Open-access Violência simbólica na experiência de estudantes universitários LGBT

Violencia simbólica en la experiencia de estudiantes universitarios LGBT

Resumo

Desde a infância, a violência simbólica é um processo vivenciado por pessoas LGBT diante das sanções da heteronormatividade hegemônica. A universidade se constitui como espaço de possibilidade e mudança para muitas pessoas, com uma expectativa em particular: a de maior abertura à pluralidade moral e, portanto, à diversidade. Este artigo investiga as experiências de violência simbólica e os contornos do habitus vividos por universitários LGBT, por meio de entrevistas não estruturadas com 16 estudantes analisadas a partir do arcabouço teórico de Bourdieu. A violência simbólica se mostrou presente na vida de todos, se manifestando em diversos ambientes e instituições, inclusive na vida acadêmica universitária, mas principalmente na vida familiar e escolar. Diante das imposições do habitus heterossexual, os indivíduos desenvolvem diversos recursos, com destaque para a aquisição de capital social, como a militância LGBT. No entanto, a universidade precisa concretizar ações específicas de enfrentamento às violências e de respeito à diversidade, considerando seu papel como instituição socialmente responsável pela educação de cidadãos para além de profissionais. Esse é um desafio já presente na definição da agenda ético-política universitária, que se torna ainda mais complexo em tempos de luta pela própria manutenção do sistema democrático no Estado brasileiro.

Palavras-chave: Violência de Gênero; LGBT; Diversidade; Universidades; Educação Superior

Resumen

Desde la infancia, la violencia simbólica es un proceso vivido por las personas LGBT ante las sanciones de la heteronormatividad hegemónica. La universidad se constituye como espacio de posibilidad y cambio para muchos, con una expectativa en particular: la de mayor apertura a la pluralidad moral y, por lo tanto, a la diversidad. Han sido investigadas las experiencias de violencia simbólica y los contornos del habitus vividos por universitarios LGBT. Han sido realizadas entrevistas no estructuradas con 16 estudiantes, analizadas a partir del marco teórico de Bourdieu. La violencia simbólica se mostró presente en la vida de todos. Ocurre en diversos ambientes e instituciones, con primacía en la familia y en la escuela, pero también en la vida académica universitaria. Ante las imposiciones del habitus heterosexual, los individuos desarrollan recursos, entre los cuales hay que destacar la adquisición de capital social, como la militancia LGBT. Pero la universidad, como institución socialmente responsable por la educación de ciudadanos más allá de profesionales, necesita concretar acciones específicas de enfrentamiento a las violencias y de respeto a la diversidad. Un desafío ya presente en la definición de la agenda ético-política universitaria, aún más complejo en tiempos de lucha por el propio mantenimiento del sistema democrático en el Estado brasileño.

Palabras clave: Violencia de Género; LGBT; Universidades, Educación Superior

Abstract

Since childhood, symbolic violence has been a process experienced by LGBT people facing the sanctions of hegemonic heteronormativity. University is a space of possibility and change for many people, with a particular expectation: of greater openness to moral plurality and, thus, diversity. This article investigates experiences of symbolic violence, and the contours of the habitus lived by LGBT university students, by using unstructured interviews with 16 students, analyzed from the theoretical framework of Bourdieu. Symbolic violence was present in all their lives, showing itself in different environments and institutions, including the university academic life, but mostly on their family and school life. Facing impositions of the heterosexual habitus, individuals develop resources, with the acquisition of social capital, such as LGBT militancy, standing out. However, the university needs to concretize specific actions to face violence and respect diversity, considering its role as an institution socially responsible for the education of citizens on top of professionals. This is a challenge already present in the definition of the ethical-political university agenda, that becomes even more complex in times of struggle for the very maintenance of the democratic system in the Brazilian State.

Keywords: Gender-based Violence; LGBT; Universities; Education, Higher

Introdução

A despeito da proeminência dos estudos sobre violência urbana - no trânsito ou doméstica - na literatura acadêmica nacional e internacional, persistem lacunas quanto à temática da violência entre as minorias sexuais em relação a seus contornos, formas de apresentação, sujeitos e assujeitamentos. Natividade e Oliveira (2013) defendem que Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (LGBT)1 apresentam posições objetivas e subjetivas que implicam em discriminação e sentimento de inferioridade, caracterizadas por exclusões, privações e tratamentos desiguais frente a heterossexuais.

As problemáticas da população LGBT constituem assunto emergente, reflexo do gradual ganho de espaço na vida pública, política e no campo científico (Natividade; Oliveira, 2013). Notadamente é tema de relevância nas ciências sociais, trazendo à tona as configurações sociais que constroem sentidos e discursos, em face das situações experienciadas por esse grupo nas lutas por visibilidade e garantia de direitos (Warner, 2000).

As exclusões experimentadas pela população LGBT se relacionam à quebra nas expectativas sociais oriundas da heteronormatividade, importante conceito mobilizado nas discussões sobre sexualidades nos estudos de gênero e nos estudos queer, que se refere ao modo que as instituições sociais e as formas de comportamento reforçam e/ou produzem a crença de que a heterossexualidade é o parâmetro normal para as pessoas e que o que dela difere é, por consequência, um desvio dessa normalidade (Blankenau et al., 2022; Mayo, 2018).

O uso do termo heteronormatividade, presente nos estudos sobre as discriminações sofridas pelas pessoas LGBT, tem uma trajetória histórica importante que deve ser entendida. A naturalização da normalidade da heterossexualidade e da anormalidade dos homossexuais têm uma longa tradição de análise crítica da sociedade, destacando-se os estudos de Michel Foucault a partir da década de 1970. Foucault (2017) argumenta que a heterossexualidade se constitui a partir dos mecanismos de saberes que excluem, reprimem e repudiam a homossexualidade, permitindo as operações do dispositivo da sexualidade que, por efeito, constroem-se na distribuição hierárquica do poder, estabelecendo assim o “outro subordinado”, o homossexual.

O importante trabalho de Adrienne Rich (1980) analisa criticamente a institucionalização de dicotomias associadas ao bom e ao ruim, ao correto e ao incorreto, que estrutura certo modelo baseado na exploração por parte do masculino - assim como o controle sobre o feminino -, ao conceituar a heterossexualidade compulsória e a exclusão da existência de mulheres lésbicas, seja por sua condenação enquanto aberrações, seja pela sua invisibilização sistemática em todos os espaços e manifestações de legitimidade, tais como as instituições familiares, escolares, laborais etc.

Patricia Murphy Robinson (1984) analisou a construção histórica do patriarcado e como a intersecção dos sistemas de sexo e gênero resultou nas hierarquias de poder que se sustentam pelos papéis de gênero atribuídos, e suas operações se dão por meio da normalização da heterossexualidade nas relações sociais e nas estruturas econômicas, ao passo que Gayle Rubin (1984) defende que o campo da sexualidade tem dinâmicas, políticas, desigualdades e modos de opressão próprios quando comparado a outras dimensões do social, princípios sintetizados em sua importante conceituação de que “[…] sexo é sempre político”2 (Rubin, 1984, p. 267, tradução livre), criticando a essencialização do sexo e defendendo que a análise das opressões deve levar em conta que a sexualidade vai muito além do entendimento biológico dos elementos envolvidos. Rubin (1984) aponta que se opera uma estratificação das pessoas na sociedade a partir de sistemas ideológicos que legam maior valorização para os parâmetros da heterossexualidade, enquanto os que são diferentes são oprimidos.

Os primeiros a utilizar o termo heteronormatividade foram Warner (1991) e Seidman (1991), ao considerarem a heterossexualidade como ponto focal de uma normativa em suas investigações sobre como são oprimidas as pessoas que apresentam outras sexualidades além da mencionada. Na concepção desses autores, a heteronorma é o efeito da lógica que implica na produção constante da hierarquização, normalização e exclusão, se diferenciando de literatura anterior por argumentarem que a construção social da identidade gay reforça o sistema sexual dominante hetero-homo, já que um se torna a contraparte do outro. Nessa abordagem, a heteronormatividade não é apenas um sistema de privilégios da heterossexualidade, mas a capilarização das relações de poder em que as opressões sociais se relacionam com os diversos aspectos da heteronorma, construindo inclusive as normas de sociabilidade (Warner, 1991).

Segundo Bell (2009), a heteronormatividade é um conjunto de dispositivos explícitos e implícitos, suposições, práticas e crenças que constantemente reafirmam a normalidade e a naturalidade da heterossexualidade como única forma adequada. O autor ressalta que a mobilização do termo é polissêmica, com abordagens que vão desde comportamentos, crenças, rituais e instituições até as discussões sobre diferenças, funções e expectativas sociais decorrentes da divisão binária dos órgãos genitais.

Judith Butler (2003) argumenta que os gêneros são constituídos a partir do resultado de performances, ou seja, que não têm existência em si. São realidades construídas a partir de contextos naturalizados, mas que são processuais e contingentes. A autora discorre sobre a insuficiência dos aspectos biológicos para a constituição do “ser homem” e do “ser mulher”, defendendo que os gêneros são conformados nos atos continuamente reiterados pela sociedade, como na atribuição de nomes e funções que seriam específicas de cada gênero, construindo assim tecnologias e funcionamentos para o corpo a partir dessas denominações e atribuições. De tal modo, constrói-se a ideia de que a performance socialmente esperada é binária - homem ou mulher - com parâmetros instituídos por meio de uma relação de coerência e de continuidade entre sexo biológico e gênero, prática sexual e desejo. Tudo aquilo que escapa desse binarismo está fora da inteligibilidade dessa matriz, gerando consequências sociais, frequentemente na forma de repreensões.

Outras abordagens se valem do conceito de certa “matriz heterossexual” nas sociedades ocidentais contemporâneas, que tem por efeito a equiparação entre gênero, sexo e desejo, reunidas por meio das práticas institucionais, socioespaciais e suposições. A suposição do normal atrelado à matriz heterossexual passa pela concepção de que o casal heterossexual é o parâmetro para a sociedade, visão em que os relacionamentos se baseiam na união romântica, sexual, (potencialmente) reprodutiva, monogâmica e vitalícia de dois sujeitos de sexos opostos, ritualizada por meio de cerimônia religiosa ou civil, e apoiada por inúmeras instituições (governo, religião, família etc.) e práticas (demonstrar afeto, ter filhos, comemorar aniversários etc.).

Decorrente desses elementos, temos a normalização da heterossexualidade analisada pelas vertentes teóricas feministas e queer, que estudam a “heterossexualidade compulsória”, termo alcunhado por Michael Warner (2000). Esse aspecto da heterossexualidade se refere aos diversos dispositivos prescritores de certas identidades, práticas e instituições, assim como aos mecanismos de proibição de outras. Nessa perspectiva teórica, a heterossexualidade está instituída como única possibilidade legítima e naturalizada de expressão da identidade e do comportamento sexual, de forma que tudo o que é diverso se caracteriza como desviante, aberração, patológico, perverso, imoral e/ou criminoso (Warner, 2000).

Os diversos prejuízos que assolam as pessoas LGBT frente às heterossexuais ocorrem tanto no seio da família, quanto nas ruas e nas relações com desconhecidos, resultando, inclusive, em mortes (Mendes; Silva, 2020). As pessoas travestis, transexuais e transgêneras estão entre as mais vulneráveis à violência nas ruas, dada sua maior exposição e prejuízo sociais, enquanto as lésbicas apresentam maiores riscos de atos violentos impetrados no lar por familiares, com agressões físicas e o chamado “estupro corretivo” (Carrara; Vianna, 2006).

A despeito da gravidade dessa violência, existe um caráter velado, quase oculto, que faria parte de um “complô moral do silêncio”, mesmo em escolas e universidades (Natividade; Oliveira, 2013). Um exemplo desse silêncio que revela indiferença ou até mesmo negligência pode ser observado no número de arquivamento de casos de violência denunciados, dificultando o próprio dimensionamento do problema (Carrara; Vianna, 2006).

Segundo Bourdieu (1996, 2007), os grupos sociais hegemônicos coagem os demais, buscando a reprodução de sua posição social e da coesão que mantém a sociedade por meio de certo modus operandi, a partir da economia das trocas simbólicas e das posições sociais de quem pode dar e de quem precisa receber. Os grupos reproduzem as respostas socialmente aprendidas por meio das experiências do que é considerado moralmente correto/incorreto. Constitui-se assim o habitus, que “funciona como engrenagem do campo de maneira a manter a reprodução social das crenças [e valores morais], por meio da incorporação legítima de cada agente e da posição social que ocupa na estrutura em que está inserido” (Bourdieu, 2004, p. 24).

Nesse processo opera a violência simbólica, que “é essa violência que extorque submissões que sequer são percebidas como tais, apoiando-se em expectativas coletivas, em crenças socialmente inculcadas” (Bourdieu, 1996, p. 23). Violência que “se exerce com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e, com frequência, dos que a exercem, na medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la ou de sofrê-la” (Bourdieu, 1997, p. 22). Trata-se de mecanismos que tornam naturalizadas as representações ou as ideias dominantes de indivíduos de determinada rede social. Mecanismos estes que impõem a “aceitação” de regras e sanções para transgressões, e que dificultam a análise das práticas linguísticas, das regras jurídicas ou morais. Assim, a violência simbólica se manifesta pelos agentes e pelas instituições que as movimentam e firmam o exercício da autoridade. Por essas razões, tal violência pode ser examinada a partir da adesão dos dominados (Vasconcelos, 2002).

Na temática do gênero, a violência simbólica se vale de relações sociais desiguais e veladas entre gêneros, em que os indivíduos “submetem-se às normas que definem o que deve ser o corpo, não só na sua configuração perceptível, mas também na sua atitude, na sua apresentação etc.” (Bourdieu, 1996, p. 25).

Vale ressaltar que não foram encontrados estudos brasileiros que relacionem violência simbólica entre universitários LGBT, e na literatura científica internacional foram encontrados poucos (Blankenau et al., 2022; Martínez-Guzmán; Íñiguez-Rueda, 2017; Mayo, 2018). Assim, este artigo tem como objetivo investigar os contornos dos habitus e as experiências de violência simbólica vividas por universitários LGBT, buscando dar visibilidade e possibilitar a compreensão da temática, particularmente no âmbito da educação superior.

Percurso metodológico

Neste trabalho se adotou a análise temática, seguindo a abordagem de Virginia Braun e Victoria Clark (2013) na identificação de temas e padrões de significado no conjunto de informações a partir da questão de pesquisa. As autoras defendem que a análise temática é singular por apresentar flexibilidade frente a outros métodos qualitativos, ao possibilitar a análise de informações sem prescrever métodos de coleta de dados, posições teóricas, marcos epistemológicos ou ontológicos.

A pesquisa foi desenvolvida com estudantes universitários LGBT de uma universidade federal do Sul do Brasil, após aprovação do projeto de pesquisa por um Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos (CAAE 34999514.4.0000.0118). Foram entrevistados dezesseis universitários; dentre eles, nove se identificaram como membros da militância LGBT. A adoção desse critério de autoidentificação e inclusão de ambos os grupos não teve como intenção a comparação entre grupos, mas garantir que as perspectivas levantadas fossem amplas, para além da vivência dos movimentos sociais LGBT, incluindo assim outras posições ético-políticas relevantes.

A seleção dos participantes se deu pela técnica da bola de neve (Bernard, 1995), que permite a coleta de dados de certa rede de socialização, a partir dos contatos entre os participantes. Existiam na época diversos coletivos com foco em direitos humanos, especialmente nas pautas étnico-raciais e feministas, por se tratar de uma Instituição de Ensino Superior pública que discute essas temáticas há décadas, com relevantes pesquisas e extensões universitárias relacionadas. Entendendo que a especificidade da temática LGBT é fundamental para a pesquisa, o início da bola de neve se deu com o presidente do coletivo LGBT mais antigo da universidade, que também era composto por estudantes oriundos de diversos centros de ensino. A esse interlocutor inicial foi solicitada a indicação de outras pessoas, que foram contatadas com a proposta da pesquisa. As que aceitaram participar forneceram novas indicações. Esse procedimento foi repetido até obter quantidade representativa de pessoas identificadas com as identidades de gênero e orientações sexuais formadoras do grupo LGBT e até que os novos relatos deixaram de acrescentar informações singulares relevantes, atingindo assim a suficiência nos dados coletados.

No Quadro 1 são apresentadas as principais informações dos participantes da pesquisa.

Quadro 1
Descrição das características dos participantes

Empregou-se a entrevista não estruturada por se tratar de uma orientação metodológica que permite ao próprio entrevistado conduzir o diálogo junto ao entrevistador, ampliando as possibilidades de explicações e de sentidos, a partir de uma questão disparadora relacionada à do próprio entrevistado (Mattos, 2005). A pergunta disparadora foi assim formulada: “Você considera que o fato de as pessoas suporem ou saberem de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero não heterossexual desencadeou algum tipo de prejuízo subjetivo ou objetivo em sua história de vida?”.

Conforme as informações que o próprio entrevistado ia progressivamente trazendo à entrevista, os pesquisadores aprofundavam pontos referentes às vivências e às experiências relacionadas ao tema, tanto em relação à vida pessoal como à vida universitária, a fim de estimular o aprofundamento da narrativa e de captar detalhes, sem intenção de chegar a um consenso, mas a sentidos ali mesmo construídos. Cabe ressaltar que cada entrevista foi tomada como uma construção social, nascida, portanto, na dinâmica das relações sociais coletiva e historicamente elaboradas e construídas, e na interação de entrevistador e entrevistado (Spink, 2010).

As entrevistas foram registradas em gravador digital e transcritas na íntegra, com duração média de 40 minutos. As transcrições foram lidas integralmente e, após apropriação de seus conteúdos, foram realizadas seleções dos mais significativos e relevantes ao objeto de pesquisa. A partir da articulação desses conteúdos entre as diferentes narrativas, puderam ser percebidas categorias emergentes. A análise dessas categorias empregou o conceito de violência simbólica, proveniente do arcabouço teórico de Bourdieu (1996, 2004, 2007).

Dadas algumas diferenças nos dados obtidos entre entrevistados militantes e não militantes, optou-se por realizar uma análise parcialmente separada, em que não se objetiva o confronto das experiências, mas a preservação das singularidades e as diferentes formas de mobilização de recursos, o que possibilita uma maior compreensão da realidade por eles vivenciada.

Resultados e discussão

A violência simbólica contra pessoas LGBT na universidade se revelou por meio de elementos cotidianos entre estudantes não militantes. As “[…] coisas pequenas do dia a dia” (entrevista 12, homem gay), tais como cumprimentos e formas de tratamento que ridicularizam as pessoas LGBT. A vivência constante de desvalorização das identidades LGBT em um contínuo de piadas até o emprego de termos como “anormalidades”, “aberrações” e “absurdo” foram marcados como limitadores e constrangedores, e que progressivamente ensinam as pessoas LGBT a não se revelarem enquanto tal. Os entrevistados apontam que a família tem centralidade na discriminação, representando o núcleo do conservadorismo moral, em experiências correlatas às vivenciadas no âmbito universitário.

Entre militantes, as expressões de violência simbólica foram semelhantes às dos não militantes, mas com análise ampliada por parte dos entrevistados, que consideram esses elementos mecanismos para repressão das expressões de suas sexualidades ou pela vivência de manifestações de deslegitimação política frente aos heterossexuais. Ressalta-se que entre os bissexuais há um sentimento de pouco pertencimento também no meio LGBT, em que são pressionados a se definirem como heterossexuais ou homossexuais: “É muito difícil tu falares de violência sem ter um olho roxo pra mostrar. As pessoas não dão importância, peso pra isso” (Entrevista 7, mulher bissexual). “É tudo mais complicado, porque não é só aquela violência que a pessoa te ofende, é o olhar, a maneira como os outros te observam, pelo jeito como andas, pela roupa que vestes” (Entrevista 3, homem gay). “[…] por ser bi, as pessoas me pressionam a escolher um lado: ‘Se decide logo, como hétero ou lésbica!’” (Entrevista 16, mulher bissexual).

Na medida em que o habitus é um sistema de estruturas sociais “estruturadas e estruturantes”, que promove a geração unificada de práticas e ideologias características do grupo de agentes (Bourdieu, 1996), a heterossexualidade como norma social se relaciona ao contexto de violência simbólica contra características de identidade LGBT que implicam um descompasso entre as pessoas e o que delas se exige. Os elementos de reprodução desse habitus heterossexual podem ser apontados na desvalorização das pessoas LGBT e de suas identidades e aspirações, operando pela incorporação de padrões oriundos da heteronormatividade, mantida e reforçada por meio de mecanismos de violência simbólica.

Na sociedade brasileira ainda é constante o preconceito contra as pessoas LGBT, acompanhado de cumplicidade social e resguarda dos grupos para essas práticas, veladas ou não (Valadão; Gomes, 2011), panorama que se relaciona com as denúncias e expressões de preconceitos da experiência dos estudantes universitários que participaram do estudo. Esse preconceito se concretiza em discriminação e violência quando essas pessoas revelam sua identidade de gênero, considerada incongruente com a expectativa social. E a depender do grau de inconformidade, percebe-se maior ou menor violência (Carrara; Viana, 2006), mesmo nos ambientes acadêmicos.

Para os entrevistados, a expectativa era de que a universidade seria um ambiente diferente da família e da escola, mas na prática relatam que, embora a violência simbólica perpetrada pelo discurso moralista de familiares, colegas, professores e professoras do período escolar tome outras tonalidades, não se distancia das vivências pregressas ao ingresso universitário, indicando que a pressão para adequação à heteronormatividade está arraigada até mesmo no meio em que a reflexão e a ciência são mais demarcadas.

No ensino médio eu comecei a perceber que gostava de mulheres, apesar de eu não… nunca agir em relação a isso, por meu ensino médio ser muito preconceituoso. Colegas e professores faziam piadas com gays, até entre minhas amigas, mas mais pelos homens, até mesmo professores, fazendo piadas. Na universidade não é diferente, mas eu esperava que fosse. (Entrevista 15, mulher lésbica)

Eu nem tinha consciência do que era aquilo, ainda não havia ‘despertado a minha sexualidade’, e aquilo era muito abstrato porque eu pensava: ‘por que estão me chamando assim?’ (Entrevista 3, homem gay).

Toledo e Teixeira Filho (2013) analisam que as famílias constituem o primeiro espaço em que as normas sobre a sexualidade aparecem na vida das pessoas, e os adolescentes que já se sabem LGBT não se assumem facilmente para os familiares por temerem sanções, o que pode estar relacionado à idealização que os entrevistados apresentaram, tanto militantes e como não militantes, de que a universidade era concebida como o local em que poderiam estabelecer relacionamentos afetivos e de ambientes seguros, mas ao se defrontaram com situações de constrangimento e deslegitimação das dissidências da heterossexualidade, relatam reforço nos ressentimentos e baixa autoestima: “[…] quando eu confirmei que era gay pra minha mãe, ela perguntou se eu queria revelar isso pra família, e ela perguntou se eu não pensava nela, na impressão que o filho dela ia causar na família, e isso magoou bastante” (Entrevista 11, homem gay).

[…] ela [a mãe] me questionou sobre a amiga, ao eu dar a entender que tinha relacionamento com ela, ela me tirou celular e computador, além de me deixar trancada em casa um mês e me tirar da escola. Após esse mês, ela me mandou para um colégio de freiras, mais conservador. (Entrevista 13, mulher bissexual)

Eu achei que iria encontrar acolhimento e espaço na universidade para ser quem eu sou. Mas meus professores e até mesmo colegas são iguais a minha família repressora. Não posso ser quem eu sou em termos da minha sexualidade e romances. (Entrevista 15, mulher lésbica).

A vivência de bullying no ensino fundamental e médio (Lacerda; Pereira; Camino, 2002) foi marcante para os entrevistados, que associam essas experiências pregressas a outras situações no ambiente universitário, tais como olhares e risos discriminadores, chacotas e humilhações, e até mesmo agressões físicas em espaços de socialização. Assim, existe um contínuo entre a fase da vida de experimentação e formação da identidade sexual e pessoal da infância/adolescência (socialização primária) e a vida universitária (socialização secundária), por conta da violência simbólica no ambiente acadêmico. Isso cria obstáculos para as pessoas LGBT vivenciarem os espaços universitários em sua plenitude. A análise dos dados evidenciou elementos de violência simbólica do contexto de socialização primária estendidas à vivência na universidade, inclusive na forma de abordagem dos conteúdos de diversidade sexual com enfoque em sutilezas discriminatórias ou no tratamento da diversidade sexual como doença ou desvio, captados nos discursos docentes.

Para os militantes, o lócus de homofobia que representa, sobretudo, a família, também os coloca em dilema frente ao desejo de se assumirem e de manter relações com os familiares que os excluem. Há uma grande quebra de expectativas quando encontram também na universidade situações correlatas. A universidade dá seguimento ao que se vivenciava no ambiente familiar, demandando ocultamento da sua identidade de gênero e da sexualidade. O estabelecimento de laços sociais é fundamental no desenvolvimento de capital social, entendido por Bourdieu (1996) como “o agregado dos recursos efetivos ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo” (p. 43), o que reforça a importância de que o ambiente universitário seja inclusivo e permita a construção desses laços entre todos.

Pensando a temática da construção identitária sexual e de gênero no contexto escolar e tomando como ponto de partida o citado conceito de capital social, Britzman (1996) advoga pelo conceito de capital sexual, que entende como uma economia política das sexualidades. Uma série de relações necessárias entre, de um lado, a heterossexualidade e a homossexualidade e, de outro, as desequilibradas e subordinadas diferenças entre os signos do valor de uso e do valor de troca. Os saberes que organizam e desorganizam o capital sexual e as conflitantes representações da sexualidade que estão disponíveis podem, pois, perfeitamente nos dizer algo sobre como as identidades sexuais se tomam normalizadas e criminalizadas. Da mesma forma, esses diferentes e conflitantes discursos também indicarão as práticas e as condutas sociais contraditórias que tomam inteligíveis e ininteligíveis conceitos como afeição, desejo e erotismo.

Ao explorar a problemática do capital sexual, Britzman (1996) busca algo mais transgressivo do que analisar as formas como a heterossexualidade é normalizada e disponibilizada no contexto educativo, buscando compreender:

as experiências vividas entre, de um lado, aquelas formas de sexualidade que são valorizadas e intercambiadas por aceitação social e competência social, prazer e poder e, de outro, aquelas formas que não têm valor de troca e, contudo, prometem prazer, mesmo quando o preço disso é o desestímulo social e o ostracismo. (p. 76)

Esse capital sexual, portanto, acaba sendo reconhecido por meio de uma exibição excessiva de heterossexualidade. Ao se submeterem a essas representações generificadas e sexuais, os entrevistados apresentam indícios de “vestirem” o habitus, ainda que temporariamente. E, ao fazê-lo, contribuem para sua reprodução, como eles mesmos percebem. Um conflito decorrente da inadequação entre dois desejos: o de ser quem se é (liberdade e prazer) e o de se livrar do policiamento de gênero (liberdade e pertencimento) ao se atender à expectativa ou ser como a maioria, que se trata de um contexto de reafirmação de estratégias e processos simbólicos para manter e regular as relações entre a estrutura social e a agência (Bourdieu, 1996, 2007): “Minha mãe até me questionou quando eu tinha 18 anos: ‘quando vais levar uma menina lá em casa?’ Lembro de ficar todo vermelho, e senti aquilo como uma violência, por ser uma cobrança de algo que não é meu” (Entrevista 12, homem gay). “A professora que falava sobre diferenciação sexual ensinou que o intersex é o que se chama de travesti” (Entrevista 3, homem gay). “A professora de psicologia médica e psiquiatria médica falam em homossexualismo, lesbianismo” (Entrevista 9, mulher bissexual).

Já as experiências de violência simbólica nos espaços públicos foram retratadas por militantes com mais intensidade do que entre os não militantes. Eles têm uma percepção mais nítida sobre dificuldades como transitar livremente nesses espaços com características que provocam discriminação por parte das pessoas heterossexuais, por haver uma série de manifestações homofóbicas mais ou menos evidentes que os colocam em um estado permanente de alerta, levando-os a se perguntar o porquê da não ocorrência dessas violências com heterossexuais. Outra diferença na percepção dos dois grupos esteve relacionada ao relato mais frequente de violência simbólica eufemizada por parte dos militantes. Significa dizer que estão mais atentos à violência velada pelo uso de termos como “apenas não gosto”, “até respeito, mas não aceito”, ou ainda de discursos que tentam diminuir o peso das discriminações de gênero ao compará-las deliberadamente a outras, como à étnico-racial, ao padrão estético-corporal e à econômica: “Não, eu não estou errado. Eu tô demonstrando a minha afetividade, as pessoas hétero fazem isso o tempo todo. Por que eu não tenho direito? Já fui recriminado no curso quando estava com meu companheiro” (Entrevista 3, homem gay). “Sei lá, é pra dar vontade de se matar o tempo todo porque é muito ruim tu não conseguires existir, tu não conseguires simplesmente ser e estar em um lugar, de boa. Nem de criança, nem de adolescente, nem como adulta” (Entrevista 6, mulher transexual).

Entre os não militantes, um aspecto que se destacou foi a falta de exemplos e referências de pessoas LGBT em seus processos vivenciais, particularmente nas cidades pequenas, em que os relatos próprios de estereotipagem e ridicularização foram muito mencionados. Nesses locais parece ampliada a sensação de constante vigilância das atividades cotidianas e relações pessoais, como se fosse uma fiscalização do habitus mais ostensiva e de alcance mais íntimo. Percebem-se assim estratégias de opressão que se manifestam como inviabilização, “uma estigmatização que só aparece de forma realmente declarada quando o movimento reivindica a visibilidade” (Bourdieu, 1996, p. 123). Novamente, a universidade é referida como um espaço de esperanças partidas, na medida em que os não militantes também relatam que esperavam poder viver com mais tranquilidade sua “não heterossexualidade”: “Em Florianópolis comecei a naturalizar ser gay, que tinha mais gente como eu, e que não precisava ser ‘bicha louca’ para ser gay. Via homens gays, vivendo e trabalhando normalmente. Pena que na universidade não posso ser quem eu sou sempre” (Entrevista 10, homem gay).

Também nos espaços de socialização secundária - como a socialização profissional que em grande medida ocorre nas universidades - a violência simbólica é marcante. Os currículos dos cursos de graduação impetram enquadramentos e reforçam a violência simbólica com relação às identidades LGBT, na medida em que os conteúdos prescritos pelo currículo dito “formal” partem de uma pressuposta normalidade biológica heterossexual e masculinista. Ainda além, o currículo oculto - aquele que envolve as influências de todas as relações sociais envolvidas no processo ensino-aprendizagem (Finkler; Negreiros, 2018) - participa ativamente da formação universitária por meio de manifestações implícitas e explícitas de preconceito e/ou desconhecimento sobre diversidade sexual que circulam formal e informalmente. O próprio silêncio sobre a diversidade sexual no ambiente universitário foi interpretado pelos entrevistados como uma manifestação de violência simbólica:

No meu curso de graduação, especificamente, tem dois lados. Os alunos, eu imagino que 90%, aceitam essa questão bem, mas os professores é o exato oposto. Em algumas aulas em que essa questão é levada à tona, às vezes eu me sinto constrangido, porque os professores às vezes dão declarações que mostram seu conservadorismo e despreparo para tratar do tema. (Entrevista 11, homem gay)

Esse ponto é particularmente importante, porque é justamente no decorrer da vida universitária que muitas pessoas LGBT têm mais chances de conseguir visibilidade social. Mas a universidade, com poder de legitimação e perpetuação da ordem social (Bourdieu, 1998), ao desconsiderar a não binaridade das identidades de gêneros e ao silenciar a diversidade sexual, opera o habitus heterossexual, reafirmando a heteronormatividade, tal como apontado pelos participantes da pesquisa.

Nesse sentido, os não militantes relataram grande importância aos laços de amizade com pessoas heterossexuais que não os discriminam, na medida em que representam segurança, pelo sentimento de pertencimento e por um certo rompimento com o mecanismo punitivo de que temem constantemente ser vítimas. O desenvolvimento desses laços foi estabelecido na idade adulta, muitas vezes por mudança de cidade, buscando um espaço em que pudessem assumidamente expressar sua orientação sexual, longe da vigilância familiar. Nesse sentido, tais afetos são valorados como reforço no enfrentamento das imposições coercitivas da heteronormatividade.

[…] ao sair e fazer amigos como essa minha amiga hétero, mesmo que ela não enfrente as mesmas dificuldades e pressões que eu, só por ela perceber homossexuais como algo normal, já me faz sentir seguro, ao perceber que existem outras pessoas que pensam como eu, e no meu círculo de amigos são todos muitos parecidos comigo. (Entrevista 12, homem gay)

Já para os militantes, a importância da universidade como um espaço para conhecer outras pessoas de identidades LGBT foi aludida como ainda mais importante, por propiciar relacionamentos e a construção de amizades anteriormente inviáveis. Nesse contexto, destacou-se a possibilidade de trocas de experiências com pessoas que possuem trajetórias de vida semelhantes, para quem a militância surgiu como um espaço emblemático, mas não exclusivo. Tais relações aportam significativo aumento da autoestima, talvez pela percepção de não estarem mais sozinhos. “Já na universidade eu fiz mais esse processo de passar da vergonha para o orgulho” (Entrevista 3, homem gay).

Tendo esse contato e vendo que tantas pessoas conseguem existir, vai te dando força pra veres que não estás sozinha, que não és a única. E que há exemplos pra te espelhares […] aprendi com outros o poder de ser o protagonista, de poder retrucar contra todas as opressões que tu sofres. (Entrevista 7, mulher bissexual)

Foi na militância que os entrevistados aprenderam diversas estratégias para firmar sua identidade de gênero e aprender como existir nos diversos espaços sociais. Por isso, o grupo de militantes foi definido como uma rede de apoio que permite verdadeiras trocas materiais, culturais e simbólicas, especialmente quando a violência se manifesta contra algum de seus membros. Nesse sentido, os entrevistados apontam que a possibilidade de discutir com um grupo de pessoas que os aceitam como não heterossexuais ou que também possuem uma identidade LGBT é um recurso fundamental para sua autonomia e autenticidade.

A presença constante de pessoas LGBT nos locais de convivência também pode ser compreendida como um dos constituintes do capital social. Da mesma forma, a possibilidade de casais LGBT frequentarem ambientes públicos foi considerada como fundamental na desconstrução dos padrões construídos pela violência simbólica. As relações estabelecidas pelos entrevistados em grupos em que a inclusão de identidades LGBT foi possível reforçaram as possibilidades de pertencimento, aceitação, autenticidade, convívio e segurança nos espaços públicos. Também a experiência de relacionamentos com pessoas LGBT tem um sentido de desconstrução do discurso sobre gênero e orientação sexual não binários como errados, perniciosos ou perversos. Não menos importante nesse contexto é o papel das redes sociais, como Facebook, grupos de WhatsApp e aplicativos específicos para o público não heterossexual: “[…] tem um grupo no Facebook de estudantes do meu curso de graduação de gays e lésbicas […] lá cada um posta suas experiências de vida, na faculdade, na formatura, na adoção de crianças. Esse grupo cria laços de amizades e conforta a gente” (Entrevista 11, homem gay). “Tenho contato com outras pessoas LGBT, principalmente na internet, cada um compartilhando suas histórias e suas lutas” (Entrevista 14, mulher lésbica).

Considerações finais

O habitus heterossexual se mostrou presente na fala de todos os participantes. Influencia seus modos de perceber, sentir e pensar a própria sexualidade e identidade de gênero por meio de mecanismos de aproximação e de distanciamento da norma hegemônica. Seus relatos se pautaram em situações percebidas como geradoras de sofrimento, desde dificuldades para o estabelecimento de relacionamentos até a tentativa de se encaixar socialmente performando a heterossexualidade, o que pode ser explicado pelo longo processo de incorporação e de reprodução de práticas e maneiras de ser socialmente aceitas.

A instituição familiar e a de ensino são espaços de reprodução do habitus heterossexual, com manifestações importantes de violência simbólica contra pessoas com outras sexualidades. Seja pelo sofrimento de se revelar não heterossexual ou pela necessidade de se esconder, a heteronormatividade está na base do sofrimento das pessoas de identidade LGBT desde a infância. Embora muitos dos problemas enfrentados fora do campus também sejam reproduzidos em seu interior, a universidade é um espaço com potencial para que essas pessoas vivenciem liberdade na reconstrução de si. Nesse contexto, a militância LGBT se mostrou como um grupo de grande capital social para as pessoas não heterossexuais, com um potencial transformador de suas vidas, assim como um caráter transgressivo pela maior capacidade de barganha nas interações simbólicas.

Em muitos contextos isso já é realidade, como no caso das Gay-Straight Alliances ou Gender Sexuality Alliances das escolas de ensino médio e superior dos Estados Unidos e Canadá, que buscam promover um ambiente seguro e de suporte às identidades sexuais e de gênero diversas. Observa-se que tais iniciativas geram benefícios inclusivos generalizados, uma vez que os mecanismos institucionais e o desenvolvimento de ações ampliadas contras fobias e discriminações tende a fazer de escolas e campus universitários locais mais seguros e saudáveis a todas e todos. Ressalta-se a importância e o potencial que ações como essas carregam, pois ainda que transformações na estrutura social sejam lentas, tais esforços podem reduzir o peso das “coisas pequenas do dia a dia”, possibilitando uma vida em que, parafraseando uma das entrevistadas militantes, as pessoas possam existir socialmente, independentemente de suas identidades sexuais e de gênero, como pessoas que todos somos.

Sendo a escolarização e formação universitária um processo de desenvolvimento pessoal tão importante, em que também se produzem e organizam as identidades raciais, socioculturais e generificadas dos(as) estudantes, reitera-se a necessidade de se continuar repensando as políticas educacionais relativas à diversidade, a fim de reduzir e transformar discursos normalizadores dos corpos, dos gêneros, das relações sociais, da afetividade e do amor que intervenham de forma eficaz contra todo o comportamento discriminatório, machista e LGBTfóbico. Indica-se ainda a necessidade de novas investigações sobre a temática, preferencialmente interventivas, de modo a gerar embasamento científico e político para a recriação das interações sociais e institucionais em relação às pessoas LGBT.

Referências

  • BELL, D. Heteronormativity. In: KOBAYASHI, A. (Ed.). International Encyclopedia of Human Geography. 2nd ed. Amsterdam: Elsevier, 2009. v. 6, p. 387-391. DOI: 10.1016/B978-0-08-102295-5.10191-X
    » https://doi.org/10.1016/B978-0-08-102295-5.10191-X
  • BERNARD, H. R. Research methods in anthropology: qualitative and quantitative approaches. Walnut Creek: Altamira Press, 1995.
  • BLANKENAU, A. et al. Queer peer crowds on campus: LGBT crowd affiliation as a critical correlate of college students’ loneliness, academic well-being, & stress. Journal of Homosexuality, Abingdon, 3 fev. 2022. DOI: 10.1080/00918369.2022.2030616
    » https://doi.org/10.1080/00918369.2022.2030616
  • BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.
  • BOURDIEU, P. O capital social: notas provisórias. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (Org.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 67-69.
  • BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
  • BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 1996.
  • BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
  • BRAUN, V.; CLARK, V. Successful qualitative research: a practical guide for beginners. London: Sage, 2013.
  • BRITZMAN, D. P. O que é esta coisa chamada amor: identidade homossexual, educação e currículo. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 71-96, 1996.
  • BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
  • CARRARA, S.; VIANNA, A. R. B. “Tá lá o corpo estendido no chão…”: a violência letal contra travestis no município do Rio de Janeiro. Physis, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p. 233-249, 2006. DOI: 10.1590/S0103-73312006000200006
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312006000200006
  • FINKLER, M.; NEGREIROS, D. P. Formação x educação, deontologia x ética: repensando conceitos, reposicionando docentes. Revista da ABENO, Brasília, DF, v. 18, n. 2, p. 37-44, 2018. DOI: 10.30979/rev.abeno.v18i2.561
    » https://doi.org/10.30979/rev.abeno.v18i2.561
  • FOUCALT, M. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 4. ed. Rio de Janeiro: paz e Terra, 2017.
  • LACERDA, M.; PEREIRA, C.; CAMINO, L. Um estudo sobre as formas de preconceito contra homossexuais na perspectiva das representações sociais. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 165-178, 2002. DOI: 10.1590/S0102-79722002000100018
    » https://doi.org/10.1590/S0102-79722002000100018
  • MARTÍNEZ-GUZMÁN, A.; ÍÑIGUEZ-RUEDA, L. Prácticas discursivas y violencia simbólica hacia la comunidad LGBT en espacios universitarios. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 27, n. 1, p. 367-375, 2017. DOI: 10.1590/1982-432727s1201701
    » https://doi.org/10.1590/1982-432727s1201701
  • MATTOS, P. L. A entrevista não-estruturada como forma de conversação: razões e sugestões para sua análise. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 39, n. 4, p. 823-847, 2005.
  • MAYO, J. B. Physical and symbolic violence imposed: the difficult histories of lesbian, gay and trans-people. In: EPSTEIN, T.; PECK, C. (Org.). Teaching and learning difficult histories in international contexts: a critical sociocultural approach. New York: Routledge, 2018. p. 209-221.
  • MENDES, W. G.; SILVA, C. M. F. P. Homicídios da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) no Brasil: uma análise espacial. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, n. 5, p. 1709-1722, 2020. DOI: 10.1590/1413-81232020255.33672019
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232020255.33672019
  • NATIVIDADE, M.; OLIVEIRA, L. As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.
  • RICH, A. Compulsory heterosexuality and lesbian existence. Signs: Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 5, n. 4, p. 631-660, 1980.
  • ROBINSON, P. M. The historical repression of women’s sexuality. In: VANCE, C. (Org.). Pleasure and danger: exploring female sexuality. Abingdon: Routledge, 1984. p. 251-266.
  • RUBIN, G. Thinking sex: notes for a radical theory of the politics of sexuality. In: VANCE, C. (Org.). Pleasure and danger: exploring female sexuality. Abingdon: Routledge , 1984. p. 267-319.
  • SEIDMAN, S. Identity and politics in a “postmodern” gay culture: some historical and conceptual notes. In: WARNER, M. (Ed.). Fear of a queer planet: queer politics and social theory. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1991. p. 105-142.
  • SPINK, M. J. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010.
  • TOLEDO, L. G.; TEIXEIRA FILHO, F. S. Homofobia familiar: abrindo o armário “entre quatro paredes”. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 65, n. 3, p. 376-391, 2013.
  • VALADÃO, R. C.; GOMES, R. A homossexualidade feminina no campo da saúde: da invisibilidade à violência. Physis, Rio de Janeiro, v. 21, n. 4, p. 1451-1467, 2011. DOI: 10.1590/S0103-73312011000400015
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312011000400015
  • VASCONCELOS, M. D. Pierre Bourdieu: a herança sociológica. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 78, p. 77-87, 2002. DOI: 10.1590/S0101-73302002000200006
    » https://doi.org/10.1590/S0101-73302002000200006
  • WARNER, M. Introduction. In: WARNER, M. (Ed.). Fear of a queer planet: queer politics and social theory. Minneapolis: University of Minnesota Press , 1991. p. 3-17.
  • WARNER, M. The trouble with normal: sex, politics, and the ethics of queer life. Cambridge: Harvard University Press, 2000.
  • 1
    A discussão sobre a sigla para as minorias sexuais é ampla na literatura, de forma que adotamos a empregada pelo Conselho Nacional de Saúde.
  • 2
    […] sex is always political.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2022
  • Revisado
    06 Jun 2022
  • Aceito
    09 Ago 2022
location_on
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. Av. dr. Arnaldo, 715, Prédio da Biblioteca, 2º andar sala 2, 01246-904 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: +55 11 3061-7880 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br
rss_feed Stay informed of issues for this journal through your RSS reader
Acessibilidade / Reportar erro