A mudança, a resistência e a persistência dos técnicos do NEPI de um ex- distrito de saúde do município de São Paulo

Alexandre, Lourdes Bernadete dos S. P.; Salum, Maria Josefina Leuba

doi:10.1590/S0104-12901998000200007

Resumos

O trabalho tomou como objeto de estudo o trajeto dos Núcleos de Epidemiologia Pesquisa e Informação (NEPI) do antigo Distrito de Saúde Tucuruvi/ Jaçanã, período 1991-1996. Adotou como referência a categoria modelo tecno-assistencial, reconhecendo o objeto de estudo na relação dos sujeitos sociais com a gestão pública e desdobramentos na saúde e com os saberes/práticas nucleares inscritos na realidade estudada. Dois projetos políticos distintos nutriram a trajetória dos NEPIs. Os NEPIs nasceram, em 1991, na gestão Erundina, sob a experiência da distritalizaçâo. Cresceram, até 1993, em torno de experiências fundadas nas tradicionais atividades de vigilância epidemiológica na perspectiva de transitar para a vigilância à saúde. A interrupção formal da municipalização, no início da gestão Maluf, não foi suficiente para desviar a rota de estruturação dos NEPIs. Sobreviveram até 1996, resguardados pelos conteúdos e práticas construídos na gestão anterior. Mesmo limitados rumo à implantação da vigilância à saúde, aperfeiçoaram-se no processamento da informação, mantendo minimamente as atividades clássicas de Vigilância Epidemiológica. As evidências deste trajeto de "sobrevivência" estão demarcadas na Instrução Normativa 003/96, publicada no final da gestão Maluf, que privilegia atividades iniciadas na gestão Erundina. A trajetória destes NEPIs foi inquestionavelmente estruturada pela mudança e resistência de todos e de cada um. No limite de suas forças, ainda que por vezes confusos, mantiveram-se coesos e, num movimento de reação coletiva, não se frtaram a integrar "um novo modo de pensar e agir em saúde".

serviços de saúde; atividade epidemiológica; políticas públicas; Sistema Único de Saúde; práticas sociais em saúde

The object of this work is the trajectory of the Research and Information Centers (NEPI) of the extinct Health Districts Tucuruvi/Jaçanã of the Municipal Office of Health of São Paulo City, between 1991 and 1996. The theoretical reference is the techno-assistencial model. The analysis concerned: the relationship between social actors and public administration; the consequences of this relationship to the health domain (political dimension) and finally the relationship between these social actors and the health nuclear knowledge and practices (technological domain). This process allowed the search for the "constitutive heterogeneity" between empirical and theoretical data. The analysis shows that two distinct projects have nurtured the NEPIs trajectories. They were originated under the influence of an Italian cooperation and the Sanitary Reform principles; the political project of the new Brazilian Unified Health System (SUS); and the health "territorialization" information system. The NEPIs grew until 1993 developing epidemiological traditional surveillance trying to broaden their activities. After 1993, under another municipal administration, the "territorialization" process was interrupted and the public health sector was conducted by the mercantilist logics of the World Bank. This was not sufficient to deviate the original route. The NEPIs survived until 1996 inspired by the contents and practices built in the former administration. Although they were limited in their intent to amplify health surveillance, the information system was improved and all the efforts were made to maintain the surveillance activities. The relationship between social actors and the distinct public administration projects has organized the NEPIs trajectory at the cost of collective and individual changes. To the limits of their resistance, these social actors have faced political adversities reacting collectively to the point of developing a "new way of thinking and acting in health".

health services; epidemiological action; public policies; Unified Health System; health social practices

ARTIGOS

A mudança, a resistência e a persistência dos técnicos do NEPI de um ex- distrito de saúde do município de São Paulo^* * Este artigo concentra os principais conteúdos da Dissertação de Mestrado intitulada "A trajetória dos Núcleos de Epidemiología Pesquisa e Informação no Municipio de São Paulo no período 1991-1996: o caso do Distrito de Saúde Tucuruvi/Jaçanã", apresentada em 22/7/1998 junto ao Programa de Pós-Graduação - Nível Mestrado, Área de Concentração de Enfermagem de Saúde Coletiva, da Escola de Enfermagem da USR Seu resumo foi apresentado no IV Congresso Brasileiro de Epidemiología, em 1998, no Rio de Janeiro, tendo a ele sido conferido Menção Honrosa.

Change, resistence and perseverance of NEPI's technicals in a health district of São Paulo city

Lourdes Bernadete dos S. P. Alexandre^I; Maria Josefina Leuba Salum^II

^IMestre em Enfermagem, Assistente Técnico II, NEPI/ARS-7, Coordenação de Enfermagem, PMSP. Professora da Escola de Enfermagem Santa Marcelina e da Universidade Bandeirante de São Paulo.Telefone: (011) 2020805

^IIDoutor em Ciências, Professora do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva junto aos Programas de Graduação e Pós-Graduação em Enfermagem - EEUSP.Telefone: (011) 30667657Telefax: (011) 30667662 E-mail: mjlsalum@usp.br

RESUMO

O trabalho tomou como objeto de estudo o trajeto dos Núcleos de Epidemiologia Pesquisa e Informação (NEPI) do antigo Distrito de Saúde Tucuruvi/ Jaçanã, período 1991-1996. Adotou como referência a categoria modelo tecno-assistencial, reconhecendo o objeto de estudo na relação dos sujeitos sociais com a gestão pública e desdobramentos na saúde e com os saberes/práticas nucleares inscritos na realidade estudada. Dois projetos políticos distintos nutriram a trajetória dos NEPIs. Os NEPIs nasceram, em 1991, na gestão Erundina, sob a experiência da distritalizaçâo. Cresceram, até 1993, em torno de experiências fundadas nas tradicionais atividades de vigilância epidemiológica na perspectiva de transitar para a vigilância à saúde. A interrupção formal da municipalização, no início da gestão Maluf, não foi suficiente para desviar a rota de estruturação dos NEPIs. Sobreviveram até 1996, resguardados pelos conteúdos e práticas construídos na gestão anterior. Mesmo limitados rumo à implantação da vigilância à saúde, aperfeiçoaram-se no processamento da informação, mantendo minimamente as atividades clássicas de Vigilância Epidemiológica. As evidências deste trajeto de "sobrevivência" estão demarcadas na Instrução Normativa 003/96, publicada no final da gestão Maluf, que privilegia atividades iniciadas na gestão Erundina. A trajetória destes NEPIs foi inquestionavelmente estruturada pela mudança e resistência de todos e de cada um. No limite de suas forças, ainda que por vezes confusos, mantiveram-se coesos e, num movimento de reação coletiva, não se frtaram a integrar "um novo modo de pensar e agir em saúde".

Palavras-chave: serviços de saúde; atividade epidemiológica; políticas públicas; Sistema Único de Saúde; práticas sociais em saúde.

SUMMARY

The object of this work is the trajectory of the Research and Information Centers (NEPI) of the extinct Health Districts Tucuruvi/Jaçanã of the Municipal Office of Health of São Paulo City, between 1991 and 1996. The theoretical reference is the techno-assistencial model. The analysis concerned: the relationship between social actors and public administration; the consequences of this relationship to the health domain (political dimension) and finally the relationship between these social actors and the health nuclear knowledge and practices (technological domain). This process allowed the search for the "constitutive heterogeneity" between empirical and theoretical data. The analysis shows that two distinct projects have nurtured the NEPIs trajectories. They were originated under the influence of an Italian cooperation and the Sanitary Reform principles; the political project of the new Brazilian Unified Health System (SUS); and the health "territorialization" information system. The NEPIs grew until 1993 developing epidemiological traditional surveillance trying to broaden their activities. After 1993, under another municipal administration, the "territorialization" process was interrupted and the public health sector was conducted by the mercantilist logics of the World Bank. This was not sufficient to deviate the original route. The NEPIs survived until 1996 inspired by the contents and practices built in the former administration. Although they were limited in their intent to amplify health surveillance, the information system was improved and all the efforts were made to maintain the surveillance activities. The relationship between social actors and the distinct public administration projects has organized the NEPIs trajectory at the cost of collective and individual changes. To the limits of their resistance, these social actors have faced political adversities reacting collectively to the point of developing a "new way of thinking and acting in health".

Key words: health services; epidemiological action; public policies; Unified Health System; health social practices.

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AGRADECIMENTO

Ao Prof.Dr.José Luis Fiorin do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas - FFLCH- USP, pela orientação da análise dos documentos.

Recebido em 27/10/98

Aprovado em 12/12/98

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Este artigo concentra os principais conteúdos da Dissertação de Mestrado intitulada "A trajetória dos Núcleos de Epidemiología Pesquisa e Informação no Municipio de São Paulo no período 1991-1996: o caso do Distrito de Saúde Tucuruvi/Jaçanã", apresentada em 22/7/1998 junto ao Programa de Pós-Graduação - Nível Mestrado, Área de Concentração de Enfermagem de Saúde Coletiva, da Escola de Enfermagem da USR Seu resumo foi apresentado no IV Congresso Brasileiro de Epidemiología, em 1998, no Rio de Janeiro, tendo a ele sido conferido Menção Honrosa.

Datas de Publicação

Publicação nesta coleção
05 Jun 2008
Data do Fascículo
Dez 1998

Histórico

Aceito
12 Dez 1998
Recebido
27 Out 1998

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License.

[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA. Comissão de Epidemiología. II Plano Diretor para o Desenvolvimento da Epidemiologia no Brasil, 1995-1999. Rio de Janeiro, 1995.

[2] BARATA, R. B. Reorientação das práticas de vigilância epidemiológica. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA, 1, Brasília, 1992. Anais. Brasília, 1993,p.63-68.

[3] BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70, 1977.

[4] BARROS, E. Política de saúde no Brasil: a universalização tardia como possibilidade de construção do novo. Ciênc Saúde Coletiva. 1(1):5-17,1996.

[5] BITTAR, J. O modo petista de governar. São Paulo, Editora Teoria & Debate, 1992.

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[7] CAMPOS, G. W. de S. Reforma da reforma: repensando a saúde. São Paulo, HUCITEC, 1992.

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[9] CAMPOS, G. W. de S. Análise crítica das contribuições da saúde coletiva e organização das práticas de saúde no SUS. In: FLEURY, S., org. Saúde e democracia: a luta do CEBES. São Paulo, Lemos, 1997. p.113-24.

[10] COHN, A.; ELIAS, P. E. & JACOBI, P. Participação popular e gestão de serviços de saúde: um olhar sobre a experiência do Município de São Paulo. Saúde em Debate, (38):90-3,1993.

[11] COHN, A. Mudanças econômicas e políticas de saúde no Brasil. In: LAURELL, A. C., org. Estado e políticas sociais no neoliberalismo. São Paulo, CORTEZ, 1995. p. 225-44.

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[13] COSTA, N. do R. O Banco Mundial e a política social nos anos 90. In: COSTA, N. do R.; RIBEIRO, J. M., org. Política de saúde e inovação institucional: uma agenda para os anos 90. Rio de Janeiro. ENSP, 1996. p. 13-29.

[14] COUTO, C. G. O desafio de ser governo: o PT na prefeitura de São Paulo (1989-1992). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995.

[15] DIMEANA, F. R.; GUIMARÃES, M. do C L.& FOCCOLI, E. O desenvolvimento gerencial dos Sistemas Locais de Saúde: a experiência da Cooperação Italiana em Saúde no Brasil. In: TEIXEIRA, C. F.; MELO, C., orgs. Construindo distritos sanitários: a experiência da Cooperação Italiana no Município de São Paulo. São Paulo, HUCITEC, 1995.

[16] ELIAS, P. E. & COHN, A. O PAS no Município de São Paulo: novos desafios para velhas questões. RAP, 32(2): 167-84,1998

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[19] GERSCHMAN, S. A democracia inconclusa: um estudo da refoma sanitária brasileira. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1995.

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[24] MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 2Ş ed. Campinas, Pontes, 1993.

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[26] MENDES, E. V. Uma agenda para a saúde. São Paulo, Hucitec, 1996.

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[28] MERHY, E. E. Planejamento como tecnologia de gestão: tendências e debates do planejamento em saúde no Brasil. In: GALLO, E., org. Razão e planejamento: reflexões sobre política, estratégia e liberdade. São Paulo, Hucitec, 1995. p. 117-149. (Saúde em Debate - Série Didática).

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[34] PENNA, M. L. F. Epidemiologia e serviços de saúde: momento atual. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA, 1°, Brasília, 1992. Anais. Brasília, 1993, p. 53-62.

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[36] QUEIROZ, V. M. de & SALUM, M. J. L. Globalização econômica e a apartação na saúde: reflexão crítica para o pensar/fazer na enfermagem. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM, 48. Anais. São Paulo, 1997. p. 190-207.

[37] SADER, E. A hegemonia neoliberal na América Latina. In: SADER, E.; GENTILI, P., orgs. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. São Paulo, Paz e Terra, 1995a. p.35-7.

[38] SADER, E. O anjo torto: esquerda (e direita) no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1995b.

[39] SÃO PAULO (Cidade). Leis etc. Portaria n 1109 de 5 de julho de 1990. Considerando o processo de descentralização de Secretaria Municipal de Saúde, a necessidade de implantação do Sistema Único de Saúde e da participação da comunidade, resolve delegar à Virgínia Junqueira as competências de coordenação, planejamento e controle das ações dos serviços de saúde, além de auxiliar o Secretário Municipal de Saúde. Diário Oficial do Município. São Paulo, 5 julh 1990, p.19.

[40] SÃO PAULO (Cidade) Secretaria Municipal da Saúde. Centro de Epidemiologia, Pesquisa e Informação. Proposta de atribuições de vigilância à saúde nos diferentes níveis administrativos da Secretaria Municipal de Saúde. São Paulo, 1991. [mimeografado]

[41] SÃO PAULO (Cidade). Leis etc. Decreto n 31723 de 15 de junho de 1992. Institui na Secretaria Municipal de Saúde - SMS o Sistema Municipal de Vigilância à Saúde -SMVS, estabelece normas para sua implantação, e dá outras providências. Legislação do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo. São Paulo, 1992a. p. 587-89.

[42] SÃO PAULO (Cidade). Leis etc. Decreto n 32773 de 10 de dezembro de 1992. Consolida as disposições relativas à organização da Secretaria Municipal da Saúde - SMS, e dá outras providências. Legislação do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo. São Paulo, 1992b. p. 1178-1208.

[43] SÃO PAULO (Cidade). Leis etc. Instrução Normativa n 003/96 - ASPLAN/PLAN de 31 de maio de 1996. Divulga as funções e atribuições dos níveis: central, regional, distrital, local e Módulos do PAS quanto à Informação, Vigilância em Saúde, Faturamento e Planejamento. Diário Oficial do Município. São Paulo, 31 maio 1996. p.23-4.

[44] SEGATTO, N. & ROVAI, R. Por trás da máscara. São Paulo, Editora Brasil, 1996.

[45] TEIXEIRA, C. F. & PINTO, L. L. A formação de pessoal em vigilância à saúde. Inf. Epidemiol. SUS, 2(6):5-21,1993.

[46] TEIXEIRA, M. da G. & RISI, J. B. Vigilância epidemiológica. In: BRASIL MINISTÉRIO DA SAÚDE. Divisão Nacional de Epidemiologia. Guia de vigilância epidemiológica. Brasília, Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1994. p. 11-24.

[47] UNGLERT, C. V. de S. Territorialização em sistemas de saúde. In: MENDES, E. V., org. Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. 2Ş ed. São Paulo, Hucitec, 1994. p. 221-36.