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Mecanismos de homogeneização da atividade científica: o caso da ciência das mudanças climáticas* 1 . O estatuto de problema global e urgente atribuído às mudanças climáticas não pode ser tomado como simples fato natural. Conforme argumentou Steven Yearley (2005: 41-54), alguns fenômenos ambientais que transcendem barreiras nacionais são socialmente construídos como globais, ao passo que outros não. No caso específico das mudanças climáticas, Yearley apontou dois fatores que foram centrais para a “globalização” deste fenômeno: o interesse de países desenvolvidos em questões ambientais associado à possibilidade de interferirem em políticas de países em desenvolvimento - por exemplo, no Brasil e no gerenciamento da Amazônia; e a atuação de ONGs ambientalistas de países desenvolvidos na propagação do discurso sobre a globalidade das mudanças climáticas. Similarmente, a centralidade adquirida pelas mudanças climáticas na agenda científica internacional também deve ser compreendida como fruto da construção social da relevância ambiental do tema. O consenso na comunidade científica a respeito da realidade e dos riscos do aquecimento global foi formado principalmente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) encarregado de revisar o estado da arte da literatura sobre o clima para informar sobre a formulação de políticas climáticas (O’Riordan & Jäger, 1996; Weart, 2003; Miller, 2004). Do ponto de vista da atenção pública dada ao aquecimento global, Allan Mazur (1998) chamou a atenção para a influência da mídia, no final dos anos 1980, no sentido de inserir esse fenômeno na agenda de riscos a serem enfrentados com urgência pela humanidade.

Resumo

Neste artigo, analiso alguns mecanismos que viabilizam a existência da ciência das mudanças climáticas, um campo de pesquisa extremamente heterogêneo uma vez que é formado por membros de todas - ou quase todas - as disciplinas científicas. Examino, especificamente, o papel desempenhado pelos dois principais mecanismos de homogeneização da atividade científica encontrados na literatura dos estudos sociais da ciência e tecnologia: a translação (Callon, 1986; Latour, 1987) e a padronização (Latour, 1987; Jasanoff & Wynne, 1998; Star & Lampland, 2009; Edwards, 2010). A translação consiste no processo através do qual um determinado grupo de atores faz com que os interesses de outros membros de uma determinada rede sociotécnica passem a convergir com os seus. Já a padronização se refere ao desenvolvimento de conceitos, medidas, instrumentos, práticas, técnicas e métodos de pesquisa padronizados, reduzindo, assim, a heterogeneidade dentro de um determinado campo de investigação científica. Argumento que estes dois mecanismos são fundamentais para se compreender os padrões colaborativos e de fluxo de informação que se formaram dentro da ciência das mudanças climáticas. Processos de translação ajudaram a diminuir a heterogeneidade de interesses nessa área de pesquisa fazendo com que os interesses de uma diversidade de atores passassem a convergir com aqueles das modeladoras computacionais que utilizam Modelos de Circulação Geral (MCGs). Processos de padronização, por sua vez, fizeram com que dados de pesquisa coletados ao redor do mundo mediante as mais diversas técnicas, instrumentos e métodos de pesquisa pudessem ser inseridos, mesmo que às vezes de modo fragmentário e imperfeito, nos MCGs.

Palavras-chave:
homogeneização da atividade científica; translação; padronização; ciência das mudanças climáticas; estudos sociais da ciência e tecnologia

Abstract

In this paper, I examine some mechanisms that make the existence of climate-chance science possible, as this is an extremely heterogeneous field of science virtually composed of members of all scientific disciplines. I examine the role played by the two main mechanisms of homogenisation described in the Science and Technology Studies (STS) literature: translation (Callon, 1986; Latour, 1987) and standardisation (Latour, 1987; Jasanoff & Wynne, 1998; Star & Lampland, 2009; Edwards, 2010). Translation consists of the process through which a group of actors make the interests of other members of a sociotechnical network converge with theirs. Standardization consists of the development of standardised concepts, practices, measurements, instruments, methods, and techniques of research, so that heterogeneity is reduced in a given field of science. I argue that these mechanisms are central for understanding the connections developed between different groups of experts and the flow of information in climate-change science. A process of translation has made the interests of a number of actors converge with those of general circulation modellers. Standardisation techniques, on the other hand, have made feeding - although not without problems - data collected across the globe using a wide range of techniques, instruments, and methods of research, into GCMs possible.

Keywords:
homogenisation of scientific life; translation; standardisation; climate-change science; social studies of science and technology

Introdução

No final da década de 1980, o debate científico e político a respeito das mudanças climáticas ganhou força internacionalmente envolvendo um grande número de atores: cientistas, governos, ativistas, ONGs e membros da sociedade civil (Ungar, 1992Ungar, Sheldon. The rise and (relative) decline of global warming as a social problem. The Sociological Quarterly, v. 33, n. 4, p. 483-501, 1992.; Weart, 2003Weart, Spencer R. The discovery of global warming. Cambridge (MA); London: Harvard University Press, 2003.). As discussões e as pesquisas em torno das mudanças climáticas intensificaram-se a partir dos anos de 1990, tornando-se um dos principais temas nos debates internacionais vinculados ao meio ambiente¹. O clima passou a suscitar preocupações relacionadas à possibilidade de o planeta estar passando por um processo de aquecimento acelerado de origem antropogênica. O principal mecanismo de aquecimento da temperatura na contemporaneidade é o efeito estufa. Este efeito, apesar de ser uma parte constituinte do sistema climático terrestre, está sendo intensificado devido às emissões de dióxido de carbono na atmosfera, advindas, principalmente, da queima de combustíveis fósseis. Este cenário traz consigo a possibilidade de impactos sérios ao meio ambiente e às sociedades humanas, tais como a perda de biodiversidade, o derretimento das calotas polares, a elevação do nível do mar, o aumento da incidência de doenças tropicais, a maior ocorrência de eventos climáticos extremos, tais como furacões, enchentes e ondas de calor, dentre outros.

Na medida em que o clima foi se tornando um tema central na agenda ambiental, a ciência das mudanças climáticas2 2 . Neste trabalho, diferencio ciência das mudanças climáticas e ciências climáticas. Em geral, o termo ciências climáticas é utilizado para se referir às ciências básicas, tais como física, meteorologia, biologia etc., envolvidas na compreensão da dinâmica e dos processos de mudança do clima. Quando uso o termo ciência das mudanças climáticas, refiro-me ao complexo aglomerado de disciplinas que se formou ao redor do tema das mudanças climáticas, indo, portanto, para além das ciências básicas e incluindo também estudos de impactos, de técnicas adaptativas e de mitigação. ganhou maior importância e passou a agregar pesquisadores de todas - ou quase todas - as áreas de investigação científica. Com isso, ela transformou-se em um enorme aglomerado de disciplinas girando em torno do mesmo tema. Ademais, a ciência das mudanças climáticas depende de dados coletados ao redor do globo, os quais precisam ser reunidos de modo que haja informações sobre mudanças climáticas em escala global. Assim, esse ramo de pesquisa científica tornou-se extremamente heterogêneo, o que cria dificuldades relativas à produção de conhecimento. Conforme pesquisa nos estudos sociais da ciência e tecnologia (ESCT) demonstrou, a produção de conhecimento científico em áreas interdisciplinares implica dificuldades de comunicação e de criação de convergência de interesses entre os diferentes grupos de cientistas (ver Star & Griesemer, 1989Star, Susan Leigh; Griesemer, James R. Institutional ecology, translations’ and boundary objects: amateurs and professionals in Berkeley’s Museum of Vertebrate Zoology, 1907-39. Social Studies of Science, v. 19, n. 3, p. 387-420, 1989.; Galison, 1997Galison, Peter. Image and logic: a material culture of microphysics. Chicago: University of Chicago Press, 1997.; Sundberg, 2006____. Credulous modellers and suspicious experimentalists: comparison of model output and data in meteorological simulation modelling. Science Studies,v. 19, n. 1, p. 52-68, 2006.; 2007; Monteiro & Keating, 2009Monteiro, Marko; Keating, Elizabeth. Managing misunderstandings: the role of language in interdisciplinary scientific collaboration. Science Communication, v. 31, n. 1, p. 6-28, 2009.). Na literatura dos ESCT, pode-se encontrar duas formas pelas quais cientistas buscam viabilizar a produção de conhecimento frente a tais dificuldades. A primeira consiste na homogeneização de campos científicos, isto é, na redução das diferenças visando facilitar processos colaborativos3 3 . É importante ressaltar que o tema da homogeneização da vida social não é privilégio dos ESCT. Ele está presente na literatura sociológica há algumas décadas e foi relacionado a diferentes esferas da vida. Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985) examinaram e criticaram duramente a indústria cultural surgida na primeira metade do século XX como forma de homogeneização de bens culturais, a qual estaria relacionada ao controle das classes populares dentro do sistema capitalista. Em um contexto mais contemporâneo, alguns teóricos da globalização atribuíram a este fenômeno a característica de homogeneizar diversos aspectos da vida social ao redor do mundo. Anthony Giddens (1990) explora aspectos institucionais da globalização, chamando a atenção para a proliferação em escala mundial do capitalismo, do Estado-nação, da industrialização - mesmo que vinculada a uma divisão internacional do trabalho - e, por fim, de uma ordem mundial militarizada, na medida em que praticamente todos os Estados-nação possuem seus próprios exércitos e, além disto, houve o surgimento de alianças militares internacionais. Na emergente literatura pós-colonial há também diversos pensadores que analisam a mundialização de características culturais, econômicas, políticas, intelectuais etc., dos países do Norte, contudo sob uma ótica mais combativa. Boaventura de Souza Santos (2002) examina a disseminação do modelo econômico neoliberal ao redor do mundo e suas consequência tanto no que se refere à globalização de um modelo econômico como em suas consequências para outras esferas da vida. O cientista social português argumenta que o neoliberalismo estaria globalizando a pobreza e a circulação de bens culturais do Norte. Todavia, este processo não seria unilateral, pois existem movimentos contra-hegemônicos resistindo a esses processos globalizantes. Na literatura pós-colonial, há também estudos sobre a homogeneização da ciência, mas com outro foco, mais relacionado à geopolítica do conhecimento, isto é, sobre como agendas de pesquisa, métodos, instrumentos, marcos teóricos etc., provenientes de países do Norte, tendem a dominar a pesquisa em países periféricos (ver Hountondji, 1997; Connel, 2007). . Os dois principais mecanismos de homogeneização da ciência que podem ser encontrados na literatura dos ESCT são a translação (Callon, 1986Callon, Michel. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. In: Law, John (Org.). Power, action and belief: a new sociology of knowledge, p. 196-233. London: Routledge, 1986. ; Latour, 1987____. Science in action: how to follow scientists and engineers through society. Milton Keynes (UK): Open University Press, 1987.) e a padronização (Latour, 1987; Jasanoff & Wynne, 1998Jasanoff, Sheila; Wynne, Brian. Science and decisionmaking. In: Rayner, Steve; Malone, Elizabeth. L. (Orgs.). Human choice & climate change. v. I - “The societal framework”, p. 1-87. Columbus (OH): Battelle Press, 1998.; Star & Lampland, 2009; Edwards, 2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.). A primeira consiste em processos através dos quais grupos de cientistas conseguem fazer com que os interesses de outros atores passem a convergir com os seus, reduzindo assim dificuldades relacionadas à heterogeneidade de interesses. A segunda consiste em toda sorte de esforços no sentido de padronizar práticas, métodos e técnicas de pesquisa de modo a criar dados que sejam comparáveis e comensuráveis.

A segunda forma de se lidar com a heterogeneidade na ciência consiste na construção de pontes entre comunidades heterogêneas. Essas pontes podem ser linguísticas (Galison, 1997Galison, Peter. Image and logic: a material culture of microphysics. Chicago: University of Chicago Press, 1997.; Collins & Evans, 2007 Collins, Harry M.; Evans, Robert. Rethinking expertise. Chicago; London: University of Chicago Press, 2007.; Ribeiro, 2007Ribeiro, Rodrigo. The role of interactional expertise in interpreting: the case of technology transfer in the steel industry. Studies in History and Philosophy of Science Part A, v. 38, n. 4, p. 713-721, 2007.; Reyes-Galindo, 2011____. The sociology of theoretical physics. Tese (Doutorado) - Cardiff University, Cardiff, 2011. Disponível em: <http://orca.cf.ac.uk/15106/4/2011ReyesGalindoLIPhD.pdf>.
http://orca.cf.ac.uk/15106/4/2011ReyesGa...
; Duarte, 2013Duarte, Tiago Ribeiro. Expertise and the fractal model: communication and collaboration between climate-change scientists. Tese (Doutorado) - Cardiff University, Cardiff (UK), 2013. Disponível em: <http://orca.cf.ac.uk/49632/1/Final%20PhD%20Thesis%2C%20August%202013.pdf>.
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), baseadas na confiança (Shapin, 1994Shapin, Steven. A social history of truth: civility and science in seventeenth-century England. Chicago (IL): University of Chicago Press, 1994.; Shackley e Wynne, 1995Shackley, Simon; Wynne, Brian. Integrating knowledges for climate change: pyramids, nets and uncertainties. Global Environmental Change, v. 5, n. 2, p. 113-126, 1995.; Duarte, 2013; Reyes-Galindo, 2014) ou girar em torno dos chamados objetos fronteiriços (Star & Griesemer, 1989Star, Susan Leigh; Griesemer, James R. Institutional ecology, translations’ and boundary objects: amateurs and professionals in Berkeley’s Museum of Vertebrate Zoology, 1907-39. Social Studies of Science, v. 19, n. 3, p. 387-420, 1989.), isto é, objetos concretos ou abstratos que habitam as interseções entre diversos mundos sociais4 4 . No texto original de Susan Leigh Star e James Griesemer (1989), no qual o conceito de objetos fronteiriços é introduzido, os autores argumentam que esses objetos muitas vezes atuam conjuntamente com padronizações. Nesse sentido, mecanismos de homogeneização podem e frequentemente atuam junto a mecanismos de construção de pontes. A diferenciação entre esses dois tipos de mecanismo apresentada neste artigo é puramente analítica. . Nesse caso, são atribuídos diferentes significados pelos grupos sociais envolvidos; ainda assim, são flexíveis o suficiente para que interações sociais ocorram.

Este artigo consiste em uma ampla revisão da literatura dos ESCT sobre a ciência das mudanças climáticas e busca compreender como uma área tão interdisciplinar é viabilizada por meio dos mecanismos expostos acima. A análise de todos esses mecanismos demandaria um trabalho de escopo muito maior; vou me restringir aos mecanismos de homogeneização, tratando de processos de translação e padronização. Procuro sistematizar elementos teóricos e dados empíricos que se encontram dispersos na literatura de modo a apresentar uma visão mais integrada dos mecanismos de homogeneização que moldam a produção de conhecimento na ciência das mudanças climáticas5 5 . É importante ressaltar que também realizei pesquisa de campo sobre a ciência das mudanças climáticas entre os anos de 2010 e 2011. Neste período, frequentei palestras e seminários de cientistas estudiosas das mudanças climáticas, participei de um curso de verão na Brown University (RI) sobre o tema e entrevistei cientistas de diversas subáreas desse campo de pesquisa. A pesquisa de campo ajudou-me a compreender a estrutura da ciência das mudanças climática e os principais fluxos de informação entre suas subáreas. Todavia, este artigo não é baseado nos dados coletados na pesquisa de campo, os quais foram obtidos com um propósito diferente. Ainda assim, a imersão na ciência das mudanças climáticas foi útil para a escrita deste trabalho, na medida em que ajudou a conferir maior sentido aos textos aqui revisados. .

Começarei este artigo apresentando as diferentes dimensões da heterogeneidade na ciência e como a ciência das mudanças climáticas é particularmente heterogênea. Na sequência, analisarei a translação e a padronização, de modo a evidenciar como elas reduzem a diversidade de interesses e de práticas nesta área da ciência, fazendo com que, em grande medida, o estudo das mudanças climáticas circule em torno da modelagem computacional. Por fim, na seção final do artigo, procurarei sintetizar os principais pontos discutidos ao longo do texto.

A heterogeneidade da ciência das mudanças climáticas

A heterogeneidade das ciências pode ser relacionada a cinco aspectos encontrados na literatura dos ESCT: linguagens técnicas, expertises, culturas epistêmicas, instrumentos de pesquisa e interesses. A heterogeneidade linguística se refere à diversidade de linguagens técnicas dominadas apenas pelos membros de comunidades específicas (Collins & Evans 2002____. The third wave of science studies: studies of expertise and experience. Social Studies of Science, v. 32, n. 2, p. 235-296, 2002.; 2007; Galison, 1997Galison, Peter. Image and logic: a material culture of microphysics. Chicago: University of Chicago Press, 1997.). Já a heterogeneidade de expertises consiste na ampla gama de expertises, ou habilidades tácitas, nas quais a pesquisa nas diferentes áreas de especialização estão alicerçadas (Collins 1974; Collins & Evans, 2002; 2007; Reyes-Galindo & Duarte, 2015Reyes-Galindo, Luis; Duarte, Tiago Ribeiro. Bringing tacit knowledge back to contributory and interactional expertise: a reply to Goddiksen. Studies in History and Philosophy of Science, v. 49, p. 99-102, 2015.). Além disso, a ciência é também heterogênea no que tange a culturas epistêmicas, isto é, há diferentes culturas de produção de conhecimento vinculadas a regras e a práticas de pesquisa distintas (Knorr-Cetina, 1999Knorr-Cetina, Karin. Epistemic cultures: how the sciences make knowledge. Cambridge (MA): Massachusetts Harvard University Press, 1999.). A heterogeneidade instrumental consiste na variedade de máquinas e de instrumentos utilizada nos diferentes campos de pesquisa, os quais produzem resultados com diferentes níveis de precisão, acurácia e resolução e, além disso, com diferentes limitações e potencialidades (Hacking, 1992Hacking, Ian. The self-vindication of the laboratory sciences. In: Pickering, Andrew (Org.). Science as practice and culture, p. 29-64. Chicago; London: The University of Chicago Press, 1992.; Pickering, 1995Pickering, Andrew. The mangle of practice: time, agency, and science. Chicago (IL); London (UK): University of Chicago Press, 1995.; Edwards, 2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.). Por fim, a heterogeneidade de interesses refere-se aos interesses comumente divergentes de diferentes grupos de cientistas, o que dificulta o estabelecimento de metas comuns entre elas (Sundberg, 2006____. Credulous modellers and suspicious experimentalists: comparison of model output and data in meteorological simulation modelling. Science Studies,v. 19, n. 1, p. 52-68, 2006.; 2007).

Na ciência das mudanças climáticas, todos esses tipos de heterogeneidade podem ser encontrados, uma vez que este campo de investigação abrange todas - ou quase todas - as disciplinas científicas. Há basicamente duas razões para isto. Primeiramente, o sistema climático é formado por cinco subsistemas: atmosfera, biosfera, criosfera, oceanos e solos (Ruddiman, 2008Ruddiman, William. Earth’s climate, past and future. New York: W. H. Freeman and Co., 2008.: 8-12). Cada um é investigado por um conjunto de disciplinas científicas e por combinações interdisciplinares, tais como a meteorologia, a física atmosférica, a oceanografia, a biologia, a glaciologia, a hidrologia, a geologia, dentre outras (Jasanoff & Wynne, 1998Jasanoff, Sheila; Wynne, Brian. Science and decisionmaking. In: Rayner, Steve; Malone, Elizabeth. L. (Orgs.). Human choice & climate change. v. I - “The societal framework”, p. 1-87. Columbus (OH): Battelle Press, 1998.; Edwards, 2001____. Representing the global atmosphere: computer models, data, and knowledge about climate change. in: Miller, Clark A.; Edwards, Paul N. (Orgs.). Changing the atmosphere: expert knowledge and environmental governance, p. 31-65. Cambridge (MA): The MIT Press, 2001.). Investiga-se o clima no passado, no presente e no futuro. Por causa disto, ramos da ciência como a paleoclimatologia, que faz a reconstrução climática em períodos para além dos registros instrumentais contínuos, e a modelagem climática, responsável pela previsão das mudanças climáticas no futuro, também se integraram aos estudos sobre o clima.

Ademais, grande parte das estudiosas das mudanças climáticas acreditam que essas vão gerar uma série de impactos negativos para a humanidade e para o meio ambiente. Por causa disto, diferentes áreas da ciência passaram a estudar os impactos das mudanças climáticas, assim como meios de adaptação e de mitigação. Isto fez com que campos de pesquisa tais como a economia, as ciências sociais, as engenharias, a arquitetura, a ecologia, a demografia etc., também passassem a pesquisar fenômenos relacionados às mudanças climáticas. O resultado é um complexo mosaico de cientistas estudando questões como:

  • Quais os principais mecanismos de mudança climática?

  • Quais mudanças climáticas ocorrerão no futuro?

  • Quais impactos as mudanças climáticas gerarão?

  • Como as sociedades humanas e os diferentes ecossistemas poderão adaptar-se a esses impactos?

  • Como podemos mitigar as mudanças climáticas de modo a minimizar os seus efeitos?

A ciência das mudanças climáticas não consiste, portanto, em um campo transdisciplinar homogêneo, mas em um enorme campo de diferentes áreas da ciência que estudam questões climáticas a partir de abordagens, metodologias e instrumentos de pesquisa distintos. Cada uma dessas áreas foca aspectos diferentes das mudanças climáticas, a partir de suas respectivas perspectivas disciplinares, pesquisando uma variedade de interações entre os subsistemas que compõem o clima e as sociedades humanas.

Esse conglomerado de disciplinas girando ao redor do tema das mudanças climáticas é extremamente heterogêneo em todos os aspectos acima listados: as linguagens técnicas, as expertises, as culturas epistêmicas, os instrumentos de pesquisa e os interesses das diferentes comunidades de experts. Um exemplo basta para ilustrar este ponto. Comparemos meteorologistas que estudam fenômenos atmosféricos com cientistas sociais que estudam o impacto das mudanças climáticas em populações vulneráveis. A linguagem técnica destas comunidades são inegavelmente diferentes e o grau de entendimento mútuo entre cientistas destas duas áreas é extremamente restrito. As expertises, as culturas epistêmicas e os instrumentos de pesquisa são também absolutamente distintos. Por fim, o interesse central das meteorologistas consiste em fazer ciência básica, focando em fenômenos atmosféricos (Sundberg, 2006____. Credulous modellers and suspicious experimentalists: comparison of model output and data in meteorological simulation modelling. Science Studies,v. 19, n. 1, p. 52-68, 2006.). Por outro lado, as cientistas sociais buscam compreender os impactos das mudanças climáticas em comunidades específicas e como estas se adaptam a esses impactos (ver Galvin, 2009Galvin, Kathleen. Transitions: pastoralists living with change. Annual Review of Anthropology, v. 38, p. 185-198, 2009.; Lazrus, 2012Lazrus, Heather. Sea change: island communities and climate change. Annual Review of Anthropology, v. 41, p. 285-301, 2012.; Yeh et alii, 2014Yeh, Emily T.; Nyima, Yonten, Hopping, Kelly A.; Klein, Julia A. Tibetan Pastoralists’ vulnerability to climate change: a political ecology analysis of snowstorm coping capacity. Human Ecology, v. 42, p. 61-74, 2014.; Zheng et alii, 2013). Por causa disto, em princípio não há razões que levem estas comunidades a se comunicarem ou a colaborarem entre si.

Dito de outro modo, na ciência das mudanças climáticas, nem todos os subcampos de pesquisa se comunicam e colaboram com os demais. Na verdade, a maioria não se comunica - ou se comunica muito pouco. Mesmo em campos relativamente próximos, como a modelagem climática da atmosfera e a meteorologia, muitas vezes há grandes dificuldades de comunicação e pouco esforço efetivo de integração devido a interesses de pesquisa divergentes (Sundberg, 2007 Sundberg, Mikaela. Parameterizations as boundary objects on the climate arena. Social Studies of Science, v. 37, n. 3, p. 473-488, 2007.). Quando se trata de campos ainda mais heterogêneos, como no caso das ciências humanas e das chamadas “ciências duras”, as dificuldades são ainda maiores. Sintoma disto são as diversas críticas que têm sido feitas ao Painel Intergovernamental sobre Ciências Climáticas, o mais prestigioso painel científico a produzir documentos sintetizando o estado da arte da literatura científica sobre as mudanças climáticas, por não incluir as ciências humanas em seus relatórios (Demeritt, 2001Demeritt, David. The construction of global warming and the politics of science. Annals of the Association of American Geographers, v. 91, n. 2, p. 307-337, 2001.; Yearley, 2009 Yearley, Steven. Sociology and climate change after Kyoto. Current Sociology, v. 57, n. 3, p. 389-405, 2009.; Hulme & Mahony, 2010Hulme, Mike; Mahony, Martin. Climate change: what do we know about the IPCC? Progress in Physical Geography, v. 34, p. 705-718, 2010.; Victor, 2015Victor, David G. Embed the social sciences in climate policy. Nature, v. 520, p. 27-29, 2015.; Carraro et alii, 2015Carraro, Carlo; Kolstad, Charles; Stavins, Robert. Assessment and communication of the social science of climate change: bridging research and policy. Memorandum from Workshop conducted 18-20 February 2015 in Berlin. Disponível em: <http://www.mcc-berlin.net/fileadmin/data/pdf/climate_assessment_memorandum-1.pdf>.
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).

Há uma estrutura específica de fluxos de informação na ciência das mudanças climáticas que relaciona algumas áreas a outras, ao passo que também afasta certas comunidades de outras. Esta estrutura pode ser compreendida como o reflexo de processos de homogeneização dos estudos sobre o clima, particularmente do processo de translação realizado por modeladoras computacionais, de modo a adquirirem uma centralidade nessa área de pesquisa. Examinarei este processo nas próximas três seções.

Mecanismos de homogeneização: translação

O conceito de translação (Callon, 1986Callon, Michel. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. In: Law, John (Org.). Power, action and belief: a new sociology of knowledge, p. 196-233. London: Routledge, 1986. ; Latour, 1987____. Science in action: how to follow scientists and engineers through society. Milton Keynes (UK): Open University Press, 1987.) foi desenvolvido dentro da teoria ator-rede. Foi inicialmente elaborado para a análise de relações de poder em redes formadas entre grupos de atores heterogêneos, tratando frequentemente de atores situados dentro e fora comunidade científica. Assim, não foi inicialmente concebido para o exame dos processos que viabilizam pesquisa em contextos interdisciplinares. Todavia, o conceito pode ser útil neste contexto, particularmente no que tange à compreensão de como grupos de cientistas com interesses divergentes passam a manifestar metas similares, o que leva à formação de uma determinada estrutura dentro de campos científicos específicos, envolvendo padrões de interações e de fluxo de informação.

A translação está relacionada à heterogeneidade de interesses dentro da ciência, a qual pode impedir que comunidades de experts venham a estabelecer vínculos e projetos colaborativos devido à falta de convergência em seus interesses de pesquisa7 7 . Na teoria ator-rede, utiliza-se o termo “actante”, derivado da semiótica, ao invés de atores/atoras. Neste trabalho, como não faço menção direta à agência de não humanos em meu argumento principal, vou me limitar ao termo atoras. (ver Sundberg, 2006____. Credulous modellers and suspicious experimentalists: comparison of model output and data in meteorological simulation modelling. Science Studies,v. 19, n. 1, p. 52-68, 2006., 2007). No caso da ciência das mudanças climáticas, uma vez que há um entendimento compartilhado por seus membros sobre a necessidade de integração dos dados produzidos por membros de diferentes grupos de experts para que se produza conhecimento sobre o sistema climático como um todo integrado, é crucial que haja algum grau de convergência de interesses entre esses grupos. Nesse sentido, a translação é um mecanismo essencial para se compreender como a ciência das mudanças climáticas adquiriu a estrutura que apresenta atualmente.

De acordo com a teoria ator-rede (Callon, 1986Callon, Michel. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. In: Law, John (Org.). Power, action and belief: a new sociology of knowledge, p. 196-233. London: Routledge, 1986. ; Law, 1986Law, John. On the methods of long distance control: vessels, navigation, and the portuguese route to India. In: Law, John (Org.). Power, action and belief: a new sociology of knowledge? Sociological Review Monograph, 32, p. 234-263. Henley (UK): Routledge, 1986.; Latour, 1987____. Science in action: how to follow scientists and engineers through society. Milton Keynes (UK): Open University Press, 1987., 1991, 2005), cientistas são parte de redes sociotécnicas compostas por seus pares assim como por uma amplo leque de outros atores­7 7 . Na teoria ator-rede, utiliza-se o termo “actante”, derivado da semiótica, ao invés de atores/atoras. Neste trabalho, como não faço menção direta à agência de não humanos em meu argumento principal, vou me limitar ao termo atoras. envolvidos na produção e estabilização de fatos científicos, tais como técnicas de laboratório, agências de financiamento de pesquisa, formulação de políticas públicas etc. Não humanos são também parte dessas redes, incluindo outros seres vivos e objetos. Este é um ponto central na teoria ator-rede, isto é, a tese segundo a qual a capacidade de agência deve ser atribuída tanto a humanos como a não humanos. Isto não quer dizer que não haja diferenças entre seres humanos, animais, objetos e fenômenos. Na verdade, trata-se de reconhecer que as ações de não humanos também são capazes de afetar nossa sociedade como outros tipos de atores. Por exemplo, as moléculas de dióxido de carbono possuem agência, uma vez que têm impacto na retenção de calor na atmosfera, o que leva ao aquecimento do planeta. Além disso, eventos climáticos extremos, tais como tempestades, enchentes, secas, também possuem agência, na medida em que podem ter efeitos destrutivos para a sociedade humana e para determinados ecossistemas.

De acordo com os proponentes da teoria ator-rede, as cientistas, ao desenvolverem teorias, instrumentos etc., procuram construir o maior número possível de alianças, ou, em outras palavras, mobilizar atoras para darem suporte a seus programas de pesquisa. Deste modo, procuram adquirir uma posição mais dominante dentro da rede em que estão inseridas. Uma parte crucial desse processo é a translação, a qual consiste no processo por meio do qual um grupo de cientistas (ou qualquer outro grupo de atoras) faz com que os interesses de outros membros da rede convirjam com os seus. Um processo de translação bem sucedido resulta em uma cientista - ou um grupo de cientistas - transformando em pontos de passagem obrigatórios seus trabalhos, técnicas, instrumentos, métodos etc. Isto significa que outros membros da rede passam a acreditar que, para que atinjam suas próprias metas, precisam usar essas técnicas, instrumentos, métodos etc.

Na ciência das mudanças climáticas, o mais importante processo de translação foi realizado por modeladoras climáticas. De modo a explicar este processo de translação é preciso, primeiro, apresentar a modelagem do clima.

A modelagem climática

A modelagem climática é um campo da ciência das mudanças climáticas que simula em computadores o sistema climático com o intuito de compreender melhor processos climáticos e fazer previsões sobre as mudanças climáticas no futuro. Os modelos climáticos apresentam diferentes níveis de complexidade, o que é conhecido entre as modeladoras como hierarquia ou espectro de modelos (ver Shackley & Wynne, 1995Shackley, Simon; Wynne, Brian. Integrating knowledges for climate change: pyramids, nets and uncertainties. Global Environmental Change, v. 5, n. 2, p. 113-126, 1995.; Shackley et alii, 1998: 163-165; Edwards, 2001____. Representing the global atmosphere: computer models, data, and knowledge about climate change. in: Miller, Clark A.; Edwards, Paul N. (Orgs.). Changing the atmosphere: expert knowledge and environmental governance, p. 31-65. Cambridge (MA): The MIT Press, 2001.: 37): variam desde modelos muito simples - tais como os de balanço de energia zero-dimensionais - até os altamente complexos modelos de circulação geral (MCGs). Os MCGs, como explicarei abaixo, são amplamente considerados como os modelos mais importantes da ciência das mudanças climáticas, e, por causa disto, serão utilizados na discussão sobre mecanismos de homogeneização; vou descrevê-los com nível maior de detalhamento baseado na literatura dos ESCT (Shackley et alii, 1998; Edwards, 2001; Lahsen, 2005Lahsen, Myanna. Seductive simulations? Uncertainty distribution around climate models. Social Studies of Science, v. 35, n. 6, p. 895-922, 2005.; Sundberg, 2006____. Credulous modellers and suspicious experimentalists: comparison of model output and data in meteorological simulation modelling. Science Studies,v. 19, n. 1, p. 52-68, 2006.).

Os mais modernos MCGs modelam os sistema climático em supercomputadores. Dividem a atmosfera e os oceanos em grades tridimensionais nas quais interações físicas entre seus vários componentes são matematicamente8 8 . A resolução dos MCGs evoluiu ao longo do tempo. Por exemplo, os lados das grades dos modelos utilizados pelo IPCC no relatório de 1990 exibiam 500 quilômetros. Já no relatório de 2007, os lados das grades haviam sido reduzidos para aproximadamente 110 quilômetros (IPCC, 2007: 113). simuladas. Por exemplos, as interações físicas na atmosfera são representadas da seguinte maneira9 9 . Todas as citações em inglês foram traduzidas pelo autor em estilo livre. :

Equações de estado computam o efeito de várias forças (radiação, aquecimento convectivo e daí por diante) nas massas de ar e na umidade (nuvens e vapor d’água) dentro de cada grade. Equações de movimento computam a direção e a velocidade do movimento do ar para dentro das outras grades (Edwards, 2001____. Representing the global atmosphere: computer models, data, and knowledge about climate change. in: Miller, Clark A.; Edwards, Paul N. (Orgs.). Changing the atmosphere: expert knowledge and environmental governance, p. 31-65. Cambridge (MA): The MIT Press, 2001.: 37).

A atmosfera e os oceanos, em geral, são simulados em sua totalidade em modelos diferentes e depois acoplados (Lahsen, 2005Lahsen, Myanna. Seductive simulations? Uncertainty distribution around climate models. Social Studies of Science, v. 35, n. 6, p. 895-922, 2005.: 903). Os demais subsistemas do sistema climático (vegetação, criosfera e solos) não são plenamente representados. Versões mais ou menos simplificadas são incluídas nos MCGs (Shackley et alii, 1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.; Edwards, 2001____. Representing the global atmosphere: computer models, data, and knowledge about climate change. in: Miller, Clark A.; Edwards, Paul N. (Orgs.). Changing the atmosphere: expert knowledge and environmental governance, p. 31-65. Cambridge (MA): The MIT Press, 2001.; Lahsen, 2005), todavia nem todos os componentes do sistema climático podem ser representados pelas equações dos modelos. Alguns fenômenos ocorrem em escala menor do que aquele representado nas grades. Estes processos são parametrizados, ou seja, não têm sua física totalmente representada (Edwards, 2001: 56-57; Lahsen, 2005: 900; Sundberg, 2007 Sundberg, Mikaela. Parameterizations as boundary objects on the climate arena. Social Studies of Science, v. 37, n. 3, p. 473-488, 2007.: 477). Exemplos de fenômenos que são parametrizados são as nuvens e os aerossóis. Paul Edwards, por exemplo, descreveu a parametrização da formação de nuvens do seguinte modo:

Por exemplo, ao invés de representar a formação de nuvens em termos de colunas de convecção, núcleos de condensação e outras causas diretas, um MCG em geral calcula a extensão da cobertura de nuvens dentro de uma grande como função da temperatura e da umidade. Esta abordagem incorpora o que é conhecido como suposição de fechamento10 10 . Closure assumption no original. , isto é, a partir do postulado segundo o qual processos em pequena escala podem ser representados acuradamente, em última instância, em termos das variáveis de grande escala disponíveis para os modelos (Edwards, 2001____. Representing the global atmosphere: computer models, data, and knowledge about climate change. in: Miller, Clark A.; Edwards, Paul N. (Orgs.). Changing the atmosphere: expert knowledge and environmental governance, p. 31-65. Cambridge (MA): The MIT Press, 2001.: 56, grifos no original).

Os MCGs são utilizados com diversas finalidades. Uma das mais populares é estimar a sensibilidade climática, isto é, aferir como o sistema climático reagirá se a concentração de dióxido de carbono na atmosfera dobrar (van der Sluijs et alii, 1998van der Sluijs, Jeroen et alii. Anchoring devices in science for policy: the case of consensus around climate sensitivity. Social Studies of Science, v. 28, n. 2, p. 291-323, 1998.: 291-293). Eles são também utilizados para gerar cenários climáticos para o futuro, seguindo diversas suposições diferentes e para realizar “experimentos” com o intuito de avaliar a influência de diferentes variáveis no sistema climático (IPCC, 2013).

A homogeneização da ciência das mudanças climáticas: o caso dos MCGs

O mais importante processo de translação ocorrido na ciência das mudanças climáticas foi realizado por modeladoras climáticas, o que fez com que os modelos - particularmente os MCGs - adquirissem um papel central nessa área da ciência (Jasanoff & Wynne, 1998Jasanoff, Sheila; Wynne, Brian. Science and decisionmaking. In: Rayner, Steve; Malone, Elizabeth. L. (Orgs.). Human choice & climate change. v. I - “The societal framework”, p. 1-87. Columbus (OH): Battelle Press, 1998.; Shackley et alii, 1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.; Demeritt, 2001Demeritt, David. The construction of global warming and the politics of science. Annals of the Association of American Geographers, v. 91, n. 2, p. 307-337, 2001.; Edwards, 2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.). Eles se tornaram a principal ferramenta utilizada para se reunir dados coletados nos diferentes subsistemas e regiões do sistema climático:

Para a pesquisa sobre as mudanças climáticas, abordagens comuns são desenvolvidas interdisciplinarmente, tomando como objeto de estudo a atmosfera, a troposfera, a estratosfera, a criosfera (gelo), a biosfera, a geosfera, a litosfera e a hidrosfera. Outras abordagens focam uma variedade de ecossistemas marinhos e terrestres e o uso da terra. Dados sobre estes sistemas são reunidos em uma variedade de modelos computacionais, com os modelos de circulação geral (MCGs) no topo da hierarquia de complexidade (Jasanoff & Wynne, 1998Jasanoff, Sheila; Wynne, Brian. Science and decisionmaking. In: Rayner, Steve; Malone, Elizabeth. L. (Orgs.). Human choice & climate change. v. I - “The societal framework”, p. 1-87. Columbus (OH): Battelle Press, 1998.: 49).

Os MCGs não apenas reúnem dados, eles também produzem simulações globais que são utilizadas por outras cientistas, particularmente aquelas que estudam os impactos das mudanças climáticas (Shackley & Wynne 1995Shackley, Simon; Wynne, Brian. Integrating knowledges for climate change: pyramids, nets and uncertainties. Global Environmental Change, v. 5, n. 2, p. 113-126, 1995.; Shackley et alii, 1998). Isto as coloca em posição central na ciência das mudanças climáticas, uma vez que reúnem dados empíricos e intermediam o fluxo de informação de cientistas observacionais para experts em impactos.

Apesar de ter se tornado senso comum na ciência das mudanças climáticas a ideia de que experimentos não podem ser realizados em escala planetária e, consequentemente, modelos computacionais são essenciais para se estudar as mudanças climáticas, pesquisadoras dos ESCT têm de questionar as duas razões pelas quais os MCGs adquiriram tamanha centralidade nesse campo. Primeiramente, uma tese importante dos ESCT é que a natureza não é capaz de impor abordagens de pesquisa específicas para as cientistas (Yearley, 1990____. Researching the precambrian biosphere: constructing knowledge and shaping the organization of scientific work. Social Studies of Science, v. 20, n. 2, p. 313-332, 1990.), há sempre uma variedade de abordagens por meio das quais um fenômeno pode ser investigado cientificamente. Além disso, todos os métodos e as técnicas de pesquisa apresentam qualidades e deficiências. Se comparados, por exemplo, a outros modelos climáticos, os MCGs revelam vantagens e desvantagens:

É simplesmente nosso objetivo apontar que eles [MCGs] pontuam bem em relação a alguns critérios, mas não em relação a outros. Por exemplo, se o objetivo for definido como prover previsões climáticas a longo prazo, as quais são baseadas na percepção científica atual dos mecanismos físicos envolvidos, os MCGs são certamente fortes candidatos. Mas, enquanto os MCGs são capazes de explorar algumas características chave das mudanças climáticas, incluindo horizontes temporais variáveis e, potencialmente, escalas e variabilidade regionais, eles são muito menos adequados para a integração com outros modelos físicos e socioeconômicos, ou para realizar análises de incerteza e as predições estocásticas associadas. Além disso, empregam de modo intensivo recursos e são bastante intratáveis. Há uma ampla experiência com eles, apesar de, tal como discutimos, a confirmação de sua confiabilidade, especialmente com o propósito de fazer projeções, permanecer um tema difícil. Por fim, não são muito acessíveis ou transparentes, de modo que feedbacks advindos de outras comunidades científicas com relação à validade deles não são facilmente obtidos (Shackley et alii, 1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.: 183).

A centralidade dos MCGs na ciência das mudanças climáticas foi explicada por algumas pesquisadoras dos ESCT partindo do argumento de que eles se tornaram pontos de passagem obrigatórios (Edwards, 2001____. Representing the global atmosphere: computer models, data, and knowledge about climate change. in: Miller, Clark A.; Edwards, Paul N. (Orgs.). Changing the atmosphere: expert knowledge and environmental governance, p. 31-65. Cambridge (MA): The MIT Press, 2001.; Sundberg, 2007 Sundberg, Mikaela. Parameterizations as boundary objects on the climate arena. Social Studies of Science, v. 37, n. 3, p. 473-488, 2007.). Isto significa que modeladoras climáticas lograram torná-los indispensáveis dentro da rede da ciência das mudanças climáticas. Por meio de um processo de translação, elas fizeram com que interesses de outros grupos de cientistas convergissem com os delas. Outras cientistas das mudanças climáticas e outras atoras, tais como formuladoras de políticas públicas e de agências de financiamento de pesquisa, começaram a acreditar que os modelos climáticos são as ferramentas mais importantes para se investigar as mudanças climáticas e vincularam suas práticas a eles. Simon Shackley e suas colegas de pesquisa (1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.), apesar de não usarem os conceitos de ponto obrigatório de passagem e de translação, ofereceram a melhor descrição disponível na literatura dos ESCT dos MCGs, mobilizando uma plêiade de diferentes atoras envolvidas com as mudanças climáticas:

Outro modo de dizer isto é que os MCGs (em oposição a outros modelos ou métodos) agem como uma espécie de moeda comum entre grupos de cientistas e formuladoras de políticas públicas - cada uma delas considera que tem algo a ganhar em termos intelectuais, científicos, sociais e de financiamento - por estar envolvida em seu desenvolvimento e uso - e que esta convergência serve como meio de vincular tais grupos em coalizões fracamente integradas (Shackley et alii, 1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.).

De acordo com Simon Shackley e suas colegas de pesquisa (Shackley et alii, 1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.: 186), o conjunto de relações mais importante entre modeladoras que utilizam MCGs e outras atoras na rede da ciência das mudanças climáticas são: modeladoras e formuladoras de políticas públicas, modeladoras e comunidade que estuda os impactos das mudanças climáticas e modeladoras e outras áreas da ciência envolvidas com pesquisa básica sobre o clima. Examinemos, então, como a equipe de Shackley descreve cada um destes conjuntos de relações para melhor compreendê-los.

Para este grupo de trabalho, modeladoras que usam MCGs são conectadas a cientistas de outras áreas que fazem ciência básica das mudanças climática porque os MCGs fornecem para estas outras cientistas oportunidades de colaboração relacionadas ao desenvolvimento e à validação dos modelos, o que depende de dados detalhados de diversos campos da ciência11 11 . É importante ressaltar que (ver Oreskes et alii, 1994: 642), de um ponto de vista epistemológico, a validação não significa que um modelo pode representar fenômenos naturais confiavelmente: “Os resultados dos modelos podem ou não ser válidos, dependendo da qualidade e da quantidade dos parâmetros inseridos e da acurácia das hipóteses auxiliares”. A compatibilidade entre um modelo e um conjunto de dados, portanto, não significa que o modelo confiavelmente representa a realidade, mas que há consistência entre uma específica rodada do modelo e um determinado conjunto de dados. . Como resultado, modeladoras que utilizam MCGs tendem a ter redes muito mais extensas do que, por exemplo, as de outras modeladoras climáticas:

Uma modeladora utilizando um modelo simples que quer incluir o feedback da fertilização de carbono ou o efeito de aerossóis no modelo, por exemplo, não precisa de uma extensa colaboração com biólogas ou químicas da atmosfera. O que é preciso são umas poucas “melhores estimativas” das experts mundialmente reconhecidas nesses temas, provavelmente acessíveis na literatura publicada.

Em contraste, no “trabalho de extensão” dos MCGs, ecologistas e hidrólogas são necessárias para modelar, por exemplo, toda a complexidade do movimento da água saindo do solo, passando pela vegetação até a camada limite, para estender modelos de micronível de bacias hidrográficas de modo que eles possam ser aplicados à resolução das grades dos MCGs; e daí por diante em uma miríade de outras possibilidades (Shackley et alii, 1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.: 188).

O outro grupo que é parte da rede das modeladoras que usam MCGs refere-se a cientistas que utilizam os outputs produzidos por estes modelos. Dentre elas, podemos destacar modeladoras de impactos e economistas que estudam os custos das mudanças climáticas (Shackley et alii, 1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.: 190-191). Um exemplo disto são modeladoras de safras:

A comunidade das estudiosas dos impactos do clima explora os efeitos das mudanças climáticas na agricultura derivando dados de grades específicas dos MCGs e inserindo-os em modelos que estimam a produtividade de safras (Shackley et alii, 1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.: 190).

Por fim, os MCGs desfrutam de grande prestígio entre formuladoras de políticas públicas, o que é refletido nos generosos financiamentos para pesquisa que modeladoras a utilizarem esses modelos recebem de agências financiadoras. Shackley et alii (1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.: 192) forneceram algumas razões para isto. As principais são as seguintes: primeiramente, MCGs são fornecedores de dados para estudos de impactos econômicos cujos esforços de pesquisa são fortemente conectados às políticas climáticas, consequentemente, MCGs são de grande importância para qualquer esforço de elaboração de políticas públicas baseadas em conhecimento científico; além disso, formuladoras de política públicas tendem a preferir MCGs a modelos mais simples, baseadas na suposição de que sua credibilidade pode ajudar a construir um consenso no que tange às políticas climáticas:

O argumento segundo o qual a credibilidade científica - e, preferivelmente, a certeza - é necessária para se alcançar consenso político parece apresentar enorme poder persuasivo em muitas culturas políticas e de formuladoras de políticas públicas e, se MCGs são considerados os mais confiáveis e robustos modelos climáticos, segue-se que irão gozar de um elevado status em círculos de formuladoras de políticas climáticas (Shackley et alii, 1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.: 192).

Por fim, entre modelos climáticos, apenas MCGs trazem a promessa de serem capazes de oferecer simulações do futuro com detalhamento regional, o que é central para o desenvolvimento de políticas climáticas locais.

Em suma, os MCGs se tornaram pontos obrigatórios de passagem na rede da ciência das mudanças climáticas, uma vez que as modeladoras que os utilizam mobilizaram diferentes grupos de atoras e fez com que seus interesses convergissem com o desenvolvimento desses modelos. Cientistas observacionais adotaram o papel de prover dados empíricos para os MCGs; a comunidade estudiosa dos impactos do aquecimento global consome o output dos MCGs; e formuladoras de políticas públicas baseiam suas negociações políticas em dados produzidos por MCGs ou em dados sobre os impactos das mudanças climáticas, os quais dependem de output dos MCGs para serem produzidos. Dito de outro modo, esforços científicos e de formulação de políticas públicas relacionadas ao clima em grande medida giram em torno desses modelos. Nesse sentido, houve uma homogeneização dos interesses de diferentes grupos envolvidos com a ciência das mudanças climáticas, a qual resultou na formação de determinados padrões colaborativos e de fluxos de informação entre modeladoras que usam MCGs e outros grupos de atoras que são parte dessa mesma rede.

Mecanismos de homogeneização: padronização

Padronizar uma ação, processo ou coisa significa, em algum nível, evitar a diversidade ilimitada. Às vezes, pode significar até mesmo evitar a diversidade limitada (Star & Lampland, 2009Star, Susan Leigh; Lampland, Martha. Reckoning with standards. In: Lampland, Martha; Star, Susan Leigh (Orgs.). Standards and their stories: how quantifying, classifying, and formalizing practices shape everyday life, p. 3-34. Ithaca (NY); Londres: Cornell University Press, 2009.: 8).

O segundo mecanismo de homogeneização da ciência a ser aqui discutido é a padronização. Na ciência e na tecnologia, a padronização refere-se a processos de produção de conhecimento e tecnologias que são padronizados de modo que dados, técnicas de pesquisa, métodos etc. possam ser transferidos entre diferentes localidades, países, projetos de pesquisa e áreas científicas. Uma implicação disto particularmente importante para os fins deste trabalho é que a padronização é capaz de reduzir a incompatibilidade entre conjuntos de dados, o que Paul Edwards (2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.) denominou de “atrito entre dados”. De todo modo, a padronização pode ser útil para reduzir a heterogeneidade de instrumentos, culturas de pesquisa, expertise e até mesmo de linguagens.

O debate sobre padronização nos ESCT está fortemente relacionado à abordagem interacionista simbólica, em especial ao trabalho de Susan Leigh Star. Em seu clássico artigo escrito em colaboração com James Griesemer (1989Star, Susan Leigh; Griesemer, James R. Institutional ecology, translations’ and boundary objects: amateurs and professionals in Berkeley’s Museum of Vertebrate Zoology, 1907-39. Social Studies of Science, v. 19, n. 3, p. 387-420, 1989.), ela propôs que padrões seriam uma das manifestações de objetos fronteiriços, isto é, objetos, sejam eles concretos ou abstratos, que habitariam simultaneamente diversos “mundos sociais”, mas seriam interpretados de modo diferente em cada um deles. Desse modo, haveria a formação de redes entre grupos heterogêneos de atoras sem, contudo, haver a formação de centros nestas redes que concentrariam mais poder do que outros grupos. Se comparado com o modelo de translação da teoria ator-rede, os objetos fronteiriços propiciariam diferentes modos de agenciamento em redes, nos quais diferentes grupos/indivíduos poderiam colaborar sem passar necessariamente por um único ponto de passagem obrigatório, mas por vários. Em outras palavras, a colaboração seria mediada por diversos objetos fronteiriços. Estes, portanto, não são mecanismos de homogeneização, mas de construção de pontes entre comunidades heterogêneas.

No caso da ciência das mudanças climáticas, todavia, a padronização funciona em grande parte como mecanismo de homogeneização e não de construção de pontes. Ela é um mecanismo essencial para a geração de conjuntos de dados que as modeladoras poderão utilizar. Estes dados precisam ser produzidos de forma “correta” e viajar para além das fronteiras nacionais e das disciplinas até chegarem a centros de pesquisa em modelagem. Neste ponto, é importante retornar à teoria ator-rede, uma vez que Latour teorizou este ponto de um modo influente, o qual é útil para compreender a relevância dos mecanismos de padronização e como, no caso da ciência das mudanças climáticas, eles atuam como homogeneizadores e não como objetos fronteiriços. De acordo com Bruno Latour (1987), a existência de pontos obrigatórios de passagem não é uma condição suficiente para que atores mantenham o controle de uma rede. É também necessário que objetos, pessoas, eventos, fenômenos etc. sejam capazes de viajar através da rede e alcançar seu centro na forma apropriada. Dito de outro modo, eles devem ser transformados no que Latour denominou de móveis imutáveis e combináveis. Isto significa que devem ser transformados em objetos que podem ser transportados, mas estáveis, de modo que não sejam distorcidos quando transportados; e combináveis, de forma que possam ser combinados com outros móveis imutáveis (Latour, 1987: 223). Em outras palavras, devem ser padronizados.

No caso da modelagem climática, dados heterogêneos coletados em todas as partes do mundo sobre vasta cadeia de fenômenos climáticos devem ser transformados em figuras, tabelas, gráficos - inscrições, utilizando o vocabulário latouriano (Latour & Woolgar, 1979Latour, Bruno; Woolgar, Steve. Laboratory life: the construction of scientific facts. Princeton (NJ): Princeton University Press, 1979.) -, os quais são capazes de viajar e alcançar centros de modelagem, centros da rede e pontos de passagem obrigatórios, na forma adequada para serem inseridos nos modelos ou para a validação destes. Esta é uma tarefa bastante desafiadora por diversas razões. Primeiramente, dados são coletados em fontes extremamente heterogêneas, tais como estações meteorológicas na superfície, balões meteorológicos, navios, satélites, rochas, proxies paleoclimáticos, dentre outros (Jasanoff & Wynne, 1998Jasanoff, Sheila; Wynne, Brian. Science and decisionmaking. In: Rayner, Steve; Malone, Elizabeth. L. (Orgs.). Human choice & climate change. v. I - “The societal framework”, p. 1-87. Columbus (OH): Battelle Press, 1998.: 34-35; Edwards, 2001____. Representing the global atmosphere: computer models, data, and knowledge about climate change. in: Miller, Clark A.; Edwards, Paul N. (Orgs.). Changing the atmosphere: expert knowledge and environmental governance, p. 31-65. Cambridge (MA): The MIT Press, 2001.: 60-61). Além disso, eles são colhidos por meio de diferentes instrumentos, técnicas e níveis de habilidade, o que resulta em dados com níveis de precisão e acurácia distintos. Ademais, apresentam resolução espacial variável e cobrem diferentes intervalos temporais. Por fim, dados são coletados em diferentes regiões do globo e nem sempre se pode extrapolá-los de modo a obter informações sobre outras localidades. Sheila Jasanoff e Brian Wynne forneceram alguns exemplos da heterogeneidade dos conjuntos de dados sobre o clima:

As fontes de dados usados para medir o passado da Terra são amplas: registros de temperatura feitos por agências governamentais; descrições feitas séculos atrás; livros de registros de navios; pinturas das geleiras alpinas e de cenas ao ar livre (utilizadas como observações, apesar de frequentemente não terem sido feitas com este propósito); registros históricos de mudanças climáticas encontrados em testemunhos de gelo e em anéis de árvore (Broeker, 1992); medições de temperaturas em cidades, as quais agora devem ser ajustadas para compensar o viés produzido por essas ilhas de calor; produções eminentemente sociais, tais como registros de paróquias de séculos passados, podem ser relacionadas a observações da natureza, tais como análises químicas de pólen fossilizado. Muitos problemas de incompatibilidade, dissimilaridade e falta de padronização são associados com esse conjunto de registros climáticos. Frequentemente se tenta encontrar meios de interligação, de identidade comum, entre entidades tão diversas - às vezes com sucesso (Jasanoff & Wynne, 1998Jasanoff, Sheila; Wynne, Brian. Science and decisionmaking. In: Rayner, Steve; Malone, Elizabeth. L. (Orgs.). Human choice & climate change. v. I - “The societal framework”, p. 1-87. Columbus (OH): Battelle Press, 1998.: 34-35).

Paul Edwards forneceu mais exemplos desse fenômeno:

A maioria dos termômetros estão localizados em áreas terrestres e concentrados em áreas urbanas, onde os efeitos das “ilhas de calor” aumentam as temperaturas locais acima da média regional. Registros meteorológicos feitos no mar tendem a ser realizados em rotas marítimas, ignorando as áreas do globo por onde se viaja menos. Nas últimas décadas, registros da atmosfera acima da superfície vêm sendo feitos em rotas de aviões comerciais cada vez mais extensivas, radiossondas (balões atmosféricos) e redes de rawinsonde (radiossondas rastreadas por radar), mas estes também estão concentrados em áreas específicas. A cobertura dos trópicos e do hemisfério sul é particularmente restrita (Edwards, 2001____. Representing the global atmosphere: computer models, data, and knowledge about climate change. in: Miller, Clark A.; Edwards, Paul N. (Orgs.). Changing the atmosphere: expert knowledge and environmental governance, p. 31-65. Cambridge (MA): The MIT Press, 2001.: 60).

Para que esses conjuntos de dados heterogêneos possam ser inseridos em modelos, é necessário que sejam processados e padronizados. Edwards (2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.) descreveu dois processos fundamentais relacionados à geração de conjuntos de dados com cobertura global: a produção de dados globais, a qual consiste em esforços coordenados internacionalmente para registrar o tempo e o clima12 12 . É importante distinguir tempo e clima. Tempo é a experiência que seres humanos têm de variáveis tais como temperatura, precipitação e vento em determinado momento. Clima é a média destas variáveis em uma dada região durante um certo período temporal, o qual pode variar de alguns meses a milhões de anos (IPCC, 2007: 104-105). em escala global; e a transformação de dados locais em globais13 13 . No original, estes dois conceitos são: making global data e making data global. Infelizmente, na tradução para o português não foi possível manter o jogo de palavras. , a qual consiste em esforços para ajustar, interpolar e extrapolar dados heterogêneos entre si de modo a produzir registros globais que possam ser inseridos em modelos climáticos. O primeiro processo refere-se a tentativas de padronizar a coleta de dados de modo a reduzir a diversidade de métodos e técnicas:

Padrões funcionam como lubrificantes. Eles reduzem o atrito por meio da redução das variações e, consequentemente, da complexidade, em processos sociotécnicos e transformam decisões em caixas pretas que, de outro modo, teriam de ser tomadas repetidamente (Edwards, 2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.: 251).

O processo de transformação de dados locais em globais, por outro lado, consiste em tentativas de processar conjuntos de dados heterogêneos. Esses processos têm como objetivo reduzir a heterogeneidade após a produção dos dados. Nos dois casos, a meta é transformar conjuntos de dados heterogêneos em conjuntos de dados padronizados que podem ser prontamente inseridos em modelos computacionais ou comparados com seus outputs. Nesse sentido, são mecanismos de homogeneização.

No que tange ao processo de produção de dados globais, vários programas internacionais foram desenvolvidos, particularmente na segunda metade do século XX, para coletar dados sobre o tempo e o clima em todo o planeta. Um programa particularmente importante foi o World Weather Watch (Observatório Mundial do Tempo), o qual coordenou o compartilhamento internacional de dados meteorológicos produzidos por satélites e radiossondas. Paul Edwards (2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.) apontou que apesar desses esforços, os padrões foram aplicados de modo diferente em lugares distintos, de modo que conjuntos de dados globais totalmente padronizados nunca foram gerados. Conforme Susan Leigh Star e Martha Lampland (2009Star, Susan Leigh; Lampland, Martha. Reckoning with standards. In: Lampland, Martha; Star, Susan Leigh (Orgs.). Standards and their stories: how quantifying, classifying, and formalizing practices shape everyday life, p. 3-34. Ithaca (NY); Londres: Cornell University Press, 2009.: 6-7) argumentaram, padrões são distribuídos de forma desigual, o que significa que seus impactos e sua transformação em práticas obrigatórias variam em diferentes grupos. Além disso, apesar de eles serem implementados com o intuito de padronizar práticas em localidades distintas, diferentes comunidades os abordam, interpretam e usam de formas diferentes:

Não devemos perder de vista, contudo, o simples fato de os padrões serem profundamente locais, na medida em que, apesar de seu alcance global, tocarem comunidades muito específicas em contextos muito específicos (Star & Lamplad, 2009Star, Susan Leigh; Lampland, Martha. Reckoning with standards. In: Lampland, Martha; Star, Susan Leigh (Orgs.). Standards and their stories: how quantifying, classifying, and formalizing practices shape everyday life, p. 3-34. Ithaca (NY); Londres: Cornell University Press, 2009.: 16).

No caso de conjuntos de dados climáticos globais, Paul Edwards (2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.: 251-252) apontou sete elementos que impuseram resistência para a adoção e implementação efetiva de padrões em diferentes ambientes de pesquisa: inércia institucional; limitações de financiamento; dificuldades técnicas de aplicação; problemas de integração com outros instrumentos, sistemas e padrões; déficits no treinamento das operadoras levando à implementação incorreta; diferenças nas interpretações locais dos padrões; e resistência passiva e/ou ativa de organizações e indivíduos. Consequentemente, o resultado desses esforços de padronização foram dados heterogêneos, incompletos e descontínuos14 14 . Mais exemplos de dificuldades na padronização da pesquisa sobre o clima podem ser encontrados no artigo sobre meta-dados publicado por Paul Edwards et alii (2011). .

No entanto, as modeladoras climáticas precisavam de conjuntos de dados globais abrangentes para seus modelos e tiveram de encontrar meios de utilizar os dados disponíveis. Para que dados heterogêneos entre si fossem úteis para a modelagem, alguns procedimentos foram desenvolvidos. É neste ponto que entra o processo denominado de transformação de dados locais em globais (Edwards, 2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.: 251-285). Dados tiveram de ser processados e transformados em conjuntos de dados compatíveis com os pontos de dados nas grades tridimensionais dos modelos. Uma série de modelos de análise foram desenvolvidos com este propósito:

O que eu chamo de modelos de análise de dados (ou modelos de dados, de modo abreviado) são uma vasta família de técnicas matemáticas, algoritmos e ajustes empiricamente derivados, aplicados às leituras dos instrumentos (Edwards, 2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.: xv).

O desenvolvimento de técnicas e modelos para a produção de dados adequados para as grades tridimensionais dos MCGs levou, nos anos de 1980, ao surgimento de conjuntos de dados contínuos com cobertura global. Todavia, os modelos responsáveis por gerar estes dados progrediram rapidamente, tornando muito difícil para as modeladoras que utilizavam MCGs utilizá-los. A razão é que cada nova geração de conjuntos de dados era incomensurável tanto com a anterior como com a seguinte. Isto fez com que estudiosas do clima começassem a se interessar por modelos de reanálise, os quais surgiram nos anos de 1990. Estes modelos reanalisam dados meteorológicos e produzem conjuntos de dados climáticos extremamente abrangentes:

Na reanálise, registros meteorológicos do passado (ou seja, não se trata de dados climáticos) são processados em modelos complexos de assimilação de dados - originalmente desenvolvidos para a previsão do tempo - para produzir um conjunto de dados único e uniforme para 50 anos ou mais. Dados climáticos tradicionais consistem, em sua maioria, em médias para variáveis únicas (temperatura, precipitação etc.) em períodos de um mês ou mais. A reanálise produz um tipo de dados muito diferente: conjuntos de dados fisicamente consistentes incluindo toda sorte de variáveis e contendo informações para milhões de pontos da dados para as grades de modelos a cada seis horas. Apesar de erros nos modelos de reanálise impedirem dados climáticos tradicionais de serem abandonados, estatísticas climáticas calculadas a partir de dados reanalisados podem revelar marcas das mudanças climáticas não detectáveis em dados tradicionais (Edwards, 2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.: 16).

Embora a reanálise forneça conjuntos de dados climáticos contínuos, incluindo um amplo repertório de variáveis, diversas complicações estão relacionadas tanto aos dados inseridos aos modelos como aos modelos utilizados para processá-los (Edwards, 2010 Edwards, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge (MA): The MIT Press, 2010.: 326-335). Os dados advêm de fontes extremamente heterogêneas e os modelos erram, gerando, muitas vezes, dados enviesados. Por esta razão, dados produzidos por meio da reanálise têm sido usado primariamente como dados complementares.

Apesar do grande número de problemas relacionados a estas técnicas de padronização, elas são cruciais na ciência das mudanças climáticas atuais, uma vez que são peças-chave para a geração de dados climáticos globais. Esses processos mediam a produção de dados empíricos e a integração de conjuntos de dados para serem inseridos em modelos climáticos, os quais, por sua vez, produzem outputs que são repassados para a comunidade das estudiosas dos impactos do aquecimento global e para formuladoras de políticas públicas. São, portanto, mecanismos centrais para a manutenção da estrutura atual da ciência das mudanças climáticas, na qual cientistas observacionais coletam dados, repassam-nos para modeladoras, as quais processam-nos e redistribuem-nos para outros membros da rede.

Considerações finais

Neste artigo, argumentei que os dois mecanismos de homogeneização analisados - a saber, a translação e a padronização - são úteis para se compreender como o conhecimento é produzido na ciência das mudanças climáticas e como viabilizam a produção de conhecimento em um campo de estudos amplamente interdisciplinar. A translação afunila os interesses de diferentes grupos de cientistas observacionais, no sentido de produzir dados que possam ser inseridos em modelos climáticos, em particular em MCGs e, por outro lado, faz com que o output deste modelos seja utilizado na comunidade das estudiosas dos impactos do aquecimento global e por formuladoras de políticas climáticas. Dito de outro modo, a translação cria um certo grau de convergência de interesses que faz com que haja certos fluxos de informação e padrões comunicativos e colaborativos nesse campo de investigações. A padronização, por sua vez, reduz o atrito entre diferentes métodos e técnicas de coleta de dados e entre conjuntos de dados heterogêneos entre si. Ela torna viável a troca de dados entre diferentes grupos de experts e entre cientistas localizados em áreas afastadas do globo até que se tornem parte de conjuntos de dados globais, os quais são particularmente úteis para as modeladoras que utilizam MCGs.

Nesse sentido, a translação e a padronização aparecem na ciência das mudanças climáticas como fenômenos interligados e interdependentes. As modeladoras apenas podem manter sua centralidade na rede se dados padronizados chegarem até elas provenientes das mais diferentes disciplinas e distintas regiões do mundo. Por outro lado, os processos de padronização só fazem sentido devido à necessidade de as modeladoras contarem com dados que possam ser inseridos em seus modelos e depois redistribuídos na rede da qual são o centro. É fundamental, portanto, analisar esses processos conjuntamente para se compreender o modo como se produz conhecimento sobre o clima.

Todavia, é importante enfatizar que esses dois mecanismos de homogeneização contam apenas parte da história, na medida em que a ciência das mudanças climáticas não vem se transformando em campo de pesquisa transdisciplinar homogêneo. Embora a padronização facilite intercâmbios de dados entre comunidades e a translação crie um certo grau de convergência nos interesses dos diferentes grupos de experts, há ainda bastante diversidade nas mudanças climáticas relacionadas à expertise, aos instrumentos e às culturas epistêmicas. Por causa disso, para se compreender como o conhecimento é produzido na ciência das mudanças climáticas, é necessário compreender também como comunidades heterogêneas criam pontes entre si (Duarte, 2013Duarte, Tiago Ribeiro. Expertise and the fractal model: communication and collaboration between climate-change scientists. Tese (Doutorado) - Cardiff University, Cardiff (UK), 2013. Disponível em: <http://orca.cf.ac.uk/49632/1/Final%20PhD%20Thesis%2C%20August%202013.pdf>.
http://orca.cf.ac.uk/49632/1/Final%20PhD...
).

Por fim, apesar de este artigo não ter até agora apresentado ambições prescritivas, pode-se levantar questões sobre até que ponto os mecanismos de homogeneização descritos acima são desejáveis para a ciência das mudanças climáticas. Embora se reconheça que a maioria das áreas da vida social - senão todas - sofra algum processo de homogeneização, pode-se questionar se a centralidade dos modelos na ciência das mudanças climáticas não seria excessiva. Simon Shackley e seus colegas (1998Shackley, Simon et alii. Uncertainty, complexity and concepts of good science in climate change modelling: are gcms the best tools? Climatic Change, v. 38, n. 2, p. 159-205, 1998.), por exemplo, argumentaram em favor de um maior pluralismo na forma de se produzir conhecimento sobre o clima, particularmente no que tange aos impactos da centralidade dos MCGs sobre o conhecimento que é utilizado como base para a formulação de políticas públicas. Há duas razões para a busca de uma maior pluralidade de métodos e abordagens. Primeiramente, a ciência das mudanças climáticas se depara com uma série de incertezas vinculadas ao comportamento do clima no presente e a como ele se comportará no futuro. Além disso, os MCGs apresentam pontos positivos e negativos, assim como qualquer instrumento de pesquisa. Uma diversidade maior de abordagens aumentaria a possibilidade de que ao menos algumas delas produzissem conhecimento útil para a formulação de políticas públicas. Nesse sentido, uma estratégia de diversificação das abordagens de pesquisa sobre as mudanças climáticas poderia ser benéfica para a tomada de decisões políticas relacionadas ao aquecimento global.

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  • *
    Gostaria de agradecer a Rafael Antunes Almeida e a dois pareceristas anônimos da Sociedade e Estado pelos comentários a versões anteriores deste trabalho, que me ajudaram a aprimorá-lo. Agradeço também à Capes pelo financiamento para a pesquisa que resultou neste artigo (Bolsa de doutorado BEX 0672092).
  • 1
    . O estatuto de problema global e urgente atribuído às mudanças climáticas não pode ser tomado como simples fato natural. Conforme argumentou Steven Yearley (2005: 41-54), alguns fenômenos ambientais que transcendem barreiras nacionais são socialmente construídos como globais, ao passo que outros não. No caso específico das mudanças climáticas, Yearley apontou dois fatores que foram centrais para a “globalização” deste fenômeno: o interesse de países desenvolvidos em questões ambientais associado à possibilidade de interferirem em políticas de países em desenvolvimento - por exemplo, no Brasil e no gerenciamento da Amazônia; e a atuação de ONGs ambientalistas de países desenvolvidos na propagação do discurso sobre a globalidade das mudanças climáticas. Similarmente, a centralidade adquirida pelas mudanças climáticas na agenda científica internacional também deve ser compreendida como fruto da construção social da relevância ambiental do tema. O consenso na comunidade científica a respeito da realidade e dos riscos do aquecimento global foi formado principalmente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) encarregado de revisar o estado da arte da literatura sobre o clima para informar sobre a formulação de políticas climáticas (O’Riordan & Jäger, 1996; Weart, 2003; Miller, 2004). Do ponto de vista da atenção pública dada ao aquecimento global, Allan Mazur (1998) chamou a atenção para a influência da mídia, no final dos anos 1980, no sentido de inserir esse fenômeno na agenda de riscos a serem enfrentados com urgência pela humanidade.
  • 2
    . Neste trabalho, diferencio ciência das mudanças climáticas e ciências climáticas. Em geral, o termo ciências climáticas é utilizado para se referir às ciências básicas, tais como física, meteorologia, biologia etc., envolvidas na compreensão da dinâmica e dos processos de mudança do clima. Quando uso o termo ciência das mudanças climáticas, refiro-me ao complexo aglomerado de disciplinas que se formou ao redor do tema das mudanças climáticas, indo, portanto, para além das ciências básicas e incluindo também estudos de impactos, de técnicas adaptativas e de mitigação.
  • 3
    . É importante ressaltar que o tema da homogeneização da vida social não é privilégio dos ESCT. Ele está presente na literatura sociológica há algumas décadas e foi relacionado a diferentes esferas da vida. Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985) examinaram e criticaram duramente a indústria cultural surgida na primeira metade do século XX como forma de homogeneização de bens culturais, a qual estaria relacionada ao controle das classes populares dentro do sistema capitalista. Em um contexto mais contemporâneo, alguns teóricos da globalização atribuíram a este fenômeno a característica de homogeneizar diversos aspectos da vida social ao redor do mundo. Anthony Giddens (1990) explora aspectos institucionais da globalização, chamando a atenção para a proliferação em escala mundial do capitalismo, do Estado-nação, da industrialização - mesmo que vinculada a uma divisão internacional do trabalho - e, por fim, de uma ordem mundial militarizada, na medida em que praticamente todos os Estados-nação possuem seus próprios exércitos e, além disto, houve o surgimento de alianças militares internacionais. Na emergente literatura pós-colonial há também diversos pensadores que analisam a mundialização de características culturais, econômicas, políticas, intelectuais etc., dos países do Norte, contudo sob uma ótica mais combativa. Boaventura de Souza Santos (2002) examina a disseminação do modelo econômico neoliberal ao redor do mundo e suas consequência tanto no que se refere à globalização de um modelo econômico como em suas consequências para outras esferas da vida. O cientista social português argumenta que o neoliberalismo estaria globalizando a pobreza e a circulação de bens culturais do Norte. Todavia, este processo não seria unilateral, pois existem movimentos contra-hegemônicos resistindo a esses processos globalizantes. Na literatura pós-colonial, há também estudos sobre a homogeneização da ciência, mas com outro foco, mais relacionado à geopolítica do conhecimento, isto é, sobre como agendas de pesquisa, métodos, instrumentos, marcos teóricos etc., provenientes de países do Norte, tendem a dominar a pesquisa em países periféricos (ver Hountondji, 1997; Connel, 2007).
  • 4
    . No texto original de Susan Leigh Star e James Griesemer (1989), no qual o conceito de objetos fronteiriços é introduzido, os autores argumentam que esses objetos muitas vezes atuam conjuntamente com padronizações. Nesse sentido, mecanismos de homogeneização podem e frequentemente atuam junto a mecanismos de construção de pontes. A diferenciação entre esses dois tipos de mecanismo apresentada neste artigo é puramente analítica.
  • 5
    . É importante ressaltar que também realizei pesquisa de campo sobre a ciência das mudanças climáticas entre os anos de 2010 e 2011. Neste período, frequentei palestras e seminários de cientistas estudiosas das mudanças climáticas, participei de um curso de verão na Brown University (RI) sobre o tema e entrevistei cientistas de diversas subáreas desse campo de pesquisa. A pesquisa de campo ajudou-me a compreender a estrutura da ciência das mudanças climática e os principais fluxos de informação entre suas subáreas. Todavia, este artigo não é baseado nos dados coletados na pesquisa de campo, os quais foram obtidos com um propósito diferente. Ainda assim, a imersão na ciência das mudanças climáticas foi útil para a escrita deste trabalho, na medida em que ajudou a conferir maior sentido aos textos aqui revisados.
  • 6
    . É importante notar que dentro da teoria ator-rede, a noção de interesse foi definida de um modo particular, isto é, como interposição (Callon, 1986). Dentro deste quadro conceitual, interessar consiste em um ator ou grupo de atores (A) interpor-se entre outro grupo de atores (B) e outras possíveis conexões com outros membros da rede (C, D, E, ...) em questão. Assim sendo, A se conectaria a B e impediria diversas outras possibilidades de formação de vínculos dentro da rede. Este processo, dentro da ciência, consolidaria determinados padrões de colaboração e de fluxos de informação.
  • 7
    . Na teoria ator-rede, utiliza-se o termo “actante”, derivado da semiótica, ao invés de atores/atoras. Neste trabalho, como não faço menção direta à agência de não humanos em meu argumento principal, vou me limitar ao termo atoras.
  • 8
    . A resolução dos MCGs evoluiu ao longo do tempo. Por exemplo, os lados das grades dos modelos utilizados pelo IPCC no relatório de 1990 exibiam 500 quilômetros. Já no relatório de 2007, os lados das grades haviam sido reduzidos para aproximadamente 110 quilômetros (IPCC, 2007: 113).
  • 9
    . Todas as citações em inglês foram traduzidas pelo autor em estilo livre.
  • 10
    . Closure assumption no original.
  • 11
    . É importante ressaltar que (ver Oreskes et alii, 1994: 642), de um ponto de vista epistemológico, a validação não significa que um modelo pode representar fenômenos naturais confiavelmente: “Os resultados dos modelos podem ou não ser válidos, dependendo da qualidade e da quantidade dos parâmetros inseridos e da acurácia das hipóteses auxiliares”. A compatibilidade entre um modelo e um conjunto de dados, portanto, não significa que o modelo confiavelmente representa a realidade, mas que há consistência entre uma específica rodada do modelo e um determinado conjunto de dados.
  • 12
    . É importante distinguir tempo e clima. Tempo é a experiência que seres humanos têm de variáveis tais como temperatura, precipitação e vento em determinado momento. Clima é a média destas variáveis em uma dada região durante um certo período temporal, o qual pode variar de alguns meses a milhões de anos (IPCC, 2007: 104-105).
  • 13
    . No original, estes dois conceitos são: making global data e making data global. Infelizmente, na tradução para o português não foi possível manter o jogo de palavras.
  • 14
    . Mais exemplos de dificuldades na padronização da pesquisa sobre o clima podem ser encontrados no artigo sobre meta-dados publicado por Paul Edwards et alii (2011).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2015
  • Aceito
    11 Set 2015
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