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Estrutura fundiária na Bahia, Brasil: uma análise sob a ótica do índice de Gini

Resumo

O fenômeno da alta concentração de terras, em grande parte, pode ser explicado pela história agrária de um país. A posse e uso da terra no Brasil e na Bahia revela o antagonismo suscitado pela subordinação, expropriação e exploração entre uma classe social dominante representada pelos proprietários de terra e os camponeses, o que incita a realização de uma análise contextualizada sobre a atual estrutura fundiária brasileira. Neste contexto, este trabalho faz uma análise da atual estrutura fundiária da Bahia, por meio da aplicação do índice de Gini (IG) para a terra e da técnica de agrupamento espacial (clusters), para os anos censitários de 2006 e 2017 dos 417 municípios baianos. Conforme os resultados obtidos através do cálculo do IG e da classificação utilizada, identificou-se significativa concentração fundiária na Bahia entre 2006 e 2017, muito embora tenha apresentado moderada redução nessa concentração. De acordo com a análise espacial, há formação de agrupamentos com alta concentração, especialmente em municípios da Região Geográfica Intermediária de Barreiras e a formação de clusters de municípios com baixos valores do IG nas Regiões Geográficas Intermediárias de Guanambi e Vitória da Conquista. As análises revelam que há relação entre concentração fundiária e condições socioeconômicas das regiões.

Palavras-chave:
Concentração da terra; Perfil agrário; Clusters

Abstract

High concentration of the ownership of land is a phenomenon explained by the agrarian history of Brazil. The possession and use of land in Bahia, and throughout Brazil, reveal the antagonism produced by the relationship between the peasants and a dominant class composed by the landowners, involving subordination, expropriation, and exploitation. In this context, this study analyzes the land-ownership structure in place in Bahia, with the aid of the Gini Index (GI) for the land and the spatial clustering technique, from data of censuses 2006 and 2017 for the 417 municipalities of Bahia. According to the GI results obtained and the classification applied, it was identified a significant land concentration in Bahia, albeit with a moderate reduction between 2006 and 2017. According to the spatial analysis, clusters with high land concentration are mostly found in the municipalities within the Região Geográfica Intermediária de Barreiras (as the region is named by the Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE). Clusters of municipalities with low GI values, on the other hand, are found in Região Geográfica Intermediária de Guanambi and Região Geográfica Intermediária Vitória da Conquista. The analysis shows a correlation between land-ownership concentration and the socioeconomic condition of the regions.

Keywords:
Land concentration; Agrarian profile; Clusters

INTRODUÇÃO

No Brasil, assim como em diversos países, a colonização e a história agrária influenciaram, sobremaneira, a distribuição de terras agrícolas, delineando a sua atual configuração. Furtado (2005FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 32. ed. São Paulo: Nacional, 2005 [1959].) descreve acerca da formação econômica do Brasil como sendo um processo histórico de difusão do progresso técnico e do uso de estímulos criados pelo sistema econômico capitalista, a fim de aumentar sua capacidade interna. Contudo, o autor ressalta que esse processo se dá sob a dificuldade de transição da economia colonial para uma economia nacional, destacando o fato de que nunca houve ruptura, no Brasil atual, com seu passado colonial, condicionando-o a uma relação de dependência de seu colonizador e, posteriormente, do setor financeiro e industrial dos países mais ricos (MIELITZ NETO; MELO; MAIA, 2010MIELITZ NETO, C. G. A.; MELO, L. M.; MAIA, C. M. Políticas públicas e desenvolvimento rural no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010.).

Historicamente, a estrutura fundiária brasileira é caracterizada pela forte concentração da terra, compreendendo-se assim que, dentre outros fatores, a origem da exploração latifundiária no Brasil, tem como base o modo de produção capitalista (PRADO JÚNIOR, 1979PRADO JÚNIOR, C. A questão agrária no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979.; FURTADO, 2005FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 32. ed. São Paulo: Nacional, 2005 [1959].).

Considerando a grande dimensão territorial brasileira, a região Nordeste do país apresenta particularidades históricas que não favoreceram seu desenvolvimento no mesmo ritmo de outras regiões do país, como a região Sul, por exemplo (SEI, 2003). De acordo Goodman (1976), a origem de grande parte dos problemas enfrentados pelos agricultores do Nordeste advém do processo de formação social, que promoveu uma articulação entre os modos de produção pré-capitalista e capitalista. Aponta-se que as disparidades na distribuição da renda das regiões do Brasil são mais acentuadas no Nordeste, o qual apresentou rendimento mediano inferior ao restante do país, de 1992 a 2008. Além disso, apesar de ser uma região marcada pela presença de um grande número de pequenos empreendimentos rurais, o Nordeste apresenta a menor área média dos empreendimentos agrícolas (HOFFMAN; NEY, 2010).

Como na região Nordeste, o estado da Bahia apresenta também uma grande concentração de terras nas mãos dos poucos grandes proprietários, contrapondo com a maioria da população que vive em pequenas propriedades. De acordo com Santos et al. (2014), o estado da Bahia tem uma configuração semelhante à do Brasil no que se refere à estrutura fundiária, caracterizando-se como uma "herança" da colonização, quando o território foi dividido entre donatários. Dentro desta concepção da organização da terra na Bahia, a área ocupada por pequenos estabelecimentos (minifúndios) é insuficiente para garantir o sustento da maior parte das famílias que vivem nestas terras (COUTO FILHO, 2000COUTO FILHO, V. de A. Os “novos rurais” baianos. In: CAMPANHOLA, C.; SILVA, J. G. da. (Coord.). O novo rural brasileiro: uma análise estadual - Nordeste. São Paulo: Embrapa, 2000. p. 97 - 137.).

Partindo-se desses elementos, o presente estudo busca analisar a estrutura fundiária da Bahia, enfatizando fatores socioeconômicos que configuram sua conformação. O aporte metodológico utilizado foi a aplicação do índice de Gini da terra e da técnica de agrupamento espacial (clusters) para os 417 municípios baianos e para os dois últimos censos agropecuários, de 2006 e 2017.

Espera-se que este trabalho contribua para uma análise da realidade do meio rural baiano, no que diz respeito à estrutura fundiária. A devida atenção às particularidades de cada região do estado, somada a exploração histórica de cada realidade podem fomentar melhor estruturação de políticas que visam o desenvolvimento rural.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Área de estudo

A área de estudo deste trabalho, refere-se ao estado da Bahia, no Brasil, formado por 417 municípios em uma unidade territorial de 564.732,450 km², dos quais quase 53% representam área rural, com 762.620 estabelecimentos agropecuários, conforme Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017. Conforme dados do IBGE (2018), o estado conta com uma população estimada em 15.344.447 habitantes, sendo 3.914.430, aproximadamente 28%, residentes na zona rural.

Em 2017, o IBGE apresentou uma nova divisão regional para o Brasil, atualizando o recorte regional das Mesorregiões e Microrregiões para Regiões Geográficas Intermediárias (RGIs) e Imediatas, respectivamente, por meio do argumento da crescente diferenciação interna do espaço territorial brasileiro.

O recorte das Regiões Geográficas Imediatas e Intermediárias de 2017 incorpora as mudanças ocorridas no Brasil ao longo das últimas três décadas. [...] A região torna-se, por meio dessa opção, uma construção do conhecimento geográfico, delineada pela dinâmica dos processos de transformação ocorridos recentemente e operacionalizada a partir de elementos concretos (rede urbana, classificação hierárquica dos centros urbanos, detecção dos fluxos de gestão, entre outros), capazes de distinguir espaços regionais em escalas adequadas (IBGE, 2017, p. 35-36).

A Figura 1 mostra a localização geográfica do estado da Bahia e de suas RGIs, recorte adotado no presente estudo.

Figura 1
Delimitação das Regiões Geográficas Intermediárias da Bahia, Brasil, 2017.

Mensurabilidade e análise do Índice de Gini

O Índice de Gini é utilizado para mensuração do grau de concentração de distribuições estatísticas, sendo comumente aplicado para a renda e a propriedade fundiária (HOFFMANN; NEY, 2010______; NEY, M. G. Estrutura fundiária e propriedade agrícola no Brasil: grandes regiões e unidades da federação (de 1970 a 2008). Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2010.). Neste trabalho, aplica-se para medir o grau de concentração de terras, calculado por meio da relação entre a proporção acumulada de terras e a proporção dos estabelecimentos rurais, possibilitando contrastar a distribuição do uso da terra na Bahia. O índice assume valores entre zero e um, quanto mais próximo de zero, menor é a concentração de terras e quanto mais próximo de um, maior é esta concentração.

Este indice, é medido, neste trabalho, através da seguinte form. (1) (HOFFMANN, 1998HOFFMANN, R. O índice de desigualdade de Theil-Atkinson. Revista de Econometria, v. 11, n. 2, p.143-160, 1998. https://doi.org/10.12660/bre.v11n21991.3001
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):

G = 1 i = 1 n ( Y i + Y i 1 ) ( X i X i 1 )

em que: G = Índice de Gini; Yi = a proporção acumulada das áreas rurais por estratos de área;Xi= a proporção acumulada do número de estabelecimentos agropecuários por estratos de área.

Para o cálculo do IG foram utilizados 17 estratos de propriedade, divididos em grupos de área que variam entre mais de 0 a menos de 0,1 hectares até de 2.500 hectares a mais, foi excluída, em todas as estimativas, a categoria “produtor sem área” criada no Censo Agropecuário de 2006, como informa Hoffmann e Ney (2010______; NEY, M. G. Estrutura fundiária e propriedade agrícola no Brasil: grandes regiões e unidades da federação (de 1970 a 2008). Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2010.). Os 17 estratos de área se dividem nos seguintes grupos: mais de 0 a menos de 0,1 ha; de 0,1 a menos de 0,2 ha; de 0,2 a menos de 0,5 ha; de 0,5 a menos de 1 ha; de 1 a menos de 2 ha; de 2 a menos de 3 ha; de 3 a menos de 4 ha; de 4 a menos de 5 ha; de 5 a menos de 10 ha; de 10 a menos de 20 ha; de 20 a menos de 50 ha; de 50 a menos de 100 ha; de 100 a menos de 200 ha; de 200 a menos de 500 ha; de 500 a menos de 1000 ha; de 1000 a menos de 2500 ha e de 2500 ha e mais.

Utilizou-se a classificação feita por Câmara (1949CÂMARA, L. A. Concentração da Propriedade Agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Boletim Geográfico. v.7, n.77, p.516-528, 1949. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/19/bg_1949_v7_n77_ago.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2020.
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) que mede a concentração da posse da terra de acordo com o IG (Tabela 1), em que qualquer valor acima de 0,500 pode ser considerado inadequado do ponto de vista distributivo (CÂMARA, 1949CÂMARA, L. A. Concentração da Propriedade Agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Boletim Geográfico. v.7, n.77, p.516-528, 1949. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/19/bg_1949_v7_n77_ago.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2020.
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).

Tabela 1
Classificação do índice de Gini para concentração da posse da terra.

Os resultados obtidos através do cálculo do IG podem ser associados, em nível espacial, entre determinadas áreas, sendo possível a identificação de comportamentos semelhantes, configurando um sistema de agrupamentos, denominados de clusters.

Segundo Perobelli et al. (2007PEROBELLI, F. S. et al. Produtividade do setor agrícola brasileiro (1991-2003): uma análise espacial. Nova Economia, v. 17, p. 65-91, 2007. https://doi.org/10.1590/S0103-63512007000100003
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), a Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE) está fundamentada nos aspectos espaciais da base de dados, tratando, diretamente de questões como dependência e heterogeneidade espacial. Em outras palavras, este método pretende descrever a distribuição espacial, os padrões de associação espacial, a verificação da existência de diferentes regimes espaciais ou outras formas de instabilidade espacial, além de identificar observações atípicas.

Esta técnica estatística contribui para a análise do perfil da estrutura fundiária baiana através da identificação de similaridades na configuração da concentração da posse da terra no estado. Por meio do índice de Moran (I Moran), é possível medir a dependência espacial entre áreas a partir do cálculo da autocorrelação espacial como uma covariância do produto dos desvios em relação à média, relacionando o valor atribuído a determinado fenômeno, em um dado local, ao valor médio dos seus vizinhos (PEROBELLI et al., 2007PEROBELLI, F. S. et al. Produtividade do setor agrícola brasileiro (1991-2003): uma análise espacial. Nova Economia, v. 17, p. 65-91, 2007. https://doi.org/10.1590/S0103-63512007000100003
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). Dessa forma, a aplicação, através do I de Moran, leva em conta, neste caso, a formação de clusters entre municípios que apresentem características comuns quanto ao nível de desigualdade da posse da terra na Bahia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Concentração fundiária na Bahia: evidências de agrupamento espacial

A partir da classificação da concentração da terra, indicada por Câmara (1949CÂMARA, L. A. Concentração da Propriedade Agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Boletim Geográfico. v.7, n.77, p.516-528, 1949. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/19/bg_1949_v7_n77_ago.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2020.
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), retrata-se a espacialização da distribuição de terras por municípios, no estado da Bahia (Figura 2). Quanto mais escura a cor verde, maior o valor do IG e, consequentemente, maior a concentração de terras.

Figura 2
Índice de Gini para terra dos municípios da Bahia para 2006 e 2017, por regiões geográficas intermediárias.

Em termos da localização espacial, atenta-se que a maior parte dos municípios baianos possui IG maior que 0,500 (414 municípios em 2006 e 406 em 2017). A classificação identificada como forte a muito forte (0,700 a 0,900) concentra o maior número de municípios em ambos os anos estudados (71% em 2006 e 55% em 2017), mesmo apresentando uma queda de 16% entre um período e outro. Entretanto percebe-se um aumento do número de municípios na classe de 0,500 a 0,700, passando de 24% dos municípios em 2006 para mais de 40% em 2017. Observa-se ainda a presença de alguns municípios com concentração muito forte a absoluta (IG de 0,900 a 1), de 15 municípios em 2006, para 8 em 2017.

Observando a Figura 3, pode-se constatar leve queda na concentração de terras na Bahia, de 0,752 em 2006 para 0,713 em 2017. Em 2006, 46,5 % dos municípios estavam abaixo da média e 53,5% acima em 2017.

Esses números apontam, que a concentração de terras no estado da Bahia, entre os dois períodos analisados, reduziu 22,5% na classificação de forte a muito forte, e quase 47% na concentração muito forte a absoluta. Apesar disso, observa-se poucos municípios inseridos nas três primeiras classificações de melhor condição na distribuição das terras por estabelecimentos agropecuários.

As RGIs de Salvador e de Barreiras aglomeraram a maioria dos municípios com IG de 0,900 a 1, para o ano de 2006, fortalecendo esta concentração na RGI de Barreiras, no ano de 2017. Enquanto isso, no mesmo ano, na RGI de Guanambi quase metade dos municípios apresentaram IG de 0,251 a 0,500, considerado como uma concentração de fraca a média. Na Tabela 2 está o ranking dos 10 municípios com menor e maior valor do IG e a Região Geográfica Intermediária pertencente, para os anos de 2006 e 2017.

Figura 3
Quantidade e percentagem de municípios baianos por tipo de classificação fundiária, de acordo com o índice de Gini para a terra de 2006 e 2017.

Tabela 2
Ranking dos 10 maiores e dos 10 menores valores do IG por Regiões Geográficas Intermediárias (RGI) da Bahia em que estão localizados, 2006 e 2017.

Constata-se que a RGI de Salvador inclui os municípios com menor e maior valores do IG para 2006, são eles Salvador (0,213) e São Francisco do Conde (0,982), respectivamente. Para o ano de 2017, o município de Itaparica, localizado na RGI de Santo Antônio de Jesus, obteve o menor valor do IG (0,308), enquanto Correntina, localizado na RGI de Barreiras, apresentou o maior valor do IG (0,945).

A RGI de Salvador é a principal região econômica do estado e a que possui maior densidade demográfica, tendo Salvador, capital da Bahia, como o município que absorve, proporcionalmente, a maior parte da riqueza gerada no território baiano sendo também um polarizador para os municípios ao seu entorno que formam a região metropolitana, especialmente, no setor industrial pela sua especialização na produção de insumos industriais, principalmente químicos e petroquímicos (CARVALHO; CARVALHO; GÓES, 2011CARVALHO, C. V. de; CARVALHO, I. M. M. de; GÓES, T. R. Dinâmica econômica e socioespacial da metrópole baiana em uma economia globalizada. Textos para Discussão, 2011, n. 1, p. 1-20.).

As características singulares da RGI de Salvador nos ajuda a compreender os baixos valores de IG para a terra, já que concentra as principais atividades industriais e de serviços do estado da Bahia. Dessa maneira, essa região aglutina um maior contingente populacional, o que acaba por atrair melhores e maiores investimentos.

Efetivamente, a vinculação histórica da economia baiana às atividades comerciais de exportação, em torno de determinados produtos (cana, fumo, cacau, etc.) fez com que as regiões mais dinâmicas se localizassem próximas do litoral (faixa de 200km. de largura), tendo como principal centro de comercialização a cidade de Salvador, numa "economia voltada para fora” (IVO, 1983IVO, A. B. L. A reespacialização da estrutura fundiária do estado da Bahia. Seminário com o CREDAL-CNRS, 1983, Paria. Anais... Paris: CREDAL-CNRS, 1983., p. 37, grifo do autor).

Em relação ao município de São Francisco do Conde, também situado na RGI de Salvador, o maior valor do IG para a terra no ano de 2006, o qual permanece alto em 2017, evidencia uma economia baseada em atividades agrícolas (principalmente cana de açúcar), pecuária, silvicultura, mas também a indústria de transformação (IBGE, 2018). Além disso, a partir dos anos de 1950, o município passou por uma nova organização territorial com a exploração petrolífera, via implantação da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), que interferiu na economia, geração de empregos e dinâmica social (MARTINS JÚNIOR; BARBOSA, 2017).

Carvalho (2008CARVALHO, I. M. M. de. Trabalho, renda e pobreza na Região Metropolitana de Salvador. In: CARVALHO, I. M. M.; PEREIRA, G. C. (Coord.) Como anda Salvador e sua região metropolitana. Salvador: EDUFBA, 2008. https://doi.org/10.7476/9788523209094
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) aponta ainda, que os municípios de São Francisco do Conde e Vera Cruz (situado na RGI de Santo Antônio de Jesus), possuem os níveis mais extremados de concentração da riqueza, e, consequentemente, um maior número de pobres em relação aos demais municípios da RGI de Salvador, o que ajuda na compreensão dos altos valores de IG observados nesses municípios. Ademais, o IBGE (2018) aponta que em uma área total de 10.991ha, quatro estabelecimentos agropecuários possuem áreas superiores a 1.000ha em São Francisco do Conde, enquanto que 62,5% da área total de Vera Cruz pertence a somente três estabelecimentos.

Na RGI de Barreiras nota-se um aumento do número de municípios com índices de concentração de terra muito forte (IG entre 0,901 a 1,000) no período de 2006 a 2017. Em 2006, do total de 24 municípios dessa RGI, quatro municípios apresentaram concentração considerada muito forte, já em 2017, sete municípios apresentaram índices nessa faixa. Esta condição pode estar associada à expansão da fronteira agrícola e, a importância do agronegócio nessa localidade, que exibe uma estrutura moderna de grandes propriedades, cuja produção destina-se ao mercado externo (BARBOSA, 2016BARBOSA, C. R. Pobreza rural sob a ótica multidimensional e estrutura fundiária: uma análise do Estado da Bahia. Dissertação (Mestrado em Economia Regional e Políticas Públicas) - Ilhéus: UESC. 2016.).

O processo de abertura da fronteira agrícola na Bahia, no período de 1970 a 1980, foi um dos importantes fatores na determinação das mudanças no espaço rural baiano, condicionando em certa medida, as formas de acesso e uso do solo. Ivo (1983IVO, A. B. L. A reespacialização da estrutura fundiária do estado da Bahia. Seminário com o CREDAL-CNRS, 1983, Paria. Anais... Paris: CREDAL-CNRS, 1983.) afirma que a maior incorporação de áreas de estabelecimentos rurais para “Além São Francisco”, no estado, ocorreu no sentido Oeste, sobretudo no município de Barreiras, considerado o mais importante centro regional do Oeste baiano (IVO, 1983IVO, A. B. L. A reespacialização da estrutura fundiária do estado da Bahia. Seminário com o CREDAL-CNRS, 1983, Paria. Anais... Paris: CREDAL-CNRS, 1983.).

O autor supracitado salienta ainda que a irradiação desse processo pode ser atribuída, principalmente, ao seu bioma cerrado, de relevo plano, terras fartas a baixos preços e grande disponibilidade hídrica. Santos (2016SANTOS, R. de C. E. dos. A apropriação do cerrado baiano pelo agronegócio: novos usos do território e as mudanças socioeconômicas e socioespaciais. Geografia, Ensino & Pesquisa, v. 20, n.3, p. 08-17, 2016. https://doi.org/10.5902/2236499421491
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, p. 10) aponta que esses fatores

[...] concorreram para a implementação de uma agricultura moderna, capaz de atender às demandas a nível nacional e internacional, tendo como os principais sujeitos os sulistas, que de certa forma, já dispunham de conhecimentos técnicos adquiridos em suas regiões de origem.

A RGI de Barreiras faz parte da região do MATOPIBA (acrónimo que designa uma extensão geográfica formada pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), situada ao norte do Cerrado brasileiro. A região do MATOPIBA trabalha, predominantemente, com o cultivo de grãos, sendo a soja o principal produto de exportação, tendo a região oeste da Bahia como maior produtor desse grão (SEI, 2017). A Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (RSJDH) e a ActionAid (2017) retratam que a alta concentração de terras nessa região deve-se, entre outros fatores, ao preço da terra que se mostra crescente.

Somado a esta condição Freitas, Rossini e Queirós (2014FREITAS, E. P. de; ROSSINI, R. E.; QUEIRÓS, M. O poder das empresas transnacionais sobre o território brasileiro: reflexões a partir do sector sucroenergético. XIII Colóquio Internacional de Geocrítica: El control del espacio y los espacios de control Barcelona, 2014. Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/coloquio2014/Elisa%20Pinheiro%20de%20Freitas.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2020.
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), apontam que a aquisição de terras, para fins agrícolas, por estrangeiros, na região do MATOPIBA, também constitui um fator explicativo para a alta concentração de terras. De acordo os autores, empresas da Holanda, dos EUA e do Reino Unido atuam no mercado de terras e na produção de grãos na região baiana pertencente ao MATOPIBA. Dessa maneira, esse cenário apresenta uma situação de risco aos pequenos produtores que, dentre outras razões, não conseguem competir com o agronegócio e, muitas vezes, acabam sendo privados do acesso à terra pelo seu alto valor de especulação, resultando em uma estrutura fundiária concentrada.

Ainda de acordo com os dados verifica-se que a maior parte dos municípios baianos está inserida na classificação forte a muito forte em ambos os anos estudados (Figura 2). Entretanto, houve uma moderada diminuição no número de municípios que apresentam esta classificação, passando de 297 em 2006 para 230 em 2017, com um aumento de quase 40% de municípios inseridos na classificação anterior (concentração de média a forte). Dessa forma, nota-se, espacialmente, uma diminuição da concentração no estado, ressaltando os municípios da RGI de Guanambi que compõem o ranking dos 10 menores valores do IG em 2017 (Tabela 2).

A maioria desses municípios encontra-se no semiárido baiano, (região central do estado que abrange, além da RGI de Guanambi, as RGIs de Vitória da Conquista, Feira de Santana, Irecê Juazeiro e Paulo Afonso).

De acordo com o Instituto Nacional do Semiárido - INSA (2017), o semiárido possui uma extensão territorial de 445.613 km², quase 79% dele encontra-se no estado da Bahia. Dos 417 municípios baianos, 278 estavam inseridos nesse espaço, abarcando metade da população do estado, e que, conforme Barbosa (2016BARBOSA, C. R. Pobreza rural sob a ótica multidimensional e estrutura fundiária: uma análise do Estado da Bahia. Dissertação (Mestrado em Economia Regional e Políticas Públicas) - Ilhéus: UESC. 2016.), comporta o maior número de estabelecimentos familiares da Bahia. Em 2017, por exemplo, existiam 591.213 estabelecimentos (aproximadamente 78% do total de estabelecimentos agropecuários da Bahia) (IBGE, 2018).

No semiárido há irregularidade de chuvas, o que a torna uma região de aridez, como aponta Baptista e Campos (2013BAPTISTA, N. Q.; CAMPOS, C. H. Caracterização do Semiárido Brasileiro. In: CONTI, I. L.; SCHROEDER, E. O. (Coord.). Convivência com o Semiárido Brasileiro: autonomia e protagonismo social. Brasília: IABS, 2013. p. 45-50.). Este fator somado ao fraco dinamismo, expõe um ambiente de frágil sistema de armazenamento de água, o qual não foi capaz de superar tal situação para transformar a condição socioeconômica da população que vive na área rural.

Ademais, o poder público tem concentrado sua atuação do combate à seca na região semiárida por meio da construção de grandes obras de impacto, a exemplo da transposição das águas do rio São Francisco, da construção de açudes e da implementação de grandes programas de agricultura irrigada. Entretanto, são os grandes e médios agricultores que tem sido o público atendido prioritariamente por esses programas, favorecendo a implantação de agricultura irrigada modernizada e excluindo a maioria da população desse processo (BARBOSA, 2012BARBOSA, M. S. A percepção de agricultores familiares e formuladores de políticas: o reuso da água no semiárido baiano. Tese (Doutorado em Administração) - Salvador: UFBA. 2012.).

Nesta direção, entende-se que, mesmo que esta região apresente uma pequena diminuição da concentração de terras em alguns municípios, entretanto, sua estrutura fundiária ainda é concentrada. Sob essa condição, a região semiárida carece de políticas de promoção ao desenvolvimento rural adequadas as suas particularidades e que visem considerar a satisfação de um conjunto de requisitos de bem-estar e qualidade de vida, somados à integração dos mercados regionais e nacionais por meio do aumento da produtividade dos pequenos agricultores (FURTADO, 1959FURTADO, C. Operação Nordeste. Rio de Janeiro: MEC, 1959.).

De acordo com Oliveira (2013OLIVEIRA, I. F. Semiárido baiano: a dinâmica contraditória do desenvolvimento. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Regional e Urbano) - Salvador: UNIFACS, 2013.), nessa região, predominam a pecuária extensiva e as atividades agropastoris de subsistência desde meados do século XIX, considerada atividade mais fácil para adentrar nas caatingas do sertão. Apesar da importância na ocupação do território, essa atividade era secundária, servindo de “suporte” a atividade açucareira, viabilizando o abastecimento, sobretudo de carne, aos engenhos. Contudo a sua relevância ainda está presente em todo o semiárido brasileiro, visto que quase 40% de toda a área dos estabelecimentos agropecuários, em hectares, possuem pastagens, e na Bahia esse percentual chega a quase 45% (INSA, 2017).

Historicamente, o semiárido não tinha "status" de região de atratividade para o capital, especialmente pelas condições climáticas, caracterizadas por baixos índices pluviométricos, e de difícil acesso e escoamento da produção, diferentemente das regiões litorâneas de clima mais ameno e facilidades para escoamento da produção, e também de maior contingente populacional (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, I. F. Semiárido baiano: a dinâmica contraditória do desenvolvimento. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Regional e Urbano) - Salvador: UNIFACS, 2013.).

Nesse processo de desenvolvimento da Bahia, “restou” à agricultura familiar pouco capitalizada, os solos mais áridos para as atividades agropastoris, como o sertão baiano. Assim, de acordo com Sampaio (2008SAMPAIO, M.G.V. Reflexões sobre o processo histórico de subdesenvolvimento econômico do semi-árido baiano. Bahia Análise & Dados, v.18, n.2, p.211-222, 2008.) essas atividades ocupavam pequenas áreas, preferencialmente nas beiras dos rios, ou como apontado por Oliveira (2013OLIVEIRA, I. F. Semiárido baiano: a dinâmica contraditória do desenvolvimento. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Regional e Urbano) - Salvador: UNIFACS, 2013.), em extenso latifúndio pertencente à aristocracia rural, e uma posição secundária no processo de industrialização da Bahia, ficando à margem dos recentes polos dinâmicos da economia baiana.

Quanto à RGI de Ilhéus -Itabuna, a maioria de seus municípios possui concentração de forte a muito forte tanto em 2006 como em 2017, com pequena diminuição da concentração no ano de 2017. Segundo Pedreira (2004PEDREIRA, M. da S. Complexo florestal e reconfiguração do espaço rural: o caso do extremo sul baiano. Bahia Análise & Dados, v. 13, n. 4, p. 1005-1018, 2004.), parcela significativa do crescimento das atividades agropecuárias dessa região, especialmente no Extremo Sul nos anos 1980, se deu pela ocupação de áreas de matas e florestas naturais, “viabilizado” pelo desmatamento da vegetação natural local.

As facilidades de transporte rodoviário, a existência de terras de baixo valor, os incentivos dos governos estadual e federal e as altas potencialidades naturais da região foram atraindo para lá diversos agentes econômicos, tais como madeireiros, pecuaristas, agricultores, empresas reflorestadoras e, por fim, as indústrias do setor de celulose e papel (PEDREIRA, 2004PEDREIRA, M. da S. Complexo florestal e reconfiguração do espaço rural: o caso do extremo sul baiano. Bahia Análise & Dados, v. 13, n. 4, p. 1005-1018, 2004., p. 1008-1009).

Esses fatores que compõem a ocupação desse território podem estar associados à tendência de intensificação do grau de concentração de terras no Extremo Sul, demonstrada por Oliveira, Oliveira e Araújo (2007OLIVEIRA, G. G. de; OLIVEIRA, K. L.; ARAÚJO, L. G. Reconfiguração da estrutura fundiária no extremo sul da Bahia após intensificação da atividade silvícola. In: Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, XLV, 2007, Londrina. Anais... Londrina: UEL, 2007.). Ademais, o alto índice desta concentração, observado na Figura 2, pode ser explicado, em parte, pelas atividades agrícolas desenvolvidas na região. Sobre isso, Santos et al. (2014), salientam que a presença de monocultivos tradicionais, seja na lavoura permanente ou temporária, geralmente, exigem extensas faixas de terra, a exemplo do cacau, do café e da cana de açúcar, sendo que esta última chega a ocupar 77% de toda a área plantada.

Conforme Carvalho e Bajay (2006CARVALHO, C. B. de; BAJAY, S. V. O setor agropecuário no estado da Bahia: perspectivas econômicas e intensidade energética. Encontro de Energia no Meio Rural, 6, 2006, Campinas. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000022006000200018&script=sci_arttext>. Acesso em: 20 set. 2018.
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), destaca-se ainda a expansão da silvicultura, motivada pela chegada de empreendimentos do setor de papel e celulose atraídos pelas condições edafoclimáticas favoráveis da região como precipitação pluviométrica, condições de solo e insolação. Entretanto, este movimento da configuração agropecuária da Bahia, através da intensificação da atividade silvícola, denota um paradoxo entre o crescimento do emprego na zona urbana e seus efeitos negativos as pequenas unidades produtoras familiares. Alguns desses efeitos se materializam na concentração de terras, substituição de lavouras tradicionalmente desenvolvidas na região, diminuição da população rural, aumento dos conflitos sociais no campo, devastação da Mata Atlântica e implantação de grandes maciços florestais (OLIVEIRA; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2007OLIVEIRA, G. G. de; OLIVEIRA, K. L.; ARAÚJO, L. G. Reconfiguração da estrutura fundiária no extremo sul da Bahia após intensificação da atividade silvícola. In: Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, XLV, 2007, Londrina. Anais... Londrina: UEL, 2007.).

Quanto à área ao norte da RGI de Ilhéus - Itabuna, que abrange, principalmente o território de identidade Litoral Sul, alguns aspectos de sua formação histórica auxilia a compreender a atual concentração de terras ali existente. Historicamente, vários fatores geraram uma estrutura agrária concentradora nessa região, como, por exemplo, a migração do capital proveniente do Nordeste do país para a região cacaueira da Bahia, sul do estado. Esse descolamento do capital propiciou o aumento das áreas com cacau na Bahia, beneficiando produtores mais capitalizados (ROCHA, 2008ROCHA, L. B. A região cacaueira da Bahia - dos coronéis à vassoura-de-bruxa: saga, percepção, representação. Ilhéus: Editus, 2008.).

No final dos anos de 1980, a atividade cacaueira entra em colapso por conta de diversos fatores, dentre os mais relevantes a disseminação da doença conhecida como vassoura de bruxa (Moniliophtera perniciosa) e queda de preço do cacau no mercado internacional. Apesar da relevância econômica e social, essa crise, pouco efeito teve sobre a desconcentração de terras. No entanto, muitos produtores para se capitalizar, começaram a vender terras, enquanto outros tantos resistiam a isso, em função do “capital imobilizado” representado pelo cacaual. Assim, para se capitalizarem, inúmeros produtores procuraram diversificar a produção, implantando sistemas consorciados de cultivos como cacaueiro-seringueira dentre outros arranjos produtivos.

Ademais, a fim de reduzir os custos com mão de obra passou-se a adotar a parceria (conforme o Estatuto da Terra (s1964), art. 96, VI, contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividades ligadas a exploração agrícola) nas áreas com cacau. O emprego do sistema de parceria no cacau foi uma forma de “socializar” os prejuízos decorrentes da crise que se instalou na região sul da Bahia, o que permitiu ao proprietário da terra minimizar suas perdas, porém às “custas” de grande pobreza no meio rural. Entretanto, sob condições de preços mais remuneradores, os produtores não “socializam” os ganhos, e novamente o trabalhador e sua família não participam desse excedente de capital (SANTOS et al., 2014).

Espacializando o IG a partir do Índice de Moran local, é possível identificar formação de clusters da estrutura fundiária na Bahia, formados por municípios internamente homogêneos com altos ou baixos valores do IG (Figura 4).

Figura 4
Aglomerações espaciais para concentração de terra dos municípios do estado da Bahia em 2006 e 2017, de acordo com a técnica de Moran Local

Nota: A técnica de Moran apresenta a formação de clusters, através de associações espaciais do tipo alto-alto (AA) - manchas em vermelho -, para municípios em pior situação relativa a esse fator, ou baixo-baixo (BB) - manchas em azul-escuro -, para municípios em melhor situação cercados de semelhantes. As outras duas situações possíveis são destacadas em azul-claro, para municípios em melhor situação relativa cercados por outros em situação mais precária, alto-baixo (AB), e em vermelho claro, para municípios em pior situação cercados por aqueles em situação relativamente mais favorável, baixo-alto (BA) (SEI, 2014).

Verifica-se na formação dos clusters mais expressivos, a RGI de Barreiras, tanto em 2006 como em 2017, ratificando a força do agronegócio nesta região (Figura 4). Além de demonstrar um aglomerado de forte concentração que abrange as RGIs de Salvador, Feira de Santana e Santo Antônio de Jesus. Quanto à RGI Ilhéus - Itabuna, no ano de 2006 e 2017, essa apresentou cluster baixo-baixo e outra alto-baixo (municípios em pior situação cercados por aqueles em melhor situação relativa) mais ao norte, exibindo uma nova e maior região de cluster alto-alto ao sul da região em 2017.

Percebe-se ainda uma configuração semelhante entre os anos de 2006 e 2017 na formação dos agrupamentos espaciais para concentração de terra dos municípios do estado da Bahia. Conquanto, a região que abrange, em sua maior parte, as RGIs de Guanambi e Vitória da Conquista, situadas, em sua maioria na região Semiárida da Bahia, aglomera valores mais baixos do IG em 2006 e 2017, confirmando o exposto na Figura 2.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estado da Bahia possui características históricas marcantes quanto à evolução de sua estrutura fundiária, denotando uma expressiva desigualdade quanto à posse e ao uso de terras para fins agropecuários. Este fato pôde ser confirmado pelo IG terra nos anos de 2006 e 2017 que identificou um alto grau de concentração da terra na maioria dos municípios baianos, apesar de pequena diminuição da concentração de forte a muito forte do ano de 2006 para 2017.

O perfil fundiário concentrador da Bahia se manifesta de forma bastante heterogênea espacialmente, apresentando a formação de clusters regionais de alta concentração de terra (no oeste, extremo sul e em partes da Região Metropolitana de Salvador e do Recôncavo) e clusters de menor concentração de terra, especialmente no semiárido do estado.

Pode-se notar que o tipo de cultivo, o local de produção e o tipo de mão de obra empregada parecem afetar o grau da concentração fundiária, explicitando assim a relevância de fatores socioeconômicos, ambientais e, sobretudo, históricos para explicar o processo de alta concentração de terras na Bahia. Esse fator histórico permite-nos refletir sobre a necessidade de se delinear políticas que possibilitem "quebrar" esse círculo vicioso da distribuição de terras no estado. Ademais, a heterogeneidade observada na estrutura fundiária da Bahia revela a necessidade de medidas de política que considerem as especificidades locais, a dinâmica e a infraestrutura existente, a fim de atingir melhor distribuição de terras.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2019
  • Aceito
    13 Mar 2020
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