| Antonio |
Antonio "bebia desde a infância", foi internado por alcoolismo em um hospital na capital do estado, onde foi abandonado por seus pais ainda criança. Nunca compreendeu o motivo de sua internação em um segundo hospital psiquiátrico, ocorrida exatamente quando acabara de conseguir um emprego como vigia de um polo petroquímico. Segundo funcionária do Caps, "depois que cometeu um crime, a família considerou que ele estava louco e o internou". |
| Manoel |
Tendo chegado no município "de caminhão", Manoel não sabe sua procedência, seu local de nascimento, quem o trouxe ou quantos anos tinha na época. Sabe que tem família, mas perdeu o contato com todos. Recorda-se de sua irmã, de plantar abóbora e melancia em um roçado e de um rio com muitos peixes, onde costumava pescar de anzol. Não lembra a razão de ter ido morar no hospital psiquiátrico, mas, segundo a cuidadora, o motivo foi o estupro da irmã, com quem teria tido um filho. Por isso, a família o internou no hospital e "não quis mais nem ouvir falar dele". |
| José |
José pouco falou sobre seu percurso antes de ingressar no manicômio. Segundo sua cuidadora, ele sofreu a tragédia de uma desestruturação familiar: oriundo de uma família que "possuía bens", seu pai "perdeu tudo com amantes". |
| Dora |
Natural de outra cidade baiana, Dora foi levada pelo seu irmão mais velho para morar com sua madrinha no município onde agora se encontra, tendo estudado até o terceiro ano do magistério. Interrompeu os estudos antes de começar a dar aulas, mas trabalhou em estabelecimentos comerciais como vendedora. Dora teve um filho, que, segundo ela, tem 26 anos e cujo pai seria um funcionário de uma conhecida empresa da área de energia. Conta que, quando veio morar no município atual, nunca imaginou ir para o manicômio, mas confidenciou-nos, em tom de sussurro, que foi para o hospital por conta de um estupro. Disse que foram marginais, que isso aconteceu na rua. De acordo com a cuidadora, o estupro foi cometido na cidade de origem de Dora, por dois ou três homens que bateram nela e a ameaçaram com um revólver. Seu filho seria fruto desse estupro. |
| Margarida |
Segundo Margarida, seus pais tiveram três filhos antes dela: um menino, falecido de "doença do umbigo", e duas meninas, uma das quais é moradora de outra Residência Terapêutica. Margarida foi criada na roça, sua mãe faleceu quando ela tinha um ano. Após a morte do pai, por "beber cachaça" e por "feitiçaria de uma filha de santo", ficou morando na estrada, numa "casinha de sapé" à "beira de uma mata virgem", onde ajudava a tomar conta de uma roça de café. Frequentou por pouco tempo duas escolas, mas não aprendeu a ler. Morava com uma tia materna quando se mudou para uma cidade grande "para cuidar de uma menina". Certo dia, resolveu fugir. Deixou a chave na "casa do bispo" e saiu caminhando. Foi encontrada pela polícia, que a levou de volta. Tornou a fugir. Dessa vez, a encontraram "caminhando sem rumo" e a levaram para o manicômio. Após três meses, voltou para a roça, onde engravidou. Durante a gravidez, ela se queixou à sogra que estava sentindo dores, mas a sogra respondia que "mulher grávida é assim mesmo". Então, resolveu ir embora. Caminhou sem rumo até outra cidade, onde sua filha nasceu. Nesse período, um rapaz "se aproveitou" dela, resultando em "peito estourado", o que a obrigou a dar a menina. Tempos depois, tentou reaver a bebê, mas o casal para quem entregou sua filha lhe fez a "injúria" de dizer que ela nunca havia deixado criança alguma aos seus cuidados. Segundo Margarida, o motivo da sua reinternação foi porque "saía caminhando à toa". |
| Valentina |
Natural de um município pequeno, Valentina trabalhou em casa de família, lavava pratos e limpava a casa. Teve um filho, Ivan, fruto de relacionamento com um "policial bonito". Ela acredita que tenha enlouquecido por causa do parto, por "resguardo quebrado", mas Ivan é "do tempo em que ela era sã", de acordo com a cuidadora. Lembra que chegou no manicômio "em 1994" porque estava "aprontando" em sua cidade de origem, ficou doente e a prenderam em uma "cela". O "delegado assinou no prontuário" e os funcionários do hospital a encaminharam para o manicômio. |
| Márcia |
Nascida em família humilde, Márcia morava com sua mãe e nove irmãos em uma cidade grande. Não estudou - "minha mãe não me colocou na escola" - e não sabe ler nem escrever, mas sempre foi uma mulher ativa, trabalhou em casas de família lavando roupa e fazendo de tudo, "com exceção do almoço". Vendia produtos de limpeza na rua com sua mãe, mas o dinheiro, sua mãe "pegava e gastava". Depois de algum tempo, ela e seus irmãos foram expulsos de casa. Márcia engravidou de um homem ciumento que a espancava muito, inclusive com pontapés na barriga, o que provocou um abortamento. Em outro relacionamento, engravidou de Lucas, que nasceu em um município próximo a Salvador. Após o nascimento de Lucas, ela foi expulsa de casa com o seu filho nos braços. Passou a morar nas ruas e, devido ao frio e às chuvas, a criança "pegou pneumonia". O juiz "tomou" Lucas, que ficou sob os cuidados de uma freira. Márcia voltou às ruas, "subindo e descendo com a manta nos braços, com os seios vazando leite, caminhando e chorando". Ela acredita que teve "resguardo quebrado". Não lembra a idade que tinha quando isso aconteceu porque ficou esquecida desde então. |
| Gilmara |
Natural do município onde se deu a internação, Gil possui familiares próximos. De acordo com a cuidadora, foram "problemas de casamento" que a levaram à loucura e à consequente internação no manicômio. Segundo Luciana, a cuidadora, Gil se recusou a se casar com Marcus, pretendente apoiado por sua avó; em vez disso, envolveu-se com outro rapaz, Miguel, do qual engravidou e teve um filho. Miguel queria se casar com Gil, mas ela não aceitou, porque gostava de Rubens, que não quis ficar com ela. |
| Camila |
Natural do município onde se deu a internação, Camila se mudou, ainda criança, para uma cidade a 360 Km de lá, quando foi adotada por uma família conhecida por sua influência política nesse segundo município. Sua mãe adotiva tinha dois filhos biológicos. Camila gostava de onde morava e recorda-se do endereço de sua casa, de ruas e avenidas importantes, de um rio que percorre grande parte da cidade, do trajeto para chegar na igreja católica aonde ia. Camila cursou magistério, tendo trabalhado como professora primária em um colégio estadual durante dois anos. Religiosa, frequentava igrejas, mas também festas de forró e praias, pois sua família possuía uma casa em município litorâneo. Aos 17 anos, o seu curso de vida foi alterado pelo falecimento dos seus pais adotivos, quando seus irmãos a internaram no hospital psiquiátrico, alegando "doença mental". Depois da internação, Camila foi interditada, sem direito a herança, e seus irmãos nunca mais foram vê-la. |
