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CELEBRANDO O CENTENÁRIO DE RAYMOND WILLIAMS: UMA INVESTIGAÇÃO DAS LÓGICAS DA LEMBRANÇA

CELEBRATING THE CENTENARY OF RAYMOND WILLIAMS: AN INVESTIGATION INTO THE LOGICS OF REMEMBRANCE

Resumo

Na ocasião da efeméride do centenário de nascimento do crítico galês Raymond Williams, não foram poucas as comemorações de seu legado intelectual. Aqui proponho traçar um itinerário da lembrança, isto é, além de pontuar aspectos da trajetória de Williams, reúno as características de sua obra resgatadas ao longo das celebrações, localizo-as geograficamente e faço algumas considerações sobre seus arranjos. Partindo dos pressupostos das concepções de campo e da ilusão biográfica, elaboradas por Pierre Bourdieu, chamo atenção para as qualidades específicas do “relato de si” do escritor/intelectual e o impacto dessas no exame das trajetórias e ideias realizados por seus estudiosos. Com base nesse arcabouço, junto-me às solenidades da ocasião e seleciono as facetas de Raymond Williams que eu gostaria de lembrar. Por fim, argumento que o reconhecimento dessas camadas de sentido em nada diminui a capacidade de produção de conhecimento e que essas são, na verdade, complexificações constituintes da socioanálise.

Palavras-chave:
Raymond Williams; História intelectual; Marxismo; Circulação de ideias; Materialismo cultural

Abstract

On the ephemeral birth centenary of the Welsh critic Raymond Williams, there were many celebrations of his intellectual legacy. Here I propose to trace an itinerary of remembrance, that is, besides punctuating aspects of Williams’ trajectory, I compile the characteristics of his work evoked throughout the commemorations, locate them geographically, and make some considerations about their arrangements. Working with the conceptions of field and biographical illusion, elaborated by Pierre Bourdieu, I draw attention to the specific qualities of the writer/intellectual’s “narrative of self” and their impact on the examination of trajectories and ideas undertaken by their scholars. Based on that, I join the solemnities and select the facets of Raymond Williams that I would like to remember. Finally, I argue that the recognition of these layers of meaning in no way diminishes the capacity of producing knowledge and that these are, in fact, constituent complexifications of social analysis.

Keywords:
Raymond Williams; Intellectual history; Marxism; Circulation of ideas; Cultural materialism

Em 2021, celebrou-se o centenário de nascimento do crítico galês Raymond Williams. Como em toda data comemorativa, especialmente uma tão carregada de simbologia como o centésimo aniversário, pôde-se observar uma multiplicidade de homenagens. Nessa miríade de congressos e simpósios pelo mundo, coletâneas inéditas e outras reeditadas, matérias jornalísticas e dossiês em periódicos acadêmicos, verificou-se a variedade de facetas da vida e obra de Williams escolhidas para serem lembradas.

Raymond Wiliams nasceu em 31 de agosto de 1921, na cidade de Pandy, no País de Gales, um pequeno povoado localizado na fronteira com a Inglaterra. Filho de pai sinaleiro e mãe dona de casa, Williams cresceu em um ambiente familiar ligado ao Partido Trabalhista [Labour Party], seu pai era secretário do escritório local. Mostrando-se aluno dedicado desde criança, destacou-se intelectualmente e participou ativamente dos clubes de leitura organizados pelo Partido Trabalhista, os Left Book Clubs. Como resultado, conseguiu bolsa de estudos para a Grammar School na cidade próxima de Abergavenny. Ao completar o equivalente britânico ao ensino médio, obteve uma nova bolsa de estudos, dessa vez para cursar Literatura Inglesa [English] na Trinity College da Universidade de Cambridge em 1939 (Baute, 2020Baute, Carla. (2020). Tradição, inovação e historicidade no materialismo cultural de Raymond Williams. Dissertação de mestrado. PPGH/Universidade Estadual de Campinas.: 28-29).

Após dois anos de atividades intensas na universidade - intelectuais e políticas -, seus planos foram interrompidos quando foi convocado para combater na Segunda Guerra Mundial. Williams serviu na unidade de tanques e chegou a alcançar o posto de oficial do exército. Com o término do conflito, retornou a Cambridge em 1945 para finalizar seus estudos. Em seguida, tornou-se professor na educação de adultos na Workers’ Educational Association (WEA) e atuou nessa organização ocupando diferentes funções pelos próximos quinze anos. No início da década de 1960, Williams retornou à Universidade de Cambridge, especificamente, à Trinity College, dessa vez como professor. Atuou ministrando aulas de English, de 1961 a 1974, e, posteriormente, de dramaturgia [Drama], de 1974 até 1983. Aposentou-se no mesmo ano e passou o resto de sua vida no interior na Inglaterra, onde veio a falecer em 1988 (Baute, 2020Baute, Carla. (2020). Tradição, inovação e historicidade no materialismo cultural de Raymond Williams. Dissertação de mestrado. PPGH/Universidade Estadual de Campinas.: 17, 29-30).

Nas palavras de Robin Blackburn, Williams havia se tornado o mais “competente, consistente e original pensador socialista do mundo de língua inglesa” (Blackburn, 1989Blackburn, Robin. (1989). Introduction. In: Williams, Raymond. Resources of Hope. London: Verso, p. ix-xxiii.: 9). Foi um autor prolífico, publicou mais de trinta livros e centenas de artigos em revistas científicas e matérias em jornais de grande circulação no Reino Unido. Para além dos estudos literários, Williams também examinou manifestações culturais das mais diversas, por exemplo cinema, teatro e televisão. Dedicou-se também à escrita ficcional, tendo produzido romances, contos e peças de teatro1 1 Para uma lista extensiva das publicações de Williams, Cf. O’Connor, Alan (1989). A Raymond Williams Bibliography. In: Eagleton, Terry (org.). Raymond Williams: Critical Perspectives. Cambridge: Polity, p. 185-227. .

O crítico galês se estabeleceu como figura de destaque na intelectualidade britânica, tendo executado um papel relevante tanto na New Left britânica2 2 No pós-Segunda Guerra, mais especificamente entre as décadas de 1960 e 1970, a New Left britânica surgiu como um grupo heterogêneo de pensadores de esquerda — formado por comunistas dissidentes, socialistas independentes e intelectuais radicais — que, diante dos avanços do imperialismo e das revelações dos abusos autoritários da União Soviética, almejaram repensar outros rumos políticos e fomentar novos debates intelectuais. Cf. Chun, Li. (1993). The British New Left. Edinburgh: Edinburgh University Press. quanto na fundação dos estudos culturais enquanto disciplina3 3 Hoje uma disciplina amplamente difundida por diversas partes do globo, os estudos culturais nasceram como um departamento acadêmico — o Center for Contemporary Cultural Studies —, fundado em 1964 por Richard Hoggart e parte do Departamento de Inglês da Universidade de Birmingham. Seu objetivo principal girava em torno do ensino e pesquisa de temas envolvendo a dinâmica entre cultura, política e sociedade. Hoggart estabeleceu os três textos fundadores dessa nova disciplina: The Uses of Literacy, lançado em 1957 e de autoria do próprio Hoggart; Cultura e sociedade de Raymond Williams, de 1958 e A formação da classe operária inglesa (1963), de E. P. Thompson, de 1963. Cf. Escosteguy, Ana C. D. (1998) Uma introdução aos estudos culturais. Revista Famecos, 9, p. 87-88. . No decorrer de mais de quatro décadas, suas contribuições extrapolaram os limites disciplinares estabelecidos e impactaram - e seguem impactando - sobremaneira as ciências humanas e sociais. Nesse entremeio, Williams construiu um robusto corpo teórico que partia do pressuposto de que a cultura é um processo social e material, teoria que ele denominou de materialismo cultural:

Uma teoria da cultura como um processo produtivo (social e material) e de práticas específicas, de ‘artes’, como usos sociais dos meios materiais de produção (desde a linguagem como ‘consciência prática’ material até as tecnologias específicas da escrita e formas da escrita, através de sistemas de comunicação mecânicos e eletrônicos (Williams, 1976Williams, Raymond. (1976). Notes on Marxism in Britain Since 1945. New Left Review , 1/100, p. 81-94.: 88-89)4 4 Todas as traduções para o português brasileiro citadas no corpo do texto são de minha autoria. .

CELEBRAR WILLIAMS: O QUE É ESCOLHIDO PARA SER LEMBRADO?

I

Nas primeiras décadas da trajetória de Williams é possível notar que duas tradições intelectuais antagônicas ocuparam espaços significativos na constituição de seus principais argumentos. São elas o Cambridge English5 5 Nome dado a tradição dos English Studies (algo semelhante aos estudos literários na estrutura acadêmica brasileira) específica da Universidade de Cambridge. Na esteira do enorme prestígio que o estudo da literatura vinha ganhando na Inglaterra desde finais do século XIX, o Cambridge English se firmou como uma das mais prestigiosas escolas de crítica. Desenvolvendo metodologias como a crítica prática [practical criticism] e o close-reading, nomes como I. A. Richards e, sobretudo, F. R. Leavis se tornaram figuras predominantes na área. A fundação do periódico Scrutiny, por Leavis, em 1932 é um dos grandes marcos da hegemonia dessa escola, levando milhares de alunos a vincularem crítica literária a prestígio Intelectual na Inglaterra. Efeito que ainda pode ser sentido, em menor escala, até os dias de hoje. Cf. Eagleton, Terry. (2008). The Rise of English. In: Literary Theory: An Introduction. Minneapolis: University of Minnesota Press, p. 15-46; Cf. Mulhern, Francis (1979). The Moment of Scrutiny. London: Verso. e o marxismo. A obra Cultura e sociedade, publicada em 1958 e hoje reconhecida como um clássico, apresenta-se como um desses espaços no qual a influência dos estudos literários aparece de modo mais preponderante. O livro é certamente um marco inicial de sua carreira e passe de entrada para a docência no ensino superior. Trata-se, grosso modo, de um estudo acerca da “tradição cultura e sociedade”, termo cunhado pelo galês para tratar de um conjunto de pensadores, do período entre finais do século XVIII até meados do XIX, e suas concepções diversas de cultura. A argumentação desemboca na apresentação da conceitualização própria de Williams do que definiria cultura em meados do século passado. Cultura para ele designa um modo de vida, algo comum e ordinário, um feito social que não advém de um só grupo (Williams, 2017Williams, Raymond. (2017) Culture and Society: 1780-1950. London: Penguin.: 428).

A recepção de Cultura e sociedade foi marcada por posicionamentos bem destoantes que vão desde a celebração do livro como um símbolo do revival da intelectualidade de esquerda (Brown, 1958Brown, W. E. Hope for Society. Bolton Evening News, 22 Dec. 1958.) até críticas mais contundentes sobre seu tom moderado (Roberts, 1958Roberts, John. Reach for your gun. Time and Tide, 1 Nov. 1958.), a denúncia do conservadorismo de Williams (Mitchell, 1958Mitchell, Julian. (1958). Isis, 5 Nov. 1958.) e a insuficiência de discussão histórica na obra (Hoggart, 1958Hoggart, Richard. Essays in Criticism, p. 171-179.).

Essas polarizações se seguiram ao longo das décadas. Quando da comemoração dos cinquenta anos da publicação de Cultura e sociedade, Francis Mulhern pontuou como a obra vinha sendo lida e relida no calor das discussões de cada contexto diverso. O conteúdo desses comentários seriam respostas às questões candentes dos lugares diferentes em que surgiam (Mulhern, 2009Mulhern, Francis. (2009). Culture and Society, Then and Now. New Left Review , 55, p. 31-45.: 31-33). Cabe aqui mencionar talvez a mais conhecida (e debatida) das críticas feitas ao livro, escrita por Terry Eagleton em meados da década de 1970, na qual - entre inúmeras outras coisas - o designou como um projeto academicista e idealista que “pôde sustentar sua tese somente pela desatenção sistemática ao caráter reacionário da tradição com a qual lidou” (Eagleton, 1976Eagleton, Terry. (1976). Criticism and Ideology: A Study in Marxist Literary Theory. London: Verso .: 25).

Alguns anos mais tarde, quando da entrevista coletiva com os membros do então comitê da New Left Review, Cultura e sociedade voltou a ser alvo de extensas críticas e discussões entre Williams e seus interlocutores. Ao ser questionado acerca da ausência dos conflitos sociais e políticos no livro, bem como da falta de ponderação do caráter conservador de alguns dos autores tratados, o crítico galês respondeu “Eu respeito Cultura e sociedade, mas não é um livro que eu poderia me imaginar escrevendo agora. Eu não conheço muito bem a pessoa que o escreveu. Eu leio este livro como se eu lesse um livro de outra pessoa. É uma obra muito distante de mim” (Williams, 1979Williams, Raymond. (1979). Politics and Letters: Interviews with New Left Review. London: Verso.: 107). Já em um artigo do início dos anos 1980, ao ponderar sobre o impacto da crítica literária de Cambridge nessas décadas de sua carreira, Williams pontuou que desde 1946 vinha tentando escapar de Cambridge, mas que de alguma maneira, Cultura e sociedade o havia trazido de volta. Rebate, no entanto, colegas que afirmavam que nunca havia de fato “ido embora”, dizendo que estavam equivocados, uma vez que a distância era completa e o conflito intelectual, absoluto (Williams, 1983Williams, Raymond. (1983). Cambridge English and Beyond. London Review of Books, 5/12, p. 3-8.: 3, 6).

A breve apresentação de aspectos da relação de Williams com a tradição do Cambridge English de modo mais geral, e da relação do autor com sua celebrada obra Cultura e sociedade ao longo das décadas de maneira mais específica, serve aqui de ponto de partida para a introdução de um dos argumentos que permeiam esta análise, o da ilusão biográfica. Adoto com certa liberdade o termo cunhado por Pierre Bourdieu para refletir sobre as circunstâncias e nuances do relato autobiográfico. Ao tornar-se o “ideólogo de sua própria vida”, quem relata atribui sentido às “etapas de um desenvolvimento necessário” (Bourdieu, 2002Bourdieu, Pierre. (2002). A ilusão biográfica. In: Amado, Janaina & Ferreira, Marieta de Moraes. (orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 183-191.: 184). Assim, compreender as afirmações de Williams ao longo das décadas a partir dessa ótica adiciona camadas de entendimento a um tema que poderia, em outra análise, tornar-se meramente anedótico.

Ao lidar especificamente com entrevistas de escritores notórios e/ou balanços de carreira, é significativo notar as variações “segundo a qualidade social do mercado no qual é oferecido” (Bourdieu, 2002Bourdieu, Pierre. (2002). A ilusão biográfica. In: Amado, Janaina & Ferreira, Marieta de Moraes. (orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 183-191.: 189), ou seja, cabe levar em consideração quem conduz a plataforma a partir da qual se fala, com quem se dialoga e para quem se destina o conteúdo. Por isso, a importância central da entrevista contida em Politics and Letters (1979) e em artigos e entrevistas posteriores tratando da aposentadoria de Williams e de sua relação com a Universidade de Cambridge, por exemplo (Williams, 1983Williams, Raymond. (1983). Cambridge English and Beyond. London Review of Books, 5/12, p. 3-8.; 1986).

A ilusão biográfica não atinge somente quem se aventura no relato de si, mas também tem efeitos nos estudiosos e comentaristas. Conferir inteligibilidade a ações no tempo já conta com seus entraves costumeiros, adicionam-se, então, camadas e camadas de modificações e adequações de sentido em contextos diversos. No entanto, o recurso ao termo ilusão biográfica em minha argumentação não quer dizer que eu não considere uma trajetória individual como um objeto de estudo relevante, que ela não forneça indícios do funcionamento da estrutura social ou, então, que tudo resulte de um duelo de narrativas nas quais a construção de conhecimento é relegada a mero resquício de um passado mais ingênuo. Longe disso.

No entanto, um uso proveitoso dessa argumentação requer cuidados específicos. Há de se saber localizar o relato de si, em meio aos desígnios intencionais ou não, no jogo das práticas possíveis. Assim,

Tentar compreender uma vida como uma série única e por si só suficiente de acontecimentos sucessivos […] é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. Os acontecimentos biográficos se definem como colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo considerado (Bourdieu, 2002Bourdieu, Pierre. (2002). A ilusão biográfica. In: Amado, Janaina & Ferreira, Marieta de Moraes. (orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 183-191.: 189-190).

Arrisco-me a postular que onde se lê “acontecimentos biográficos” é possível inserir “trajetória intelectual” e fazer uso dessas premissas nos estudos de história intelectual e sociologia dos intelectuais, por exemplo6 6 A aplicação heterodoxa da sociologia das práticas de Pierre Bourdieu em minha presente argumentação vai além da ilusão biográfica e se fundamenta no uso do conceito de campo e seu profundo impacto na concepção do espaço social enquanto estrutura de relações. Entendo campo como um sistema de relações e disputas, “espaços estruturados de posições” dos mais diversos tipos — econômico, filosófico, político etc. — que contêm suas propriedades e disputas específicas, agregando pessoas e/ou Instituições dispostas a jogar “seu jogo”. Para o campo cultural, pesam as disputas em torno do capital simbólico, que envolvem complexas relações de força que variam conforme o tempo e disposição dos fatores. Cf. Bourdieu, Pierre. (2006). Algumas propriedades dos campos. In: Questões de sociologia. Lisboa: Fim de Século, p. 125-126 e Bourdieu, Pierre. (1996). Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, p. 169-173. . Assim, compreender de maneira aprofundada os desenvolvimentos e transformações de um agente social ao colocá-lo no “conjunto das relações objetivas” em determinado estado do campo7 7 Esse esforço Intelectual foi empregado na pesquisa realizada por mim a nível de mestrado, de título Tradição, inovação e historicidade no materialismo cultural de Raymond Williams, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (FAPESP) entre os anos de 2017 e 2020 (processos nº 2017/08999-o e BEPE nº 2018/06742-2). Cf. Baute (2020). . Nesse cenário, o relato de vida pode se juntar a outras peças na construção de um complexo mosaico.

Dito isso, não escapa que o que é apresentado neste texto também é um mosaico da trajetória de Williams montado por mim. Um mosaico que carrega consigo as marcas de onde eu falo, das minhas metodologias e afinidades de temas. O que escolho ser importante ressaltar. Por essa razão o meu interesse de pontuar as referidas duas grandes influências no pensamento de Williams como o Cambridge English e o marxismo, já que percebo transformações importantes nas teorias do autor a partir dos anos 1970, distanciando-se cada vez mais da primeira influência e em diálogo intenso com a segunda.

Na década de 1970, livros importantes para os desenvolvimentos da teoria cultural de Williams foram publicados, por exemplo, O campo e a cidade (1973), o artigo “Base e superestrutura na teoria cultural marxista” (1973b) e Marxismo e literatura (1984). Sendo esses dois últimos os textos tidos como os “mais teóricos” da carreira do galês8 8 Aqui vale a pena mencionar a publicação da obra The Long Revolution, em 1961. Livro com desenvolvimentos importantes e significativos para a teoria cultural de Williams, tido por diversos comentaristas e pelo próprio autor como uma “continuação” de Culture and Society (Williams, 1979: 133-134). Destaco os avanços nas contextualizações históricas presentes na obra (Williams, 1961: 19-56) e aprofundamentos conceituais, como por exemplo de estrutura de sentimento (1961, 57-88). No entanto, mesmo com todo o seu significado na trajetória do crítico galês, considero The Long Revolution como desdobramento das preocupações Iniciais da carreira de Williams e fortemente vinculado a tradição do Cambridge English (Madden, 1962: 108). Assim, apesar de ser um marco, não figura ao lado das obras teóricas da década de 1970 por se tratar, em minha leitura, de um momento distinto da carreira do autor, dotado de diferentes posturas teórico-metodológicas, as quais quero realçar a fim sustentar o argumento desse artigo. . Especialmente Marxismo e literatura, que mostra um Williams mais internacional, mais abertamente comprometido com a tradição marxista e que apresenta seus conceitos de maneira mais sistemática.

Na introdução da obra, Williams afirma:

Esse livro é o resultado daquele período de discussão [Williams se refere aos primeiros anos da década de 1970, nos quais viajou bastante pela Europa, Leste Europeu e URSS], em contexto internacional no qual tive, pela primeira vez em minha vida, a sensação de pertencer a uma esfera e dimensão de trabalho na qual pude me sentir em casa. Mas eu senti, em todos os momentos, a história dos trinta e cinco anos anteriores, durante os quais qualquer contribuição que eu pudesse fazer vinha se desenvolvendo de forma complexa e direta, embora muitas vezes não registrada, com ideias e argumentos marxistas (Williams, 1984Williams, Raymond. (1984). Marxism and Literature. London: Oxford University Press.: 4-5).

Mesmo que nas décadas iniciais da trajetória de Williams figurassem ideias reformistas, sua hostilidade ao capitalismo já estava ali presente e só fez aumentar. Ao ponto de seu socialismo revolucionário se mostrar evidente, pelo menos desde Tragédia moderna (1966) e com mais clareza a partir da década de 1970 (Barnett, 1988: 57-59).

Em seus últimos anos de vida, o crítico foi cada vez mais se envolvendo com temas robustos, como a proposta de uma vertente da sociologia (Culture, 1981), o ecossocialismo (Towards 2000, 1983b; Resources of Hope, 1989) e o nacionalismo galês (Williams, 2003Williams, Daniel. (2003). Who Speaks for Wales?: Nation, Culture, Identity. Cardiff: University of Wales Press.), por exemplo. Temas interessantes e pouco explorados do pensamento de Wiliams, em língua portuguesa especialmente9 9 Por essa razão, a contribuição de Daniel Williams a esse dossiê, com o artigo “A identidade de Raymond Williams”, é tão significativa. .

II

Durante o ano de 2021, nas comemorações planejadas para celebrar o centenário, Wiliams foi relembrado e aclamado por diferentes facetas de seu legado intelectual e político. Cabe aqui pontuar algumas dessas ações que tomaram lugar em diversas partes do globo e congregaram estudiosos dos mais variados tipos10 10 Todos os eventos, celebrações e publicações estarão listados na seção “Linkografia” ao final do texto. Foram adicionados também alguns artigos de opinião e um curso ofertado que não figuraram na discussão do texto. .

O projeto de maior fôlego dentre as homenagens advém da Raymond Williams Foundation (RWF). Organização não governamental sediada na Inglaterra, seu foco reside em promover ações que envolvam a educação de adultos e sua atuação se dá por meio da concessão de bolsas de estudos e verbas para indivíduos e projetos com esse fim. Por isso, não é de surpreender que o Williams escolhido para ser lembrado é o Wiliams professor da educação de adultos e o ponto focal seja a sua ideia de “longa revolução” (Williams, 1961Williams, Raymond (1961). The Long Revolution. Harmondsworth: Penguin.). Na seção “About Us” do website da fundação, destaca-se a seguinte passagem:

Williams passou muitos anos ensinando adultos que chegaram até ele pela WEA [Worker’s Education Association]; e sua extensa gama de ensaios e palestras sobre educação, comunidade e democracia oferecem uma dinâmica de análise das condições para uma sociedade genuinamente inclusiva, de aprendizagem e participativa (Raymond Williams Foundation - About Us, 2022Raymond Williams Foundation - About Us. (2022). Disponível em <Disponível em https://www.raymondwilliamsfoundation.org.uk/about-us >. Acesso em 15 jun. 2022.
https://www.raymondwilliamsfoundation.or...
).

Para o centenário, a fundação desenvolveu um “projeto especial de atividades com o objetivo de reintroduzir alguns dos conceitos-chave de Williams aos públicos contemporâneos” (Raymond Williams Foundation - Centenary, 2022Raymond Williams Foundation - Centenary. (2022). Disponível em <Disponível em https://www.raymondwilliamsfoundation.org.uk/centenary >. Acesso em 15 jun. 2022.
https://www.raymondwilliamsfoundation.or...
). O projeto pode ser dividido em três partes.

A primeira delas diz respeito à produção de um filme curta-metragem, de título Culture is Ordinary. Idealizado por Colin Thomas e Tom Goddard e dirigido por Colin Thomas, o filme foi financiado pela RWF e pelo Conselho de Artes do País de Gales [Arts Council Wales] e contém trilha sonora original de Kiddus Murrell. O vídeo inicia enfatizando a importância de Williams ter crescido no vale das Montanhas Negras [Black Mountains] no País de Gales11 11 As Black Mountains são um grupo de montanhas situadas entre os condados de Powys e Monmouthshire no sudeste do País de Gales, parte delas cruzam a fronteira com a Inglaterra e chegam ao condado de Herefordshire. para a sua concepção relacional de cultura e sociedade. Seguido de falas de membros de ONG e grupos culturais do país, como Valleys Kids, Unify e Cwmni Bro que apresentam projetos que visam o fortalecimento de comunidades e identidades por intermédio de ações culturais. Em seguida, nas palavras da diretora da Literature Wales, Lleucu Siencyn, Williams é retomado e colocado no centro da argumentação:

A frase “a cultura é comum” [culture is ordinary] soa muito bem. Todos nós podemos nos relacionar com ela, mas destrinchar a intenção de Raymond Williams pode ser bastante complicado. Nós temos que retornar, de certo modo, ao que Williams sentiu que tinha que dizer […] O próprio entendimento de Raymond Williams, por causa de sua educação no País de Gales, as ocupações de seu pai e avô, fizeram-no perceber que a cultura está por toda a nossa volta, no nosso cotidiano e que nós devemos apreciar a experiência, a experiência vivida de nossa vida cultural como sendo democrática e igualitária, não só algo que você deveria ir ver uma ou duas vezes por ano e gastar muito dinheiro ao fazê-lo. Ele queria democratizar nossas instituições com base na propriedade comum para que todos tenham mais voz nos processos de tomada de decisão que os afetam (Culture Is Ordinary, 2021Culture is Ordinary. (2021). Disponível em <Disponível em https://youtu.be/bV84GSnsdYk > Acesso em 15 jun. 2022.
https://youtu.be/bV84GSnsdYk...
: 12:06-13:27)

Essa leitura de Williams se relaciona diretamente com as falas apresentadas no decorrer do vídeo, um senso de pertencimento por meio da criação cultural e, também, de valorização de ser galês. Retomando o questionamento de Williams feito no texto de 1971, “Who Speaks for Wales”12 12 Artigo escrito em 1971 por Williams e publicado em Williams, Raymond (2003). In: Williams, Daniel (org.). Who speaks for Wales?: Nation, Culture, Identity. Cardiff: University of Wales Press, p. 47-50. , Gwenlli Evans, do Cwmni Bro, ecoa as ideias do crítico em sua resposta:

A ideia de “Quem fala pelo País de Gales” é: todo mundo. Se não for o galês que fala por Gales, então quem fala? Por isso que tentamos ter um canal e uma plataforma na qual as pessoas possam ter seus filmes, o que é importante para elas, seus desafios. Isso pode ser mostrado lá, o reflexo de quem nós somos como pessoas que vivem em nossas comunidades (Culture is Ordinary, 2021Culture is Ordinary. (2021). Disponível em <Disponível em https://youtu.be/bV84GSnsdYk > Acesso em 15 jun. 2022.
https://youtu.be/bV84GSnsdYk...
: 14:15-14:39).

O curta-metragem teve seu lançamento acompanhado de um debate por ocasião do Festival of Voice, ocorrido em 7 de novembro de 2021, na cidade de Cardiff, capital do País de Gales. Fizeram parte Siencyn e alguns membros dos grupos que estrelam o filme.

Na segunda parte do programa comemorativo da RWF, consta a seção “Raymond Williams Centenary Explainers” que contêm dez materiais de diferentes suportes, como textos, áudios e vídeos. Seus criadores têm origens do País de Gales, da Inglaterra, dos Estados Unidos, do Canadá e da Argentina. São pessoas e/ou organizações que responderam a um edital da RWF com verbas para produção de material comemorativo. Compõem o grupo de contribuições artistas plásticos, acadêmicos, jornalistas e musicistas e o conteúdo destes será apresentado a seguir.

Consider the Sheep, material gráfico criado por Josie Sparrow, parte da discussão da figura da ovelha para indagar sobre questões muito centrais a Williams, por exemplo, natureza, relação rural/urbano e ecologia. A autora resgata um dos pontos centrais da filosofia marxista tão bem explorado e rearticulado por Williams: questionar o que parece natural. Em um momento de crucial importância para repensarmos nossa relação com a natureza, Sparrow recorre às palavras do galês ao destacar: “Nós precisamos de ideias diferentes porque precisamos de relacionamentos diferentes” (Williams, 1980: 85).

Compõem a seleção da RWF dois vídeos animados. O primeiro deles é “Raymond Williams: The Hand and the Map”, elaborado por Ted Parry, animado por Tad Davies e narrado por Garmon Thomas. Seu conteúdo discute concepções de cultura, comunidade, educação e tecnologia no pensamento de Williams sempre interrelacionando a influência de sua origem galesa, bem como eventos marcantes de sua trajetória (acompanha um guia de referências e reflexões mais detalhadas em texto). Outro vídeo da série Explainers é “Raymond Williams in Latin America”. Creditado a Americo Castilla, da TyPA Foundation, localizada em Buenos Aires, o “vídeo-podcast” conta com o roteiro de Horacio Tarcus e conta com testemunhos da crítica argentina Beatriz Sarlo e do acadêmico peruano Victor Vich (o áudio está em espanhol com legendas em inglês). Trata-se do conteúdo mais aprofundado nesse formato constante do programa. De modo claro e objetivo, apresenta pontos da recepção do pensamento de Williams nessa parte do continente, suas condições de acolhimento e hipóteses para sua disseminação. Seu ponto alto é o breve testemunho de Sarlo, pioneira no uso criativo dos conceitos de Williams e uma das maiores facilitadoras para tradução das obras do crítico para o espanhol em finais dos anos 1970.

Já “One Immediate Huge Voice”, de Sarah Lowndes, recupera a centralidade da ideia de comunidade na obra de Williams. O texto da curadora faz um uso bastante criativo e instigante de comunidade de acordo com Williams para tratar de temas atuais e caros aos britânicos, como a importância do futebol na vida cotidiana, por exemplo do time inglês Liverpool F.C., em meio aos desafios inéditos impostos pela pandemia de covid-19, desde inícios de 2020.

Com os dois podcasts do programa comemorativo, recupera-se Williams em um formato de mídia que vem se tornando cada vez mais popular nos dias de hoje. Com o episódio “Politics of Modernism: Against the New Conformists”, o Radical Thoughts Podcast se propõe a discutir o referido livro de Williams como parte de sua proposta de analisar os volumes que compõem a coleção de mesmo nome do podcast, publicada pela editora Verso. São discutidos a relação entre as tradições culturais e as raízes culturais do modernismo, bem como as possibilidades de emergirem novos modos de vida, baseados no confronto. Já o episódio especial “Resources of Hope from the Archive: An Introduction to Raymond Williams”, parte do podcast The Raymond Williams Tapes, é apresentado por Phil O’Brien (secretário da Raymond Williams Society, RWS), e contém áudios originais do próprio Williams, bem como de Stuart Hall, Terry Eagleton, Richard Hoggart e Joy Williams relatando os contextos em que conheceram Williams. Esses aúdios foram recuperados do arquivo pessoal do crítico galês, localizado no Richard Burton Archives na cidade de Swansea.

O ensaio gráfico “The Intellectual History of ‘Culture’”, escrito por Jared Spears e com arte de Julie Saumagne, trata de sumarizar as diferentes categorizações e concepções do conceito de cultura para Williams ao longo de sua obra. Traz uma reflexão também a respeito dos modos como Williams pode nos ajudar a pensar sobre o cenário cultural nos dias de hoje, no qual reina a cultura das comodities e as lógicas de propaganda agressivas. É recuperada a ideia com potencial radical de Williams, a de que é o homem quem faz a sua própria história (se bem que essa é uma tônica de Marx) e como a cultura é algo comum, que pertence a todos.

Em relação à temática da imprensa e da mídia, Paul Richards produziu dois vídeos. Em “Raymond Williams and the Popular Press”, Richards apresenta as ideias de Williams em torno da mídia, sua oposição aos monopólios e ferrenha defesa da democratização dos meios de comunicação. Para esse vídeo foi elaborado também um material adicional em texto. Já “Raymond Williams and the Media” apresenta uma entrevista com o professor Martin Conboy (Universidade de Sheffield) feita por Richards. Nela é discutida o modo pelo qual Williams analisou a imprensa popular e seu papel no pós-Segunda Guerra e nas décadas subsequentes.

O último conteúdo da série Explainers debate a educação de adultos, tema muito caro a Williams e área na qual atuou por mais de quinze anos. A organização Adult Learning Wales (parte da National Community College), representada nas pessoas de Jayne Ireland e Rob Humphreys, produziu dois vídeos e um material de apoio em texto sobre a questão. O tema principal em ambos trata do propósito social da educação de adultos, tanto no contexto de Williams como nos dias de hoje.

A sessão final do programa comemorativo da RWF se intitula “O que Raymond Williams significa para mim” [“What Raymond Williams Means to Me”]. Faz parte desse conjunto uma entrevista em vídeo com a família de Williams feita por Sharon Clancy (RWF) e nele figuram os filhos do autor, Merryn, Ederyn e Madawc. O vídeo está dividido em nove partes e contêm discussões acerca de aspectos pessoais da família e de temas importantes de sua obra, tais como: marxismo, política, educação de adultos, País de Gales, entre outros.

Segue-se mais doze materiais diferentes. Entre eles, entrevistas com professores, pesquisadores e políticos que foram, de algum modo, influenciados por Williams. São eles Derek Tatton (ex-orientando de Williams, fundador e atual administrador da RWF), professor Linden West (Universidade de Canterbury Christ Church) e Sharon Clancy (coordenadora da RWF), professora Morag Shiach (Universidade de Londres Queen Mary e ex-orientanda), professor Jeff Wallace (Universidade Metropolitana de Cardiff), professora Cilla Ross (Universidade de Nottingham), professor aposentado Stephen Yeo (Ruskin College) e a política Leanne Wood (Plaid Cymru).

São apresentados textos de memórias pessoais com Williams. Kim Howells, ex-ministro pelo Labour Party, relembra que em meados dos anos 1970:

Determinado a conhecê-lo, consegui um convite para uma discussão conduzida por ele em um dos colleges. Suas participações na televisão o tornaram um dos comentaristas políticos mais reconhecidos e eu assumi que, nos salões da academia, ele seria mais grandioso e mais distante do que ele parecia ser na televisão. Mas lá estava ele, a antítese do modelo de autoestima do intelectual de esquerda estrela da mídia que eu temia encontrar (Kim Howells Personal Memoir, 2021Kim Howells Personal Memoir. (2021). Disponível em <Disponível em https://www.raymondwilliamsfoundation.org.uk/_files/ugd/e1d74c_fefb1c7f654b4897858d1fc9976f854e.pdf >. Acesso em 15 jun. 2022.
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).

John Barnie, professor, poeta e músico de Abergavenny, conta sobre o impacto da leitura de Border Country (1960) durante sua graduação na Universidade de Birmingham no início dos anos 1960. Relembra seu entusiasmo com uma entrevista que fez com Williams pouco tempo antes de sua morte, na qual discutiram o lançamento de seu então novo livro The People of the Black Mountains (1989) e como ficou impressionado com encontro. Já a professora Mary Joannou, presidente da RWF, relembra do período de seu doutoramento em Cambridge, em meados dos anos 1980, ocasião em que conheceu Williams. Conta que, após sua morte em 1988, ela organizou uma campanha de doações para criar o Raymond Williams Memorial Fund, em conjunto com a professora Shiach e Tony Dennis. Foi a partir das arrecadações desse fundo que mais tarde foi instituída a RWF.

Em suas memórias de Wiliams, Joseph Boughey aponta o crítico como um dos poucos escritores britânicos de sua época que desenvolvia ideias com ajuda de ensaios que eram mais especulativos do que conclusivos. Segundo ele, os argumentos de Williams quanto à ecologia ecoam fortes até os dias de hoje e merecem atenção para refletirmos sobre esse tema tão necessário.

Chegou a Terry Eagleton, um dos alunos (mesmo que não seja exatamente um ex-orientando) mais célebres de Williams. Em seu curto relato, rememora as aulas e palestras do galês:

Ele dava aulas sem um roteiro, produzindo sem esforço um fluxo de frases gramaticais impecáveis inteiramente improvisadas. Basta fazê-lo falar em um gravador (eu o fiz, uma ou duas vezes), e a transcrição não exigiria nenhuma edição. No entanto, não havia nada de automático em sua extraordinária eloquência. Pelo contrário, era como se brotasse das profundezas de seu corpo, as ideias inseparáveis do sentimento e da experiência (Terry Eagleton Personal Memoir, 2021Terry Eagleton Personal Memoir. (2021). Disponível em <Disponível em https://www.raymondwilliamsfoundation.org.uk/_files/ugd/e1d74c_8da8f21044a04484b2e49565ee45dd15.pdf >. Acesso em 15 jun. 2022.
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: 1).

Após saber das notícias fatídicas daquele 1988, Eagleton conta “em seguida, ouvi dizer que ele havia morrido. Alguns dias depois, eu estava entre Robin Blackburn e Tariq Ali no cemitério de uma pequena capela galesa, olhando para as Black Mountains enquanto colocávamos seu filho mais ilustre para descansar” (Terry Eagleton Personal Memoir, 2021Terry Eagleton Personal Memoir. (2021). Disponível em <Disponível em https://www.raymondwilliamsfoundation.org.uk/_files/ugd/e1d74c_8da8f21044a04484b2e49565ee45dd15.pdf >. Acesso em 15 jun. 2022.
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: 1-2).

Diversos eventos acadêmicos reuniram pesquisadores a fim de discutir a obra e vida de Williams, seja por meio de estudos dos mais variados dedicados à obra do crítico, seja por meio dos possíveis usos de seus conceitos em pesquisas atuais. A Universidade de Swansea, com organização do Centre for Research into the English Literature and Language of Wales (CREW) - mais especificamente do professor Daniel Williams do Departamento de English Literature da College of Arts and Humanities -, promoveu o Celebrating 100 years of Raymond Williams: The Centenary Symposia. O evento contou com quatro simpósios temáticos, agrupados por regiões ou países, e ocorreu entre os meses de setembro e outubro. O simpósio intitulado Europe contou com seis palestrantes, a maioria deles de estudiosos de literatura e uma jornalista. Foram discutidos temas como ambientalismo, usos do materialismo cultural em pesquisas, a New Left britânica e Williams como autor de ficção.

O simpósio Brazil também contou com seis palestrantes, oriundos de áreas diversas das ciências humanas como educação, sociologia e história13 13 Fiz parte da segunda mesa do simpósio, com a comunicação “Across the Atlantic: a research itinerary of Raymond Williams’ reception in Latin America. Cf. https://youtu.be/C__TY5oTZOs. Acesso em: 15 jun. 2022. . Os temas variaram entre o legado de Raymond Williams nos dias de hoje, Williams como um pensador político, Williams e a esquerda no século XXI, a circulação de ideias do autor na América Latina e relatos de pesquisa no arquivo pessoal de Williams (localizado na própria Universidade de Swansea) nos temas de educação e cinema.

O encontro denominado Japan Symposium contou com nove palestrantes, entre eles um grupo de pós-graduandos da Universidade de Hitotsubashi e outros pesquisadores e professores universitários. O foco se deu nas análises literárias de Williams, seus usos nos estudos dos mangás e exames de seus conceitos para trabalhar com mídia e televisão, por exemplo. O encerramento da noite contou com a presença de Dai Smith, autor da biografia autorizada de Williams (Smith, 2008), com a apresentação “Um membro do Esquadrão dos Esquisitos: as especificidades de Raymond Williams” (“A Member of the Awkward Squad: The Specificities of Raymond Williams”).

O último simpósio, China, contou com o apoio organizacional da Universidade de Shenzhen. Nele foram ouvidos seis palestrantes pesquisadores de áreas como literatura, estudos culturais e antropologia. Os tópicos debatidos foram teoria marxista, tradução e recepção de Williams na China, a teoria da tragédia no autor galês, natureza e cultura rural e antropologia estética.

A partir da análise dessa série de simpósios, especialmente, dos que contaram com convidados de fora da Europa, é possível perceber que a sua formação se deu a partir do estabelecimento de redes entre o CREW e os pesquisadores que consultaram os arquivos de Williams no Richard Burton Archives, todos recebidos e ocasionalmente supervisionados por Daniel Williams. E, seguido dessa sociabilidade adquirida na instituição, outras novas redes de pesquisadores são criadas. Diante disso, o evento do centenário da Universidade de Swansea se mostrou como único no cenário mundial, já que congregou e explorou os efeitos dos trabalhos com as fontes primárias de Williams. Assim, essa universidade em conjunto com o arquivo, consagram-se como núcleo de referência nos estudos williamsianos atuais.

A Raymond Williams Society, fundada um ano após a morte de Williams, promove projetos intelectuais e políticos relacionados ao legado intelectual do autor e conta com sua filha Merryn como presidente honorária. Além de promover eventos regulares e a publicação de um periódico anual, Key Words: A Journal of Cultural Materialism, a Society organizou uma série de conferências online nos meses de outubro e novembro de 2021. Na data do aniversário de Williams, foi realizada uma exibição presencial do filme Border Country (1970), de Nicholas Garnham, na Birkbeck College, da Universidade de Londres.

Em 2022, a Society organizou uma grande conferência presencial chamada Raymond Williams @ 100: A Centenary Conference, ocorrida em Manchester, Inglaterra. Rhian E. Jones e Daniel Williams foram os palestrantes convidados (que também participaram dos eventos de Swansea) e cerca de trinta pesquisadores apresentaram comunicações em mais de doze mesas temáticas no decorrer de dois dias de trabalhos. Os participantes têm origens variadas como Reino Unido, Alemanha, Espanha, Estados Unidos, África do Sul, Áustria, Irã, Brasil e Holanda e os temas discutidos variaram enormemente, de teoria a estudos biográficos, passando por tópicos como educação, estudos rurais e populismo.

Ocorreram, também, eventos menores por diversas partes do globo para além do Reino Unido. Destaco o Raymond Williams’ Birth Centenary, sediado na Universidade de Malta, organizado pela faculdade de educação e parte da UNESCO Chair in Global Adult Education. A ocasião contou com pesquisadores do Reino Unido, Espanha e Canadá que discutiram temas relacionados à educação de adultos, as conexões possíveis entre a pedagogia crítica de Paulo Freire e a teoria de Williams, uma apreciação crítica do materialismo cultural, entre outros tópicos. Outra menção importante se refere ao Raymond Williams: A Centenary Celebration, organizado pelo departamento de sociologia da Universidade de Haiderabade, Índia. Ele contou com os convidados Colin MacCabe (Universidade de Pittsburgh), Phil O’Brien (RWS) e Daniel Williams (Universidade de Swansea) além de sessões com professores do departamento sede. Foram abordados os temas da mídia, gênero e teoria pós-colonial.

A academia brasileira não ficou de fora das celebrações. Entre julho e agosto de 2021 ocorreu, de maneira remota e com transmissão online, o X Colóquio Marx e Engels, promovido pelo Centro de Estudos Marxistas (Cemarx), sediado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O evento incluiu uma mesa temática denominada “Centenário Raymond Williams” com os convidados Marcelo Ridenti (Unicamp) e Maria Elisa Cevasco (Universidade de São Paulo, USP). Ridenti é professor e pesquisador de sociologia da cultura e figura como um notório caso do uso criativo de conceitos de Williams.

Em obras como Em busca do povo brasileiro (2000) e Brasilidade revolucionária (2010), o autor utilizou estrutura de sentimento para compreender o papel da classe artística e intelectual na constituição da sociedade brasileira entre os turbulentos anos 1960 e 1990. Assim evidenciando a força desse conceito no processo de forja de uma crítica cultural inovadora. Na ocasião da palestra do centenário, Ridenti relembrou seu contato com o autor galês, ocorrido por meio da menção de Williams no livro de Marilena Chauí, Conformismo e resistência (1986Chauí, Marilena. (1986). Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense.). Destacou o contexto da chegada das ideias de Williams no Brasil, em meio ao período final da ditadura militar e início da redemocratização. Apontou também para o papel importante de editoras como a Zahar e a Brasiliense para as traduções de autores de esquerda e o impacto disso na formação e consolidação dos programas de pós-graduação em ciências humanas no país. Cevasco, considerada pioneira no estudo da obra de Williams no Brasil, é autora do primeiro livro totalmente dedicado ao pensador galês publicado em português, Para ler Raymond Williams (2001).

Cevasco também se dedica ao estudo da obra de Fredric Jameson e sobre os estudos culturais de maneira mais abrangente, que pode ser conferido em Dez lições sobre os estudos culturais (2003). Em sua comunicação, elencou aspectos centrais do projeto intelectual do crítico, bem como argumentou em favor da retomada das ideias revolucionárias de Williams no século XXI, entendido por ela como um pensador da mudança. Cevasco defendeu que, no contexto de pessimismo do capitalismo tardio, entender a cultura como um veículo da hegemonia, no seu fazer-se e refazer-se constante, instiga a transformação social.

Outras comemorações importantes foram as promovidas pela Faculdade de Educação da Unicamp. A primeira delas é o Colóquio Internacional: Centelhas de Transformações (Paulo Freire e Raymond Williams), organizado pela direção do departamento e realizado de modo remoto e transmitido via YouTube. Trata-se de um evento de homenagem conjunta a esses dois pensadores com contribuições tão significativas no campo da educação e que nasceram no mesmo ano. Ao longo de um dia inteiro de palestras, foram realizadas mesas temáticas voltadas exclusivamente a homenagens em separado aos dois autores.

Naquela designada a Williams, Daniel Williams e Maria Elisa Cevasco foram os convidados. Daniel fala sobre como é ler Raymond Williams na era do movimento Black Lives Matter a partir do entendimento de nacionalismo/universalidade do crítico galês. Cevasco, retoma argumentos semelhantes daqueles de sua apresentação no X Colóquio Marx e Engels, enfatizando a pertinência das ideias de Williams no cenário desolador do século XXI e o poder da sua concepção de cultura até os dias de hoje. Houve também uma mesa dedicada à reflexão acerca dos diálogos possíveis entre as obras de ambos, na qual Hywel Dix (Universidade de Bournemouth) discutiu o caráter transformador que Freire e Williams atribuíam à educação crítica e seu papel fundamental no combate à desigualdade social.

Também na Faculdade de Educação da Unicamp se realizou o “Ciclo de debates - centenário Raymond Williams”. O conjunto de eventos ocorridos remotamente contou com a organização dos professores Alexandro Paixão e Anderson Trevisan (ambos também participaram do evento da Universidade de Swansea) e realização do Laboratório de Estudos de Cultura, História, Educação, Sociologia e Psicanálise (LECHESP) e do Laboratório de Investigação em Sociologia da Cultura (Laisa). Foram seis encontros promovidos pelo ciclo. Cinco deles trataram das diferentes relações da obra de Williams com distintos campos disciplinares das ciências humanas, como a sociologia, estudos literários e educação. Os debates contaram com a participação de nove professores e pesquisadores, em sua grande maioria oriundos da sociologia e atuantes nos estados do nordeste, sudeste e sul do Brasil. Na última reunião, ocorreu o lançamento da coletânea que agrupa as contribuições dos dois eventos acima citados (Paixão et al, 2021Paixão, Alexandro; Mazza, Débora; Spigolon, Nima. (orgs.). (2021). Centelhas de transformações: Paulo Freire e Raymond Williams. São José do Rio Preto: HN, v. 1.).

Vale mencionar outros lançamentos de livros ou reedições publicados no último ano. Who Speaks for Wales?: Nation, Culture, Identity: The Centenary Edition, coletânea de textos de Williams editada por Daniel Williams, original de 2003, ganhou uma reedição especial em 2021. O volume conta com uma seleção de textos do crítico tratando de temas como cultura, história, literatura e política do País de Gales. Outra obra recém-divulgada é Raymond Williams at 100 (2021), editada por Paul Stasi e com contribuições de pesquisadores do Reino Unido e dos Estados Unidos, todos estudiosos de literatura de língua inglesa. Raymond Williams: From Wales to the World (2021), organizado por Stephen Woodhams (curador da RWF), conta com capítulos assinados pelo próprio Woodhams, Elizabeth Allen, Derek Tatton e Hywel Dix. O seu conteúdo explora aspectos da identidade de Williams, a relação com o País de Gales e seu próprio cosmopolitismo, que o fez se denominar como um europeu galês, e o impacto disso em suas concepções sobre cultura. Já Phil O’Brien (RWS) editou uma coletânea que contém alguns textos inéditos de Williams chamada Culture and Politics: Class, Writing, Socialism (2021). Alguns dos temas que são abordados na obra são teoria marxista, cultura popular, literatura da classe operária britânica, a teoria de Pierre Bourdieu e a sociologia da cultura e movimento modernista.

Entre as revistas acadêmicas, destaca-se o dossiê temático “Cultural Commons: Raymond Williams Centenary Special Edition”, do European Journal of Cultural Studies. Figuram como autores dos artigos pesquisadores dos estudos culturais, mais especificamente das áreas de gênero, comunicação e equality studies atuantes no Reino Unidos e na Austrália, tais como Jilly Boyce Kay, Marie Moran e os professores eméritos Julie Mitchell e Graeme Turner. São discutidos temas como o papel de sua esposa Joy Williams como uma coautora silenciosa, o impacto da obra do crítico até os dias de hoje nos estudos culturais e a proposta de pensar a abordagem de Palavras-chave (1976b) como um método de investigação.

III

Após a exposição desse conjunto de iniciativas comemorativas, é possível fazer uma apreciação de algumas de suas características mais marcantes. Os eventos que duraram mais do que um único dia e que contaram com um número maior de sessões e mesas temáticas, mostraram-se mais aprofundados em aspectos específicos da obra e fortuna crítica de Williams. Como era de se esperar, esses espaços serviram de palco para debates profícuos para aqueles que anteriormente já possuíam algum contato com o pensamento do autor e ali tiveram a oportunidade de examinar suas ideias, usos de conceitos e estudo de sua trajetória com mais minúcia. Cito o evento da RWS em Manchester, O Centenary Symposia de Swansea e o Ciclo de Debates da Faculdade de Educação da Unicamp como exemplos desse tipo.

Outros eventos, mais “pontuais”, abordaram características introdutórias e figuram mais como um convite à obra do britânico, em especial no Brasil, lugar no qual Williams não está entre os intelectuais de esquerda mais conhecidos. Todos as diferentes ocasiões serviram a propósitos igualmente necessários e atenderam necessidades especificas, de modo que essa constatação não configura nenhum demérito.

Com isso em mente, cabe apontar como no Reino Unido predominou, amplamente, a presença de estudiosos de literatura de língua inglesa entre os palestrantes, convidados e autores de livros e/ou artigos. Mesmo no evento promovido pela Universidade de Swansea que, conforme mencionado anteriormente, mostrou um caráter internacional, pois se constitui como um centro de referência dos estudos acerca de Williams por custodiar sua documentação pessoal, a maioria dos convidados adveio dos estudos literários, com pontuais exceções a quatro sociólogos, uma historiadora e um antropólogo.

Já no Brasil, por exemplo, a maioria dos palestrantes e debatedores desses eventos são oriundos do campo da sociologia, salvo a presença de Maria Elisa Cevasco dos estudos literários. No entanto, é possível verificar a proximidade da autora com a crítica sociológica. Basta consultar seus interesses de pesquisa em Roberto Schwarz, por exemplo (Cevasco, 2014Cevasco, Maria Elisa. (2014). Modernização à brasileira. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 59, p. 191-212.), dono de uma crítica literária com fortes ligações com o pensamento sociológico.

Certa vez Eagleton caracterizou Williams como um “sociólogo fora de lugar” em Cambridge (Eagleton, 1988Eagleton, Terry (1988). Resources for a Journey of Hope: The Significance of Raymond Williams. New Left Review , 168, p. 3-11.: 5), observação significativa, uma vez que existe uma discussão prolífica acerca da ideia de que a crítica literária teria ocupado um lugar de destaque na intelectualidade britânica justamente por ali não existir uma tradição sociológica forte (Anderson, 1968Anderson, Perry. (1968). Components of the National Culture. New Left Review, 1/50, p. 3-57.; Shuttleworth, 1980Shuttleworth, Alan. (1980). Two Working Papers in Cultural Studies. In: Davison, Peter. (org.). Literary Taste, Culture and Mass Communication: The Cultural Debate: Part II. Cambridge: Chadwyck-Healey, v. 14.). Já Andrew Milner foi adiante e pontuou que “não é que a Inglaterra tinha o ‘English’ em vez da sociologia; mas sim que a Inglaterra tinha o ‘Englishcomo uma sociologia” (Milner, 2018Milner, Andrew (2018). Sociology and Literature. In: Burgmann, James. (ed.). Again, Dangerous Visions: Essays in Cultural Materialism. Leiden: Brill, p. 11-22.: 22).

Essas argumentações são interessantes, pois apontam para as particularidades do desenvolvimento do campo intelectual dos diferentes países, da formação e dos desdobramentos das universidades, dos órgãos de fomento às pesquisas, do jogo de forças entre as disciplinas nos diferentes contextos. Trata-se de um esforço analítico que extrapola as pretensões deste texto, mas que diz respeito às práticas cujas análises permeiam suas linhas. Por ora, cabe salientar que as facetas de Williams escolhidas para serem lembradas, essas sim, estão diretamente relacionadas às posições sociais dos que se lembram, dos valores que dão às suas próprias práticas e com as quais a obra do crítico galês está inter-relacionada das mais diferentes maneiras. Perceber o papel dessas lógicas não é, de modo algum, diminuir o potencial da produção de conhecimento, mas, sim, uma forma de socioanálise.

O QUE EU ESCOLHO LEMBRAR

Na busca por esclarecer o que é selecionado como importante, é fundamental perceber as lógicas presentes em minhas próprias escolhas. Por isso, essa atenção destinada às engrenagens do trabalho intelectual, pois “para o pesquisador preocupado em saber o que faz, o código, instrumento de análise, torna-se objeto de análise: o produto objetivado do trabalho de codificação se torna, sob o olhar reflexivo, o traço imediatamente legível da operação de construção do objeto” (Bourdieu, 2013Bourdieu, Pierre. (2013). Homo academicus. Florianópolis: Editora da UFSC, 2013.: 28).

Minha nacionalidade brasileira, minha formação na área da História Intelectual e em instituições localizadas no Estado de São Paulo são indicadores fundamentais para a compreensão dos mecanismos dessas lógicas. O caminho que trilhei até Williams, por intermédio do interesse pela teoria marxista e seus debates no decorrer do século XX, foi permeado pelas conexões entre economia, política e cultura. Conexões essas que me fazem relacionar Williams com seus compatriotas britânicos, tanto quanto com outros nomes do chamado marxismo ocidental oriundos de outros lugares da Europa, por exemplo, Alemanha e Itália.

Com a ciência da atuação dessas operações, eu escolho lembrar o Raymond Williams naquela que considero a sua melhor forma: quando da publicação do livro Marxismo e literatura, em 1977. Nesse ano de 2022, a obra também comemora um marco: 45 anos desde a sua publicação, ocasião fortuita para discutir alguns de seus aspectos e seu legado.

Na ocasião de seu lançamento, o livro suscitou, em sua maioria, reações positivas. Alguns exaltaram sua iniciativa revigorante ao enfocar a teoria marxista da cultura e o modo como seu retorno ao “jovem Marx” trazia consigo um marxismo reconfortante e de tom fenomenológico, isto é, de ir às “coisas elas mesmas” (Holm & Holm, 1978Holm, Cameron L. & Holm, Janis B. (1978) College English, 40/4, p. 450-456.: 454-455; Richman, 1979Richman, Robert. (1979). Some Other Magazine, 1, p. 31-34.: 35). Já outros criticaram o tom teórico e academicista do livro, bem como sua complexidade sintática “quase hegeliana” (Bhatti, 1979Bhatti, Anil. (1978/1979). Indian Journal of English (Mumbai), 18, p. 154-156.: 156; Timms, 1980Timms, E. F. (1980). Modern Language Review, p. 825-830.: 828).

Mesmo com todas essas nuances presentes, trata-se, sem dúvidas, de sua obra de maior folego teórico, nela o autor explora a teoria da cultura por meio de análises de seus conceitos básicos, bem como as contribuições do marxismo e da crítica literária a essa seara de estudos. O livro está dividido em três partes, na primeira delas são analisados os conceitos de cultura, linguagem, literatura e ideologia. Na segunda, são reavaliados os conceitos da teoria marxista, tais como base e superestrutura, determinação, forças produtivas, hegemonia, mediação e reflexo. Já na terceira, são examinados termos da crítica literária, linguística e semiótica como aqueles de autor e prática criativa, convenções, estética, formas, gêneros, processo de escrita e signos.

Para além desse conteúdo que segue valioso até os dias atuais para aqueles interessados nas abordagens materialistas da cultura, é por meio dessas avaliações que Williams delineia com maior clareza e profundidade a sua própria teoria e reclama seu lugar nessa tradição:

Eu estou preocupado também em desenvolver uma posição que, por uma questão de teoria, desenvolvi ao longo dos anos. Isso difere, em vários pontos centrais, do que é mais amplamente conhecido como uma teoria marxista, e até mesmo de muitas das suas variantes. É uma posição que pode ser brevemente descrita como materialismo cultural: uma teoria das especificidades da produção material da cultura e da literatura dentro do materialismo histórico (Williams, 1984Williams, Raymond. (1984). Marxism and Literature. London: Oxford University Press.: 5).

É na segunda parte, em minha avaliação, que se encontram os tópicos mais espinhosos e as discussões mais candentes de Marxismo e literatura, noções fundamentais que, mais do que orientar uma prática metodológica de pesquisa, respaldam uma concepção de mundo. As seções do texto que tratam da analogia da relação entre a base e superestrutura da sociedade e do conceito de determinação contêm essas características de modo exemplar. Williams recupera o que para ele seria a proposição central de Marx, a de que é o ser social quem determina a consciência. No entanto, “na transição do Marx para o marxismo” outra afirmação do pensador alemão ganhou protagonismo: a analogia de que a sociedade funciona a partir de uma base determinante e uma superestrutura determinada (Williams, 1984Williams, Raymond. (1984). Marxism and Literature. London: Oxford University Press.: 75). Segundo Williams, essa transição incorreu em uma mecanização dos sentidos e delimitação dos espaços, o que implicaria em uma incongruência com o dinamismo da primeira proposição. Para o galês, o foco deveria estar sempre nos processos constitutivos, o que o levou a fazer uma reavaliação crítica do próprio conceito de base:

É somente quando percebemos que ‘a base’, a qual é comum referir variações, é ela mesma um processo dinâmico e internamente contraditório […] que podemos começar a nos livrar da noção de uma ‘área’ ou ‘categoria’ com certas propriedades fixas para a dedução dos processos variáveis de uma ‘superestrutura’. A invariabilidade física dos termos exerce uma pressão constante contra essa simples constatação (Williams, 1984Williams, Raymond. (1984). Marxism and Literature. London: Oxford University Press.: 82).

Para Williams, o que precisaria ser estudado são os processos reais “específicos e insolúveis” que se expressam por meio da perniciosa ideia de determinação. O crítico enfatiza que um marxismo sem nenhuma categorização de determinação perderia seu sentido, no entanto, um excesso de conceitos diferentes de determinação o mutilaria. Seguindo a máxima de Engels, de que “Nós mesmos fazemos a nossa história, mas, antes de tudo, sob pressupostos e condições bem definidos” (Engels apudWilliams, 1984Williams, Raymond. (1984). Marxism and Literature. London: Oxford University Press.: 85), Williams designa determinação como o estabelecimento de limites e o exercício de pressões. O ponto central estaria, então, nas concepções das condições objetivas, de modo que

“Sociedade” nunca é apenas a “casca morta” que limita a satisfação social e individual. É também um processo constitutivo com pressões muito poderosas que são expressas tanto nas formações políticas, econômicas e culturais e, para assumir todo o peso do “constitutivo”, são internalizadas e se tornam “vontade individuais”. Determinações de todo esse tipo - um complexo e interrelacionado processo de limites e pressões - se localiza em todo o processo social em si e em nenhum outro lugar: não está em abstraídos “modos de produção” nem em uma “psicologia”. Qualquer abstração do determinismo […] seria, então, uma mistificação dos determinantes específicos e sempre relacionados, que são o processo social real - ativo e consciente -, bem como, por predefinição, uma experiência histórica passiva e objetivada (Williams, 1984Williams, Raymond. (1984). Marxism and Literature. London: Oxford University Press.: 87-88).

As interações entre esses fundamentos fortalecem o materialismo cultural de Williams e o elevam a um patamar teórico pujante. A ênfase na constituição das práticas, nas quais a cultura não figura como expressão máxima e sublime da humanidade e nem como reflexo da economia, permite acessar as complexidades dos processos de produção e reprodução da vida social.

Em Marxismo e literatura, o galês expõe suas contribuições de forma extraordinária em um movimento duplamente instigante. Pois, ao passo em que destrincha o “estado da arte” da crítica cultural de seu tempo, coloca-se como membro da tradição intelectual do materialismo histórico. Tais facetas se apresentam ao pesquisador da história intelectual - ou a qualquer estudioso interessado nesses temas - não somente como uma janela para os arranjos da crítica de quarenta e cinco anos atrás, mas também como fonte de inspiração para retomar o louvável esforço analítico presente na obra. Falando de onde estou, com os interesses de pesquisa e preocupações metodológicas que carrego, esse é o Williams que eu escolho lembrar. Junto-me às vozes daqueles que, localizados em diversas partes do mundo e por meio das lentes de suas práxis intelectuais, mobilizaram-se nas ações comemorativas do centenário desse pensador. Mesmos nos cenários desoladores de nosso contexto, ressoa em cada uma das palavras escritas ou proferidas nas celebrações dessa efeméride o desejo da transformação social, aquele toque de marxismo reconfortante já mencionado. Minha contribuição não poderia terminar de outro jeito:

É somente na crença e na insistência compartilhada que surgem alternativas práticas nas quais o equilíbrio de forças e oportunidades começam a se alterar. Uma vez que as inevitabilidades são desafiadas, começamos a reunir nossos recursos para uma jornada de esperança. Se não há respostas fáceis, ainda há respostas difíceis disponíveis e que podem ser descobertas, e são estas que agora podemos aprender e compartilhar. Esse tem sido, desde o começo, o sentido e o impulso da longa revolução (Williams, 1983Williams, Raymond. (1983). Cambridge English and Beyond. London Review of Books, 5/12, p. 3-8.: 268-269).

REFERÊNCIAS

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  • Baute, Carla. (2020). Tradição, inovação e historicidade no materialismo cultural de Raymond Williams. Dissertação de mestrado. PPGH/Universidade Estadual de Campinas.
  • Blackburn, Robin. (1989). Introduction. In: Williams, Raymond. Resources of Hope. London: Verso, p. ix-xxiii.
  • Bourdieu, Pierre. (1996). Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus.
  • Bourdieu, Pierre. (2002). A ilusão biográfica. In: Amado, Janaina & Ferreira, Marieta de Moraes. (orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 183-191.
  • Bourdieu, Pierre. (2006). Algumas propriedades dos campos. In: Questões de sociologia. Lisboa: Fim de Século, p. 125-126.
  • Bourdieu, Pierre. (2013). Homo academicus. Florianópolis: Editora da UFSC, 2013.
  • Cevasco, Maria Elisa (2003). Dez lições sobre os Estudos Culturais. São Paulo: Boitempo.
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  • Cevasco, Maria Elisa. (2014). Modernização à brasileira. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 59, p. 191-212.
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DOCUMENTOS

  • Artigo sobre Williams: WWE/2/1/7/2/40
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  • Kerr, Carline & Coster, Graham. (1986). Not My Cambridge.
  • Mitchell, Julian. (1958). Isis, 5 Nov. 1958.
  • Resenhas de Cultura e Sociedade: WWE/2/1/9/2/6
  • Resenhas de Marxismo e Literatura: WWE/2/1/9/2/13
  • Richard Burton Archives (RBA) - University de Swansea
  • Richman, Robert. (1979). Some Other Magazine, 1, p. 31-34.
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  • Timms, E. F. (1980). Modern Language Review, p. 825-830.

LINKOGRAFIA

  • ERRATA

    No manuscrito “Celebrando o centenário de Raymond Williams: uma investigação das lógicas da lembrança”, DOI: 10.1590/2238-38752022v1318, publicado em Sociologia & Antropologia, 13(1):1-29 (de acordo com as diretrizes da SciELO, os seguintes erros foram corrigidos na versão atual e no arquivo pdf correspondente),
    Nas páginas 1, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 22, 24, 26 e 28,
    Onde se lia:
    “RAYMOND HENRY WILLIAMS (1921-1988)”
    Leia-se :
    “CELEBRANDO O CENTENÁRIO DE RAYMOND WILLIAMS: UMA INVESTIGAÇÃO DAS LÓGICAS DA LEMBRANÇA”
    Na página 28, titulo do “abstract”,
    Onde se lia:
    “RAYMOND HENRY WILLIAMS (1921-1988)”
    Leia-se :
    “CELEBRATING THE CENTENARY OF RAYMOND WILLIAMS: AN INVESTIGATION INTO THE LOGICS OF REMEMBRANCE”
  • 1
    Para uma lista extensiva das publicações de Williams, Cf. O’Connor, Alan (1989O’Connor, Alan (1989). A Raymond Williams Bibliography. In: Eagleton, Terry. (org.). Raymond Williams: Critical Perspectives. Cambridge: Polity, p. 185-227.). A Raymond Williams Bibliography. In: Eagleton, Terry (org.). Raymond Williams: Critical Perspectives. Cambridge: Polity, p. 185-227.
  • 2
    No pós-Segunda Guerra, mais especificamente entre as décadas de 1960 e 1970, a New Left britânica surgiu como um grupo heterogêneo de pensadores de esquerda — formado por comunistas dissidentes, socialistas independentes e intelectuais radicais — que, diante dos avanços do imperialismo e das revelações dos abusos autoritários da União Soviética, almejaram repensar outros rumos políticos e fomentar novos debates intelectuais. Cf. Chun, Li. (1993Chun, Li. (1993). The British New Left. Edinburgh: Edinburgh University Press.). The British New Left. Edinburgh: Edinburgh University Press.
  • 3
    Hoje uma disciplina amplamente difundida por diversas partes do globo, os estudos culturais nasceram como um departamento acadêmico — o Center for Contemporary Cultural Studies —, fundado em 1964 por Richard Hoggart e parte do Departamento de Inglês da Universidade de Birmingham. Seu objetivo principal girava em torno do ensino e pesquisa de temas envolvendo a dinâmica entre cultura, política e sociedade. Hoggart estabeleceu os três textos fundadores dessa nova disciplina: The Uses of Literacy, lançado em 1957 e de autoria do próprio Hoggart; Cultura e sociedade de Raymond Williams, de 1958 e A formação da classe operária inglesa (1963), de E. P. Thompson, de 1963. Cf. Escosteguy, Ana C. D. (1998Escosteguy, Ana C. D. (1998) Uma introdução aos estudos culturais. Revista Famecos, 9, p. 87-97.) Uma introdução aos estudos culturais. Revista Famecos, 9, p. 87-88.
  • 4
    Todas as traduções para o português brasileiro citadas no corpo do texto são de minha autoria.
  • 5
    Nome dado a tradição dos English Studies (algo semelhante aos estudos literários na estrutura acadêmica brasileira) específica da Universidade de Cambridge. Na esteira do enorme prestígio que o estudo da literatura vinha ganhando na Inglaterra desde finais do século XIX, o Cambridge English se firmou como uma das mais prestigiosas escolas de crítica. Desenvolvendo metodologias como a crítica prática [practical criticism] e o close-reading, nomes como I. A. Richards e, sobretudo, F. R. Leavis se tornaram figuras predominantes na área. A fundação do periódico Scrutiny, por Leavis, em 1932 é um dos grandes marcos da hegemonia dessa escola, levando milhares de alunos a vincularem crítica literária a prestígio Intelectual na Inglaterra. Efeito que ainda pode ser sentido, em menor escala, até os dias de hoje. Cf. Eagleton, Terry. (2008Eagleton, Terry. (2008). The Rise of English. In: Literary Theory: An Introduction. Minneapolis: University of Minnesota Press, p. 15-46.). The Rise of English. In: Literary Theory: An Introduction. Minneapolis: University of Minnesota Press, p. 15-46; Cf. Mulhern, Francis (1979Mulhern, Francis (1979). The Moment of Scrutiny. London: Verso .). The Moment of Scrutiny. London: Verso.
  • 6
    A aplicação heterodoxa da sociologia das práticas de Pierre Bourdieu em minha presente argumentação vai além da ilusão biográfica e se fundamenta no uso do conceito de campo e seu profundo impacto na concepção do espaço social enquanto estrutura de relações. Entendo campo como um sistema de relações e disputas, “espaços estruturados de posições” dos mais diversos tipos — econômico, filosófico, político etc. — que contêm suas propriedades e disputas específicas, agregando pessoas e/ou Instituições dispostas a jogar “seu jogo”. Para o campo cultural, pesam as disputas em torno do capital simbólico, que envolvem complexas relações de força que variam conforme o tempo e disposição dos fatores. Cf. Bourdieu, Pierre. (2006Bourdieu, Pierre. (2006). Algumas propriedades dos campos. In: Questões de sociologia. Lisboa: Fim de Século, p. 125-126.). Algumas propriedades dos campos. In: Questões de sociologia. Lisboa: Fim de Século, p. 125-126 e Bourdieu, Pierre. (1996Bourdieu, Pierre. (1996). Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus.). Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, p. 169-173.
  • 7
    Esse esforço Intelectual foi empregado na pesquisa realizada por mim a nível de mestrado, de título Tradição, inovação e historicidade no materialismo cultural de Raymond Williams, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (FAPESP) entre os anos de 2017 e 2020 (processos nº 2017/08999-o e BEPE nº 2018/06742-2). Cf. Baute (2020Baute, Carla. (2020). Tradição, inovação e historicidade no materialismo cultural de Raymond Williams. Dissertação de mestrado. PPGH/Universidade Estadual de Campinas.).
  • 8
    Aqui vale a pena mencionar a publicação da obra The Long Revolution, em 1961. Livro com desenvolvimentos importantes e significativos para a teoria cultural de Williams, tido por diversos comentaristas e pelo próprio autor como uma “continuação” de Culture and Society (Williams, 1979Williams, Raymond. (1979). Politics and Letters: Interviews with New Left Review. London: Verso.: 133-134). Destaco os avanços nas contextualizações históricas presentes na obra (Williams, 1961Williams, Raymond (1961). The Long Revolution. Harmondsworth: Penguin.: 19-56) e aprofundamentos conceituais, como por exemplo de estrutura de sentimento (1961, 57-88). No entanto, mesmo com todo o seu significado na trajetória do crítico galês, considero The Long Revolution como desdobramento das preocupações Iniciais da carreira de Williams e fortemente vinculado a tradição do Cambridge English (Madden, 1962Madden, William. (1962). The Long Revolution. Cross Currents, 12/1, p. 108-112.: 108). Assim, apesar de ser um marco, não figura ao lado das obras teóricas da década de 1970 por se tratar, em minha leitura, de um momento distinto da carreira do autor, dotado de diferentes posturas teórico-metodológicas, as quais quero realçar a fim sustentar o argumento desse artigo.
  • 9
    Por essa razão, a contribuição de Daniel Williams a esse dossiê, com o artigo “A identidade de Raymond Williams”, é tão significativa.
  • 10
    Todos os eventos, celebrações e publicações estarão listados na seção “Linkografia” ao final do texto. Foram adicionados também alguns artigos de opinião e um curso ofertado que não figuraram na discussão do texto.
  • 11
    As Black Mountains são um grupo de montanhas situadas entre os condados de Powys e Monmouthshire no sudeste do País de Gales, parte delas cruzam a fronteira com a Inglaterra e chegam ao condado de Herefordshire.
  • 12
    Artigo escrito em 1971 por Williams e publicado em Williams, Raymond (2003). In: Williams, Daniel (org.). Who speaks for Wales?: Nation, Culture, Identity. Cardiff: University of Wales Press, p. 47-50.
  • 13
    Fiz parte da segunda mesa do simpósio, com a comunicação “Across the Atlantic: a research itinerary of Raymond Williams’ reception in Latin America. Cf. https://youtu.be/C__TY5oTZOs. Acesso em: 15 jun. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2022
  • Revisado
    05 Set 2022
  • Aceito
    08 Set 2022
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