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O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV): de patrimônio mundial em perigo a indutor da governança multinível e interfederativa

The Chapada dos Veadeiros National Park: from an endangered world heritage towards an inductor of the multilevel and inter federative governance

Resumo

Este artigo analisa a importância da manutenção da Unidade de Conservação denominada Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, tanto do ponto de vista internacional, haja vista ser Patrimônio Mundial da UNESCO, como relativamente à sua biodiversidade. Como metodologia, fez-se a análise documental e bibliográfica da relevância ambiental dessa área, compreendendo os documentos nacionais e internacionais, com enfoque nos desdobramentos ocorridos após sua criação e o período em que o título de Patrimônio Mundial esteve em xeque. Para alcançar os resultados, adotou-se a estratégia de estudo de caso, de abordagem qualitativa, com objetivos descritivos e exploratórios, realizado por meio de pesquisa bibliográfica (livros, teses, dissertações e artigos científicos) e documental (análise de normas internacionais, leis, decretos, portarias, resoluções, estatutos, atas e projetos relacionados ao Parque). Ao final, trazem-se como considerações que esse patrimônio ainda corre perigo e que há a necessidade de reforçar a gestão estratégica, por meio da governança interfederativa e multinível, dada pela interação local-global, com vistas à concretização do desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave:
Chapada dos Veadeiros; Patrimônio mundial; Governança interfederativa e Multinível

Abstract

This article analyses the importance of preserving the protected area designated as the Chapada dos Veadeiros National Park, in the State of Goiás, both from the international perspective, as it is part of Unesco’s World Heritage, and by its biodiversity. The methodology adopted concerns documental and bibliographical analysis, focused on the environmental relevance of the area, also comprehending national and international documents that emphasize the events following its creation and the period when the World Heritage title was jeopardized. Reaching the results demanded a case study strategy, with a qualitative approach, descriptive and exploratory objectives, by means of bibliographical (books, thesis, dissertations and scientific articles) and documental (analysis of international norms, laws, decrees, acts, resolutions, statutes and projects related to the Park) research. At the end, considerations are presented showing that this heritage is still endangered and that reinforcing the strategic management, by inter-federative and multi-level governance, given by the local-to-global interaction, aiming at sustainable development, is of utmost need.

Key words:
Chapada dos Veadeiros; World heritage; Inter-federative and multi-level governance

INTRODUÇÃO

Criado em 1961, o atual Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV) é uma unidade de conservação de proteção integral da natureza, que deve estar constituída por área pública,1 1 Com efeito, a Lei do SNUC prevê que as áreas particulares incluídas nos limites de estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, floresta nacional, reserva extrativista, reserva de fauna e, caso necessário, na reserva de desenvolvimento sustentável, serão desapropriadas” (BRASIL, 2000). buscando garantir a “preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica”, admitindo-se em seus limites a realização de atividades de pesquisa científica, educação e interpretação ambiental, bem como de recreação e de turismo ecológico.2 2 Cf. art. 11, caput (BRASIL, 2000).

Pois bem, apesar de existir formalmente há mais de meio século, o PNCV ainda não está plenamente consolidado enquanto unidade de conservação da natureza.3 3 Caso de outras UC’s brasileiras, como se pode notar, a partir de uma análise da retração nas unidades de conservação brasileiras na Amazônia, em Pack et al (2016). O Parque padece da falta de meios - financeiros e humanos - para sua correta gestão, o que vem impactando sobremaneira na sua sobrevivência e conduziu, inclusive, à redução de seus limites, diante das distintas pressões territoriais e econômicas que se encontram na prática.

A inscrição do Parque no seleto rol do “Patrimônio Mundial”, conforme o regramento da Convenção de 1972 sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Natural e Cultural (Brasil, 1977), não ensejou senão momentaneamente uma retração nos reveses que vinham alvejando sua própria existência, cujos limites haviam sido, inclusive, estendidos para se atender ao que a Unesco exigira para sua inscrição na lista do Patrimônio Mundial.

Com efeito, a revogação do decreto responsável por sua expansão e a consequente tergiversação do Estado brasileiro perante a Unesco e a Comissão do Patrimônio Mundial, configuraram situação ao mesmo tempo vexatória para o País e periclitante para essa unidade de conservação - considerando especialmente a proteção da biodiversidade e dos recursos hídricos.

À luz desses elementos, o presente artigo pretende abordar a realidade fático-jurídica que envolve o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, notadamente após o assunto haver vindo à tona, seja em nível internacional, na reunião da Comissão do Patrimônio Mundial realizada em Cracóvia, em 2017, seja em nível brasileiro, com a expansão dos limites do PNCV e a represália de grupos contrários à mesma, por meio de incêndios criminosos, que devastaram aproximadamente mais de 60 mil hectares dessa UC.4 4 Segundo a BBC Brasil. Notícia disponível no site http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41729961, acesso em 12 de fevereiro de 2018. Note-se, ainda, que outros incêndios atingiram áreas do parque e outras ameaças aconteceram, como a impetração, junto ao Supremo Tribunal Federal, de Mandado de Segurança por proprietários da região, contra o Decreto de ampliação do Parque, ou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 338, de 02/08/2021), cuja pretensão é sustar referido Decreto de ampliação.

O tema será abordado em três partes, sendo a primeira delas destinada a traçar os elementos que balizaram o processo de criação do Parque, o que compreende suas características físicas e bióticas; a segunda parte contempla a ampliação dos limites do PNCV, sua inscrição na lista do Patrimônio Mundial, assim como os reveses que a caracterizaram; enfim, na terceira e última parte, será o momento de analisar a resposta dada pelo Brasil às pressões internacionais, com nova ampliação nos limites do Parque e suas consequências práticas, da mesma forma que o papel do qual dispõem os governos estadual e municipais na consolidação dessa unidade de conservação da natureza, bem patrimônio mundial.

1. A NECESSIDADE DE UMA UC PARA A REGIÃO DA CHAPADA DOS VEADEIROS

Neste tópico serão tratados, num primeiro momento, os elementos naturais que refletem a importância da região da Chapada dos Veadeiros e que justificaram a criação do Parque, em 1961. Em seguida, será contemplado o processo de criação dessa unidade de conservação, assim como sua evolução territorial até o momento em que se apresentou sua candidatura enquanto bem patrimônio mundial, em 2001.

1.1 A Chapada dos Veadeiros: um importante repositório do bioma Cerrado numa região desfavorecida sob o ponto de vista socioeconômico

A região da Chapada dos Veadeiros situa-se no Estado de Goiás e se insere dentro do bioma Cerrado, cuja extensão no território brasileiro é de aproximadamente 2.045.064,8 Km². O Cerrado, segundo bioma brasileiro em extensão, está presente nas regiões Centro Oeste, Sudeste, Nordeste e Norte, cobrindo cerca de 24% do território do Brasil (Araújo, Ferreira e Ferreira, 2009ARAÚJO, Luciane Martins de; FERREIRA, Manuel Eduardo; FERREIRA, Laerte Guimarães. Sensoriamento remoto como instrumento de controle e proteção ambiental: análise da cobertura vegetal remanescente na bacia do Rio Araguaia. Sociedade e Natureza, v. 21, abr 2009, p. 5-18. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sn/v21n1/v21n1a01. Acesso em: 24 abr. 2016.
http://www.scielo.br/pdf/sn/v21n1/v21n1a...
, p. 7).

Possui uma alta biodiversidade, contemplando espécies herbáceas, arbustivas, arbóreas e cipós, que totalizam 12.356 espécies, além da flora vascular nativa que conta com 11.627 espécies, sendo que 44% delas é endêmica. Conta, igualmente, com cerca de 320.000 espécies de fauna, sendo 90.000 somente de insetos, situando-se em local “que facilita o intercâmbio florístico e faunístico, entre os domínios brasileiros.” (Malheiros, 2012MALHEIROS, Roberto. Biodiversidade dos cerrados: ainda há tempo de preservar? In MOYSÉS, Aristides (org.). Cerrados brasileiros. Goiânia: PUC Goiás, 2012, p. 287-308., p. 290).

No entanto, apesar de sua riqueza, o Cerrado é considerado uma das “34 áreas prioritárias para conservação da biodiversidade mundial (hotspots), com estimativa de perda anual de cobertura vegetal nativa de 1,5%, ou seja, aproximadamente três milhões de hectares/ano, em virtude dos altos índices de desmatamento.” (Araújo, Ferreira e Ferreira, 2009ARAÚJO, Luciane Martins de; FERREIRA, Manuel Eduardo; FERREIRA, Laerte Guimarães. Sensoriamento remoto como instrumento de controle e proteção ambiental: análise da cobertura vegetal remanescente na bacia do Rio Araguaia. Sociedade e Natureza, v. 21, abr 2009, p. 5-18. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sn/v21n1/v21n1a01. Acesso em: 24 abr. 2016.
http://www.scielo.br/pdf/sn/v21n1/v21n1a...
, p. 6). Em função dessa conversão do uso do solo, há uma perda da cobertura vegetal nativa, com a alteração da paisagem, fragmentação dos habitats e extinção das espécies, entre outros. Vale ressaltar, aliás, que várias espécies do cerrado encontram-se na “Lista de Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção” (Brasil, MMA).

Em razão disso, como também pelo fato de o Cerrado ser considerado um “berço das águas”, a área do Parque é de suma importância para a proteção do bioma cerrado.5 5 Segundo Araújo, Ferreira e Ferreira (2009, p. 7) o bioma é considerado um “berço das águas”, pois das oito principais bacias hidrográficas brasileiras, seis delas têm ali suas origens.

Especificamente em relação ao Estado de Goiás, constitui um “grande divisor de águas de algumas das maiores bacias hidrográficas do país”, já que os cursos d’água que correm de oeste e norte formam a bacia hidrográfica do Araguaia-Tocantins (Bacia Amazônica), ao sul, formam a bacia do Paranaíba (Bacia Planaltina) e para o leste abastecem ainda, a Bacia do Rio São Francisco (Oliveira, 2007OLIVEIRA, Ivanilton José de. Cartografia turística para a fruição do patrimônio natural da Chapada dos Veadeiros. Tese de doutorado em Geografia, Universidade de São Paulo, 2007. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/.../TESE_IVANILTON_JOSE_DE_OLIVEIRA.pdf. Acesso em: 22 fev. 2019.
http://www.teses.usp.br/teses/disponivei...
, p. 47).6 6 A região da Chapada dos Veadeiros se inclui na região hidrográfica do Tocantins (BRASIL, 2010, p. 10), sendo que sua formação geológica tem mais de 2 bilhões de anos de idade, uma das mais antigas do território brasileiro (OLIVEIRA, 2007, p. 42).

Um dos pontos que levou à preservação da região da Chapada dos Veadeiros foi justamente sua configuração geográfica, seu relevo movimentado, a sua geologia, clima e solos inaptos para produção de grãos. Essas características ensejaram, de um lado, a estagnação econômica da região e, de outro, a manutenção de áreas intactas, conforme aponta Oliveira (2007OLIVEIRA, Ivanilton José de. Cartografia turística para a fruição do patrimônio natural da Chapada dos Veadeiros. Tese de doutorado em Geografia, Universidade de São Paulo, 2007. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/.../TESE_IVANILTON_JOSE_DE_OLIVEIRA.pdf. Acesso em: 22 fev. 2019.
http://www.teses.usp.br/teses/disponivei...
, p. 41).7 7 Novaes, Lobo e Ferreira (2008, p. 135) constataram que a região da Chapada dos Veadeiros dispunha, nos anos 2000, de uma cobertura vegetal superior a 50%, ao mesmo tempo em que se enquadrava dentre as áreas de maior pobreza do Estado de Goiás, unidade da federação onde “as populações mais empobrecidas […] podem, de forma significativa, ser encontradas nos locais com maior proporção de vegetação nativa” (2008, p. 139).

Daí por que “O turismo tem se mostrado como principal alternativa para o desenvolvimento econômico sustentável da região [, sustentado por] festas folclóricas, como a Romaria do Engenho e Vão do Moleque, nas comunidades Kalunga, e a Caça à Rainha, realizada em vários municípios” (Lima e Franco, 2014LIMA, Priscylla Cristina Alves de; FRANCO, José Luiz de Andrade. As RPPNs como estratégia para a conservação da biodiversidade: O caso da Chapada dos Veadeiros. Sociedade e Natureza, v. 26, n.1, jan/abr, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-45132014000100113. Acesso em: 09 mar. 2018.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 115).

1.2 O processo de criação do PNCV8 8 Vide o “Relatório Parametrizado - Unidade de Conservação”, disponível no site do Ministério do Meio Ambiente: http://sistemas.mma.gov.br/cnuc/index.php?ido=relatorioparametrizado.exibeRelatorio&relatorioPadrao=true&idUc=139, Acesso em: 29 jan. 2018.

O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foi inicialmente concebido como Parque Nacional do Tocantins, criado na mesma região em que se encontra hoje, no ano de 1961, por meio do Decreto n. 49.875 (Brasil, 1961).

O nome atual, Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, foi formalizado pelo Decreto nº 70.492 (Brasil, 1972). Sua gestão esteve sob a égide do Ministério da Agricultura, por seu Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), sujeitando-se às regras do Código Florestal de 1965 e às demais “leis concernentes à matéria”.9 9 Art. 4º, Decreto (BRASIL, 1972).

Segundo expõem Lima e Franco (2014LIMA, Priscylla Cristina Alves de; FRANCO, José Luiz de Andrade. As RPPNs como estratégia para a conservação da biodiversidade: O caso da Chapada dos Veadeiros. Sociedade e Natureza, v. 26, n.1, jan/abr, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-45132014000100113. Acesso em: 09 mar. 2018.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 116), a criação do PNCV em nada diferiu de várias outras unidades de conservação da natureza no País, pois “foi decretada antes da retirada dos moradores locais, que deveriam [haver sido] indenizados ou realocados conforme exige a lei [… e…] devido às reações de vários fazendeiros locais, […] o parque começou a sofrer perdas significativas em sua extensão”.

Com efeito, após a criação do Parque do Tocantins, hoje PNCV, a área da unidade de conservação foi sendo paulatinamente reduzida. O próprio Decreto de 1972 que formalizou o nome “Chapada dos Veadeiros” ensejou a redução de 625.000 hectares a meros 171.924,54 hectares; ou seja, uma redução na extensão da área do PNCV em 72%. Em 1981, por meio do Decreto 86.173 (Brasil, 1981), o Parque foi reduzido a apenas 9,6% de sua área original, com vistas a se adequar à falta de recursos para os processos de regularização fundiária e, assim, evitarem-se tensões com os proprietários rurais do entorno da UC. Em 1990, por meio do Decreto 99.279 (Brasil, 1990) o Parque teve sua área levemente incrementada para 65.514,7259ha, ficando com aproximadamente 10% de sua extensão original.

Diante da importância da área do Parque, o mesmo passou a figurar, nos anos 1990, no cerne da Reserva da Biosfera do Cerrado, a qual contempla, inclusive, o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural dos Kalunga (Brasil, 2009) e foi apresentado, pelo Brasil, à Comissão do Patrimônio Mundial da Unesco, com vistas a inseri-lo na lista criada pela Convenção de 1972.10 10 Essa lista se vincula à Convenção da Unesco para a proteção do patrimônio mundial, natural e cultural, de 1972 (BRASIL, 1977).

2. O PNCV NO CONTEXTO INTERNACIONAL: UM PATRIMÔNIO MUNDIAL EM PERIGO

O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foi proposto enquanto sítio natural à Unesco em 2001, candidatura que, de alguma forma, pode ser vista como uma tentativa de conciliar as pressões contrárias existentes sobre a unidade de conservação e, mais amplamente, sobre toda a área de seu entorno, seja no campo protecionista, seja no campo da manutenção e expansão das atividades agropecuárias e dos assentamentos humanos naquela localidade.

2.1. A inscrição na lista do Patrimônio Mundial: um processo maculado (pela má-fé)?

O Parque foi objeto de candidatura à lista do Patrimônio Mundial da Unesco no ano de 2001.

Essa candidatura foi analisada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), onde se demonstrou mais do que claramente a importância daquela UC tanto para o Brasil como para o Mundo, configurando-se, assim, o seu valor universal excepcional, condição sine qua non para a inscrição de um bem nessa lista.

O relatório preparado pela UICN atesta o alto endemismo, especialmente nas regiões mais altas do Parque, além da quantidade de espécies de fauna e de flora, algumas, inclusive, ameaçadas de extinção:

Um estudo da diversidade biológica, conduzido no Parque em 1997, recenseou 1476 espécies de plantas vasculares, dentre as quais 50 são raras ou com risco [de extinção]. Amostragens da mata de galeria permitiram que se repertoriassem 145 espécies por hectare, o que é próximo dos números relativos à Bacia do Amazonas. A fauna compreende: 45 espécies de mamíferos, dentre as quais 8 são raras ou com risco [de extinção]; 306 espécies de pássaros, dentre as quais 20 são raras ou com risco [de extinção]; 49 espécies de peixes, dentre as quais 38 não puderam ser identificadas de maneira específica e são provavelmente espécies endêmicas extremamente localizadas; 34 espécies de anfíbios, dentre as quais oito são talvez novas espécies; em torno de 1000 espécies de heteróceros e 160 espécies de abelhas nativas, dentre as quais 6 são novas para a ciência. O PNCdV detém as populações de vários grandes mamíferos, em especial o tamanduá-bandeira, o tatu canastra, o lobo guará, a onça pintada e o veado campeiro. (UNESCO, 2001, p. 118. Livre tradução dos autores)11 11 No original: “This mosaic of landscapes and habitats, which overlays a variety of geological structures (including some of the oldest rock formations in the world) gives the CdVNP its high biological diversity. Endemism is high in the park, especially in areas above 1,200m. A biodiversity survey conducted in 1997 revealed 1,476 species of vascular plants, 50 of which are rare or endangered. Samples from gallery forest showed 145 species/ha, with are close to the figures in the Amazon Basin. Fauna includes: 45 species of mammals, eight of which are rare or endangered; 306 species of birds, 20 of which are rare or endangered; 49 fish species, of which 38 could not be identified at the species level and are probably highly localised endemics; 34 species of amphibians, of which eight are possibly new species; approximately 1,000 species of moths; and 160 species of native bees of which 6 are new to science. The CdVNP contains populations of several large mammals, including giant anteater, giant armadillo, maned wolf, spotted jaguar and pampas deer.”

Nessa mesma análise ressaltou-se também um aspecto humano do Parque, qual seja, o fato de que muitos acreditam no poder dos cristais daquela região, especialmente no entorno de Alto Paraíso, onde se vislumbrou, desde então, a possibilidade de um turismo espiritual enquanto nicho, tanto na condição de atividade econômica, como de potencial para uma nova modalidade de educação ambiental (UNESCO, 2001, p. 122).

Uma vez que a missão da UICN esteve no Brasil em 2001 para verificar as características do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e constatou que os 65.515 hectares não eram suficientemente representativos da complexidade do ecossistema que se buscava representar, sugeriu-se a adição de outros sítios.

O País apresentou o Parque Nacional das Emas - unidade de conservação federal de proteção integral que, apesar de descontínua em relação ao PNCV, foi admitido pela UICN. Ampliou-se, ademais, por decreto, a área do Parque da Chapada dos Veadeiros, que passou a dispor de 235.970 hectares, tornando-o a maior unidade de conservação brasileira no bioma Cerrado. (Brasil, 2001)

Ocorre que o aludido Decreto foi anulado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no mandado de segurança n. 24.184 (Brasil, 2004), sob os fundamentos de que se tratava de expansão de área de unidade de conservação que não havia passado por processo de consulta pública da população diretamente afetada, assim como por essa norma haver sido adotada sem que a lei federal de referência, a Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC - Brasil, 2001), houvesse sido regulamentada.

O Parque, entretanto, em sua extensão de 235 mil hectares, já havia sido inscrito na Lista do Patrimônio Mundial quando sobreveio a decisão do STF (UNESCO, 2011), inscrição que se fundou nos critérios estabelecidos nos itens ix e x, do § 77 das Diretrizes Operacionais para a Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial, assim ementadas:

O Comitê considera a propriedade como dotada de um Valor Universal Excepcional […] se a propriedade responde a um ou mais dos seguintes critérios. Propriedades nominadas devem, portanto:

serem exemplos excepcionais representativos de processos ecológicos e biológicos ativos, com significância para a evolução e o desenvolvimento de ecosistemas terrestres, de água doce, costeiros e marinhos, e comunidades de plantas e animais;

conter os habitats naturais mais importantes e significativos para a conservação in situ da diversidade biológica, incluindo aqueles contendo espécies ameaçadas de Valor Universal Excepcional, do ponto de vista da ciência ou da conservação. (UNESCO, 2012, p. 21, livre tradução dos autores)12 12 O texto original está assim ementado: “The Committee considers a property as having Outstanding Universal Value […] if the property meets one or more of the following criteria. Nominated properties shall therefore : be outstanding examples representing significant on- going ecological and biological processes in the evolution and development of terrestrial, fresh water, coastal and marine ecosystems and communities of plants and animals; contain the most important and significant natural habitats for in-situ conservation of biological diversity, including those containing threatened species of Outstanding Universal Value from the point of view of science or conservation.”

Essa situação ensejou que a Comissão do Patrimônio Mundial, por reiteradas vezes, demonstrasse sua preocupação com a realidade dessas duas unidades de conservação - Parque Nacional das Emas e Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. E, especialmente no que tange a esta última área protegida, foi indicado o descompasso entre a extensão original apresentada à Comissão e a realidade de terreno, explicitada in loco, mas também pela anulação do decreto de setembro de 2001.

2.2 A inércia brasileira e a manutenção do título “patrimônio mundial”

Ao haver sido informada, em 2010, da ausência de lastro jurídico para parte da área do PNCV, a Comissão do Patrimônio Mundial, por meio da decisão n. 35 COM 7B.28, de 2011 (UNESCO, 2011), indicou estar muito preocupada, já que uma superfície correspondente a 72% do total da área do Parque havia sido objeto de redução e, assim, colocava esse sítio em risco. Requereu ao Brasil que perseverasse nos seus esforços para restabelecer um quadro jurídico adequado à proteção dessa área, o que exigiria não apenas nova e específica consulta da população envolvida, mas também a regularização fundiária da unidade de conservação, além de apresentar um relatório, em 2012, sobre o estado de conservação do Parque.

Mesmo diante do revés sofrido com a anulação do Decreto que havia estendido os limites do Parque, o governo brasileiro pouco se esforçou em reverter essa situação, o que se deu certamente diante dos interesses territoriais existentes no entorno da UC, os quais eram - e ainda são - claramente conflitantes com a consolidação da proteção integral desse sítio.

Com efeito, por pelo menos duas vezes a Comissão do Patrimônio Mundial se viu obrigada a ameaçar o Brasil com a inscrição do Parque na lista do Patrimônio Mundial em Perigo, o que ficou claro com a última decisão, cujo draft remeteu a essa providência.

2.2.1 A situação do Parque aos olhos da Unesco

No relatório de 2012 à Comissão do Patrimônio Mundial, o Brasil indicou que não seria mais possível ampliar os limites do Parque aos 235 mil hectares originais, devido ao desenvolvimento de atividades agropecuárias na localidade. Propôs uma série de outras medidas - criação de áreas de proteção ambiental, reservas particulares do patrimônio natural, corredores ecológicos, assim como a aplicação dos princípios que regem as reservas da biosfera às áreas que não se encontram dentro dos 65.515 hectares do Parque - insuficientes para que o mesmo continuasse como bem integrante do Patrimônio Mundial, diante da necessária configuração de seu valor universal excepcional.

A decisão n. 36 COM 7B.30, da Comissão do Patrimônio Mundial, exigiu do Brasil novo relatório para 2013, oportunidade em que se reiterou que a inscrição do Parque enquanto bem do Patrimônio Mundial se fez dentro das condições apresentadas em 2010, ou seja, uma área protegida com características únicas e de uma extensão aproximada de 235 mil hectares. Daí, indica que a configuração reduzida da área exigiria a apresentação de nova candidatura à lista, o que conduziria à perda do atual título de Patrimônio Mundial do Parque da Chapada dos Veadeiros. Nesse relatório ficou, igualmente, sugerido que o Brasil recebesse uma missão da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), com vistas a proceder a uma avaliação in loco do Parque. O País havia solicitado uma visita de orientação técnica, ao passo que a Comissão sugeriu o envio de uma missão de avaliação, o que é bastante distinto sob o ponto de vista da proteção do Patrimônio Mundial.13 13 Com efeito, ao se verificar o relatório produzido pela Comissão que visitou tanto o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros como o Parque Nacional das Emas, em 2013, verifica-se que os objetivos da missão eram os de “[…] avaliar as questões relacionadas ao estatuto jurídico da propriedade, assim como aconselhar o Estado Parte no que tange à integridade [do Parque], e fazer recomendação sobre a possível inscrição [do Parque] na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo” (UNESCO. Comitê do Patrimônio Mundial. Relatório de Missão. Áreas protegidas do cerrado. Parques nacionais Chapada dos Veadeiros e Emas (Brasil). 4 a 9 de marco de 2013. (UNESCO, 2013). Tradução dos autores.

Se nos anos anteriores, a situação do Parque estava afetada apenas pelo quadro jurídico que o regia, em 2013 denotavam-se, ademais, situações de incêndios, a falta de plano de manejo, assim como a penetração de atividades agropecuárias em áreas que são ou deveriam ser do Parque, segundo o que fora proposto à Unesco por ocasião da candidatura dessa UC à condição de patrimônio mundial.

No que tange à apreciação feita pela UICN na avaliação in loco, reconhecem-se os esforços envidados pelo Brasil em relação ao Parque - criação de RPPN’s, assim como de uma nova unidade de conservação - a Estação Ecológica de Nova Roma - ou, ainda, o trabalho do Estado de Goiás, com a instituição de novas unidades de conservação de proteção integral, buscando manter a configuração do valor universal excepcional desse território.

Reitera-se, todavia, com base no item “b” do parágrafo 180 das Diretrizes Operacionais para a Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial,14 14 “178. Uma propriedade Patrimônio Mundial - como definido nos Artigos 1 e 2 da Convenção - pode ser inscrita pelo Comitê na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo quando se verifique que o estado da propriedade corresponda a pelo menos um dos critérios de um dos dois casos abaixo descritos. […] 180. […] b) PERIGO POTENCIAL A propriedade está diante de graves ameaças que poderiam ter efeitos deletérios para as características que lhe são inerentes. Tais ameaças são, por exemplo: i) uma modificação do status legal de proteção da área;” (livre tradução dos autores, o original está assim redigido: “178. A World Heritage property - as defined in Articles 1 and 2 of the Convention - can be inscribed on the List of World Heritage in Danger by the Committee when it finds that the condition of the property corresponds to at least one of the criteria in either of the two cases described below. […] 180. […] b) POTENTIAL DANGER The property is faced with major threats which could have deleterious effects on its inherent characteristics. Such threats are, for example: i) a modification of the legal protective status of the area;”). que o risco potencial de degradação das características do aludido território subsistia, visto como persistia a modificação a posteriori15 15 Em relação à inscrição do bem na lista do Patrimônio Mundial. do estatuto jurídico protetivo do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (UNESCO, 2015).

A UICN não entendeu, entretanto, ser necessário inscrever o Parque na lista do Patrimônio Mundial em Perigo, mas reconheceu a necessidade de se redefinirem os limites do bem inscrito na lista do Patrimônio Mundial, uma vez que o mosaico de unidades de conservação proposto pelo Brasil fosse efetivamente posto em prática. E, por conseguinte, indicou a necessidade de se submeter novamente à apreciação da Comissão do Patrimônio Mundial a candidatura do Parque, diante do que prevê o parágrafo 165 das Diretrizes Operacionais já mencionadas (UNESCO, 2015).16 16 “Modificações significativas dos limites. Se um Estado Parte deseja modificar de maneira significativa os limites de uma propriedade que já está na Lista do Patrimônio Mundial, o Estado parte deverá submeter essa proposta como se fosse nova nominação (incluindo o requisito de haver sido previamente incluída na Lista Tentativa - vide parágrafos 63 e 65). Essa re-nominação deve ser apresentada até o dia 1º de fevereiro e será avaliada no ciclo de avaliação de um ano e meio, de acordo com os procedimentos e a agenda delineada no parágrafo 168. Essa provisão se aplica às extensões, assim como às reduções” (Livre tradução dos autores, o original encontra-se assim redigido: “165. Significant modifications to the boundaries. If a State Party wishes to significantly modify the boundary of a property already on the World Heritage List, the State Party shall submit this proposal as if it were a new nomination (including the requirement to be previously included on the Tentative List - see paragraph 63 and 65). This re-nomination shall be presented by 1 February and will be evaluated in the full year and a half cycle of evaluation according to the procedures and timetable outlined in paragraph 168. This provision applies to extensions, as well as reductions.”).

A missão da UICN recomendou, ainda, em seu relatório final, fossem estabelecidos como prazos o fim de 2013, para o restabelecimento da proteção jurídica do Parque, e fevereiro de 2015, para que o Brasil propusesse nova candidatura do bem à lista do Patrimônio Mundial. A definição do marco jurídico e dos novos limites da unidade de conservação deveriam ser fruto de amplo processo participativo, com a incitação à criação de RPPN’s; o regime de gestão da UC deveria buscar a maior proteção possível dos processos ecológicos e da biodiversidade, num âmbito de colaboração entre órgãos ambientais dos Estados e da União, contando também com a participação da sociedade; o mosaico entre as áreas protegidas contínuas e descontínuas de cerrado deveriam garantir suas conexões ecológicas e biológicas.

Esses elementos foram reiterados por ocasião da 37ª reunião da Comissão do Patrimônio Mundial, oportunidade em que se deram os prazos de 1º de fevereiro de 2014 e de 2015, respectivamente, para que o Brasil submetesse à Comissão relatório sobre o avanço de suas propostas e que apresentasse nova candidatura do bem. Foi expressamente colocado que na ausência de avanços quanto à situação jurídica do Parque até a 39ª reunião da Comissão, o bem seria inscrito na lista do Patrimônio Mundial em Perigo. (UNESCO, 2013)

Na sessão de 2015 os mesmos elementos foram apresentados pela Comissão, dando-se novo prazo ao Brasil para tomar as devidas providências, assim como apresentar um relatório sobre o bem, qual seja, 1º de fevereiro de 2016. (UNESCO, 2015)

Essa situação foi reiterada na sessão de 2016, ocasião em que a Comissão do Patrimônio Mundial lamentou a postura brasileira, cuja inércia não havia permitido avanços em relação à extensão da proteção jurídica do Parque, tampouco nova proposta de inscrição do mesmo enquanto bem Patrimônio Mundial, considerada a menor extensão da área protegida. Uma vez mais, novo prazo foi dado ao Brasil para agir: 1º de fevereiro de 2017, sob pena de inscrever-se o bem na lista do Patrimônio Mundial em Perigo, o que deixou de se concretizar em razão de o Brasil haver, enfim, tomado uma atitude em relação ao caso.

2.2.2 As consequências da inação do Estado brasileiro: um patrimônio mundial em perigo

Os elementos aqui apontados demonstram que o Brasil ficou, durante algum tempo, numa situação que foi, no mínimo, embaraçosa diante da sociedade internacional, na medida em que, mesmo cônscio dos problemas envolvendo o Parque e sua condição de patrimônio mundial, não envidou os esforços necessários para atender às recomendações que vinham sendo feitas, reiteradamente, pela Comissão do Patrimônio Mundial.

Essa instância reiterava, como já mencionado no item anterior, a necessidade de se regularizar juridicamente a área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, discussão que continuou na ordem do dia durante o ano de 2017.

Isso porque o relatório apresentado pelo Brasil em fevereiro de 2017, onde se indicou que fora agregado aos limites do Parque a APA Pouso Alto, ademais de se informar que o diálogo sobre a extensão da área do Parque estava, ainda, em aberto com o Estado de GoiásGOIÁS. Macrozoneamento Agroecológico e Econômico do Estado de Goiás. Um novo olhar sobre o território goiano. Produto I Sistematização de dados existentes em uma base de dados georreferenciada em ambiente de sistema de informações geográficas (SIG) e suporte a elaboração das macrozonas homogêneas. Publicação on line, 2014. Disponível em: http://www.sieg.go.gov.br/RGG/MacroZAEE/Relatório_-_PRODUTO_I_-SIG_DO_MACROZONEAMENTO_AGROECOLÓGICO_E_ECÔNOMICO_DO_ESTAD_DE_GOIÁS.pdf. Acesso em: 01 fev 2018.
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e, enfim, que uma decisão definitiva sobre os “exatos limites da extensão pretendida” seria alcançada no decorrer de 2017, não foi suficiente para evitar uma recomendação para que se inscrevesse o PNCV na lista do Patrimônio Mundial em Perigo (UNESCO, 2017a, p. 26-27).17 17 A inscrição de um bem nessa lista pode representar, inclusive, uma punição ao Estado titular, na medida em que as próprias condições para que essa inscrição se operacionalize estão alinhadas com uma certa inapetência, por parte do Estado, em relação ao valor universal excepcional que ensejou ao bem figurar na lista do Patrimônio Mundial.

A situação de perigo potencial estava na modificação no status jurídico da área protegida - tanto pela redução em sua extensão como por áreas com menor proteção jurídica - caso da APA Pouso Alto - configurando o previsto no artigo 180, “d”, i, das Orientações Operacionais para a Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial (UNESCO, 2015).

Daí por que, foi com razão que a Comissão do Patrimônio Mundial, na sessão realizada em Cracóvia, em 2017, reiterou as decisões anteriores sobre o Parque, agregando que o regime de proteção provido pela APA Pouso Alto não era suficiente - por ser menor que aquele de um Parque Nacional - e, assim recomendou, por meio da Draft Decision 41 COM 7B.10, a inscrição do bem na lista do Patrimônio Mundial em Perigo, diante da “falta de garantia quanto à sua integridade”, configurando a situação de potencial perigo da propriedade, de acordo com o Parágrafo 180 das Diretrizes Operacionais. (UNESCO, 2017a)18 18 A íntegra do texto, em sua versão original, se apresenta da seguinte maneira: “The World Heritage Committee, […] 4. Takes note of the information provided by the State Party that discussions continue to be ongoing between the relevant national and state authorities with regards to the proposed expansion of the Chapada dos Veadeiros National Park and that it is expected that the exact boundaries of the proposed expansion will be agreed during the course of 2017; 5. Regrets, however, that, despite its repeated requests, the expansion of the National Park has not yet been agreed by all stakeholders and that, therefore, significant areas of the Chapada dos Veadeiros component of the property continue to no longer benefit from National Park status since 2003, having for consequence that its integrity is not guaranteed, and that the property continues to be in potential danger in accordance with Paragraph 180 of the Operational Guidelines; 6. Decides to inscribe Cerrado Protected Areas: Chapada dos Veadeiros and Emas National Parks (Brazil) on the List of World Heritage in Danger; […]”

Por meio dessa mesma Draft Decision o Brasil foi instado a resolver, com urgência, a questão fundiária do Parque e a aprovação oficial da expansão de sua área, devendo reportar-se à Comissão novamente, em 2018.

Essa decisão provisória, entretanto, não foi confirmada.

O parágrafo onde se decidia pela inscrição do Parque na lista do Patrimônio em Perigo foi suprimido, diante da verificação de que o Brasil promovera “a expansão do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, por meio do Decreto Presidencial de 5 de junho de 2017, concluindo um longo processo participativo de discussões entre multiplicadores, a sociedade civil, as autoridades nacionais e regionais” (UNESCO, 2017b, p. 86).

Por certo, diante de toda a situação envolvendo o Parque - e da crescente cobrança da sociedade brasileira no que diz respeito ao trato da questão ambiental pela gestão Michel Temer - o Governo Federal optou por agir e, após consultas públicas em acordo com a lei do SNUC (Brasil, 2000), publicou decreto que ampliou a extensão do PNCV aos seus limites originalmente propostos à Unesco em 2001, ademais de declarar de utilidade pública os imóveis rurais privados que se encontrem nesses limites, delegando ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade a competência para “promover e […] executar as desapropriações [desses imóveis, podendo, inclusive] invocar o caráter de urgência no processo de desapropriação, para fins de imissão na posse […]” (Brasil, 2017).

Com isso, nota-se que a decisão provisória da Comissão do Patrimônio Mundial surtiu efeito tal qual as Minorativas de Manuel Bandeira (2015BANDEIRA, Manuel. Mafuá do Malungo. São Paulo: Global Editora, 2015.):19 19 No poema “Rondó de efeito”, Bandeira tenta, de todas as formas, conquistar a mulher amada. Ao esvaírem-se as possibilidades, sem que haja qualquer efeito nela, decide enviar de presente “uma caixinha de Minorativas, / Pastilhas purgativas: / É impossível que não faça efeito!”. fez com que o Brasil rapidamente adotasse uma providência quanto aos limites e, em seguida à questão fundiária do Parque, o que foi igualmente parte das recomendações da Unesco.

Nesse sentido, aliás, vale ressaltar que o orçamento de 2018 previa, já, o repasse de R$ 10 milhões ao Parque, para que se promovesse, entre outros, sua regularização fundiária, com os processos de desapropriação acima mencionados.20 20 Informação disponível em http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2017/12/chapada-dos-veadeiros-recebe-r-10-milhoes-de-compensacao-ambiental, acesso em 31 de janeiro de 2018.

Enfim, por meio dessa mesma decisão, ficou asseverado que o Brasil deveria reportar-se à Comissão do Patrimônio Mundial até dezembro de 2018, para que os novos limites do PNCV, bem como sua situação fundiária, fossem apreciados na sessão de 2019.

O País se reportou à Comissão do Patrimônio Mundial por meio de relatório específico, buscando demonstrar, de uma parte, que o Parque está em excelente estado de conservação e, de outra parte, que passou a existir, hoje, segurança jurídica quanto aos seus limites, pela ampliação da área protegida, ademais da criação de outras unidades de conservação da natureza em seu entorno imediato. (UNESCO, 2018)

Para demonstrar a efetiva ampliação da área do Parque, o Brasil informou que, da área total dessa unidade de conservação antes da ampliação, 20% foram juridicamente incorporados ao patrimônio público, 49% eram objeto de processo desapropriatório e 31% constituíam terras ainda em processo de identificação e levantamento quanto à propriedade para, em seguida, serem afetadas, enquanto áreas públicas, ao Parque.

O montante necessário às indenizações aos desapropriados viria, segundo o governo brasileiro, de fundos decorrentes de compensação ambiental, ademais de mencionar, genericamente, linhas orçamentárias específicas para tanto, no tocante à ampliação do Parque.

Quanto às unidades de conservação que se agregaram ao Parque Nacional, estão compreendidas a Estação Ecológica de Nova Roma (já dotada de plano de manejo), ademais das reservas particulares do patrimônio natural denominadas Catingueiro, Ponte da Pedra, Maria Batista, São Bartolomeu, Integra o Parque, Komodo e Diamante.21 21 Nessas áreas, segundo informações prestadas pelo Brasil à UNESCO, as características do bioma Cerrado e o seu grau de conservação são similares aos da área que já integrava o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, constituindo “um bloco contínuo de áreas protegidas, aumentando o grau de proteção ao longo de todo o sítio. Essa configuração coincide em grande parte com a área originalmente reconhecida” pela UNESCO.” (UNESCO, 2018 - livre tradução do inglês pelos autores). O texto original está assim redigido: “[…] a continuous block of protected areas, increasing the degree of protection throughout the site. This set has a great coincidence of regarding the area originally recognized as the Site […]”.

No Relatório de 2018 o governo brasileiro responde, igualmente, à UNESCO, quanto às queimadas nessa unidade de conservação, ocorridas durante o ano de 2017, mencionando, além da grande capacidade de recuperação do Cerrado, que houve mudanças significativas na prevenção de incêndios no Parque, através de planejamento específico e maior flexibilidade para a contratação de brigadas de combate a incêndios, não apenas nessa, mas em todas as UC’s brasileiras.

Diante disso, a Comissão do Patrimônio Mundial aprovou o relatório brasileiro pela decisão 43.COM.7B.22 (UNESCO, 2019b), consideradas as ressalvas apontadas pela IUCN, acima mencionadas, pela decisão 8B.42.

A avaliação brasileira, ademais, fundamentou pleito no sentido de se promover ajuste mínimo nos limites do Parque, para contemplar as UC’s acima mencionadas. A Comissão do Patrimônio Mundial, em resposta, acatou o pedido, por meio da decisão 43.COM.8B.42 (UNESCO, 2019), a qual se alinhou à avaliação feita pela UICN (2019) no sentido de não aprovar a retirada de uma área que se encontra no centro do Parque, em relação à qual não ficou claro, pelas informações prestadas pelo Brasil, se é área em processo de desapropriação ou área particular que não integrará a UC. Recomendou-se, ainda, que o País apresentasse, no relatório de 2020 - apreciado em 2021, na 44ª sessão estendida do Comitê do Patrimônio Mundial22 22 A 44ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial deveria haver sido realizada entre os dias 29 de junho e 9 de julho de 2020, em Fuzhou, na China. Entretanto, diante da situação de pandemia, o Comitê decidiu em sua 14ª Sessão Extraordinária, realizada em 2 de novembro de 2020, que a 44ª Sessão ocorreria de maneira estendida, em julho de 2021, nessa mesma cidade chinesa. A Sessão se realizou entre os dias 16 e 31 de julho, de forma virtual. Para maiores detalhes, vide o documento intitulado “Impact of the COVID-19 pandemic on World Heritage and responses by the Secretariat” (WHC/21/44.COM/INF.5A.2), de 4 de junho de 2021 (disponível em http://whc.unesco.org/archive/2021/whc21-44com-inf5A.2-en.pdf, acesso em 17 de julho de 2021). - uma avaliação quanto à efetividade da proteção da Unidade, em seus novos contornos.

O relatório brasileiro de 2020 apresenta uma situação bastante confortável para essa unidade de conservação da natureza, aludindo, de uma parte, ao seu excelente estado de conservação e, de outra parte, à implementação de uma estratégia integrada de combate a incêndios, à elaboração de planos de manejo de três dentre as reservas particulares do patrimônio natural que se encontram na área, além da regularização fundiária do Parque.23 23 Aliás, quanto à regularização fundiária, se o Brasil alude tanto a processos de desapropriação como à integração, à UC, de áreas públicas pertencentes ao Estado de Goiás e a Municípios da região, destaca também o fato de que 54% da área do Parque é composta por terras cuja titularidade é simplesmente desconhecida. Essa situação constitui elemento complicador que não pode ser negligenciado, pois atenta à efetividade da proteção jurídica de que dispõe a área - voltando, pois, à essência da questão entre o Brasil e a Comissão do Patrimônio Mundial. (UNESCO, 2020) Vide, em especial, p. 16 e seguintes do Relatório.

Enfim, deixando de responder explicitamente à Comissão, o Brasil apenas indicou que há mais de uma centena de processos de desapropriação em curso, nos quais se compreende o de uma área que está na região central do Parque, a cuja exclusão dos limites da UC se opôs a Comissão.

Ora, a análise comparativa dos mapas apresentados pelo País no Relatório de 2020 e na proposta de modificação menor dos limites do Parque, em 2019, induz à conclusão de que a área que se pretende retirar dos limites da Unidade é a que está em processo de desapropriação. Essa situação reforça o posicionamento da Comissão do Patrimônio Mundial, lastreado pela já aludida opinião da UICN.

Ao avaliar o relatório brasileiro de 2020, a Comissão do Patrimônio Mundial concordou parcialmente com a visão apresentada pelo País, ressaltando positivamente a melhoria na gestão do Parque, com foco em seu valor excepcional universal, assim como a gestão do combate aos incêndios nessa unidade de conservação.

Demonstrou, entretanto, seu desconforto com pelo menos três elementos.

Primeiramente, com o silêncio brasileiro quanto aos reais impactos dos incêndios nessa unidade de conservação; em segundo lugar, com o fato de que mais da metade do Parque não está devidamente regularizado, o que afasta a segurança jurídica que se espera de uma unidade de conservação de proteção integral; enfim, a Comissão entende que, diante da justaposição de distintas unidades de conservação da natureza - sejam elas de proteção integral ou de uso sustentável, criadas e geridas ora pela União (caso do Parque), ora pelo Estado de Goiás (APA Pouso Alto, Estação Ecológica de Nova Roma) ou, ainda, por particulares (caso das distintas RPPN’s) - faz-se necessário apresentar um plano de manejo que contemple uma visão holística do território, para “garantir que as unidades de conservação lindeiras […] sejam consideradas nesse processo, para garantir maior harmonização das abordagens de gestão em toda a propriedade […]”.24 24 O parágrafo 6 da Draft Decision 44 COM 7B.194 requer ao Brasil que “[…] agilize a finalização do plano de manejo para o PNCV e garanta que as unidades de conservação lindeiras que estejam na Chapada dos Veadeiros e que componham a propriedade sejam consideradas nesse processo, para garantir maior harmonia nas abordagens de gestão através da propriedade como um todo, e submeta o plano, revisado, ao Centro do Patrimônio Mundial” (tradução livre dos autores, o texto original está assim disposto: “ […] to expedite the finalization of the Management Plan for the PNCV and to ensure that adjoining conservation units comprising the Chapada dos Veadeiros component of the property are considered in this process to ensure further harmonization of management approaches across the entire property, and to submit the revised Plan to the World Heritage Centre;” (UNESCO, 2021, p. 481) Note-se que a decisão está, ainda, em formato draft, pelo fato de que a 44ª Sessão da Comissão do Patrimônio Mundial encerrou-se em 31 de julho de 2021.

A Comissão, enfim, requer do Brasil a apresentação de novo relatório, até 1º de dezembro de 2022, onde se possam prover respostas claras quanto aos pontos que aqui foram objeto de desconforto.

3. A AMPLIAÇÃO DOS LIMITES DO PNCV: UMA RESPOSTA TARDIA DO BRASIL

Não há dúvidas de que a resposta brasileira à delicada e juridicamente instável situação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros tardou muito em se efetivar; não foi, tampouco, célere, a postura da Comissão do Patrimônio Mundial em relação à inscrição do Parque na lista do Patrimônio Mundial em Perigo.

Se pela Comissão a justificativa está, de uma parte, nas tratativas diplomáticas que devem permear os mecanismos internacionais de compliance, notadamente na seara ambiental, ela se encontra, de outro lado, na própria filosofia do Direito Internacional Ambiental que, segundo Alexandre Kiss (2000KISS, A. e BEURIER, J.P. Droit international de l’environnement. 2. ed. Paris: Pedone, 2000.), repousa no fato de que a pior punição que um Estado possa ter ao não cumprir um tratado internacional de proteção do meio ambiente é a perda do bem ambiental que se buscava proteger.

3.1 Um mecanismo de pressão efetivo, com impactos positivos no terreno

Como já mencionado anteriormente, não foi a “ameaça” reiterada de inscrição do Parque na lista do Patrimônio Mundial em Perigo - feita em 2013, 2015 e 2016 -, mas sim a quase concretização dessa inscrição, por meio da decisão provisória de 2017, que ensejou ao Brasil agir de maneira firme e definitiva em relação aos limites do Parque e ao seu lastro jurídico.

O Decreto de 2017 (Brasil, 2017), rapidamente em curso de implementação, como as ações no sentido da criação e/ou do reconhecimento da existência de outras UC’s vinculadas ao Parque, demonstram com clareza não se tratar apenas de providências pro forma ou de inércia permeada de má-fé: o País quis prestar as devidas contas à Unesco em relação ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, como o fez por meio dos relatórios de 2018 e de 2020.

É certo que a ampliação dos limites dessa unidade de conservação da natureza traz inegáveis benefícios sob o ponto de vista da proteção da biodiversidade, ao consolidar os corredores ecológicos e mosaicos de biodiversidade na região, contemplar espécies endêmicas de animais e de plantas, inclusive algumas delas ameaçadas de extinção, incluir a proteção de importantes reservas hídricas para a região e igualmente para o País, além de contemplar a continuidade e o incremento de atividades econômicas que decorrem e/ou se apóiam na existência e no funcionamento efetivo do Parque.

Especificamente sob o ponto de vista da economia, Souza e Simões (2019SOUZA, Thiago do Val Simardi Beraldo; SIMÕES, Helenne Barbosa. Contribuições do turismo em unidades de conservação federais para a economia brasileira: efeitos dos gastos dos visitantes em 2017. Brasília: ICMBio/MMA, 2019. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/agenda-presidente/contribuições_Economicas_do_Turismo_-_final_-_web.pdf. Acesso em: 21 mar. 2021.
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) indicam que os gastos dos turistas que visitam uma unidade de conservação da natureza contemplam aqueles que se fazem dentro da unidade, como também no Município/local em que a mesma se insere, constituindo os efeitos diretos das despesas do turismo em relação à UC; há, outrossim, os gastos realizados pelos empreendimentos turísticos locais - como bares, restaurantes, pousadas, hotéis etc. - para receber os turistas, resultando em efeitos indiretos, que decorrem das despesas dos visitantes na economia local e regional; há, enfim, os gastos realizados localmente pelos que trabalham nas atividades turísticas, que formam o chamado efeito induzido dos gastos turísticos. O efeito total dos gastos dos visitantes na economia da localidade em que se insere a UC é, pois, dado pela soma de todos esses efeitos (diretos, indiretos e induzidos).

Pois bem, considerado esse efeito total num universo de visitantes nas UC’s federais que se multiplicou por 6 entre 2000 e 2018,25 25 Segundo os autores, “Desde 2000, a visitação vem crescendo de 1,9 milhão para mais de 12,4 milhões de visitas em 2018” (SOUZA E SIMÕES, 2019, p. 16). Souza e Simões (2019SOUZA, Thiago do Val Simardi Beraldo; SIMÕES, Helenne Barbosa. Contribuições do turismo em unidades de conservação federais para a economia brasileira: efeitos dos gastos dos visitantes em 2017. Brasília: ICMBio/MMA, 2019. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/agenda-presidente/contribuições_Economicas_do_Turismo_-_final_-_web.pdf. Acesso em: 21 mar. 2021.
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, p. 18) indicam que “os gastos dos 12,4 milhões de visitantes geraram mais de R$ 10,4 bilhões em Vendas Totais, R$ 2,7 bilhões em Renda Pessoal e R$ 3,8 bilhões em Valor Agregado ao PIB, além de gerar e/ou manter 89.250 empregos, em 2018”. A esse valor os autores agregam os impostos gerados, que ascenderam a R$ 1,1 bilhão, se considerados os três níveis federativos.26 26 Os autores indicam que “foram gerados, em nível municipal, um total de R$174 milhões; em estadual, R$594 milhões e em federal, R$ 323 milhões; totalizando R$ 1,1 bilhão em impostos.” (2019, p. 18), indicando, ainda, que a cada R$ 1 investido no ICMBio - e, por conseguinte, na gestão de UC’s - produziram-se R$ 15 em benefícios econômicos para o País. (2019, p. 19)

Não é despiciendo, portanto, concluir que os gastos com a criação, a efetiva implementação, a manutenção e a melhoria das infraestruturas das UC’s brasileiras representam, em verdade, investimento que cria e consolida postos de trabalho, gera impostos, renda e PIB. Ensejam oportunidades de real desenvolvimento humano nas localidades que se beneficiam direta ou indiretamente do funcionamento desses espaços especialmente protegidos, já que permitem a fixação de postos de trabalho e de população. Apresentam perspectiva de desenvolvimento futuro e de longo prazo, já que esses gastos estão atrelados à conservação ambiental e, no caso das UC’s de proteção integral, à preservação de processos ecológicos, essenciais não apenas à perenidade da área protegida, como também às atividades econômicas desenvolvidas localmente e além - já que todas dependem de recursos naturais.

Considerando-se, por exemplo, a questão hídrica e sua essencialidade para a agricultura, a pecuária, a indústria ou para os assentamentos humanos, a implementação e a boa gestão de uma UC onde mananciais e suas nascentes, áreas de recarga de aquíferos, flora e fauna sejam preservados, tem efeitos que impactam positivamente muito além do âmbito local, já que os serviços ecossistêmicos são prestados numa escala territorial mais ampla.

Sobre o tema, igualmente interessante é a pesquisa desenvolvida por Gomes (2017GOMES, Paula Oliveira. Contribuições econômicas e financeiras do turismo no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Dissertação de Mestrado Profissional em Turismo. UnB, Centro de Excelência em Turismo. Programa de Pós-Graduação em Turismo. Brasília: UnB, 2017. Disponível em http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/23707/1/2017_PaulaOliveiraGomes.pdf. Acesso em: 22 mar 2021.
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), onde, ao se perquirir sobre o impacto do PNCV (quando ainda não ampliado) na economia da região em que se insere, encontrou-se o valor de R$ 92 milhões anuais. E, no universo de entrevistados para a realização da pesquisa, parte considerável estaria disposta a pagar tanto pelo uso do Parque como por seu não uso - este último, diante da importância da UC enquanto repositório de biodiversidade e fonte de serviços ambientais (Gomes, 2017, p. 58 e s.).

O impacto financeiro direto gerado pelo turismo foi estimado em R$ 92 milhões (DP±38,3 milhões) para a região da Chapada dos Veadeiros. Desse modo, o estudo de caso no PNCV demonstra que a visitação pode oferecer oportunidades sustentáveis de desenvolvimento econômico para o parque e também para a comunidade local. Assim, diante da carência de gestão da área e a partir do turismo há o potencial de incrementar a arrecadação, ao mesmo tempo em que se concilia a conservação, o uso sustentável da biodiversidade e a geração de alternativas econômicas para a região.

Nas UCs federais e estaduais brasileiras, a soma das estimativas de visitação pública indicou que, se o potencial dessas áreas fosse adequadamente explorado, cerca de 20 milhões de pessoas teriam visitado essas áreas em 2016, com um impacto econômico potencial de cerca de R$ 2,2 bilhões (Medeiros et al., 2011). Destacando que a visitação apenas nos parques nacionais terminou o ano de 2016 com 8,3 milhões de visitantes, nota-se que esse fluxo de visitação ainda está abaixo do potencial de visitação dos parques brasileiros. (Gomes, 2017GOMES, Paula Oliveira. Contribuições econômicas e financeiras do turismo no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Dissertação de Mestrado Profissional em Turismo. UnB, Centro de Excelência em Turismo. Programa de Pós-Graduação em Turismo. Brasília: UnB, 2017. Disponível em http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/23707/1/2017_PaulaOliveiraGomes.pdf. Acesso em: 22 mar 2021.
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, p. 76)

Nessa mesma pesquisa identifica-se, igualmente, o peso do Parque na economia regional a partir de um comparativo com a expansão das atividades agropecuárias, demonstrando que persiste uma subvalorização do uso do território com fins de proteção ambiental, em clara ignorância aos serviços ambientais prestados pela UC.

Esses serviços, prestados de forma gratuita pela Natureza, acabam não tendo uma percepção clara por parte da sociedade, tampouco da economia, salvo quando não podem mais ser prestados, diante de uma situação de escassez.

Diante disso, os limites do parque continuam sob ataque, provocando incertezas quanto à sua manutenção. Em outubro de 2017, proprietários rurais da região impetraram Mandado de Segurança junto ao Supremo Tribunal Federal27 27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 35.232/DF. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15347245835&ext=.pdf. Acesso em: 14 ago. 2021. , buscando a declaração da ilegalidade do Decreto de 05/06/2017, que ampliou o parque. Os impetrantes alegaram diversas supostas infringências legais, principalmente relativas às audiências públicas realizadas. Em decisão monocrática proferida 02/08/2021, o Min. Nunes Marques denegou a Segurança, tendo em vista que todo o procedimento adotado para ampliação do parque observou rigorosamente os preceitos legais.

Outra ameaça que paira nesse cenário é o Projeto de Decreto Legislativo (PDL nº 338/2021)28 28 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Decreto Legislativo nº 338/2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node05eu6xkimqfk89h0plrw35ssk16654708.node0?codteor=2049020&filename=PDL+338/2021. O último (e único) andamento do projeto é de 02 de agosto de 2021, quando foi apresentado em Plenário. Acesso em: 18 maio 2022. de autoria do Deputado Federal Delegado Valdir (GO), que visa a sustar os efeitos do Decreto de ampliação do parque, pois teria havido ampliação excessiva de seus limites (de 65 mil para 240 mil hectares), a qual prejudicaria os agricultores da região.

Apesar da importância de que se revestem as ações de preservação da natureza na região, ressaltadas pela UC, contam-se mais de 119 mil hectares de grandes lavouras altamente mecanizadas. A partir daí, Gomes (2017GOMES, Paula Oliveira. Contribuições econômicas e financeiras do turismo no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Dissertação de Mestrado Profissional em Turismo. UnB, Centro de Excelência em Turismo. Programa de Pós-Graduação em Turismo. Brasília: UnB, 2017. Disponível em http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/23707/1/2017_PaulaOliveiraGomes.pdf. Acesso em: 22 mar 2021.
http://repositorio.unb.br/bitstream/1048...
, p. 77) afirma que “o papel das UCs não é facilmente internalizado na economia nacional, em parte por falta de informações que esclareçam a sociedade sobre a função dessas áreas para o desenvolvimento econômico e social do país.” Daí, ser comum a substituição das áreas vegetadas pela produção agropecuária, inclusive na Chapada dos Veadeiros.

Há, portanto, segundo essa mesma autora, clara incompatibilidade entre as atividades agrícolas e o propósito do PNCV, situação que se repete noutros locais no País e que se apresenta de maneira evidente em Alto Paraíso de Goiás, onde os recursos gerados pela agricultura não superam os resultados econômicos decorrentes das atividades turísticas na Chapada dos Veadeiros.

Nesse sentido, conclui que “[…] a existência dessa UC é importante e, consequentemente, que as áreas protegidas não devem ser transformadas em campos de agronegócio como alternativa para geração econômica [, pois] a melhor opção em termos de desenvolvimento econômico é o uso sustentável para o turismo.” (Gomes, 2017GOMES, Paula Oliveira. Contribuições econômicas e financeiras do turismo no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Dissertação de Mestrado Profissional em Turismo. UnB, Centro de Excelência em Turismo. Programa de Pós-Graduação em Turismo. Brasília: UnB, 2017. Disponível em http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/23707/1/2017_PaulaOliveiraGomes.pdf. Acesso em: 22 mar 2021.
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, p. 76)

3.2 A governança interfederativa (e multinível) como solução

O caso do PNCV é, no mínimo, interessante sob o ponto de vista da governança interfederativa, no plano do direito interno, e da governança multinível, no que diz respeito às interações entre os entes de direito público interno e a Unesco, organização internacional.

O conceito de governança interfederativa, previsto pelo Estatuto da Metrópole,29 29 O artigo 2º do Estatuto da Metrópole a define como sendo: “[O] compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum, mediante a execução de um sistema integrado e articulado de planejamento, de projetos, de estruturação financeira, de implantação, de operação e de gestão.” (BRASIL, 2015) busca traduzir as preocupações em torno a uma gestão territorial estratégica, onde o papel de todos e de cada um dos entes federativos deva ser considerado. Seja em nome dos serviços públicos de interesse comum - infraestruturas de saneamento ou de transporte, por exemplo - ou da proteção do meio ambiente, que não se atrela às fronteiras político-administrativas estabelecidas num território determinado.

Impende destacar que, na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, os atributos ambientais do Parque, as características fisiográficas do bioma, como também os traços sócio-culturais dessa zona, constituem os elementos que unem os municípios da Chapada dos Veadeiros, numa microrregião informalmente constituída a partir dessa Unidade de Conservação, como também das demais unidades, que a ela se agregaram.30 30 Para Silva, a microrregião integra “os Municípios em comuns peculiaridades fisiográficas e socioculturais.” (SILVA, 2012, p. 155)

Diante disso, é interessante que se considere o papel do Estado de Goiás e dos municípios lindeiros no que tange à situação que envolveu o Parque, norteados por um espírito de governança interfederativa ou, como nomina Alves (1998ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas Dimensões Constitucionais da Organização do Estado Brasileiro. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Edição Especial em Comemoração Aos 10 Anos de Constituição Federal. Setembro de 1998. Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista/tes1.htm. Acesso em: 22 de mar. 2021.
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), de um federalismo de integração para, em seguida, abordar a relação - ainda que indireta - desses entes federativos com a Unesco, no plano do que se convencionou nominar, aqui, de governança multinível - conceito que surge no processo de integração da União Europeia (Henrichs e Meza, 2017HENRICHS, Joanni Aparecida e de MEZA, Maria Lúcia Figueiredo Gomes. Governança multinível para o desenvolvimento regional: um estudo de caso do Consórcio Intermunicipal da Fronteira. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana (Brazilian Journal of Urban Management), 2017 jan./abr., 9(1), 124-138.) - e que ilustrará, aqui, o papel do Estado de Goiás e dos municípios quanto ao cumprimento (ou não) dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil perante a Unesco.

Pois bem, se os entes federativos internos não estão dotados, no caso brasileiro, de personalidade jurídica internacional, é certo que o advento das agendas globais de desenvolvimento sustentável, como as preocupações em torno à proteção ambiental, são temas que exigem a presença proativa, também dessas estruturas, em sua construção e implementação.

Com efeito, a Agenda 21, de 1992, preconiza o “agir localmente e pensar globalmente”, ademais de aludir especificamente ao papel das autoridades locais, em seu Capítulo 28. Ali se reconhece a importância do nível local de governo na construção da sustentabilidade local - e global -, até mesmo porque “muitos dos problemas e soluções tratados na Agenda 21 têm suas raízes nas atividades locais”.31 31 De acordo com o previsto pelo parágrafo 28.1 desse documento.

É nesse mesmo Capítulo que se alude à necessária interação entre Estados, níveis subnacionais de governo, estruturas onusianas - caso da Agência Habitat - ou, ainda, a sociedade civil organizada, sob a forma de ONG’s internacionais.

Trata-se, claramente, de colocar a governança multinível em voga, exigindo que não apenas as autoridades internacionais, como também os Estados, os governos subnacionais e a sociedade civil tenham papel proativo na construção da sustentabilidade. Sobre o tema, é importante citar Vivekanandan, para quem:

O desenvolvimento sustentável concerne efetivamente tanto a segurança das pessoas e aquela do Estado; transcende as fronteiras políticas e sua complexidade remete à cooperação de diversos atores, em múltiplos níveis. A repartição do processo decisório entre diferentes níveis políticos é o sinal da emergência de um sistema político multinível que torna tanto mais necessária a orientação para uma nova estrutura de governança, capaz de integrar um conjunto de atores a distintas escalas (mundial, regional, subregional, nacional e local).32 32 Livre tradução dos autores. O texto original está assim redigido: “Le développement durable touche en effet à la fois à la sécurité des personnes et à celle de l’État ; il transcende les frontières politiques et sa complexité implique la coopération de divers acteurs à de multiples niveaux. La répartition de la prise de décision entre différents niveaux politiques est le signe de l’émergence d’un système politique multiniveau qui rend d’autant plus nécessaire l’orientation vers une nouvelle structure de gouvernance capable d’intégrer un ensemble d’acteurs à différentes échelles (mondiale, régionale, sous-régionale, nationale et locale).” (Vivekanandan, 2009, p. 129)

No caso do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, essa linha de governança exsurge de maneira bastante clara, na medida em que não apenas o Brasil, enquanto Estado na ordem internacional, assumiu um compromisso perante a Unesco e a Comissão do Patrimônio Mundial: esse compromisso engajou a ação concertada dos entes federados subnacionais - Estado de Goiás e municípios de Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante, Teresina de Goiás, Nova Roma e São João d’Aliança - para que pudesse ser efetivamente adimplido.

De maneira mais específica, o Estado de Goiás teve uma atuação relevante na consolidação dos limites atuais do Parque, quando se criaram a Área de Proteção Ambiental (APA) Pouso Alto e a Estação Ecológica de Nova Roma, unidades de conservação da natureza cuja função se vincula à proteção ambiental no entorno do PNCV.33 33 Ferreira et al (2008) indicam que o entorno do PNCV, na área que abrange toda a APA Pouso Alto, encontram-se 231 espécies de aves registradas, sendo 3 delas endêmicas. Dentre essas espécies, 52 correm risco de extinção. Com relação aos mamíferos, a região do entorno do parque conta com representativos de 48 espécies, uma delas endêmica e 12 ameaçadas de extinção. Reconheceram-se, ademais, as reservas particulares do patrimônio natural Catingueiro, Ponte da Pedra, Maria Batista, São Bartolomeu, Integra o Parque, Komodo e Diamante.34 34 O que não impediu o avanço do agronegócio na região, constatado pelos crescentes índices de desmatamento na APA Pouso Alto. (MIZZIARA, FERREIRA, 2008)

Quanto aos municípios que se encontram envolvidos pelo PNCV, serão responsáveis, juntamente com o governo estadual, pela transferência de áreas de seus respectivos domínios para o Parque (UNESCO, 2020); além do que, deverão promover o adequado ordenamento de seus territórios, por meio de planos diretores que podem contemplar, inclusive, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)35 35 Os ODS constituem a agenda de desenvolvimento proposta pela Organização das Nações Unidas para o período 2015-2030. Vêm em substituição aos Objetivos do Milênio e na esteira da Agenda 21, de 1992. Seu conteúdo está disponível em http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/ODSportugues12fev2016.pdf. Acesso em: 12 fev. 2018. , com especial atenção ao Parque Nacional e suas interrelações com os respectivos planejamentos territoriais.

Esses elementos denotam uma atuação pluriescalar dos entes federativos, configurando, no plano interno, a governança interfederativa e, no plano externo, a chamada governança multinível.36 36 Reitera-se, nesse sentido, o aduzido pela Comissão do Patrimônio Mundial acerca da necessária gestão concertada das unidades de conservação da natureza na região, quando da análise do relatório brasileiro de 2020. (UNESCO, 2021)

Não se olvide, por oportuno, da necessária atuação da população local, seja a partir das exigências normativas quanto à sua implementação - com a necessária consulta pública, realizada com a nova ampliação da área do Parque, em 2017 - seja com a movimentação e o engajamento voluntário em defesa da UC.

Assim, nota-se que não se poderia conceber o sucesso da manutenção do título Patrimônio Mundial para o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros sem que se pudesse contar com os distintos atores envolvidos nesse processo que é, claramente, representativo de um modelo multiescalar de governança - e que pauta a agenda do desenvolvimento sustentável.

CONCLUSÃO

À guisa de considerações finais, a preservação de espaços territoriais no Cerrado mostra-se altamente necessária, já que esse bioma possui características fitofisionômicas e ecológicas específicas bastante peculiares, é dotado de um valor excepcional sob o ponto de vista da biodiversidade e também em relação às reservas hídricas. Nesse contexto, é fundamental a criação e manutenção de espaços que devam ser protegidos, conforme previsto constitucionalmente. Esses espaços - que se traduzem em unidades de conservação da natureza - devem contar com mecanismos efetivos de proteção, evitando-se assim, o avanço e a pressão de atividades produtivas que não se coadunem com os propósitos de cada unidade.

Nota-se do histórico do PNCV que, desde a sua criação, em 1961, e até o momento em que se buscou que o Parque volvesse aos limites originais, há inúmeros interesses conflitantes na região. A nova ampliação, ocorrida em 2017 e que foi precedida pela observância dos trâmites estabelecidos na Lei 9.985/2000, ocorreu fundamentalmente pela pressão internacional, tendo em vista o risco de perder o título de Patrimônio Mundial, outorgado pela UNESCO.

A ampliação do PNCV representa ganho significativo para a proteção da biodiversidade, de suas espécies endêmicas - algumas inclusive, ameaçadas de extinção - além da proteção das reservas hídricas, eis que se trata de uma área de recarga de aquíferos que também alimenta vários cursos d’água da Bacia Amazônica.

Evidentemente que referida ampliação não agradou ao sistema produtivo instalado na região, que tentou evitá-la durante as audiências públicas que discutiam o assunto. Além disso, há suspeitas de que os incêndios que assolaram o PNCV após a sua ampliação tenham sido provocados por aqueles que lutaram contra a extensão dos limites do Parque.37 37 Ministério tem evidências de que incêndio na Chapada foi criminoso. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2017/11/30/interna_cidadesdf,644660/incendio-na-chapada-foi-criminoso-apontam-informacoes-passadas-ao-mma.shtml. Acesso em: 12 mar. 2018.

Aliado a esse fato, mesmo que o Brasil tenha informado à UNESCO em sentido contrário, há a preocupação de que não haja recursos para que sejam realizadas as desapropriações necessárias em face da ampliação do Parque, como também há desconforto da Comissão quanto ao País não haver apresentado um cronograma para sua realização. (UNESCO, 2021)

A regularização fundiária efetiva do Parque é, assim, uma prioridade, já que, como se pode notar do próprio relatório apresentado pelo Brasil à Unesco em 2020, dos 240,5 mil hectares dessa unidade de conservação, apenas 6% foram incorporados ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), sendo que 40% estão em processo de desapropriação, 19% são áreas que pertencem ao Estado de Goiás ou a Municípios da Região e o restante, 54%, são terras cuja situação fundiária é classificada como “desconhecida”. Essa situação de incerteza é deletéria ao Parque, por atentar contra os próprios atributos que ensejaram a sua criação, quanto mais a sua inscrição na Lista do Patrimônio Mundial.

Vale lembrar, outrossim, a postura do atual governo federal brasileiro quanto à proteção ambiental, a qual ameaça a manutenção da nova área do PNCV (IHU, 2019INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS (IHU). Ricardo Salles quer rever todas as Unidades de Conservação Federais do país e mudar o SNUC. 2019. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/589139-ricardo-salles-quer-rever-todas-as-unidades-de-conservacao-federais-do-pais-e-mudar-snuc. Acesso em: 22 dez. 2020.
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). Aliado a esse fato, proprietários rurais da região e políticos insistem em medidas visando a desconstituir a ampliação de 2017, alegando perdas econômicas para o setor agrícola.

Tais incertezas colocam em xeque a manutenção do patrimônio mundial, o que será, sem sombra de dúvidas, um grande prejuízo ambiental e econômico. É bom lembrar que a ampliação e manutenção efetiva da área do Parque não resulta somente em um ganho ambiental, mas pode corresponder a um ganho econômico que supera aqueles auferidos com as atividades agropastoris existentes na região. Para que isso se torne realidade, além da manutenção da sua nova área, é necessário que haja investimentos na infraestrutura dessa Unidade de Conservação, incluindo a área ampliada. Conforme asseverado por Souza (2016SOUZA, Thiago do Val Simardi Beraldo. Recreation Classification, Tourism Demand and Economic Impact Analyses of the Federal Protected Areas of Brazil. Tese de doutorado em Filosofia, Universidade da Flórida (EUA), 2016.), cada dólar investido em unidades de conservação para promover o turismo sustentável corresponde a um retorno de sete dólares em benefícios econômicos.

Ademais, para que o PNCV se torne, efetivamente, uma área de proteção integral do bioma Cerrado, é preciso que se integrem ações, projetos e programas das políticas públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal e que se implementem os programas e as atividades propostos no Plano de Manejo, já contemplando a área ampliada, com a concretização das desapropriações necessárias, e a efetividade das medidas de controle de incêndios.

Enfim, mesmo que se esteja diante de uma UC federal, não se pode olvidar que incumbe a todos os entes federativos proteger o meio ambiente e combater a poluição sob todas as suas formas, segundo os ditames constitucionais (art. 23, VI, CF), o que se apresenta sob a forma de uma necessária colaboração interfederativa, externada, de um lado, no pacto federativo e, de outro lado nos ditames da Lei Complementar 140/2011,38 38 BRASIL. Lei Complementar n. 140, de 8 de dezembro de 2011, que “Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981.” DOU de 9.12.2011. analogamente contemplados no Estatuto da Metrópole, quando traz o conceito de governança interfederativa ou, ainda, quando se faz a necessária consideração da governança multinível.

Deve haver, portanto, a participação de todos os entes federativos envolvidos na proteção efetiva do Parque. E, mais, a participação da sociedade civil organizada, como de toda a coletividade é fundamental, o que se faz por meio de ações de proteção, de monitoramento, de conscientização, e de atuação perante os entes federados, na defesa da unidade de conservação, a fim de que esse patrimônio mundial seja respeitado e protegido.

REFERÊNCIAS

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  • VIVEKANANDAN, Jayashree. Vers la gouvernance multiniveau. In Pierre Jacquet et al, Regards sur la Terre. Paris: Presses de Sciences Po, 2009, p. 126-137.
  • 1
    Com efeito, a Lei do SNUC prevê que as áreas particulares incluídas nos limites de estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, floresta nacional, reserva extrativista, reserva de fauna e, caso necessário, na reserva de desenvolvimento sustentável, serão desapropriadas” (BRASIL, 2000).
  • 2
    Cf. art. 11, caput (BRASIL, 2000).
  • 3
    Caso de outras UC’s brasileiras, como se pode notar, a partir de uma análise da retração nas unidades de conservação brasileiras na Amazônia, em Pack et al (2016PACK, Shalynn M.; FERREIRA, Mariana Napolitano; KRITHIVASAN, Roopa; MURROW, Jennifer; BERNARD, Enrico; MASCIA, Michael B. Protected area downgrading, downsizing, and degazettement (PADDD) in the Amazon. Biological Conservation, v. 197, p. 32-39, Maio 2016.).
  • 4
    Segundo a BBC Brasil. Notícia disponível no site http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41729961, acesso em 12 de fevereiro de 2018. Note-se, ainda, que outros incêndios atingiram áreas do parque e outras ameaças aconteceram, como a impetração, junto ao Supremo Tribunal Federal, de Mandado de Segurança por proprietários da região, contra o Decreto de ampliação do Parque, ou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 338, de 02/08/2021), cuja pretensão é sustar referido Decreto de ampliação.
  • 5
    Segundo Araújo, Ferreira e Ferreira (2009, p. 7) o bioma é considerado um “berço das águas”, pois das oito principais bacias hidrográficas brasileiras, seis delas têm ali suas origens.
  • 6
    A região da Chapada dos Veadeiros se inclui na região hidrográfica do Tocantins (BRASIL, 2010, p. 10), sendo que sua formação geológica tem mais de 2 bilhões de anos de idade, uma das mais antigas do território brasileiro (OLIVEIRA, 2007, p. 42).
  • 7
    Novaes, Lobo e Ferreira (2008NOVAES, Pedro da Costa; LOBO FábioCarneiro; FERREIRA, Manuel Eduardo. Base de dados geográficos para a gestão territorial e ambiental do Estado de Goiás. In FERREIRA JR., Laerte Guimarães (org). A encruzilhada socioambiental: biodiversidade, economia e sustentabilidade no cerrado. Goiânia: UFG, 2008, p. 107-125., p. 135) constataram que a região da Chapada dos Veadeiros dispunha, nos anos 2000, de uma cobertura vegetal superior a 50%, ao mesmo tempo em que se enquadrava dentre as áreas de maior pobreza do Estado de Goiás, unidade da federação onde “as populações mais empobrecidas […] podem, de forma significativa, ser encontradas nos locais com maior proporção de vegetação nativa” (2008, p. 139).
  • 8
    Vide o “Relatório Parametrizado - Unidade de Conservação”, disponível no site do Ministério do Meio Ambiente: http://sistemas.mma.gov.br/cnuc/index.php?ido=relatorioparametrizado.exibeRelatorio&relatorioPadrao=true&idUc=139, Acesso em: 29 jan. 2018.
  • 9
    Art. 4º, Decreto (BRASIL, 1972).
  • 10
    Essa lista se vincula à Convenção da Unesco para a proteção do patrimônio mundial, natural e cultural, de 1972 (BRASIL, 1977).
  • 11
    No original: “This mosaic of landscapes and habitats, which overlays a variety of geological structures (including some of the oldest rock formations in the world) gives the CdVNP its high biological diversity. Endemism is high in the park, especially in areas above 1,200m. A biodiversity survey conducted in 1997 revealed 1,476 species of vascular plants, 50 of which are rare or endangered. Samples from gallery forest showed 145 species/ha, with are close to the figures in the Amazon Basin. Fauna includes: 45 species of mammals, eight of which are rare or endangered; 306 species of birds, 20 of which are rare or endangered; 49 fish species, of which 38 could not be identified at the species level and are probably highly localised endemics; 34 species of amphibians, of which eight are possibly new species; approximately 1,000 species of moths; and 160 species of native bees of which 6 are new to science. The CdVNP contains populations of several large mammals, including giant anteater, giant armadillo, maned wolf, spotted jaguar and pampas deer.”
  • 12
    O texto original está assim ementado: “The Committee considers a property as having Outstanding Universal Value […] if the property meets one or more of the following criteria. Nominated properties shall therefore : be outstanding examples representing significant on- going ecological and biological processes in the evolution and development of terrestrial, fresh water, coastal and marine ecosystems and communities of plants and animals; contain the most important and significant natural habitats for in-situ conservation of biological diversity, including those containing threatened species of Outstanding Universal Value from the point of view of science or conservation.”
  • 13
    Com efeito, ao se verificar o relatório produzido pela Comissão que visitou tanto o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros como o Parque Nacional das Emas, em 2013, verifica-se que os objetivos da missão eram os de “[…] avaliar as questões relacionadas ao estatuto jurídico da propriedade, assim como aconselhar o Estado Parte no que tange à integridade [do Parque], e fazer recomendação sobre a possível inscrição [do Parque] na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo” (UNESCO. Comitê do Patrimônio Mundial. Relatório de Missão. Áreas protegidas do cerrado. Parques nacionais Chapada dos Veadeiros e Emas (Brasil). 4 a 9 de marco de 2013. (UNESCO, 2013). Tradução dos autores.
  • 14
    “178. Uma propriedade Patrimônio Mundial - como definido nos Artigos 1 e 2 da Convenção - pode ser inscrita pelo Comitê na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo quando se verifique que o estado da propriedade corresponda a pelo menos um dos critérios de um dos dois casos abaixo descritos. […] 180. […] b) PERIGO POTENCIAL A propriedade está diante de graves ameaças que poderiam ter efeitos deletérios para as características que lhe são inerentes. Tais ameaças são, por exemplo: i) uma modificação do status legal de proteção da área;” (livre tradução dos autores, o original está assim redigido: “178. A World Heritage property - as defined in Articles 1 and 2 of the Convention - can be inscribed on the List of World Heritage in Danger by the Committee when it finds that the condition of the property corresponds to at least one of the criteria in either of the two cases described below. […] 180. […] b) POTENTIAL DANGER The property is faced with major threats which could have deleterious effects on its inherent characteristics. Such threats are, for example: i) a modification of the legal protective status of the area;”).
  • 15
    Em relação à inscrição do bem na lista do Patrimônio Mundial.
  • 16
    “Modificações significativas dos limites. Se um Estado Parte deseja modificar de maneira significativa os limites de uma propriedade que já está na Lista do Patrimônio Mundial, o Estado parte deverá submeter essa proposta como se fosse nova nominação (incluindo o requisito de haver sido previamente incluída na Lista Tentativa - vide parágrafos 63 e 65). Essa re-nominação deve ser apresentada até o dia 1º de fevereiro e será avaliada no ciclo de avaliação de um ano e meio, de acordo com os procedimentos e a agenda delineada no parágrafo 168. Essa provisão se aplica às extensões, assim como às reduções” (Livre tradução dos autores, o original encontra-se assim redigido: “165. Significant modifications to the boundaries. If a State Party wishes to significantly modify the boundary of a property already on the World Heritage List, the State Party shall submit this proposal as if it were a new nomination (including the requirement to be previously included on the Tentative List - see paragraph 63 and 65). This re-nomination shall be presented by 1 February and will be evaluated in the full year and a half cycle of evaluation according to the procedures and timetable outlined in paragraph 168. This provision applies to extensions, as well as reductions.”).
  • 17
    A inscrição de um bem nessa lista pode representar, inclusive, uma punição ao Estado titular, na medida em que as próprias condições para que essa inscrição se operacionalize estão alinhadas com uma certa inapetência, por parte do Estado, em relação ao valor universal excepcional que ensejou ao bem figurar na lista do Patrimônio Mundial.
  • 18
    A íntegra do texto, em sua versão original, se apresenta da seguinte maneira: “The World Heritage Committee, […] 4. Takes note of the information provided by the State Party that discussions continue to be ongoing between the relevant national and state authorities with regards to the proposed expansion of the Chapada dos Veadeiros National Park and that it is expected that the exact boundaries of the proposed expansion will be agreed during the course of 2017; 5. Regrets, however, that, despite its repeated requests, the expansion of the National Park has not yet been agreed by all stakeholders and that, therefore, significant areas of the Chapada dos Veadeiros component of the property continue to no longer benefit from National Park status since 2003, having for consequence that its integrity is not guaranteed, and that the property continues to be in potential danger in accordance with Paragraph 180 of the Operational Guidelines; 6. Decides to inscribe Cerrado Protected Areas: Chapada dos Veadeiros and Emas National Parks (Brazil) on the List of World Heritage in Danger; […]”
  • 19
    No poema “Rondó de efeito”, Bandeira tenta, de todas as formas, conquistar a mulher amada. Ao esvaírem-se as possibilidades, sem que haja qualquer efeito nela, decide enviar de presente “uma caixinha de Minorativas, / Pastilhas purgativas: / É impossível que não faça efeito!”.
  • 20
    Informação disponível em http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2017/12/chapada-dos-veadeiros-recebe-r-10-milhoes-de-compensacao-ambiental, acesso em 31 de janeiro de 2018.
  • 21
    Nessas áreas, segundo informações prestadas pelo Brasil à UNESCO, as características do bioma Cerrado e o seu grau de conservação são similares aos da área que já integrava o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, constituindo “um bloco contínuo de áreas protegidas, aumentando o grau de proteção ao longo de todo o sítio. Essa configuração coincide em grande parte com a área originalmente reconhecida” pela UNESCO.” (UNESCO, 2018 - livre tradução do inglês pelos autores). O texto original está assim redigido: “[…] a continuous block of protected areas, increasing the degree of protection throughout the site. This set has a great coincidence of regarding the area originally recognized as the Site […]”.
  • 22
    A 44ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial deveria haver sido realizada entre os dias 29 de junho e 9 de julho de 2020, em Fuzhou, na China. Entretanto, diante da situação de pandemia, o Comitê decidiu em sua 14ª Sessão Extraordinária, realizada em 2 de novembro de 2020, que a 44ª Sessão ocorreria de maneira estendida, em julho de 2021, nessa mesma cidade chinesa. A Sessão se realizou entre os dias 16 e 31 de julho, de forma virtual. Para maiores detalhes, vide o documento intitulado “Impact of the COVID-19 pandemic on World Heritage and responses by the Secretariat” (WHC/21/44.COM/INF.5A.2), de 4 de junho de 2021 (disponível em http://whc.unesco.org/archive/2021/whc21-44com-inf5A.2-en.pdf, acesso em 17 de julho de 2021).
  • 23
    Aliás, quanto à regularização fundiária, se o Brasil alude tanto a processos de desapropriação como à integração, à UC, de áreas públicas pertencentes ao Estado de Goiás e a Municípios da região, destaca também o fato de que 54% da área do Parque é composta por terras cuja titularidade é simplesmente desconhecida. Essa situação constitui elemento complicador que não pode ser negligenciado, pois atenta à efetividade da proteção jurídica de que dispõe a área - voltando, pois, à essência da questão entre o Brasil e a Comissão do Patrimônio Mundial. (UNESCO, 2020) Vide, em especial, p. 16 e seguintes do Relatório.
  • 24
    O parágrafo 6 da Draft Decision 44 COM 7B.194 requer ao Brasil que “[…] agilize a finalização do plano de manejo para o PNCV e garanta que as unidades de conservação lindeiras que estejam na Chapada dos Veadeiros e que componham a propriedade sejam consideradas nesse processo, para garantir maior harmonia nas abordagens de gestão através da propriedade como um todo, e submeta o plano, revisado, ao Centro do Patrimônio Mundial” (tradução livre dos autores, o texto original está assim disposto: “ […] to expedite the finalization of the Management Plan for the PNCV and to ensure that adjoining conservation units comprising the Chapada dos Veadeiros component of the property are considered in this process to ensure further harmonization of management approaches across the entire property, and to submit the revised Plan to the World Heritage Centre;” (UNESCO, 2021, p. 481) Note-se que a decisão está, ainda, em formato draft, pelo fato de que a 44ª Sessão da Comissão do Patrimônio Mundial encerrou-se em 31 de julho de 2021.
  • 25
    Segundo os autores, “Desde 2000, a visitação vem crescendo de 1,9 milhão para mais de 12,4 milhões de visitas em 2018” (SOUZA E SIMÕES, 2019, p. 16).
  • 26
    Os autores indicam que “foram gerados, em nível municipal, um total de R$174 milhões; em estadual, R$594 milhões e em federal, R$ 323 milhões; totalizando R$ 1,1 bilhão em impostos.” (2019, p. 18), indicando, ainda, que a cada R$ 1 investido no ICMBio - e, por conseguinte, na gestão de UC’s - produziram-se R$ 15 em benefícios econômicos para o País. (2019, p. 19)
  • 27
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 35.232/DF. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15347245835&ext=.pdf. Acesso em: 14 ago. 2021.
  • 28
    BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Decreto Legislativo nº 338/2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node05eu6xkimqfk89h0plrw35ssk16654708.node0?codteor=2049020&filename=PDL+338/2021. O último (e único) andamento do projeto é de 02 de agosto de 2021, quando foi apresentado em Plenário. Acesso em: 18 maio 2022.
  • 29
    O artigo 2º do Estatuto da Metrópole a define como sendo: “[O] compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum, mediante a execução de um sistema integrado e articulado de planejamento, de projetos, de estruturação financeira, de implantação, de operação e de gestão.” (BRASIL, 2015)
  • 30
    Para Silva, a microrregião integra “os Municípios em comuns peculiaridades fisiográficas e socioculturais.” (SILVAUNESCO. Intergovernmental Committee for the Protection of the World Cultural and Natural Heritage. Operational Guidelines for the Implementation of the World Heritage Convention. Paris: Unesco, 2012., 2012, p. 155)
  • 31
    De acordo com o previsto pelo parágrafo 28.1 desse documento.
  • 32
    Livre tradução dos autores. O texto original está assim redigido: “Le développement durable touche en effet à la fois à la sécurité des personnes et à celle de l’État ; il transcende les frontières politiques et sa complexité implique la coopération de divers acteurs à de multiples niveaux. La répartition de la prise de décision entre différents niveaux politiques est le signe de l’émergence d’un système politique multiniveau qui rend d’autant plus nécessaire l’orientation vers une nouvelle structure de gouvernance capable d’intégrer un ensemble d’acteurs à différentes échelles (mondiale, régionale, sous-régionale, nationale et locale).” (Vivekanandan, 2009VIVEKANANDAN, Jayashree. Vers la gouvernance multiniveau. In Pierre Jacquet et al., Regards sur la Terre. Paris: Presses de Sciences Po, 2009, p. 126-137., p. 129)
  • 33
    Ferreira et al (2008FERREIRA, Manuel Eduardo; FERREIRA JR, Laerte Guimarães; FERREIRA, Nilson Clementino. Cobertura Vegetal remanescente em Goiás: Distribuição, viabilidade ecológica e monitoramento. In FERREIRA JR., Laerte Guimarães (org). A encruzilhada socioambiental: biodiversidade, economia e sustentabilidade no cerrado. Goiânia: UFG, 2008, p. 169-185.) indicam que o entorno do PNCV, na área que abrange toda a APA Pouso Alto, encontram-se 231 espécies de aves registradas, sendo 3 delas endêmicas. Dentre essas espécies, 52 correm risco de extinção. Com relação aos mamíferos, a região do entorno do parque conta com representativos de 48 espécies, uma delas endêmica e 12 ameaçadas de extinção.
  • 34
    O que não impediu o avanço do agronegócio na região, constatado pelos crescentes índices de desmatamento na APA Pouso Alto. (MIZZIARA, FERREIRA, 2008)
  • 35
    Os ODS constituem a agenda de desenvolvimento proposta pela Organização das Nações Unidas para o período 2015-2030. Vêm em substituição aos Objetivos do Milênio e na esteira da Agenda 21, de 1992. Seu conteúdo está disponível em http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/ODSportugues12fev2016.pdf. Acesso em: 12 fev. 2018.
  • 36
    Reitera-se, nesse sentido, o aduzido pela Comissão do Patrimônio Mundial acerca da necessária gestão concertada das unidades de conservação da natureza na região, quando da análise do relatório brasileiro de 2020. (UNESCO, 2021)
  • 37
    Ministério tem evidências de que incêndio na Chapada foi criminoso. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2017/11/30/interna_cidadesdf,644660/incendio-na-chapada-foi-criminoso-apontam-informacoes-passadas-ao-mma.shtml. Acesso em: 12 mar. 2018.
  • 38
    BRASIL. Lei Complementar n. 140, de 8 de dezembro de 2011, que “Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981.” DOU de 9.12.2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2020
  • Aceito
    23 Ago 2021
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