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Estudo da adequação da "Escala de Maturidade Mental Columbia" na avaliação de pré-escolares de baixo nível sócio-econômico

A study of the adequacy of the "Columbia Mental Maturity Scale" (CMMS) to the assessment of preschool children of low socio-economic level

Resumos

A Escala da Maturidade Mental Colúmbia (EMMC) foi aplicada a 93 crianças pré-escolares de 4 a 6 anos, da cidade de Leme, SP (Brasil). Estas crianças eram originárias de famílias de baixo nível sócio-econômico e não freqüentavam nenhum tipo de creche ou pré-escola. Os dados obtidos mostraram que a EMMC apresentou diversas limitações, entre elas, uma diminuição sistemática nos valores do QI de razão, em função do aumento da idade da criança. A ocorrência generalizada de seqüências de respostas com perseveração de posição sugeriu que a situação de teste pode induzir uma queda na motivação e atenção da criança. Dessa forma, os baixos resultados obtidos com a EMMC podem não refletir necessariamente "deficiências cognitivas", mas um baixo interesse da criança em relação às tarefas exigidas pelo teste.

Pré-escolares; Criança; CEAPE


The Columbia Mental Maturity Scale (CMMS) was applied to 93 preschool children from 4 to 6 years old from Leme, a town in the State of S. Paulo, Brazil. All the children belonged to families of low social and economic level and were not are receiving assistance from any kind of program. The data indicated that the CMMS has many limitations such as the reduction of the IQ values with increase in age. The low results obtained with the CMMS do not necessarily indicate a cognitive deficiency but a decrease of the children's motivation or attention during the test.

Preschool, child; Child development; CEAPE


Estudo da adequação da "Escala de Maturidade Mental Columbia" na avaliação de pré-escolares de baixo nível sócio-econômico

A study of the adequacy of the "Columbia Mental Maturity Scale" (CMMS) to the assessment of preschool children of low socio-economic level

José Fernandes; Aurora Coelho Pullin

Do Programa CEAPE – Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – 01255 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

A Escala da Maturidade Mental Colúmbia (EMMC) foi aplicada a 93 crianças pré-escolares de 4 a 6 anos, da cidade de Leme, SP (Brasil). Estas crianças eram originárias de famílias de baixo nível sócio-econômico e não freqüentavam nenhum tipo de creche ou pré-escola. Os dados obtidos mostraram que a EMMC apresentou diversas limitações, entre elas, uma diminuição sistemática nos valores do QI de razão, em função do aumento da idade da criança. A ocorrência generalizada de seqüências de respostas com perseveração de posição sugeriu que a situação de teste pode induzir uma queda na motivação e atenção da criança. Dessa forma, os baixos resultados obtidos com a EMMC podem não refletir necessariamente "deficiências cognitivas", mas um baixo interesse da criança em relação às tarefas exigidas pelo teste.

Unitermos: Pré-escolares, avaliação. Criança, desenvolvimento. CEAPE.

ABSTRACT

The Columbia Mental Maturity Scale (CMMS) was applied to 93 preschool children from 4 to 6 years old from Leme, a town in the State of S. Paulo, Brazil. All the children belonged to families of low social and economic level and were not are receiving assistance from any kind of program. The data indicated that the CMMS has many limitations such as the reduction of the IQ values with increase in age. The low results obtained with the CMMS do not necessarily indicate a cognitive deficiency but a decrease of the children's motivation or attention during the test.

Uniterms: Preschool, child, evaluation. Child development. CEAPE.

INTRODUÇÃO

No contexto do programa CEAPE3,4, aspectos centrais referem-se à avaliação da extensão e da intensidade dos seus efeitos e da própria busca de instrumentos para esta tarefa. No caso da avaliação dos efeitos psicopedagógicos do programa, esta busca de instrumentos torna-se problemática em função da ausência de testes adequados. A grande maioria dos testes psicológicos disponíveis no Brasil consiste de apenas uma tradução levemente modificada dos originais (geralmente norte-americanos ou europeus) sem que haja uma adaptação efetiva e padronização de resultados para nosso meio ** Um bom retrato da situação é fornecido pela resenha de Kolck 9 (1977), em que são apresentadas as características de cerca de 70 testes psicológicos, entre escalas de desenvolvimento, testes de capacidade mental e de aptidões específicas . Deste total, cerca de 25 testes são encontrados entre nós com relativa freqüência e apenas cerca de 10 possuem normas brasileiras. .

Se estes problemas são sérios quando se pensa em termos da avaliação psicológica de indivíduos de classe média (para quem os testes disponíveis foram originalmente construídos), eles se tornam mais graves quando um determinado teste é aplicado em pessoas que são provenientes das camadas mais pobres da população. Os resultados destes indivíduos situam-se, via de regra, nas porções inferiores das normas do teste. Constatações deste tipo levaram ao questionamento da própria validade dos testes, quando aplicados em populações diferentes daquelas para as quais eles foram originalmente planejados e, inclusive, dos próprios fundamentos teóricos subjacentes a estes instrumentos.

Está claro, então, que não se conta atualmente com técnicas de exame – ou mesmo teorias psicológicas – adequadas para parcelas expressivas de nossa população. Obviamente, esta situação também se reflete no estudo da criança pré-escolar, originária de famílias de baixo nível sócio-econômico. Em alguns casos, como uma solução "ad hoc", o pesquisador pode construir seus próprios testes, com base, por exemplo, na sua visão particular acerca do desenvolvimento da criança. Entretanto, a estratégia habitual é recorrer, mesmo com ressalvas, aos poucos testes disponíveis, de acesso fácil e que se relacionem, de um modo geral, aos objetivos da pesquisa.

Neste contexto, a "Escala de Maturidade Mental Columbia" – EMMC – (Burgemeister e col.1 1977) ou variações de seu procedimento têm sido bastante utilizadas. Este material apresenta-se, em princípio, como um bom instrumento para estudos sobre "formação de conceitos", que é um dos aspectos importantes do desenvolvimento cognitivo ocorrido nos anos pré-escolares. A EMMC consta de um conjunto de 100 pranchas, com 3, 4 ou 5 desenhos em que apenas um deles não obedece à relação existente entre os demais. Este desenho diferencia-se dos outros pela sua cor, forma, tamanho ou por outros aspectos que envolvem relações mais complexas. A apresentação das pranchas ocorre em ordem crescente de dificuldade (dos conceitos mais simples aos mais complexos) e a tarefa da criança é apontar o desenho "diferente". Depois que a criança apontou um desenho, apresenta-se a prancha seguinte, suspendendo-se a prova quando a criança atinge um certo número de respostas erradas.

A duração curta de aplicação da EMMC não torna o seu uso proibitivo para a testagem de números grandes de crianças, ao contrário do que acontece com as revisões Stanford - Binet ou com a Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC), cujas aplicações podem demorar algumas horas por criança.

A EMMC foi inicialmente planejada para a avaliação do nível mental de crianças de 3 a 12 anos de idade mental, com paralisia cerebral ou com outras deficiências relacionadas com funções verbais ou motoras. Disso decorre a tarefa pedida à criança ("... apontar para ..."), que seria apenas uma forma de contornar dificuldades de expressão verbal. Os autores da EMMC recomendam-na inclusive para crianças "normais". O procedimento da EMMC, à primeira vista, também parece ser útil para a avaliação cognitiva de pré-escolares de baixo nível sócio-econômico, na medida em que ele não enfatizaria tarefas verbais, que muitas vezes exigem "códigos de expressão" diferentes dos apresentados por estas crianças. Mesmo assim, parece que os resultados na EMMC estão associados, em algum nível, com fatores verbais (Mill e Turner12, 1955).

Os pontos brutos (número de respostas corretas até o critério de suspensão da prova) são convertidos por meio de tabela que consta no Manual da EMMC, em meses de Idade Mental (IM) e então calcula-se o Quociente de Inteligência (QI de razão) através da fórmula:

Foram levantadas várias críticas quanto ao uso da EMMC como medida de inteligência. Estas críticas são baseadas em estudos que mostraram que:

a) este instrumento tem um baixo coeficiente de precisão de teste-reteste (medida de estabilidade temporal dos resultados) para o QI (Witsaman e Jones18, 1959; Pascale13, 1973);

b) o seu QI é mais baixo e correlaciona-se pouco com o QI obtido através da clássica prova de inteligência Stanford-Binet (L) (Levinson e Block10, 1960);

c) embora a tarefa exigida seja não-verbal, a EMMC pode estar medindo raciocínio e significados verbais, indiretamente (Mill e Turner 12, 1955);

d) A EMMC pode superestimar seriamente a predominância de retardo mental em pré-escolares de áreas pobres (Rosenberg e Stroud16 , 1966).

Estes e outros resultados semelhantes levaram à conclusão de que a EMMC "mede o grau de maturação do nível de abstração para a solução de problemas (pensamento conceitual), mas não pode ser considerada uma prova de nível mental como o Stanford-Binet ou o WISC" (Kolck 9, 1977).

De acordo com esta outra perspectiva, Reuter e Mintz15 (1970) e outros autores também sugeriram que a EMMC deve ser vista mais com um teste da capacidade de formar e utilizar conceitos do que como um teste de inteligência, no estilo das clássicas revisões, Stanford-Binet, por exemplo.

Dague e Garelli2 (1969) encontraram uma relação positiva entre as idades estudadas (5 – 11 anos) e o acerto em cada um dos 100 itens. Segundo estes autores, a análise dos resultados sugeriu que as dificuldades com os itens são devidas a dificuldades de percepção, desenvolvimento verbal – conceitual insuficiente e imaturidade de raciocínio.

Seja com a noção de que a EMMC é uma medida de inteligência (como querem os seus autores) ou com a noção de que este teste fornece basicamente uma medida da capacidade de formar e utilizar conceitos, o fato é que a EMMC (ou adaptações de seu material e procedimento) tem sido razoavelmente utilizada entre nós, em diferentes áreas. A EMMC é utilizada em alguns casos de diagnóstico psicológico clínico (especialmente com avaliações de QI); ou com objetivos educacionais (adaptada para uso nas escolas municipais da cidade de São Paulo) ou como parte dos instrumentos de pesquisa com pré-escolares (Poppovic e col.14, 1975).

Esta ampla aceitação da EMMC parece refletir um consenso básico entre seus usuários; ou seja, o de que este teste fornece um boa avaliação de capacidades essencialmente cognitivas, que podem ser interpretadas como componentes de processos de inteligência mais gerais ou mais específicos.

Com base nestes pontos e dentro dos trabalhos de avaliação psicopedagógica do programa CEAPE, considerou-se de grande interesse a obtenção de dados iniciais e exploratórios acerca da EMMC, quando aplicada a pré-escolares de 4 a 6 anos, de baixo nível sócio-econômico.

Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é efetuar uma análise inicial da própria EMMC, ou seja, levantar e estudar algumas características dos resultados obtidos através deste teste e, assim, tentar estabelecer sua adequação como instrumento de avaliação cognitiva para a população de pré-escolares dos Centros de Educação e Alimentação do Pré-Escolar – CEAPE.

MATERIAL E MÉTODOS

a) Descrição da Amostra

A amostra utilizada foi formada por 93 crianças, "não-ceapenses", de 4 a 6 anos, residentes na cidade de Leme (SP). Segundo o relato das mães ou responsáveis, estes pré-escolares não freqüentavam nenhum tipo de creche ou pré-escola, na ocasião da pesquisa. As famílias destas crianças foram sorteadas com base em um cadastratamento realizado junto às famílias de baixo nível sócio-econômico de certas áreas da cidade de Leme, durante os trabalhos com o CEAPE.

A Tabela 1 apresenta o número de crianças em cada grupo, assim como as médias, desvios-padrões e medianas das idades, em meses. O número de meninos e meninas está razoavelmente equilibrado, dentro de cada grupo.

As Tabelas 2 a 6, a seguir, referem-se a dados que foram coletados em entrevista com a mãe ou responsável pela criança. Embora estes dados devam ser interpretados com cautela, eles servem como uma caracterização, ainda que grosseira, da amostra estudada.

A Tabela 2 indica que a maior parte dos pais e mães das crianças testadas é analfabeta ou não terminou o curso primário. O valor médio do número de anos de escolaridade das mães e pais foi aproximadamente 1 ano e meio.

A grande maioria das famílias concentrou-se na faixa de 1 a 3 salários mínimos, em termos de renda mensal bruta (Tabela 3).

Além disso, pode-se notar que a grande maioria destas famílias caracterizou-se por ter mais de 2 filhos, sendo que o tamanho familiar médio é de cerca de 6 pessoas (Tabela 4).

A renda familiar bruta per capita variou entre zero e 1 salário-mínimo, havendo uma grande concentração de casos na faixa entre zero e meio salário-mínimo (Tabela 5).

A totalidade das profissões dos chefes das famílias analisadas foi classificada nos níveis mais baixos da Escala de Prestígio Ocupacional de Hutchinson (modificada por Gouveia5, 1970), havendo predominância de ocupações manuais não-especializadas (especialmente trabalhadores rurais e operários não-especializados) segundo critério de Macedo11 (1973) (Tabela 6).

Para resumir os dados levantados, pode-se dizer que as crianças testadas foram provenientes de famílias de baixo nível sócio-econômico, caracterizado por baixa renda, baixa escolaridade dos pais e pelo baixo nível de prestígio ocupacional do chefe da família.

b) Procedimento

A EMMC foi aplicada conforme as instruções contidas em seu Manual, por uma equipe formada por psicólogos ou por estudantes dos últimos anos do Curso de Graduação do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Todos os elementos da equipe foram previamente treinados quanto à aplicação e avaliação do material sendo também supervisionados nos trabalhos de campo. As crianças foram testadas nas instalações dos CEAPEs da cidade de Leme.

RESULTADOS

Os resultados obtidos serão inicialmente analisados em função de:

a) número total de respostas dadas até o critério de suspensão da prova;

b) pontos brutos (número de respostas corretas), sem a introdução da correção estatística de acertos por acaso;

c) conversão dos pontos brutos em meses de Idade Mental (IM) (esta conversão é dada diretamente pelo Manual da EMMC; pontos brutos diferentes podem ser associados ao mesmo valor de IM) ;

d) conversão da IM em QI de razão (Quociente de Inteligência), pela fórmula:

Pode-se observar pela Tabela 7 que as três primeiras medidas apresentaram um certo aumento com a idade, ao passo que o QI mediano caiu acentuadamente. Todas estas medidas foram inicialmente analisadas através da prova não-paramétrica de Kruskal-Wallis (Siegel17, 1975). Estas análises foram feitas separadamente para cada medida. Os resultados mostraram que existiram diferenças significativas entre pelo menos duas das idades estudadas com relação ao número total de respostas dadas (H – X2o= 22,43; 2 g.1.; p<.001); ao número de pontos brutos (H – X 2o = = 20,60; 2 g.1.; p<.001); meses de Idade Mental (H – X 2o= 12,84; 2 g.1.; p<.002) e QI (H – X2o = 35,85; 2 g.1.; p<.001).

Através da prova não-paramétrica de Mann-Whitney (Siegel17, 1975) não foram localizadas diferenças significativas entre 4 e 5 anos, para as três primeiras medidas. A única diferença significativa entre estas duas idades referiu-se à queda de QI (Z = 4,79; p<.001), que ocorre dos 4 aos 5 anos. Dessa forma, estes dados indicam que a EMMC falhou em discriminar entre as crianças testadas de 4 e 5 anos. A diferença observada com relação ao QI de razão é decorrente de um simples artifício de cálculo: uma vez que IM não sofreu alterações significativas e foi dividido pelo valor aa Idade Cronológica (sempre crescente), o QI inevitavelmente tendeu a diminuir.

Por outro lado, a EMMC discriminou entre 5 e 6 anos. Comparando-se estes dois grupos de idade através da prova de Mann-Whitney, foram localizadas diferenças significativas entre eles no que se refere ao número total de respostas dadas (Z = 3,55; p<.001); ao número de pontos brutos (Z = 3,30; p<.001) e a Idade Mental (Z = 2,80; p<.003). Novamente, a queda do valor de QI entre 5 e 6 anos é significativa (Z = - 2,76, p<.003).

A Tabela 8 apresenta os valores da correlação de Spearman (Siegel17, 1975) entre o valor da idade cronológica em meses (todas as crianças agrupadas) e as quatro medidas analisadas.

Pode-se observar que todos os valores são significativos (p<.001), embora, como já foi assinalado, as três primeiras medidas não discriminem entre as idades de 4 e 5 anos. Novamente, a tabela mostra a existência de correlação negativa significativa entre a idade cronológica e o valor do QI.

Analisando outros aspectos foi observado que durante a aplicação da prova verificou-se, em praticamente todas as crianças, a existência de um processo de perseveração de posição, isto é, as crianças apresentaram uma tendência sistemática a apontar a mesma posição, durante várias pranchas consecutivas (por exemplo: o desenho à extrema direita), independentemente da resposta correta àquela prancha.

Em função disso, também foram analisados:

a) o número de seqüências de i respostas consecutivas, numa mesma posição (= ni, sendo i = tamanho da seqüência de respostas consecutivas numa mesma posição e i £ 4. Por exemplo, n5 indica o número de seqüências de 5 respostas consecutivas, dadas numa mesma posição) **** Supondo-se que a criança responda completamente ao acaso, sorteando equiprobabilisticamente a posição que vai apontar, existe uma probabilidade de (1/3) 4 = 1/81 de a criança apontar a mesma posição, durante 4 pranchas seguidas, de três desenhos cada uma. Nas pranchas com mais de três desenhos, esta probabilidade é ainda menor. Dessa forma, seqüências de 4 ou mais respostas com perseveração de posição indicam tendências mais sistemáticas de respostas, que não são as esperadas pelo acaso.;

b) o índice Persev . = ni xi que indica o número total de respostas que ocorreram em todas as seqüências de perseveração somadas, para cada criança;

c) o índice Percentagem de Respostas com Perseveração (PRP).

Este índice mostra a percentagem das respostas dadas em seqüências de perseveração, em relação ao total de respostas dadas pela criança.

Pode-se notar pela Tabela 9 que aos 4 anos existe uma alta probabilidade de que a criança apresente pelo menos uma seqüência de 4 respostas com perseveração.

Esta probabilidade tendeu a diminuir para as idades seguintes.

A Tabela mostra que seqüências maiores tornaram-se gradativamente menos freqüentes, em cada grupo de idade, embora houvesse longas seqüências de perseveração (a maior delas alcançou 27 respostas, antes que fosse atingido o critério de suspensão da prova).

A Tabela 10 apresenta os valores medianos do número de seqüências de 4 ou mais respostas com perseveração; dos índices Persev. e PRP, para os três grupos de idade. Esta Tabela indica que houve uma tendência à diminuição nas medianas do número de seqüências e do número de respostas com perseveração, com o aumento da idade. As diferenças entre idades, entretanto, não foram significativas pela prova de Kruskal-Wallis.

Por outro lado, através desta mesma prova, detectou-se uma diminuição significativa na percentagem de respostas com perseveração em relação ao número total de respostas (índice PRP), com o aumento da idade. As crianças de 4 anos deram aproximadamente 30% de suas respostas em seqüências de perseveração, ao passo que esta percentagem foi de cerca de 14% para as crianças de 6 anos.

Conforme mostra a Tabela 11, a idade da criança correlacionou-se negativa e significativamente (p<.01) apenas com o índice PRP. Novamente, isto indica que, com o aumento da idade, houve uma tendência à diminuição nas percentagens de respostas ocorridas em seqüências de perseveração, em relação ao número total de respostas.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Os resultados obtidos mostraram que a EMMC apresentou várias limitações como instrumento de avaliação cognitiva de pré-escolares de baixo nível sócio-econômico. Considerando-se apenas os pontos brutos (número de respostas corretas), a EMMC falhou em fornecer discriminações significativas entre as idades de 4 e 5 anos. Quando estes pontos brutos foram convertidos em meses de Idade Mental, a discriminação entre as idades piorou ainda mais. Dessa forma, chegou-se ao ponto de haver QIS cada vez menores, com o aumento da idade, sendo que apenas 9 crianças, num total de 93, puderam ser classificadas dentro da faixa habitual de "normalidade" para o QI (90 – 110). Estes resultados parecem ser atribuíveis principalmente a falhas do próprio teste, embora não se possa excluir a possibilidade de existência de limitações reais no desenvolvimento cognitivo destas crianças.

A falta de discriminação entre 4 e 5 anos é um ponto negativo para um instrumento que pretende fornecer discriminações não numa escala de anos, mas de meses e com base nisso, propiciar avaliações de "nível de inteligência". Assim, os dados obtidos são análogos ao já obtidos por outros autores (por exemplo: Rosenberg e Straud 16, 1966) que indicaram que a EMMC superestimou grosseiramente o nível de retardo mental em pré-escolares de zonas pobres. Por outro lado, mesmo considerando a EMMC como um instrumento de avaliação de processos de formação e uso de conceitos, existem outras tantas limitações. O seu material e modo de aplicação parecem induzir a ocorrência de respostas com perseveração de posição, especialmente em pré-escolares de menos idade. Este mecanismo de perseveração parece refletir aspectos ligados mais a variáveis de atenção e motivação do que propriamente "deficiências cognitivas". Kagan 7 (1966) assinalou que os processos existentes num contínuo da dimensão "reflexão – impulsividade de resposta" também podem ser responsáveis por alterações na qualidade das respostas a uma situação-problema.

Klein e col.8 (1973) ao analisarem o desempenho de crianças desnutridas e de crianças adequadamente nutridas em uma tarefa de memória breve, chegaram à conclusão de que o desempenho mais baixo das crianças desnutridas foi bastante influenciado por variáveis de motivação e atenção. Dessa forma, o seu desempenho mais baixo não refletia necessariamente um déficit de memória breve.

É bastante provável que processos semelhantes ocorram com a EMMC, embora, como foi assinalado, não se possa descartar a hipótese de que realmente existam limitações no desenvolvimento cognitivo das crianças testadas. À primeira vista, a apresentação contínua das pranchas parece levar a uma queda do interesse da criança pela tarefa. A criança pode passar a responder viesadamente, não por um "sorteio" equiprobabilístico da alternativa, mas com perseveração de posição, devido a uma queda de motivação (Zazzo e Stambak19, 1968). Isto é mais evidente para os pré-escolares mais jovens, que apresentaram uma percentagem maior de suas respostas com perseveração. Estes dados levantam um problema prático, que é o de como avaliar respostas corretas que ocorrem em seqüências de perseveração. Talvez a introdução das fórmulas de correção estatística de acertos por acaso (Guilford6, 1956) possa contornar o problema. Por outro lado, restaria a dúvida de se "realmente" a criança desconhece a resposta correta, quando ocorre uma resposta errada neste tipo de seqüência.

Assim, o baixo desempenho na EMMC parece não refletir exclusivamente "deficiências cognitivas", como tem sido geralmente enfatizado (Dague e Garelli2, 1969), mas também fatores bastante ligados à atenção e motivação para a tarefa. Torna-se claro, então, que interpretações simplistas e mecânicas dos resultados obtidos através da EMMC, em termos principalmente de IM e QI, não são adequadas para crianças de baixo nível sócio-econômico. Uma análise qualitativa dos tipos de respostas dadas talvez seja mais informativa do que a mera contagem de acertos. Os dados obtidos também sugerem que testes que envolvem longas situações de escolha contínua entre alternativas podem induzir uma queda de motivação e atenção, em crianças de baixo nível sócio-econômico, pelo menos. Os resultados obtidos através deste tipo de procedimento podem, assim, ser de difícil interpretação.

Recebido para publicação em 10/07/1981

Aprovado para publicação em 17/11/1981

Convênio 10/77 – INAN/DN/FSP/USP

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    Um bom retrato da situação é fornecido pela resenha de Kolck
    9 (1977), em que são apresentadas as características de cerca de 70 testes psicológicos, entre escalas de desenvolvimento, testes de capacidade mental e de aptidões específicas . Deste total, cerca de 25 testes são encontrados entre nós com relativa freqüência e apenas cerca de 10 possuem normas brasileiras.
  • **
    Supondo-se que a criança responda completamente ao acaso, sorteando equiprobabilisticamente a posição que vai apontar, existe uma probabilidade de (1/3) 4 = 1/81 de a criança apontar a mesma posição, durante 4 pranchas seguidas, de três desenhos cada uma. Nas pranchas com mais de três desenhos, esta probabilidade é ainda menor. Dessa forma, seqüências de 4 ou mais respostas com perseveração de posição indicam tendências mais sistemáticas de respostas, que não são as esperadas pelo acaso.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1981

    Histórico

    • Recebido
      10 Jul 1981
    • Aceito
      17 Nov 1981
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