Open-access A história da telemedicina no Brasil: desafios e vantagens

The history of telemedicine in Brazil: challenges and advantages

Resumo

A utilização de novas tecnologias de informação para um atendimento mais efetivo e à distância é algo que se impõe no contexto de serviços em saúde, no atual panorama sociopolítico. Entretanto, o Brasil ainda está receoso em integrar de forma permanente esses avanços. Esta pesquisa tem como objetivo revisar os marcos da história da telemedicina no Brasil, destacando as questões éticas e legislativas, bem como evidenciar os desafios para sua implantação e gerar uma proposta para superá-los. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura acerca da história, dos desafios e da realidade da telemedicina no cenário brasileiro. A telemedicina é uma atividade recente no Brasil, defrontando-se com resistências por parte dos profissionais, em especial médicos, que diversas vezes não vislumbram claramente seus benefícios. Apesar das dificuldades previstas em aceitar este modelo, é relevante ressaltar as vantagens que esse padrão abarca, como ampliar e facilitar o acesso à assistência de saúde. Propor alternativas para superar resistências e alcançar um padrão otimizado é essencial e abrange maior abertura no campo político, legislativo e educacional.

Palavras-chave: Políticas de eSaúde; Saúde Eletrônica; Telesserviços em Saúde; Controle do Paciente à Distância; Monitoramento em Telemedicina

Abstract

The use of new information technologies for a more effective remote service is required in the context of health services, especially when it comes to the current socio-political panorama. Nevertheless, Brazil is still afraid to permanently integrate these advances. This research aims to review the milestones in the history of telemedicine in Brazil, highlighting the ethical and legislative issues, as well as evidencing the challenges for its implementation and generating a proposal to overcome them. It is an integrative literature review about the history, challenges, and reality of telemedicine in the Brazilian scenario. Telemedicine is a recent activity in Brazil, facing resistance from professionals, especially doctors, who often do not clearly see its benefits. Despite the anticipated difficulties in accepting this model, it is important to highlight the advantages that this standard encompasses, such as expanding and facilitating access to health care. Proposing alternatives to overcome resistance and reach an optimized standard is essential and encompasses greater openness in the political, legislative, and educational fields.

Keywords: E-Health Policies; Electronic Health; Health Teleservices; Remote Patient Control; Monitoring in Telemedicine

Introdução

Telessaúde é um termo que pode ser definido como o uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC) na saúde para dispor de atendimento à distância de qualidade de maneira efetiva. A partir dessa ferramenta tecnológica, visa-se a ampliação da atenção e da cobertura dos serviços de saúde, prezando sempre pela qualidade do atendimento prestado (Celes et al., 2018; Silva, 2017).

Essa nova dimensão da concepção de saúde nasceu de uma amplificação da ideia de telemedicina (voltada apenas para a área médica), abrangendo todas as áreas da saúde (Nilson et al., 2018), como enfermagem, fisioterapia, nutrição e várias outras que estão evoluindo nesse aspecto (Khouri, 2003). Além de ser um instrumento que proporciona saúde de qualidade a todas as regiões e de organização, essa é, também, entendida como uma ferramenta de educação continuada aos profissionais de saúde que proporciona fins de pesquisa e de avaliação (WHO, 1997).

Abrangendo um aspecto mais logístico, pode-se dizer que telessaúde utiliza recursos tecnológicos para gerenciar e melhorar as estratégias do sistema de saúde, abarcando toda a cadeia produtiva (Wen, 2015), sendo seu conceito-chave a interação entre profissionais de saúde, entre profissionais e pacientes, entre gestores e profissionais de saúde, entre gestores e pacientes, entre diversos gestores e até mesmo destes com outros atores desse ecossistema.

Assim, por ser instrumento de comunicação, convívio e integração entre pessoas, cujo conjunto de conceitos e ideais é a informação (ou dados) disseminada por via eletrônica, concede a incorporação de vários mecanismos de regulação e gerenciamento do cuidado em saúde (Harzheim et al., 2018).

Dentro de uma perspectiva nacional, a telemedicina foi atribuída estrategicamente na solidificação de Redes de Atenção à Saúde, configurando, assim, uma mudança para melhor na saúde da população, na medida em que excedem barreiras de acesso físico ao oferecer intervenções eficientes, sistematizadas por mecanismos promotores de equidade, e que tomem precauções quanto ao uso indevido de intervenções médicas (prevenção quaternária), permanentemente aliadas a um custo apropriado (Bashshur et al., 2014; Gérvas; Pérez Fernández, 2006; Norman; Tesser, 2009).

O fornecimento de serviços em saúde no Brasil ainda se mostra receoso em integrar de forma permanente esses avanços. Se a aplicação de prontuários eletrônicos tem sucedido a anotação em papel, ainda com alguma vagareza, existe uma gama de perspectivas não muito analisadas que estão aptas a enfrentar os desafios em saúde já postos há muitos anos (Harzheim et al., 2018).

Objetivos

O objetivo deste estudo é revisar os marcos da história da telemedicina no Brasil, destacando as questões éticas e legislativas, bem como evidenciar os desafios para sua implantação e gerar uma proposta para superá-los.

Metodologia

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura acerca da história, dos desafios e da realidade da telemedicina no cenário brasileiro. Utilizaram-se os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e palavras-chave, isolados ou combinados, com o operador booleano “and”: telemedicina, Brasil, história, desafios e dificuldades, assim como seus correspondentes em inglês, nas bases de dados PubMed, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Após a busca, 157 artigos foram encontrados e, dentre esses, foram selecionados artigos originais com base nos critérios de inclusão e exclusão. Títulos e resumos da pesquisa foram examinados, e os textos completos de artigos relevantes foram revisados. As pesquisas foram limitadas a artigos publicados em periódicos revisados por pares, em inglês, espanhol ou português (línguas faladas pelos autores), compreendendo o período total até julho de 2020.

Para os critérios de inclusão, foram considerados artigos originais e completos que têm relação direta ou indireta com o tema, em língua portuguesa, espanhola ou inglesa, publicados em revistas indexadas nos anos de 2000 a 2020. Os critérios de exclusão foram: artigos que não tinham relação com o tema e artigos publicados em datas anteriores a 2000. Com a aplicação desses critérios, os artigos foram reduzidos a 122, dos quais 47 foram excluídos após a leitura dos resumos, por não estarem em conformidade com os objetivos deste artigo. Portanto, 75 artigos foram lidos na íntegra, dos quais 40 foram selecionados para compor o resultado e a discussão, por apresentarem importância e abrangência em relação aos tópicos de interesse, por abordarem a telemedicina na realidade do Brasil, bem como por se tratarem de estudos clássicos a respeito da telemedicina e telessaúde.

Resultados e discussão

História da telemedicina no Brasil

A telemedicina, em sua significação mais estrita, é uma atividade um tanto quanto nova no Brasil. Contudo, o termo surgiu na década de 1960 e a prática vem se aprimorando devido ao aparecimento de novas tecnologias e necessidades da saúde. Desse modo, nesta década, essa esfera de aplicação tecnológica teve seu início com os primeiros voos espaciais tripulados, no qual foi preciso realizar telemetria de rádio a grandes distâncias para a monitorização dos sinais vitais de astronautas em órbita ou em viagem à lua. Entretanto, apenas em 1990, com o advento das linhas de transmissão de dados de ampla distribuição, é que a telemedicina progrediu, seguindo para sua área de maior expansão e o início do aproveitamento comercial das diversas tecnologias desenvolvidas (Sabbatini, 2012; Wen, 2008).

Desde 1989 há iniciativas governamentais importantes no âmbito da telemedicina, como a criação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), tendo em vista a edificação de uma infraestrutura de rede nacional de âmbito acadêmico. Na área da informação e informática em saúde, já em 2003, o Ministério da Saúde empenhou-se para criar uma Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS), que gerou uma proposta para negociação tripartite e elaboração de planos de ação em 2004 (Maldonado; Marques; Cruz, 2016).

Com o passar do tempo, a telemedicina apresentou uma evolução e consolidação significativa no Brasil com o estímulo obtido junto às agências de fomento à pesquisa e com as ações governamentais, que permitiram a formação de equipes e núcleos de pesquisa em muitas instituições universitárias brasileiras. Neste contexto, em 2007, devido aos resultados, crescimento e expansão dessas atividades, o Ministério da Saúde criou o projeto-piloto intitulado “Telessaúde” (Pereira; Linhares, 2016; Wen, 2008).

Em meados de 2010, o Ministério da Saúde elaborou o componente de Informatização e Telessaúde Brasil Redes na Atenção Básica, integrado ao Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes. Essa medida teve como objetivo dotar as Unidades Básicas de Saúde (UBS) com equipamentos de informática, para estabelecer a conectividade dessas unidades com os demais pontos de atenção integrantes da Rede de Atenção à Saúde. Além disso, foram publicadas portarias que estimulavam a criação de novos Núcleos de Telessaúde estaduais e intermunicipais, remunerando os estados e municípios por sua criação e uso efetivo, avaliados por meio de indicadores criados com este intuito (Maldonado; Marques; Cruz, 2016).

As figuras 1 e 2 demonstram a história dos marcos da telemedicina no Brasil (Caetano et al., 2020; Maldonado; Marques; Cruz, 2016; Pereira; Linhares, 2016; Wen, 2008):

Figura 1
Linha do tempo: Telemedicina 1989-2007

Figura 2
Linha do tempo: Telemedicina 2011-Atualmente

Até 2019, a telemedicina era regulada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), sendo neste período conceituada como o “exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde” (CFM, 2002), e não trazendo qualquer descrição de modalidade. Em fevereiro de 2019, foi autorizado aos médicos realizar consultas on-line, assim como telecirurgias e telediagnóstico, entre outras formas (CFM, 2018). Porém, em fevereiro do mesmo ano, essa resolução foi revogada.

No início de 2020, devido à pandemia do novo coronavírus, o Brasil e o mundo enfrentaram uma emergência nunca vivenciada anteriormente, com prejuízos à vida humana, à saúde pública e à atividade econômica. A covid-19 tem representado um desafio global aos sistemas de saúde, expandindo em velocidade crescente de óbitos, de pacientes críticos com pneumonia e necessidade de suporte respiratório. É nesse cenário que medidas de isolamento, quarentena e distanciamento social, como fechamento de estabelecimentos e cancelamento de eventos com grande público, foram adotadas, e que a telessaúde ganhou espaço para sua consolidação efetiva no país (Caetano et al., 2020).

Em março de 2020, o CFM reconheceu a possibilidade e eticidade da utilização da telemedicina “em caráter de excepcionalidade e enquanto durar a batalha de combate ao contágio da covid-19”, nos seguintes termos:

6. Teleorientação: para que profissionais da medicina realizem à distância a orientação e o encaminhamento de pacientes em isolamento; 7. Telemonitoramento: ato realizado sob orientação e supervisão médica para monitoramento ou vigência à distância de parâmetros de saúde e/ou doença; 8. Teleinterconsulta: exclusivamente para troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico. (CFM, 2020)

Permaneceu fora da aprovação mencionada no ofício o teleatendimento ou consulta à distância.

Ainda em março de 2020, foi autorizada a prática da telemedicina nos âmbitos público e privado como medida de enfrentamento da pandemia. A telemedicina pode ser empregada - em caráter de excepcionalidade - em ações que contemplem o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, consulta, monitoramento e diagnóstico, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), saúde suplementar e privada (Brasil, 2020b). A Lei nº 13.989/2020 (Brasil, 2020a), sancionada em abril de 2020, autorizou o uso da telemedicina em quaisquer atividades da área de saúde no Brasil, incluindo a teleconsulta, enquanto durar a crise da covid-19.

Ações relacionadas à telessaúde têm sido desenvolvidas, também, no âmbito da saúde suplementar. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regulamentou, em março de 2020, o uso da telessaúde pelas agências de seguro e prestadores de serviço de saúde. Sua decisão foi apoiada por diversos conselhos profissionais da área da saúde, que autorizaram profissionais como médicos, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e nutricionistas a exercerem suas atividades à distância usando as TIC (ANS, 2020a). Em 2 de abril, a ANS declarou que os planos de saúde devem cobrir, de forma obrigatória, os atendimentos médicos por meio da telemedicina, na forma autorizada pelo CFM (ANS, 2020b).

Desafios da telemedicina no Brasil

É fundamental mostrar que a telemedicina apresenta consistência e solidez ao redor do mundo e que um dos desafios primordiais do Brasil, neste contexto, é lidar com os obstáculos impostos pela legislação brasileira mais do que com a produção de serviços na área (Harzheim et al., 2018).

O SUS foi implantado estrategicamente para dar caráter universal à cobertura das ações de saúde. É um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo e garante assistência integral e gratuita para a população em geral. Entretanto, o desafio para implantar um SUS de qualidade leva em conta a extensão do país e o contingente populacional, composto por 194 milhões de habitantes (Brasil, 2002). Um dos desafios impostos à difusão da telemedicina é a vulnerabilidade socioeconômica do país que demonstra a existência de um abismo digital, visto que 33,9 milhões de pessoas estão desconectadas da internet e outras 86,6 milhões não conseguem se conectar todos os dias, segundo estudo do Instituto Locomotiva e da consultoria PwC (PwC, 2022).

Universalidade, equidade e integralidade são princípios do SUS, mas a falta deles torna-se problemática na prática, não só no Brasil, mas em sistemas públicos de saúde em todo o mundo. A balança de custo e qualidade é frequentemente desajustada levando ao déficit de acesso. Esta perspectiva se acentua uma vez inserida na realidade de uma população envelhecida e com mudanças no perfil epidemiológico do país, com particular prevalência de doenças crônicas (Maldonado; Marques; Cruz, 2016; Nilson et al., 2018).

Dentro desta perspectiva, o grupo social mais impactado negativamente é a população mais vulnerável economicamente, isto porque as regiões mais periféricas recebem atendimento mais tardio, e, para sanar essa problemática, seriam necessários recursos monetários dos cofres públicos, ampliando, assim, os gastos em saúde (Bodenheimer, 2008; Schoen et al., 2011). Nesse contexto, a telemedicina é vista como uma ferramenta importante para o enfrentamento dos desafios contemporâneos dos sistemas de saúde universais.

Do mesmo modo, a telemedicina defronta-se com resistências por parte dos profissionais, em especial pelos usuários médicos, que diversas vezes não conseguem enxergar com clareza seus benefícios. Entretanto, é possível entender que a telemedicina é um esforço coletivo e simultâneo que abrange atores multidisciplinares, que vão desde uma ampla variedade de profissionais de saúde e tecnólogos da informação e da comunicação, até gestores e decisores políticos. A admissão dessa tecnologia impreterivelmente inclui o redesenho de processos de trabalho nos seus numerosos aspectos, o que, em equipes multiprofissionais, tem o potencial de gerar estresses e conflitos no contexto da complexidade das relações humanas, entrepostas por interesses, poder e necessidades (Maldonado; Marques; Cruz, 2016; Sabbatini, 2012).

Além disso, as tecnologias cedidas pela telemedicina, em muitos casos, representam mudanças na relação médico-paciente convencional, sendo necessário um processo de aceitação geral para uma certa intermediação tecnológica promovidas por elas. Isso significa que a transição do contato presencial pelo virtual é um desafio suplementar no que tange à visão tradicional da prática da medicina e das expectativas sobre os serviços de saúde, tanto para os profissionais como para os usuários. Exceder barreiras culturais, institucionais e profissionais é uma fase importante no processo de difusão e consolidação da telemedicina (Maldonado; Marques; Cruz, 2016).

Ademais, há uma falta de concordância entre o imensurável potencial dessas tecnologias e o aparato ético e legal preponderante. Alega-se, de um modo geral, que as normas de conduta, padrões e regulamentações fundamentais para sua aplicabilidade de modo ético e legal não são suficientes e que essas tecnologias podem constituir uma ameaça para a relação médico-paciente convencional, constituindo, portanto, uma prática médica insegura. Os princípios éticos que cingem a telemedicina compreendem privacidade, confidencialidade, segurança, consentimento informado, responsabilidade, jurisdição, competência, remuneração por serviços e padrões tecnológicos. No que se refere às questões legais, há uma jurisprudência abrangente nos países desenvolvidos, nos quais a telemedicina tem importância crescente e é exercida pelos sistemas de saúde. No Brasil, a legislação é limitada e o uso da telemedicina ocasiona enorme responsabilidade ao médico, existindo desenvolvimento indispensável de melhores regulamentações e diretrizes para o atendimento à distância (Rezende et al., 2010; Sant’anna; Cardoso; Sant’anna, 2005).

Uma das barreiras para o desenvolvimento da tecnociência, que tange o aspecto ético, é o chamado “eficientismo”. Na ética existem obstáculos que devem ser tomados como limites, pois lembram o respeito pelo bem. Já no desenvolvimento tecnológico, esses limites são vistos como obstáculos que devem ser superados e que não podem interromper o progresso humano. Mas muitas destas expansões do conhecimento não são consideradas como progresso. Seguindo essa linha de pensamento e remetendo ao desenvolvimento da telemedicina, é possível pensar em muitas consequências negativas que a superação de barreiras poderia causar, como a perda da qualidade de atendimento e a quebra da confidencialidade (Pessina, 2001).

Outro aspecto bioético que se faz um desafio é o “reducionismo”. Com o desenvolvimento da tecnologia, a tendência é caminhar para uma perspectiva biofuncional que anula o sujeito como núcleo ontológico radical. Os problemas sociais são reduzidos a suas dimensões biológicas. As doenças mentais, a homossexualidade, o gênio violento ou o próprio sucesso no trabalho são atribuídos puramente à genética, excluindo quase que completamente os fatores sociais a eles relacionados (Garrafa; Costa; Oselka, 2000).

Vantagens da telemedicina na assistência médica

Apesar das dificuldades previstas em aceitar este novo modelo de atendimento, é relevante ressaltar as vantagens que esse padrão apresenta, como a promoção do autocuidado e a realização de intervenções necessárias mais precocemente. Cita-se como benefícios adicionais a abordagem preventiva, a melhoria da autonomia do paciente e o poder de decisão compartilhado. Pode ser citada, ainda, a independência dos usuários do serviço, que terão uma vida tão independente quanto quiserem dentro de suas comunidades locais, usufruindo de serviços proporcionados pela tecnologia (Clark; Goodwin, 2010).

A telemedicina traz vantagens para os pacientes, os centros de saúde e os médicos. Em relação aos usuários, têm acesso a diagnósticos e tratamentos mais rápidos e atenção integral desde o início, além de evitarem o inconveniente de viagens para pacientes e familiares. Para os hospitais e para o sistema de saúde há o claro benefício de redução do risco de perda de imagens, instituição de diagnóstico e tratamento mais rápido e preciso, velocidade e melhora da comunicação entre os diferentes serviços, eliminação de informações duplicadas, mais equipamentos e serviços eficientes, melhor aproveitamento e utilização dos recursos, melhor gestão da saúde pública e recursos adicionais para o ensino. Quanto aos médicos de cuidados primários, têm novas oportunidades para consultas com especialistas, possibilidade de evitar o deslocamento, mais provas na tomada de decisões, melhor qualidade das imagens e informação, e evitam a perda de comunicação entre profissionais (Brasil, 2014).

Em muitos países, a telemedicina já é amplamente utilizada e mostra suas vantagens, evidenciando, assim, a importância da implementação desta forma de atuação da medicina na realidade brasileira. Exemplificando este paradigma, há um estudo na Inglaterra em que foram analisadas 10 consultas mediadas por vídeo. Durante as consultas, já que os médicos especialistas não tinham acesso direto aos sinais e sintomas do paciente, as enfermeiras, na presença do paciente, tiveram um papel importante durante o exame físico, diagnóstico e tratamento, contribuindo com seus conhecimentos específicos do cuidado primário e tendo oportunidade de participar das consultas e desenvolver suas habilidades. Concluíram, então, que a telemedicina permite a profissionais trocarem informações importantes sobre a história do paciente e testes anteriores, e considerar as preocupações em relação ao paciente por meio de um modelo de cuidado compartilhado para diagnóstico e tratamento (Pappas et al., 2019).

Este panorama é similarmente elencado em um estudo chinês em que pacientes com tuberculose de pulmão confirmada do Hospital de Caixa da Província de Shandong foram randomizados em dois grupos: grupo de intervenção, que usou terapia diretamente observada por vídeo (TDOV), e grupo controle, que usou terapia diretamente observada (TDO). Em ambos, a maioria dos pacientes acreditou que o tratamento observado os ajudou a não perder as doses, porém a aceitação dos pacientes à TDOV foi maior. Isso se explica pelo fato de as sessões de TODV terem menor duração e serem menos interrompidas por adversidades do tempo ou por viagens feitas pelos pacientes. Além disso, o custo da TODV foi bem menor que o da TOD, possibilitando uma economia de custo que pode ser investida em outras áreas para tuberculose (Guo et al., 2019).

A telemedicina é uma das possibilidades no fornecimento de assistência médica a pacientes que estão geograficamente afastados do médico. Ademais, é uma maneira de disseminar cuidados na área da saúde para locais desprovidos destes serviços ou, ainda, deficitários de certos tipos de procedimentos. A finalidade é conceder igualdade de acesso aos serviços médicos, independentemente da localização geográfica da pessoa. Um país de dimensões continentais, como o Brasil, pode desfrutar da tecnologia para comunicar-se de um extremo a outro. A atribuição da tecnologia em saúde assegura maior alcance e acesso, em áreas mais distantes, à saúde, educação e prevenção, fazendo com que os direitos da população de ser atendida sejam exercidos (Machado et al., 2010).

A exemplo desse poder de quebrar barreiras geográficas, temos o Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital Universitário de Coimbra, que conta com uma vivência de mais de 20 anos e de incalculável valor e que vem contornando as barreiras geográficas portuguesas e a insuficiência de profissionais fora dos grandes centros urbanos. Além disso, tem concedido um valioso auxílio na assistência além-fronteiras de doentes originários dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, onde as profundas ausências de profissionais especializados são explícitas (Capitão; Brandão; Rocha, 2008; Maia et al., 2019).

Já no Brasil, um exemplo bem delineado da telemedicina é a parceria entre o Instituto Materno Infantil de Pernambuco e o St. Jude Children’s Research Hospital, centro hospitalar avançado e especializado no cuidado ao paciente com leucemia linfocítica aguda. Nesta associação, ficou claro os benefícios relacionados à troca de conhecimentos, experiências e tecnologia, todos em prol do cuidado integrado do paciente (Pedrosa et al, 2017).

Ainda no Brasil, agora no cenário da pandemia de covid-19, um estudo analisou o impacto de uma rede de telemedicina de larga escala, implantada por uma instituição médica privada na cidade de Belo Horizonte, MG, sobre visitas ao departamento de emergência e admissões hospitalares. Os resultados mostraram que, com 60 dias de implantação da rede, que contava com teleconsultas, telemonitoramento e sistema de emergência, houve uma baixa taxa de visitas ao departamento de emergência e admissões hospitalares. O estudo demonstrou, assim, que a implementação de um sistema de telemedicina multimodal focado na pandemia de covid-19 no Brasil é possível. Além disso, os resultados revelaram que a aderência dos clientes foi alta em curto prazo e, considerando o estresse psicossocial resultante da pandemia, as taxas de visitas ao departamento de emergência e as admissões hospitalares foram consideravelmente baixas, evitando o sobrecarregamento e o colapso do sistema de saúde (Nascimento et al., 2020).

Tabela 1
Objetivos e conclusões dos principais trabalhos selecionados

Conclusão

É compreensível que haja uma resistência natural em um âmbito tão delicado como a implantação de técnicas de comunicação no campo da saúde, em que a telemedicina propõe mudanças substanciais, seja a nível de tecnologias, mas, principalmente, exigindo novos aportes políticos e organizacionais.

Todavia, temos que ressaltar que se deve dar uma importância particular aos aspectos éticos e deontológicos da atividade do profissional de saúde, baseando-se no paciente. A relação médico-paciente deve ser sempre pautada como elemento fundamental no processo diagnóstico e terapêutico, não lhe reduzindo a uma só modalidade.

Por ato médico se entende qualquer ação médica profissional. Por exemplo, atividades científicas, de ensino, de formação e educacionais, clínicas e médico-técnicas, postas em prática para promover a saúde, prevenir a doença, prestar cuidados de diagnóstico ou terapêuticos e de reabilitação para os pacientes (indivíduos, grupos ou comunidades), no contexto do respeito pelos valores éticos. (Pessina, 2001)

Do nosso ponto de vista, as discussões sobre o impacto do uso da telemedicina não podem de modo algum se basear em ideologias, como o eficientismo, o reducionismo, o tecnologismo, o materialismo, entre outras. Todavia, por outro lado, não se pode interpor um avanço que já se impôs no contexto mundial por falta de ousadia, abertura aos avanços científicos ou empecilhos políticos e legislativos. Novos padrões exigem novas discussões. Novas análises promovem novos avanços e novos desafios.

Impõe-se que, no campo da telemedicina, uma ampla apreciação ética continue, a partir dos vários modelos atualmente conhecidos (personalista, contratualístico, liberal radical, sociobiologista, pragmático-utilitarista). Não se trata de uma análise teórica, mas baseada nos dados científicos já colhidos em diversos países e trabalhos de padrão internacional.

Ressaltamos a necessidade de que a nível nacional se amplie e se invista em grupos de estudos, educação precoce dos profissionais de saúde em aspectos éticos e elaboração de novos padrões de atendimentos. Além disso, evidenciamos a necessidade de maior abertura no campo político e legislativo do país na elaboração de novas estratégias e de estudos piloto. Nessa perspectiva, vemos que a abrangência territorial do país e a escassez de profissionais em certas áreas ofereceriam oportunidades para evidenciar as vantagens e os elementos decisivos para uma ampla análise no campo da telemedicina, proporcionando assim elaborações posteriores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2022
  • Aceito
    25 Abr 2022
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