RESUMO
OBJETIVO Avaliar a ouvidoria ativa em saúde como ferramenta de avaliação da qualidade da atenção ao parto e nascimento da Rede Cegonha do Distrito Federal.
MÉTODOS Estudo transversal, do tipo inquérito por via telefônica, em 1.007 puérperas com partos realizados entre 15/10/2013 e 19/11/2013, nas 12 maternidades públicas que compõem a Rede Cegonha no Distrito Federal. O instrumento continha 25 questões de múltipla escolha ou do tipo escala Likert, que incluiu dados sociodemográficos e avaliação da aceitabilidade em cinco domínios: acessibilidade, relacionamento entre o paciente e os profissionais de saúde, condições da estrutura do serviço, informação ao paciente, e equidade e opinião do paciente. Variáveis qualitativas ou categóricas foram estudadas de acordo com a frequência e distribuição de proporções. Utilizou-se o escore transformado para uma escala de zero a 100 para análise das questões do tipo escala Likert. Resultados foram expressos em média e desvio-padrão.
RESULTADOS O acesso às consultas de pré-natal foi avaliado como bom ou ótimo por 86,1% das participantes e os exames laboratoriais como bom ou ótimo por 85,2%. O acesso aos exames de imagem teve 45,7% avaliações boas ou ótimas; 79,5% das entrevistadas realizaram o parto na maternidade onde buscaram atendimento inicial e 18,3% receberam visita domiciliar por agente comunitário de saúde após a alta. A maioria relatou que os recém-nascidos foram colocados em seus colos ou peitos imediatamente após o nascimento, 48,9% tiveram presença de acompanhante no momento do parto, 76,3% foram orientadas em relação à primeira consulta dos recém-nascidos e 94,8% sobre aleitamento materno na maternidade. Quanto à avaliação dos profissionais de saúde, 85,9% das mulheres consideraram o acolhimento e a cordialidade recebidos como bons ou ótimos no pré-natal e 94,8%, como bons ou ótimos na maternidade.
CONCLUSÕES A ouvidoria ativa em saúde contribuiu para a avaliação da qualidade da gestão pública, possibilitando a incorporação da perspectiva das usuárias do serviço de saúde na avaliação da aceitabilidade da Rede Cegonha no Distrito Federal.
Gestantes; Defesa do Paciente; Direitos do Paciente; Serviços de Saúde Materno-Infantil; Qualidade da Assistência à Saúde
ABSTRACT
OBJECTIVE To evaluate the active health Ombudsman service as an instrument to evaluate the quality of delivery and birth care in the Cegonha Network of the Federal District of Brazil.
METHODS This is a cross-sectional study of the telephone survey type carried out with 1,007 mothers with deliveries between October 15, 2013 and November 19, 2013 in the twelve public maternity hospitals that make up the Cegonha Network of the Federal District of Brazil. The instrument has 25 multiple choice or Likert scale questions, including sociodemographic data and acceptability evaluation in five domains: accessibility, relationship between the patient and health professionals, conditions of the structure of the service, information to the patient, and equity and opinion of the patient. We have studied qualitative or categorical variables according to the frequency and distribution of proportions. We have used the score transformed into a scale from zero to 100 for the analysis of the Likert-type scale questions. Results have been expressed as mean and standard deviation.
RESULTS Access to prenatal appointments was evaluated as good or excellent by 86.1% of the participants and laboratory tests was evaluated as good or excellent by 85.2% of them. The access to imaging tests was evaluations as good or excellent by 45.7% of the women; 79.5% of the interviewees had their delivery in the maternity hospital where they sought initial care and 18.3% received a home visit by a community health agent after discharge. Most women reported that newborns were placed skin-to-skin immediately after birth, 48.9% had a companion at the time of the delivery, 76.3% were advised about the first appointment of the newborn, and 94.8% were advised on breastfeeding in the maternity hospital. Regarding the evaluation of health professionals, 85.9% of the women considered reception and cordiality as good or excellent at the prenatal care and 94.8% considered it as good or excellent at the maternity hospital.
CONCLUSIONS The active health Ombudsman service has contributed to evaluate the quality of public management by allowing the incorporation of the perspective of users of the health service in the evaluation of the acceptability of the Cegonha Network in the Federal District of Brazil.
Pregnant Women; Patient Advocacy; Patient Rights; Maternal-Child Health Services; Quality of Health Care
INTRODUÇÃO
Desde a 10a Conferência Nacional de Saúde em 1996, busca-se consolidar o papel institucional da Ouvidoria em Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Após 20 anos, não há um balanço crítico das ações realizadas pelas Ouvidorias em Saúde, nem de seus impactos sobre a gestão1. As expectativas em relação à atuação das Ouvidorias em Saúde são grandes, em especial, quanto ao simbolismo de avançar na democracia participativa ao estabelecer uma via de comunicação direta entre a população e a gestão do SUS2. Porém, a produção acadêmica sobre esse tema é incipiente1.
As Ouvidorias em Saúde têm atuado na promoção de espaços ativos de aproximação com o usuário de forma a colher suas demandas e buscar suas opiniões acerca dos serviços. Isso constitui a ouvidoria ativa em saúde (OAS). Elas deixam de atuar de forma apenas passiva, na qual esperam que os usuários as procurem com suas demandas, e adotam formas de buscar ativamente informações. Uma delas é a aplicação de questionários de pesquisas que procuram conhecer a realidade e a qualidade da atenção à saúde dos usuários do serviço para subsidiar a gestão e o controle social. A OAS, mediante a promoção do exercício da democracia direta e de pesquisas sobre a satisfação do usuário como estratégia de aproximação e empoderamento social, pode constituir um poderoso instrumento de avaliação dos serviços de saúde2,3.
Receber assistência à saúde de qualidade é um direito do usuário de qualquer sistema de saúde. Desse modo, a gestão pública deve atuar para garantir a plena qualidade da atenção no SUS, ainda não viabilizada conforme os preceitos constitucionais3,4. De acordo com Donabedian5, a boa qualidade na assistência à saúde é aquela que proporciona o bem-estar máximo ao paciente após considerar o melhor equilíbrio entre os ganhos e as perdas que acompanham o processo do cuidado em toda a sua extensão, de modo a obter os melhores resultados possíveis com o nível científico atual. É composta por atributos que incluem a eficácia, a efetividade, a eficiência, a otimização, a aceitabilidade, a legitimidade e a equidade5,6.
A aceitabilidade é a capacidade do sistema de saúde em satisfazer os desejos, as vontades e as expectativas dos pacientes e de suas famílias, i.e., como a oferta dos serviços de saúde é percebida pela população. A avaliação da aceitabilidade de um sistema de saúde contém cinco subdimensões: (1) acessibilidade: possibilidade de o paciente obter assistência no momento em que precisa; (2) relacionamento entre o paciente e os profissionais de saúde: capacidade de gerar motivação no paciente para tornar a abordagem da equipe de saúde efetiva (trata-se do indicador mais sensível para refletir o sucesso ou insucesso do desfecho assistencial); (3) condições da estrutura do serviço: capacidade de gerar privacidade, conforto, limpeza e outras condições que revelem respeito ao paciente; (4) informação ao paciente: capacidade de informar o paciente, especialmente em relação aos efeitos, riscos e custos do tratamento, considerando seus valores, suas expectativas e suas opiniões; e (5) equidade e opinião do paciente: capacidade de considerar a opinião do paciente em relação ao que se avalia justo e equânime, o que compreende aspectos subjetivos gerais relacionados ao indivíduo, algumas vezes distinto do que socialmente é previsto6,7. Segundo Bolzan2, a OAS é uma das ferramentas com o maior potencial de capturar as características da aceitabilidade efetivamente.
A percepção em relação às práticas de saúde e a satisfação dos usuários são temas em destaque no cenário da saúde no contexto mundial e nacional. As avaliações representam uma forma de buscar a melhoria da qualidade dos serviços de saúde e criar oportunidades para discutir o cuidado ao paciente8–10.
A Rede Cegonha é um programa instituído em 2011, por meio da Portaria 1.459, do Ministério da Saúde. Visa a instituição de um modelo de atenção ao parto que garanta atendimento qualificado e humanizado a gestantes, puérperas e crianças até dois anos, uma das linhas de cuidado vitais para a legitimação do SUS11. Desse modo, o objetivo do estudo foi avaliar a aplicação da OAS como ferramenta de avaliação da qualidade da atenção ao parto e nascimento da Rede Cegonha no Distrito Federal (DF).
MÉTODOS
Estudo retrospectivo, que analisou os dados do inquérito realizado por via telefônica aplicado pela Ouvidoria em Saúde da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Foram entrevistadas puérperas, com partos realizados entre 15 de outubro de 2013 e 19 de novembro de 2013, nas 12 maternidades públicas que compõem a Rede Cegonha da SES-DF, a saber: Hospital Regional da Asa Norte, Hospital Materno Infantil de Brasília, Hospital Regional de Brazlândia, Hospital Regional de Ceilândia, Hospital Regional do Gama, Hospital Regional do Paranoá, Hospital Regional do Planaltina, Hospital Regional de Samambaia, Hospital Regional de Santa Maria, Hospital Regional de Sobradinho, Hospital Regional de Taguatinga e Casa de Parto de São Sebastião.
Foram realizados 3.750 partos nas maternidades no período. Os critérios de inclusão foram: parturientes que forneceram números de telefones válidos, atenderam a ligação telefônica e aceitaram participar da pesquisa de avaliação. Desse modo, 1.007 parturientes foram incluídas na pesquisa (26,8%) (Figura 1).
As faixas etárias predominantes foram de 25 a 29 anos (26,3%) e 20 a 24 anos (24,2%). Metade das mulheres cursou até o Ensino Médio (50,1%), 29,4% até o Ensino Fundamental II e 13,0% até o Ensino Fundamental I. O local de residência era o DF para 69,7% das entrevistadas e região de entorno do DF pertencente ao estado de Goiás para 4,7% das entrevistadas. A maior quantidade de partos ocorreu nas maternidades do Hospital Regional de Ceilândia (17,6%), do Hospital Materno Infantil de Brasília (16,8%) e Hospital Regional de Santa Maria (14,4%) (Tabela 1).
Características das parturientes que responderam ao questionário. Rede Cegonha do Distrito Federal, outubro a novembro de 2013.
Para recrutamento da amostra, cada parturiente foi convidada individualmente a participar da pesquisa, mediante a visita pessoal de um membro da equipe da Ouvidoria em Saúde da SES-DF durante a internação na maternidade, ocasião em que foi entregue um cartão-convite. Aproximadamente no 15º dia após o parto, foi aplicado o questionário de avaliação da aceitabilidade por entrevista telefônica.
O instrumento de pesquisa foi um questionário elaborado pela Ouvidoria Central da SES-DF e pela Coordenação de Pesquisa e Comunicação Científica da Escola Superior de Ciências da Saúde, Brasília, DF. O instrumento continha 25 questões fechadas de múltipla escolha ou do tipo de escala Likert (péssima, ruim, regular, boa e ótima), que incluiu dados sociodemográficos e avaliação da aceitabilidade em seus cinco domínios: (1) acessibilidade – oito questões; (2) relacionamento entre o paciente e os profissionais de saúde – duas questões; (3) condições da estrutura do serviço – cinco questões; (4) informação ao paciente – três questões; e (5) equidade e opinião do paciente – três questões. Algumas questões do domínio de acessibilidade foram transcritas do Relatório Preliminar de Pesquisa da Ouvidoria Geral do SUS, Ministério da Saúde, Brasil12.
As variáveis qualitativas ou categóricas foram estudadas de acordo com a frequência e distribuição de proporções. Utilizou-se o escore transformado para uma escala de zero a 100, zero relacionado à pior avaliação (péssima) e 100 à melhor avaliação (ótima) para análise das questões do tipo escala Likert. Os resultados foram expressos em média e desvio-padrão10.
O Estudo compõe o projeto de pesquisa Organização, Acesso e Continuidade Assistencial na Rede Materno Infantil, da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, aprovado pelo Comitê de Ética em Saúde da SES-DF em 2015 (Processo CAAE 01918712.6.0000.5553).
RESULTADOS
Entre as 1.007 parturientes incluídas na pesquisa, 74,3% das mulheres fizeram acompanhamento pré-natal exclusivamente no DF e 22,4%, totalmente fora do DF. Não realizaram acompanhamento pré-natal 0,2% das parturientes e 85,4% realizaram seis ou mais consultas de pré-natal (Tabela 2).
Distribuição das respostas das parturientes em relação à avaliação da acessibilidade e condições do serviço. Rede Cegonha do Distrito Federal, outubro a novembro de 2013.
Entre as parturientes com acompanhamento pré-natal exclusivo no DF, o acesso às consultas foi avaliado como bom ou ótimo em 86,1% (escore transformado em escala = 76,6±22,8) e o acesso a exames laboratoriais foi avaliado como bom ou ótimo em 85,2% (escore transformado em escala = 73,9±24,4). O acesso aos exames de imagem teve pior desempenho: 45,7% das parturientes o avaliaram como bom ou ótimo (escore transformado em escala = 44,5±38,0) (Figura 2).
Avaliação do atendimento no pré-natal e maternidade. Rede Cegonha do Distrito Federal, outubro a novembro de 2013.
Os partos ocorreram na mesma maternidade onde buscaram o atendimento inicial para 79,5% das mulheres. O tempo de espera pelo atendimento inicial pelo profissional da equipe de saúde antes da internação no Centro Obstétrico foi imediato em 33,7% das respostas, de até meia hora em 25,1% e de até uma hora em 14,1% . Entre as parturientes que esperaram atendimento por mais de uma hora, o tempo de espera foi acima de cinco horas em 11,0% dos partos (n = 111/1.007) (Tabela 2).
Haviam recebido visita domiciliar após a alta da maternidade 18,3% das puérperas (Tabela 2).
O acolhimento e a cordialidade recebidos durante o pré-natal foram considerados como bom ou ótimo por 85,9% das mulheres (escore transformado em escala = 79,3±22,2) e 94,8% (n = 955/1.007) classificaram a qualidade do atendimento recebido na maternidade como bom ou ótimo (escore transformado em escala = 87,1±15,9) (Figura 2).
A avaliação do silêncio do ambiente foi ótima ou boa em 74,0% das ocasiões (escore transformado em escala = 70,2±24,6). A organização do ambiente foi referida como ótima ou boa por 88,5% das mulheres (escore transformado em escala = 78,1±17,1). A avaliação da limpeza da maternidade foi ótima ou boa em 84,5% das parturientes (escore transformado em escala = 78,9±21,0). A condição dos sanitários foi relatada como ótima ou boa em 70,0% das respostas (escore transformado em escala = 69,3±26,5) (Figura 2).
Os principais itens percebidos como faltantes durante a internação na maternidade foram roupa de cama (27,7%), camisola (24,5%) e álcool em gel (6,4%). No entanto, a maioria (60,4%) não percebeu ausência de itens durante a permanência na maternidade (Tabela 2).
Das mulheres entrevistadas, 76,3% afirmaram ter sido informadas pela equipe de saúde em relação à data e Centro de Saúde no qual deveriam levar o recém-nascido para a primeira consulta e 94,8% receberam orientação e ajuda para a prática do aleitamento materno ainda na maternidade (n = 955/1.007). Porém, 41,0% foram informadas, no pré-natal, em relação à maternidade na qual deveriam realizar o parto (Tabela 3).
Distribuição das respostas das parturientes em relação às avaliações das informações recebidas, da equidade e da consideração de suas opiniões. Rede Cegonha do Distrito Federal, outubro a novembro de 2013.
A maioria das entrevistadas relatou que os recém-nascidos foram colocados em seus colos ou peitos imediatamente após o nascimento (69,0%, n = 695/1.007). Porém, 48,9% tiveram presença de acompanhante de sua escolha no momento do parto (Tabela 3). Das parturientes, 7,5% não foram orientadas quanto ao direito de ter acompanhante. O acompanhamento foi negado em 8,6% dos casos.
Embora 88,1% das entrevistadas tenham relatado que não passaram por situações desrespeitosas, ocorreram situações entendidas pelas parturientes como agressões verbais em 2,6% dos casos e agressões físicas em 0,2%. Além disso, 9,2% relataram que foram mal atendidas ou não foram atendidas/ouvidas em suas necessidades (Tabela 3).
DISCUSSÃO
Neste estudo, algumas das boas práticas obstétricas foram citadas por menos da metade das respondentes, como a informação em relação à maternidade na qual deveria realizar o parto e a presença de acompanhante de livre escolha no momento do parto. Também foi elevada a proporção de respondentes que reportaram falta de insumos e que não foram visitadas por ACS após a alta. Ainda assim, nas avaliações dos níveis de satisfação com o acesso ao pré-natal, aos exames laboratoriais e ao acolhimento e cordialidade no pré-natal e maternidade, as somas das respostas boas e ótimas estão acima de 80%. Esses resultados devem ser avaliados criticamente, especialmente em relação à possibilidade da ocorrência do viés de gratidão ou de cortesia9,10,12. Resultados semelhantes foram encontrados em estudo que avaliou a atenção ao abortamento em maternidades do Nordeste, em que o tratamento respeitoso foi o mais bem avaliado, a despeito da inadequação de aspectos fundamentais do cuidado, como o alívio da dor, as orientações sobre cuidado, a revisão pós-alta e a infraestrutura das unidades13.
As avaliações de satisfação do usuário originaram-se de referenciais teóricos do marketing e da psicologia social14. Entre os modelos teóricos, a teoria da discrepância é a proposta mais utilizada. Nessa teoria, os níveis de satisfação são medidos pela diferença entre expectativa e percepção da experiência. Todavia, estudos recentes mostraram que, em algumas ocasiões, podem ser relatados níveis altos de satisfação de usuários, que estão dissociados da qualidade real dos serviços de saúde utilizados10,12. As explicações para esse paradoxo podem ser atribuídas à ausência de informação, à expectativa baixa em relação ao serviço e a possíveis vieses, como o da cortesia ou gratidão, que dificultam uma visão crítica sobre o atendimento9,12.
A OAS funcionou como um dispositivo inovador na avaliação da aceitabilidade da Rede Cegonha do DF. Foi possível obter informações das cinco subdimensões da aceitabilidade conforme definidas por Donabedian5–7. Isso é um aspecto fundamental, sobretudo na avaliação de um programa no qual os pontos chaves são o acesso às práticas de saúde baseadas nas melhores evidências científicas e o reconhecimento da gestante e de seus familiares como atores centrais, e não simples espectadores na linha de cuidado materno-infantil15,16.
Em relação à atenção primária à saúde, houve boa assistência pré-natal na Rede Cegonha do DF. Somente duas parturientes não realizaram consulta pré-natal. Esse resultado está acima do relatado para a região Centro-Oeste em estudo que avaliou a assistência pré-natal oferecida às gestantes de serviços de saúde públicos ou privados no Brasil de 2011 a 201217. A porcentagem de gestantes que realizou pelo menos seis consultas, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde11, esteve acima do observado em estudos prévios18–24.
Um aspecto importante a ser analisado é o vínculo entre as parturientes e a maternidade de referência. Embora tenha ocorrido baixo índice de peregrinação das grávidas em busca de maternidade, pois a grande maioria realizou parto na primeira maternidade procurada e recebeu atendimento em até uma hora, menos da metade recebeu informação no pré-natal sobre a maternidade que deveria procurar no momento do parto. Ademais, um terço dos partos realizados nas maternidades do DF foi de mulheres com residência em outras unidades da federação. Portanto, não houve boa vinculação entre a parturiente e a sua maternidade de referência. Isso mostra que a referência maternidade-unidade básica de saúde-agente comunitário de saúde (MAT-UBS-ACS), que é o ponto chave na garantia da integralidade da assistência materno-neonatal, permanece pouco efetiva. Isso evidencia o papel ainda insuficiente do pré-natal na preparação das gestantes para o parto, como observado em outros estudos no Brasil25–28.
Outro fator chama atenção para essa baixa efetividade da referência MAT-UBS-ACS. A maioria das mulheres recebeu informações acerca da amamentação e do centro de saúde no qual deveriam ocorrer as primeiras consultas após a alta da maternidade. Entretanto, poucas relataram visita domiciliar de agente comunitário de saúde até o momento da entrevista, que ocorreu aproximadamente no 15º dia após o parto.
A estrutura dos serviços de saúde e o atendimento dos profissionais de saúde (cordialidade e acolhimento) foram bem avaliados. Resultados semelhantes foram encontrados em estudos com puérperas em maternidades chilenas e brasileiras, salientando a relevância da relação entre profissionais e pacientes na satisfação das parturientes/puérperas29,30.
Aproximadamente 40% das mulheres relataram falta de materiais durante a internação, principalmente itens de uso pessoal, como roupa de cama e camisola. Ademais, é necessário melhorar aspectos relacionados à humanização na sala de parto, como o direito a acompanhante e a atitude de colocar o recém-nascido no peito ou colo da mãe imediatamente após o nascimento. Essas práticas são reconhecidamente benéficas para a assistência ao parto com diversos efeitos favoráveis. Permanecem relatos de situações desrespeitosas ou agressões, o que não deve ocorrer em nenhuma circunstância. Esses fatores mostram a necessidade de mudanças de cultura institucional, como a instituição da presença de acompanhante para todas as mulheres18–30.
O acesso às consultas e a exames laboratoriais no período pré-natal foi avaliado como ótimo ou bom pela maioria das mulheres. O acesso a exames de ultrassom teve o pior desempenho, e menos da metade das parturientes o avaliaram como ótimo ou bom. Isso aposta para a necessidade de os gestores atuarem na qualificação desse serviço. O ultrassom gestacional carrega um elevado valor simbólico de natureza social, tido pelas gestantes como um exame indispensável e a principal tecnologia no acompanhamento da gestação. Esse grande anseio das gestantes pelo ultrassom pode ter influenciado na avaliação baixa de seu acesso31,32.
É importante ainda considerar o impacto das ações da Ouvidoria em Saúde no processo de Gestão. No estudo atual, foram destacados elementos indispensáveis para aprimorar o “como fazer”. Classicamente, mede-se o tempo de resposta entre a queixa/problema recebida passivamente pela Ouvidoria de Saúde e o encaminhamento ou a solução. O processo de trabalho definido é: (1) recebimento, (2) análise, (3) encaminhamento, (4) acompanhamento, (5) resposta e (6) fichamento33. Da mesma forma, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforça a visão da ouvidoria como defesa do consumidor, mediadora de conflitos e, fundamental para aprimorar a democracia participativa. Também a utiliza como indicador de efetividade – o número de demandas recebidas versus o número de demandas atendidas, com foco em vigilância sanitária. A marca de excelência foi definida em contrato de gestão entre a Anvisa e o Ministério da Saúde, quando se estabeleceu o prazo de 15 dias úteis para responder 80% das mensagens recebidas34. Nos dois referenciais, o objetivo estratégico é o aprimoramento da qualidade do SUS. Porém, a proposta de ouvidoria estabelecida pela SES-DF, denominada Ouvidoria Ativa, possui o objetivo de atuar por meio da coleta ativa de informações para subsidiar efetivamente os gestores e usuários do SUS para tomadas de decisões mais rápidas e eficientes. Assim, há o fortalecimento da participação social e da própria ouvidoria como espaço de escuta coletiva para controle social e monitoramento das ações e serviços de saúde oferecidos pelo SUS. Portanto, não se trata de encaminhar uma queixa ou problema, mas de verificar o alinhamento estratégico do serviço ofertado com os níveis de gestão do SUS-DF.
Uma limitação do estudo é sua característica descritiva. Por tratar-se de amostra de conveniência que incluiu apenas as parturientes que consentiram em realizar a entrevista telefônica, pode ter ocorrido viés de seleção. Ademais, não foi realizada análise para identificar se haveria relação entre a pior avaliação nos indicadores e as características das mulheres, como escolaridade e local de residência. Todavia, diante da importância do tema, cabem algumas reflexões acerca da possibilidade de sucesso do objetivo fundamental das Ouvidorias em Saúde, que é dar voz aos usuários no processo de gestão. Os resultados desta pesquisa podem subsidiar ações para o aprimoramento da qualidade dos serviços na medida em que apontam os principais aspectos da Rede Cegonha que não estão adequados na região. Os resultados também podem servir de linha de base para avaliações subsequentes da linha de cuidado à gestação, ao parto e ao nascimento e para o aperfeiçoamento do dispositivo OAS, como estratégia de inclusão do cidadão no processo de qualificação do SUS.
Este trabalho corrobora o papel da OAS como um dispositivo inovador para avaliação da qualidade da atenção à saúde. Propicia a incorporação da perspectiva da mulher usuária na avaliação da aceitabilidade da Rede Cegonha do DF, o que pode contribuir nos processos decisórios para a melhoria dos serviços de saúde.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Jul 2018 -
Data do Fascículo
2018
Histórico
-
Recebido
9 Jun 2017 -
Aceito
3 Nov 2017