira entrevista. Estimaram-se valores do Kappa simples para cada um dos itens e de Kappa ponderado para o escore geral mediante a soma dos pontos nos 12 itens da escala, e para os fatores extraídos na análise fatorial.
O grau de ajuste dos dados à análise fatorial foi analisado pelos testes de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)8 e Esfericidade de Barthlet5, considerando um nível de significância de 0,05.
A coleta de dados ocorreu de fevereiro a maio de 2014, no Centro de Referência da Pessoa Idosa de Belo Horizonte (MG). Além da VASS, utilizou-se questionário constituído de variáveis sociodemográficas; clínicas (autopercepção de saúde, doenças crônico-degenerativas, estado imunitário, polifarmácia e uso de serviços de saúde); funcionalidade (Escala de Lawton e Brody); saúde mental e humor (o Mini-Exame do Estado Mental [MEEM]3 e a Escala de Depressão Geriátrica [GDS] 15 itens1); variáveis de abuso físico, psicológico, sexual e financeiro; uso de bebida alcoólica por membro da família; visita de familiares ou amigos nos últimos 30 dias; dificuldades para gerir seu dinheiro e realização de empréstimo financeiro no último ano. Os critérios de inclusão foram: idosos com 60 anos ou mais, sem insuficiência para fala, audição ou cognição (considerou-se o desempenho do MEEM20). Não houve nenhuma exclusão.
O tamanho da amostra foi definido pelo critério sugerido por Hair5, constando de cinco a 10 indivíduos por item do instrumento, chegando-se ao total de 151 idosos5. Foram utilizados os pacotes estatísticos Statistical Package for the Social Sciences versão 20 e o programa R, versão 3.03. Foi considerado nível de significância de 0,05 para todos os testes.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética [CAAE] 02235212.2.0000.5149). Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
RESULTADOS
A amostra do pré-teste correspondeu a 17 idosos, 65% do sexo masculino, idade média de 70,5 anos e até quatro anos de estudo.
A equivalência de significados geral e referencial entre a versão original e as retrotraduzidas (RT1 e RT2) variou entre 50% a 100% (Tabela 1).
O significado geral das retrotraduções (RT1 e RT2) foi satisfatório com predomínio de questões com sentido inalterado (oito questões – 66,6%) em ambas as versões. O item “1” em RT2 mostrou-se problemático ao obter sentido muito alterado, considerando o uso inapropriado do pronome someone. O segundo e nono itens obtiveram avaliação pouco alterada em ambas as versões. As retrotraduções independentes do item “2” apresentaram a ideia de que o termo “harm” (prejuízo) na cultura inglesa pode aludir ao sentido de “offend” (ofensa). Apesar de sinônimos, percebeu-se nesta adaptação que a palavra “prejuízo” estaria mais próxima a alusão de agravo ou dano, como proposto na versão original do instrumento. Por isso, a palavra “prejuízo” foi literalmente utilizada na versão do pré-teste.
No caso do item “9”, preferiu-se a RT2 pela ideia de sentimento de desconforto por alguém (“by anyone in your family?”) e não “diante de alguém”. Assim, mantendo o mesmo critério utilizado no julgamento do item “2”, a segunda retrotradução apresentou-se mais coerente com o sentido da pergunta.
Nas duas retrotraduções houve equilíbrio nos percentuais de significado, apresentando-se RT2 ligeiramente mais adequada no sentido referencial em relação à RT1. Por consequência, optou-se por mais itens oriundos de RT2 (oito itens) na elaboração da versão síntese (Tabela 1).
Durante o estudo piloto, o questionário foi testado e bem aceito pelos idosos. A aplicabilidade foi fácil, com média de dois minutos para a execução do questionário.
Divergências em relação à clareza e objetividade do instrumento foram discutidas entre os idosos. As sugestões de mudanças foram analisadas pelos pesquisadores, que observaram a pertinência de ajustes visando à clareza e objetividade.
Alterações foram efetuadas nos itens 4, 7, 8, 9 e 11, optando-se por palavras de fácil compreensão, além da abreviação do pronome “Senhor(a)” para “Sr.(a)” ao invés de “Você”. Essa mudança objetivou designar respeitosamente o respondente. Também foram alocados apropriadamente artigos (“a”) e pronomes oblíquos (“o”, “a”) para evitar frases longas ou com repetição de ideias (“senhor” e “senhora”). A versão final da escala está representada na Tabela 2.
A amostra para os testes psicométricos correspondeu a 151 idosos, com idade média de 72,05 anos (DP = 6,96), mínima de 60 anos e máxima de 92 anos. A média de idade das mulheres foi levemente inferior à dos homens (71,6 anos versus 73,7 anos). A amostra foi predominantemente do sexo feminino (76,2%) e apresentou pontuação do MEEM acima de 12 pontos com média de 25,3 (DP = 2,68). Os sujeitos eram ativos e apresentaram médias de pontuações nas atividades instrumentais da vida diária (Lawton e Brody22 de 20,0 (DP = 0,13) e na Escala de Depressão Geriátrica (GDS)1 de 3,75 pontos (DP = 0,26), cujo valor máximo foi 13.
Comparando-se os escores da VASS, categorizados em presença (índice ≥ 3) ou ausência (índice ≤ 3) de vulnerabilidade para abuso, houve diferenças estatisticamente significantes para a autopercepção de saúde (p = 0,002), sintomas depressivos (p = 0,001) e presença de reumatismo (p = 0,003). Não houve diferença estatisticamente significante quanto ao sexo. A Tabela 3 apresenta a análise univariada da amostra.
O teste de Kaiser-Meyer-Olkin indicou adequação mediana da amostra, mas aceitável, com valor igual a 0,64 e adequação satisfatória para a análise fatorial pelo teste de esfericidade de Bartlett, que constatou uma matriz de identidade, com significância estatística (p < 0,001).
Três fatores atenderam ao critério de Kaiser, cuja extração das dimensões se deu pelo autovalor maior ou igual a um. Todavia, baseando-se no pressuposto de que fatores com elevado potencial de explicação para a dimensão subjacente podem contribuir para a explicação do modelo, optou-se pela manutenção da quarta dimensão. Isso porque, além de possuir autovalor muito próximo de um (AV = 0,97), fortaleceu a ideia do construto geral do instrumento, concordando com o modelo proposto pelas autoras da VASS23.
A análise fatorial via componentes principais foi realizada com todos os 12 itens da escala. Inicialmente, constatou-se baixa carga fatorial da variável 12, além da alocação exclusiva de apenas um item em um fator (variável cinco no fator quatro). Para ajustar o modelo, foi realizada nova análise excluindo-se essa variável.
No segundo modelo, evidenciaram-se mudanças na alocação dos fatores e dos itens, que não comprometeram a ideia principal dos construtos, permanecendo a mesma nomeação para os quatro fatores, a saber: vulnerabilidade, desânimo/depressão, coerção e dependência. As cargas fatoriais variaram de 0,57 a 0,92, com comunalidades entre 0,62 e 0,93.
Como no estudo original, o fator 1 preservou o construto “vulnerabilidade”, ficando em primeiro lugar, e carregou, além das variáveis 1, 2 e 3, os itens 8 e 9. As comunalidades desse fator variaram entre 0,62 a 0,88 e corresponderam a 28% da variância explicada.
O construto “desânimo/depressão” mudou sua posição neste estudo. Este era o terceiro fator no estudo original, representado pelas variáveis 7, 8 e 9, e passou a ser o segundo na presente análise, agregando as questões 4 e 5. A terceira dimensão correspondeu ao construto “coerção” (preenchido pelas variáveis 10 e 11) preservou a ideia de estresse diante de potencial violência vivida, como no estudo original. A dimensão “dependência” foi o segundo fator no estudo original e explicou 32% da variância na validação da VASS em 2003. Na atual análise, ocupou a última colocação, com um potencial explicativo maior (35% da variância explicada), apesar de uma variável a menos (itens 5 e 6).
Não houve indeterminação fatorial em nenhum dos itens (Tabela 4).
A consistência interna da escala global da VASS obteve KR-20 igual a 0,69 (p < 0,001) evidenciando boa consistência, especialmente ao se considerar a estrutura breve do instrumento.
Para os quatro construtos, a confiabilidade foi considerada de boa a moderada, com valores de KR-20 na ordem de 0,715, 0,32, 0,51 e 0,35.
Na subescala “vulnerabilidade”, a retirada simultânea de cada item reduz sua consistência interna. Achado semelhante é encontrado ao se analisar o impacto da retirada dos itens dessa dimensão sobre o total da escala, ou seja, a retirada de todos os itens dessa subescala reduz a consistência interna do construto global da VASS.
Como os demais fatores foram compostos de apenas duas variáveis, as correlações item-total foram emitidas a partir da retirada de cada item com a avaliação do impacto no valor de KR-20 do escore global da VASS. Sob esse aspecto, em todos os casos houve diminuição ou manutenção da consistência interna, mostrando que os itens estão correlacionados e contribuem para a explicação da ideia do construto global da VASS.
A confiabilidade intraobservador considerou três instâncias: a estabilidade da resposta para cada item; para a escala global mediante a somatória dos pontos atribuídos em uma escala de zero a 12; e para cada subescala ou dimensão subjacente da VASS. Para cada item analisado de forma individual, os valores do K variaram entre 0,37 e 0,93 (p < 0,001), refletindo boa e adequada concordância. Apenas as questões seis e 10 obtiveram estimativas menores de concordância. O resultado da estatística Kp para o total dos quatros construtos da VASS foi de 0,97 (p < 0,001), constatando que o instrumento global possui confiabilidade substancial. Para cada fator ou subescala, os resultados encontrados variaram de excelente (0,955, 0,890) a moderada confiabilidade (0,736 e 0,561) (Tabela 5).
DISCUSSÃO
A presente adaptação transcultural constatou a equivalência semântica da VASS para a cultura brasileira. A observância de recomendações para tradução e adaptação transcultural da escala2,7,13, com aplicação rigorosa da metodologia, foi fundamental para sanar dificuldades, mostrando-se um método mais apropriado que a simples tradução do instrumento.
Comparando-se os achados de adaptação transcultural da VASS neste estudo com os encontrados por Maia e Maia11, houve semelhanças em relação ao sentido geral e referencial. No primeiro aspecto, este estudo obteve maior êxito em RT2 nove itens contra oito itens inalterados apresentados por aqueles autores. Quanto ao aspecto conotativo, apenas um item foi problemático neste estudo (item 1), o que ocorreu com o item 3 no estudo daqueles autores. O processo de equivalência semântica nesta investigação resultou em um questionário sem ambiguidades e linguisticamente adaptado à cultura brasileira.
Quanto à validade de construto da VASS, a análise dimensional com quatro fatores comprova os achados de Schofield e Mishra23 e Schofield et al.24 Houve ajuste das cargas fatoriais, já que todos os itens apresentaram cargas em dimensões exclusivas variando de 0,57 até 0,92, com satisfatórias comunalidades (0,62 a 0,93). Os resultados foram melhores que os encontrados no estudo original24 e na análise de validação posterior da VASS, que mostraram comunalidades máximas de 0,60 e 0,77, respectivamente, além de carga fatorial máxima de 0,76 e 0,87 para a dimensão “vulnerabilidade”, que possuía maiores cargas fatoriais em ambas as análises23,24.
Nesse aspecto, o desempenho deste estudo parece ter superado os achados de Reichenheim et al. no processo de adaptação do HS- EAST19 para a cultura brasileira.
A movimentação dos fatores em posições distintas também ocorreu no segundo momento da aplicação da VASS na coorte estudada na Austrália, após três anos de seguimento da primeira entrevista. Na ocasião, apesar de os fatores terem ficado em distintas posições os itens originais permaneceram dentro deles24.
Além da movimentação, a composição dos fatores também foi diferente. O fator “vulnerabilidade” agregou o maior número de variáveis (cinco entre os 11 itens), e sua composição manteve as variáveis originais, mas agregou outras duas (itens 8 e 9) que pertenciam ao fator desânimo/depressão. Apesar das mudanças, parece haver pertinência da alocação desses itens na dimensão citada, já que as variáveis agregadas 8 (“O(A) Sr.(a) se sente rejeitado(a) por pessoas que são próximas ou íntimas do(a) Sr.(a)?”) e 9 (“O(A) Sr.(a) se sente incomodado(a) quando está perto de alguém da sua família?”) apresentaram, na quinta fase de equivalência semântica, a impressão de estarem mais associadas a situações de conflito interpessoal do que à depressão. Isso reforça os achados de validação da VASS na Austrália, que mostraram alta validade de face para o fator “vulnerabilidade” como medida de susceptibilidade a maus-tratos, além de forte associação com eventos estressantes ou abusivos, sobretudo nas relações com o parceiro/cônjuge, filhos e outros membros da família23.
Salienta-se que estes itens apresentam formulação idêntica a do instrumento HS EAST e, tanto a validação conduzida por Neale et al.15 quanto a pesquisa de adaptação para o contexto brasileiro, realizada por Reichenheim et al.19, apoiaram ideia semelhante no construto que os representa (“abuso e violação de direitos pessoais”).
Outra possível explicação para a movimentação dos itens refere-se ao tamanho e caracterização da amostra deste estudo, representada por idosos ativos, participantes de atividades de promoção à saúde e com melhores indicadores de saúde, em comparação às amostras dos estudos originais da VASS.
A maior modificação na estrutura dos fatores ocorreu na segunda dimensão, “desânimo/depressão”, que na versão original era composta pelas variáveis 7 (“O(A) Sr.(a) se sente, na maioria das vezes, triste ou solitário(a)?”), 8 (O(A) Sr.(a) se sente rejeitado(a) por pessoas que são próximas ou íntimas do(a) Sr.(a)?”) e 9 (“O(A) Sr.(a) se sente incomodado(a) quando está perto de alguém da sua família?”) e na versão atual manteve o item 7, e agregou a questão quatro (“na sua casa seu espaço e privacidade são respeitados?”).
Com relação à consistência interna do escore geral da VASS (KR-20 = 0,69), o resultado é considerado adequado e bom. Não há análises de confiabilidade considerando a somatória dos itens da escala nos estudos da autora principal21,24.
Comparando-se a fiabilidade entre o índice global da VASS e o instrumento semelhante que o originou (HS EAST), tanto no contexto de origem quanto no contexto brasileiro19, os valores da VASS foram superiores (α = 0,29 e KR-20 = 0,64).
A retirada de cada um dos 12 itens, de forma isolada, diminuiu ou manteve a consistência interna da escala global, indicando que as variáveis contribuem para a explicação do construto geral. Não é possível comparar esses dados com os estudos anteriores da VASS, pois esta análise foi apresentada apenas neste estudo.
O construto vulnerabilidade é o mais substancial (KR-20 = 0,71), ganhando poder de explicação e melhor fiabilidade em relação aos valores encontrados nos estudos de Schofield et al.23 e Schofield e Misrha24, que observaram menores valores de alfa de cronbach (α), respectivamente 0,55 e 0,45.
Apesar do número reduzido de itens, nas demais subescalas (desânimo/depressão, coerção e dependência), os valores de consistência interna se mantiveram muito próximos aos encontrados em estudos anteriores, à exceção do fator dependência, que apresentou neste estudo o menor índice (KR-20 = 0,32) contrapondo-se a achados anteriores (α = 0,52 e 0,74)23,24.
Quanto à reprodutibilidade da VASS, seguramente se afirma que o índice geral apresenta confiabilidade satisfatória (Kp = 0.92) e atinge melhor desempenho que o HS EAST20 (Kp = 0,70).
No Brasil, até o momento, inexiste um método qualificado como padrão-ouro com relação à abordagem da violência doméstica contra idosos. As limitações desta pesquisa incluem a incapacidade de testagem da sensibilidade e especificidade do instrumento de triagem e a não realização da análise fatorial confirmatória, utilizando, por exemplo, o método de equações estruturais, já que esse método de análise requer uma amostra maior que a utilizada neste estudo.
No entanto, a VASS comportou-se de forma aceitável no quesito dimensionalidade, sendo coerente com a proposta original. Destarte, parece não haver contraindicações para o seu uso, ao menos em ambientes de atenção primária à saúde ou de centros de referência para idosos.
Agradecimentos
As autoras agradecem à coordenadora do Mestrado Profissional em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG, Elza Machado Melo, e à coordenadora do Centro de Referência da Pessoa Idosa de Belo Horizonte, Márcia Marília.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2017
Histórico
-
Recebido
21 Nov 2015 -
Aceito
12 Abr 2016