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Fatores a serem observados na criação de Áreas Protegidas: o caso do Parque Nacional do Descobrimento (Prado/BA)

Resumo

A criação de áreas protegidas é um dos mecanismos encontrados para garantir a proteção da biodiversidade frente às constantes e crescentes ameaças. Neste estudo buscou-se analisar conceitos da Biologia da Conservação e sua aplicação na criação e ampliação do Parque Nacional do Descobrimento/BA, a partir da coleta de dados primários e secundários sobre a UC bem como a utilização de ferramentas de geoprocessamento. A criação da UC foi guiada basicamente pela oportunidade de aquisição da área, sendo que grandes oportunidades para a conservação da biodiversidade na região foram desconsideradas no processo. Discute-se também o grau de confiabilidade dos instrumentos de planejamento da UC bem como situações envolvendo a inserção da mesma na Zona de Amortecimento.

Palavras-Chave:
Biologia da Conservação; Manejo de Parques; Conservação da Biodiversidade

Abstract

The creation of protected areas is one of the most useful strategies for protecting biodiversity against constant and growing threats. Accordingly, the aim of the present study was to analyze conservation biology concepts and assess their application to the creation and expansion of Descobrimento National Park (Bahia, Brazil) by using primary and secondary data and geoprocessing tools. The creation of the protected area was basically guided by the opportunity to acquire the area, and great opportunities for biodiversity conservation in the region were disregarded in the process. The reliability of the planning tools of the conservation unit are discussed, as are the situations involving their application in the buffer zone.

Keywords:
Conservation biology; Park management; Biodiversity Conservation

Introdução

A criação de áreas protegidas tem sido utilizada como estratégia global para garantir níveis satisfatórios de conservação da biodiversidade, sendo um processo em que pesam diversas variáveis, desde aquelas relacionadas a biologia da conservação quanto àquelas de oportunidades (PÁDUA; CHIARAVALLOTI, 2012PÁDUA, C. V.; CHIARAVALLOTI, R. M. Biodiversidade e áreas protegidas. In: Áreas Protegidas / Fundo Vale. 1a ed. Rio de Janeiro. RJ. 2012. Available at <http://www.fundovale.org/wp-content/uploads/2016/02/fundo-vale_areas-protegidas_final.pdf>. Access at Apr 10, 2017.
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).

A implantação e implementação de Unidades de Conservação tem ocorrido embasada em diferentes teorias ao longo do tempo, a exemplo de serem limitadas a pequenas escalas e concentradas em determinadas espécies específicas (WELNER, 1995); priorização na preservação de habitats, garantindo a sobrevivência de diversos táxons (MARGULES et al., 1981MARGULES, C.; USHER, M. B. Criteria used in assessing wildlife conservation potential: a review. Biological Conservation., v. 21. 1981. https://doi.org/10.1016/0006-3207(81)90073-2
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); identificação e priorização de hotspots, locais que abrigam alta diversidade biológica e que estão sob forte ameaça de destruição (MYERS et al., 2000MYERS, N.; MITTERMEIER, R. A.; MITTERMEIER, C. G.; DA FONSECA, G. A.B.; KENT, J. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature, v. 403. 2000. https://doi.org/10.1038/35002501
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), e mesmo associado à diversidade filogenética como uma estratégia mais focada na priorização de investimentos que garantam a manutenção de comunidades e ecossistemas diversificados de forma a garantir um efetivo suprimento de serviços ecossistêmicos a nível global (CADDOTE; DAVIES, 2010; SRIVASTAVA et al., 2012).

Neste contexto, o Governo Federal criou em 1999 no Extremo Sul da Bahia os Parques Nacionais do Pau Brasil (município de Porto Seguro) e do Descobrimento (município de Prado) em alusão às comemorações dos 500 anos da chegada dos Portugueses ao litoral baiano. As duas áreas foram adquiridas da Empresa Brasil Holanda, tidas como de extrema importância biológica para conservação da biodiversidade (MMA, 2000; BRASIL, 1999).

O Parque Nacional do Descobrimento - PND, é formado por grande extensão de floresta ombrófila densa, abrigando rica biodiversidade (ICMBio, 2014). Sua importância para a conservação da biodiversidade, tanto a nível local quanto a nível regional já foi demonstrada em diversos estudos (DOMINGUES, 2000DOMINGUES, J. M. L. (org). Projeto Costa do Descobrimento: avaliação da potencialidade mineral e subsídios ambientais para o desenvolvimento sustentado dos municípios de Belmonte, Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro e Prado. Salvador, CBPM, p.163. 2000. Available at <http://rigeo.cprm.gov.br/jspui/bitstream/doc/5165/1/rel_costa_redesc_infra.pdfhttp://rigeo.cprm.gov.br/jspui/bitstream/doc/5165/1/rel_costa_redesc_infra.pdf>. Access at Apr 10, 2017.
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; MARCHIORO, 2003MARCHIORO, G. B.; NUNES, M. A. Avaliação de impactos da exploração e produção de hidrocarbonetos no Banco dos Abrolhos e adjacências. (G.F DUTRA; R. L MOURA, eds). Conservation International Brasil. Caravelas. 2003. Available at <https://www.conservation.org/global/brasil/publicacoes/Documents/Megadiversidade_abrolhos.pdf>. Access at Apr 10, 2017.
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). Entretanto, a região é alvo de fortes interferências antrópicas que impactam negativamente a biodiversidade, a exemplo da caça, desmatamento, fogo, invasão, uso e ocupação desordenada do entorno. Estas pressões têm colocado em xeque a efetividade desta área protegida (PONTES JUNIOR, 2016).

Neste trabalho objetivamos analisar o processo de criação do Parque Nacional do Descobrimento, buscando especificamente identificar se conceitos chave da biologia da conservação foram levados em conta no processo decisório de sua criação. O estudo pretende contribuir com a discussão sobre a efetividade das áreas protegidas na conservação da biodiversidade bem como pretende ampliar os debates acerca dos processos de criação destas áreas.

Material e Métodos

Área de estudo

A pesquisa foi direcionada para a área do Parque Nacional do Descobrimento - PND e sua zona de Amortecimento, localizada no município de Prado/BA (Figura 1).

Definiu-se como universo da análise as variáveis: geologia, tamanho, forma, qualidade do fragmento florestal, inserção na paisagem, representatividade de ecossistemas, plano de manejo e zona de amortecimento. Para avaliar estas variáveis utilizou-se o software ArcGis 10.3 para cálculo de distâncias, áreas e perímetros bem como para identificação das UCs e outros fragmentos florestais, hidrografia, estradas e demais elementos da paisagem. Para tanto foram utilizados arquivos shapefile dos atributos acima destacados, sendo a fonte dos mesmos arquivos pessoais dos autores bem como no site do órgão gestor da UC.

Figura 1
localização do Parque Nacional do Descobrimento. Fonte: elaborada pelos autores.

Também foi utilizada a extensão Patch Analyst, do software ArcGis para o cálculo das métricas da paisagem, sendo estas caracterizadas conforme Metzger (2001METZGER, J. P. O que é ecologia de paisagens? Revista Biota Neotropica, v. 1, n. 1. 2001. https://doi.org/10.1590/S1676-06032001000100006
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). O programa Trackmaker foi utilizado para acessar dados obtidos com uso de aparelho GPS, a exemplo do traçado das estradas e trilhas internas do PND.

Como base das análises, foi utilizada imagem da base de dados do software ArcGis, tendo sido utilizado para o georreferenciamento o Sistema de Coordenadas Geográficas, Datum SYRGAS 2000.

Resultados e Discussão

Geologia

A proteção das características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, palentológica e cultural é também um dos objetivos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, conforme determinado no art. 4o da Lei 9.985/2000.

Neste contexto, é interessante destacar que no Extremo Sul da Bahia, limite meridional do cráton São Francisco, a paisagem hoje conhecida foi moldada por uma série de transformações envolvendo erosão do complexo kingzítico, onde são remanescentes o Monte Pascoal e a Serra da Gaturama, (MARTIN et al., 1980MARTIN, L.; BITTENCOURT, A. C. S. P.; VILAS BOAS, G. S. Mapa Geológico do Quaternário Costeiro do Estado da Bahia, escala 1: 250.000. CPM/SME, Salvador, Bahia, Brasil. 1980. Available at <https://www.researchgate.net/profile/Jean_Flexor/publication/282166015_Mapa_geologico_do_quaternario_costeiro_do_estado_da_Bahia_escala_1250_000_texto_explicativo/links/58359a7008ae004f74cc6e22/Mapa-geologico-do-quaternario-costeiro-do-estado-da-Bahia-escala-1-250-000-texto-explicativo.pdf>. Access at Apr 10, 2017.
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).

Conforme Domingues (2000DOMINGUES, J. M. L. (org). Projeto Costa do Descobrimento: avaliação da potencialidade mineral e subsídios ambientais para o desenvolvimento sustentado dos municípios de Belmonte, Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro e Prado. Salvador, CBPM, p.163. 2000. Available at <http://rigeo.cprm.gov.br/jspui/bitstream/doc/5165/1/rel_costa_redesc_infra.pdfhttp://rigeo.cprm.gov.br/jspui/bitstream/doc/5165/1/rel_costa_redesc_infra.pdf>. Access at Apr 10, 2017.
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), a erosão do complexo kinzigítco e a lenta deposição destes sedimentos é que deu origem aos tabuleiros costeiros do grupo barreiras, cujos sedimentos de características arenosas recobrem o embasamento cristalino em uma espessura média de 70 metros na região de Cumuruxatiba.

Nestes tabuleiros foi sendo moldada a hidrografia, que foi escavando o terreno, sendo afetada pela transgressão ou regressão marítima causada pelos períodos de alternância entre glaciações e períodos de temperaturas mais elevadas, fato este que moldou a formação de falésias e o surgimento dos recifes de corais, além do direcionamento oeste-leste dos rios (MARTIN et al, 1980MARTIN, L.; BITTENCOURT, A. C. S. P.; VILAS BOAS, G. S. Mapa Geológico do Quaternário Costeiro do Estado da Bahia, escala 1: 250.000. CPM/SME, Salvador, Bahia, Brasil. 1980. Available at <https://www.researchgate.net/profile/Jean_Flexor/publication/282166015_Mapa_geologico_do_quaternario_costeiro_do_estado_da_Bahia_escala_1250_000_texto_explicativo/links/58359a7008ae004f74cc6e22/Mapa-geologico-do-quaternario-costeiro-do-estado-da-Bahia-escala-1-250-000-texto-explicativo.pdf>. Access at Apr 10, 2017.
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).

Domingues (2000DOMINGUES, J. M. L. (org). Projeto Costa do Descobrimento: avaliação da potencialidade mineral e subsídios ambientais para o desenvolvimento sustentado dos municípios de Belmonte, Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro e Prado. Salvador, CBPM, p.163. 2000. Available at <http://rigeo.cprm.gov.br/jspui/bitstream/doc/5165/1/rel_costa_redesc_infra.pdfhttp://rigeo.cprm.gov.br/jspui/bitstream/doc/5165/1/rel_costa_redesc_infra.pdf>. Access at Apr 10, 2017.
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) relata que ocorreram movimentos neotectônicos, a exemplo de rebaixamento de blocos inteiros de rochas (graben/fossa tectônica), resultado de falhas geológica paralelas, originando vales largos e profundos, com talvegues chatos por onde os rios drenam através de meandros (como é o caso do vale do Jucuruçu) ou daqueles que resultaram de movimentação devido a falhamentos da estrutura pré-cambriana, a exemplo da falha Salto da Divisa - Barra do Cahy, cujo processo alterou fortemente a orientação da hidrografia na área afetada. Tais falhas geológicas estão indicadas como uma linha vermelha tracejada na figura 1.

No contexto acima, é importante destacar o papel dos geoparques, sob a tutela da UNESCO, que representam uma nova estratégia de conservação. Esta estratégia conjuga a geoconservação com o desenvolvimento sustentável das populações que a habitam, tendo sempre em foco as interrelações com o restante do patrimônio natural e cultural. Conforme Rocha et al., (2017), existem no mundo 87 geoparques. Embora haja apenas um geoparque no Brasil, o Geoparque Araripe, há indicativos da criação de uma rede nacional de geoparques, sendo uma oportunidade a mais a ser pensada para a região em estudo.

Tamanho

O Parque Nacional do Descobrimento foi criado em 1999 com área de 21.149 hectares (BRASIL, 1999). Posteriormente, em 2012, teve sua área ampliada para 22.693,97 hectares (BRASIL, 2012). Ocorrem justapostas a seus limites dezenove Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPN, criadas entre 2008 e 2014, abrangendo juntas uma área de 4.563,54 hectares (PONTES JUNIOR, 2016).

Assim, somando-se a área do PND e das RPPNs, tem-se que 27.257, 51 hectares de Mata Atlântica encontram-se protegidos legalmente na região. Para além das Unidades de Conservação, existem ainda outros tipos de proteção legal associados ao fragmento florestal, sendo as Reservas Legais e as Áreas de Preservação Permanente das propriedades adjacentes à unidade, abrangendo cerca de 4.000 hectares (ALMEIDA et al, 2006ALMEIDA, D. S.; NUNES, B. G.; COUTO, P. G. ARAÚJO, R. P.; RIOS, R. Rede de Reservas Particulares Interligadas do entorno do Parque Nacional do Descobrimento. Proposta da Ameparna para conservação ambiental do entorno do Parque Nacional do Descobrimento. Prado. Bahia. 2006. Available at: <https://vdocuments.com.br/alternativas-entorno-1.html>. Access at Apr 10, 2017.
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). Tem-se com isto que a área legalmente protegida pelo PND e demais UCs e outros institutos jurídicos é da ordem de 30.000 hectares (Figura 1).

Áreas com tamanho superior a 20.000 hectares possuem potencial para sustentar populações viáveis (número estimado de 500 indivíduos) de espécies de mamíferos com peso superior a 1 kg (CHIARELLO, 2000CHIARELLO, A. G. Influência da caça ilegal sobre mamíferos e aves das matas de tabuleiro do norte do estado do Espírito Santo. Bol. Mus. Biol. Melo Leitão, 11/12. 2000.). Porém, para a persistência de grandes mamíferos (maior do que 50 kg), as áreas protegidas deveriam ser de no mínimo 100.000 hectares (REDFORD et al., 1991; TERBORG, 1992; NEWMARK, 1995NEWMARK, W. D. Extinction of mammal populations in western north-american national parks. Conservation Biology, v. 9. 1995. https://doi.org/10.1046/j.1523-1739.1995.09030512.x
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; PAVIOLO et al., 2009).

Por este critério, a área do PND e RPPNs lindeiras é satisfatória para conservação de parte da biodiversidade ali alocada, sendo obrigatório a adoção de estratégias alternativas para assegurar níveis satisfatórios de proteção ambiental, a exemplo de criação de novas áreas protegidas, implementação de corredores ecológicos e ordenamento das atividades produtivas na Zona de Amortecimento.

Forma

O desenho da Unidade de Conservação, com várias áreas prolongadas para a matriz do entorno, é responsável pela grande extensão do perímetro, que no ato de sua criação era de 157 km, tendo diminuído para 156,59 km com a ampliação da área. Fragmentos com desenhos alongados, perímetros recortados ou com inclusões da matriz envolvente na área natural possuem menor biodiversidade do que fragmentos mais circulares (HELZER et al., 1999HELZER, C. J.; JELINSK, D. E. The relative importance of patch area and perimeter-area ratio to grassland breeding birds. Ecological Applications, v. 9, n. 4. 1999. https://doi.org/10.2307/2641409
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; WILLIANS et al., 2005).

Tal fato advém da constatação de que a forma geométrica mais apropriada para o desenho de áreas protegidas é a circular, dado que tal figura apresenta a menor relação perímetro/área. A forma arredondada resulta em uma maior área central (área core), que é a área que sofre menos interferência da matriz circundante, possibilitando a existência de um ambiente mais propício para conservação da biodiversidade (DIAMOND, 1975DIAMOND, J. M. The island Dilemma: lessons of modern biogeographic studies for the design of nature reserves. Biological Conservation, v. 7. 1975. https://doi.org/10.1016/0006-3207(75)90052-X
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).

No caso do PND, o cálculo da área core, aqui identificada como áreas afastadas a 100 metros das bordas (PAULA et al., 2016), através do software ArcGis, indica uma área de 22.299,82 hectares, denotando uma perda de 394 hectares (quase 2% da área da UC) para a efetiva proteção a biodiversidade.

Tal situação exige rever o planejamento do uso da terra nas áreas lindeiras a UC, seja através de alteração de limites visando aumentar a área protegida ou através de manejo de atividades agrosilvopastoris no entorno imediato, privilegiando aquelas que possibilitam menor impacto na conservação da biodiversidade, como no caso da implantação de sistemas agroflorestais com manejo orgânico nos ambientes de borda em detrimento de pastagens ou culturas manejadas de forma tradicional.

Relação Perímetro/área

A relação da área da UC e de seu perímetro possui grande importância para a preservação da biodiversidade, pois relaciona-se diretamente ao efeito de borda, um processo ecológico relacionado a alteração das condições ambientais nas áreas de borda que passam a ter maior incidência solar e vento, diminuição da umidade do solo, maior contato com a matriz envolvente (TABARELLI et al., 2008). Tal processo afeta diretamente a biota, favorecendo espécies generalistas e oportunistas e desfavorecendo espécies especialistas em ambientes de mata fechada (TABARELLI et al., 2012).

A relação perímetro /área do PND demonstra que para cada hectare da UC existem cerca de 7 metros de borda, indicando que o desenho da UC, por não se aproximar do formato circular, não é apropriado, dado que a relação ideal de perímetro/área é próximo de três, aludindo ao formato de um círculo.

Desta forma, para que o desenho da UC fique mais arredondado, seria necessário dobrar a área da UC, abrangendo terras entre as prolongações de seus limites na paisagem. Com tal aumento da área, a relação do perímetro do PND (156, 59) com a área protegida aumentada pelo dobro (45.386 ha) seria de 3,45, próximo da constante π, de valor aproximado 3,14 (CARVALHO, 2011CARVALHO, S. P. A área e o perímetro de um círculo. 1o Colóquio da Região Sudeste. Universidade Federal de Minas Gerais. 2011. Available at: <https://www.sbm.org.br/docs/coloquios/SE-1.02.pdf>. Access at Apr 10, 2017.
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).

Ecossistemas abrangidos

O PND foi criado com área de 21.149 hectares em um fragmento florestal de mais de 30.000 hectares, abrangendo basicamente a fitofisionomia tabuleiros costeiros cobertos por floresta ombrófila densa. Seus limites são rumos traçados no interior da floresta separando-a das outras propriedades florestadas.

Em seu interior existem consideráveis áreas degradadas e pequenas manchas de muçununga, um ecossistema caracterizado como sendo associado às florestas ombrófilas densas do Sul da Bahia, sob solo arenoso e hidromórfico (MEIRA NETO et al., 2005MEIRA NETO, J. A. A.; SOUZA, A. L.; LANA, J.; VALENTE, G. E. Composição florística, espectro biológico e fitofisionomia da vegetação de muçununga nos municípios de Caravelas e Mucuri/Bahia. Revista Árvore, v. 29, n. 1. 2005. https://doi.org/10.1590/S0100-67622005000100015
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). No entorno imediato ao PND existem diversos fragmentos de Mata Atlântica em estágio avançado de regeneração, florestas altimontanas, grandes áreas de muçununga, restinga, manguezais e mesmo recifes de corais.

Assim sendo, há forte indicativo de que o fator motivador da criação da UC não esteve baseado apenas em critérios da Biologia da Conservação, mas levou em conta principalmente a oportunidade apresentada pela empresa Brasil Holanda de Indústria S/A ao Governo Federal para a aquisição da área de sua propriedade, a Fazenda Bralanda Hum (PONTES JUNIOR, 2016).

Desconsiderou-se diversas oportunidades de conservação da biodiversidade representadas pela possibilidade de aferir proteção a diferentes ecossistemas presentes na paisagem, situação onde poderia ter sido vislumbrado a criação de um mosaico de Unidades de Conservação na área, garantindo tanto a preservação ambiental quanto o desenvolvimento da região.

Neste sentido, o próprio Parque Nacional do Descobrimento poderia ter sido criado abarcando todo o fragmento florestal onde o mesmo está inserido, incluindo grandes áreas de muçununga.

Já na região serrana, entre os Parques Nacionais do Descobrimento e Monte Pascoal caberia a criação de um Monumento Natural ou mesmo a oficialização do Corredor Ecológico, assim como na zona litorânea poderiam ser criados Refúgios da Vida Silvestre em áreas de restinga e mangue, dada a contínua ocorrência de espécies ameaçadas de extinção, a exemplo das tartarugas marinhas que buscam as praias da região para desovarem (ICMBio, 2014).

Também a Reserva Extrativista Marinha do Corumbau, Unidade de Conservação de Uso Sustentável cujos limites se justapõem aos da Zona de Amortecimento do PND, no litoral, poderia ser beneficiada com o processo de ampliação ao se ter áreas terrestres incluídas na mesma, garantindo a permanência do pescador na área que vem sofrendo intenso processo de especulação imobiliária (BUCCI, 2009).

Por fim, na costa litorânea poderiam ter sido criadas Unidades de Proteção Integral abrangendo os recifes de corais que vêm sofrendo com o turismo desordenado e pesca (MARCHIORO, 2003MARCHIORO, G. B.; NUNES, M. A. Avaliação de impactos da exploração e produção de hidrocarbonetos no Banco dos Abrolhos e adjacências. (G.F DUTRA; R. L MOURA, eds). Conservation International Brasil. Caravelas. 2003. Available at <https://www.conservation.org/global/brasil/publicacoes/Documents/Megadiversidade_abrolhos.pdf>. Access at Apr 10, 2017.
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).

As oportunidades de garantir maior proteção a biodiversidade na região também foram desconsideradas no processo de ampliação da UC, que se deu mais sobre áreas alteradas do que de áreas florestadas, transferindo os custos com a recuperação ambiental dos proprietários afetados para o ICMBio.

Insularidade

Através do Programa ArcGis com utilização da extensão Patch Analyst, foram identificados 65 fragmentos florestais, ocupando uma área de 14.773, 20 hectares na área entre os Parques Nacionais do Descobrimento e Monte Pascoal, que abrange 74.100 hectares. Isto indica que aproximadamente 20% da área entre estas duas Unidades de Conservação é coberta por fragmentos florestais (PONTES JUNIOR, 2016).

A fragmentação é apontada como uma das principais causas da perda de biodiversidade por levar ao surgimento de verdadeiras “ilhas de mata” cercadas por ambientes agropecuários, muitas vezes levando ao isolamento da área de mata com sérios prejuízos para a conservação da biodiversidade (TERBORGH, 1992; FAHRIG, 2003FAHRIG, L. Effects of habitat fragmentation on biodiversity. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics, v. 34. 2003. https://doi.org/10.1146/annurev.ecolsys.34.011802.132419
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; TABARELLI et al., 2005).

Nestas circunstâncias, as comunidades bióticas inseridas em fragmentos florestais pequenos e isolados podem ser muito mais afetadas pelos efeitos oriundos da fragmentação do que por fatores intrínsecos às comunidades, como predação e competição (CHIARELLO, 2000CHIARELLO, A. G. Influência da caça ilegal sobre mamíferos e aves das matas de tabuleiro do norte do estado do Espírito Santo. Bol. Mus. Biol. Melo Leitão, 11/12. 2000.).

Este isolamento, associado ao efeito de borda tem sido apontado por especialistas como fatores a serem levados em conta nos esforços para preservação da mata atlântica (TABARELLI et al., 2008). A análise de paisagens fragmentadas é fundamental para o estabelecimento de modelos de preservação e conservação da biodiversidade por determinar o grau de comprometimento ecológico da área (RIBEIRO et al., 2009).

Os maiores e mais bem preservados fragmentos florestais na área de estudo estão concentrados próximos a um maciço florestal à esquerda das unidades (PND e PNMP). Trata-se de um conjunto de serranias com grande relevância para a conservação da biodiversidade, dada o registro de espécimes raros da biota (ICMBio, 2014). Também contribui para a importância da área o fato de a mesma ser praticamente um corredor ecológico natural entre os Parques Nacionais do Descobrimento e Monte Pascoal.

Qualidade da mancha florestal

O Parque Nacional do Descobrimento não é composto exclusivamente por floresta ombrófila densa. Ao contrário, em seu interior existem 9.245 hectares de áreas em estágio inicial e médio de regeneração, que são oriundas de processos históricos de perturbação na área (PONTES JUNIOR, 2016).

Histórico de uso

O fragmento florestal onde hoje se insere o PND já apresentava inúmeras áreas desmatadas na década de 1970 por ocasião do processo de uso e ocupação feito por cerca de 80 propriedades, em fase anterior a aquisição da área pela empresa Brasil Holanda de Indústria S/A (PONTES JUNIOR, 2016).

Vários locais desmatados àquela época sobre áreas de muçununga persistem até hoje como áreas degradadas, aparentemente demonstrando um certo congelamento no processo de sucessão da vegetação nestes locais, situação também observada em muçunungas da região do Extremo Sul da Bahia por Meira-Neto et al. (2005), que relatam ser o fogo e pastejo os principais agentes impactantes da biodiversidade neste ecossistema peculiar.

A situação pode denotar que o nível de agressão tenha ultrapassado a resiliência do ecossistema, ou seja, a capacidade do ecossistema em retornar ao equilíbrio após o distúrbio. Neste caso, é necessária a interferência antrópica para reverter o quadro, através de técnicas de recuperação de áreas degradadas (RODRIGUES, 2013).

Extração seletiva

Contribui negativamente também para a qualidade da mancha florestal o fato de a empresa Brasil Holanda ter retirado oficialmente um volume de cerca de 300 mil metros cúbicos de madeira de determinadas espécies florestais de sua propriedade Fazenda Bralanda Hum (PONTES JUNIOR, 2016).

Estas áreas onde ocorreu a extração seletiva de madeira diferem substancialmente das áreas de floresta ombrófila densa, apresentando a vegetação aspectos de regeneração inicial e médio, sendo que em tais locais foi identificada a prevalência de espécies generalistas, não associadas a ambientes florestados, os quais são o objetivo da criação da Unidade de Conservação (PONTES JUNIOR, 2016; ICMBio, 2014).

Incêndios florestais

Outra fonte dos distúrbios que originaram as áreas degradadas no interior do PND foi a dos incêndios florestais. Destes, o que teve maior impacto foi o ocorrido ao final de 1994, que destruiu cerca de 19.000 hectares na região, sendo 7.000 hectares no interior da área da fazenda Bralanda Hum, posteriormente transformada no Parque Nacional do Descobrimento (PONTES JUNIOR, 2016).

Em anos posteriores ocorreram na Unidade de Conservação inúmeros outros incêndios de dimensões menores do que aquele de 1994, porém com efeitos tão deletérios para o ecossistema florestal como aquele. Através de dados dos boletins de registros de ocorrência de incêndios florestais da Unidade bem como através de análises de focos de calor registrado pelo INPE, calculou-se uma área de cerca de 2.000 hectares destruída desde a criação da UC, tendo muitos destes ocorridos sucessivamente nas mesmas áreas, tornando as condições para a regeneração ambiental bastante impróprias, resultando em grandes parcelas da UC cobertas por formação pioneira a bastante tempo (PONTES JUNIOR, 2016).

Vias internas

A qualidade da mancha florestal do PND também é afetada pelas vias internas existentes na UC, haja visto sua constituição e manutenção bem como a sua similaridade com as áreas alteradas por distúrbios diversos. Foi identificada a existência de 99,71 km de vias no interior do PND, todas construídas em fase anterior a criação da UC, possuindo uma largura média de 3 metros (PONTES JUNIOR, 2016).

Considerando um efeito de borda para vegetação de 100 m para cada lado (PAULA et al, 2016), tem-se uma largura constante de 0,20 km para as vias internas do PND, o que permite inferir uma área de 1.995 hectares (99,71 km de extensão multiplicado por 0,20 km de largura) que é afetada pela existência destas vias.

Tal valor corresponde a cerca de 10% da área da UC, porém o mesmo deve ser relativizado, uma vez que em vários pontos as mesmas atravessam áreas degradadas onde o efeito destas áreas sobre a biota deve ser maior do que a influência provocada pelas vias. Este efeito da área se sobrepondo ao efeito das trilhas e estradas foi observado por Santos et al. (2010).

Estradas e trilhas são associadas a facilitação de invasão por espécies exóticas (GELBARD et al., 2003GELBARD, J. L.; BELNAP, J. Roads as conduits for exotic plant invasions in a Semiarid Landscape. Conservation Biology, v. 17, n. 2. 2003. https://doi.org/10.1046/j.1523-1739.2003.01408.x
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; CHRISTEN et al., 2009CHRISTEN, D. C.; MATLACK, G. R. The habitat and conduit functions of roads in the spread of three invasive species. Biological Invasions, v. 11. 2009. https://doi.org/10.1007/s10530-008-9262-x
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; BARBOSA et al., 2010BARBOSA, N. P. U.; WILSON FERNANDES, G.; CARNEIRO, M. A. A.; JÚNIOR, L. A. C. Distribution of non-native invasive species and soil properties in proximity to paved roads and unpaved roads in a quartzitic mountainous grassland of southeastern Brazil (rupestrian fields). Biological Invasions, v. 12, n. 11, 2010. https://doi.org/10.1007/s10530-010-9767-y
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), entrada de pessoas e a prática de ilícitos ambientais nas áreas protegidas (CHIARELLO, 2000CHIARELLO, A. G. Influência da caça ilegal sobre mamíferos e aves das matas de tabuleiro do norte do estado do Espírito Santo. Bol. Mus. Biol. Melo Leitão, 11/12. 2000.), aterramento e separação de populações bem como criação de novos habitats, a exemplo do que ocorre com represamentos de cursos d’água, fato este que pode interferir diretamente nas populações de anfíbios, tanto pelo fato de este grupo possuir baixo poder de dispersão bem como pelo fato de preferir áreas mais úmidas (PONTES et al., 2013).

Considerando a influência das vias internas, as áreas sob algum grau de distúrbio no PND somam 11.240 hectares (9.245 hectares de áreas degradadas + 1.995 hectares de influência das vias). Isto é praticamente a metade da área protegida pelo PND (22.697,69 ha). Pelo exposto, cabe a gestão da UC avaliar a real necessidade de utilização de todas vias e trilhas no interior da área protegida ou se caberiam ações de fechamento e recuperação de algumas destas.

Participação em esforços regionais, nacionais e mundiais para Conservação da Biodiversidade

As Unidades de Conservação devem ser inseridas em todo contexto de diálogo que visa ao fortalecimento das estratégias para conservação da biodiversidade. A participação em rede é importante dado que a perpetuidade das condições de vida no planeta só persistirá se um conjunto de medidas forem tomadas a nível global, dentre elas a construção de uma rede de áreas protegidas.

Tal visão é facilmente percebida ao se destacar as condições transfronteiriças que envolvem as espécies, a exemplo da migração ou mesmo as condições climáticas, onde por exemplo a chuva que cai em determinada localidade é originária de outra região (NOBRE, 2014NOBRE, A. F. O futuro climático da Amazônia: relatório de avaliação científica. Patrocinado por ARA, CCST-INPE e INPA. São José dos Campos, Brasil. 2014. Available at <https://www.google.com/search?q=NOBRE+2014+RIOS+AMAZ%C3%94NICOS&oq=NOBRE+2014+RIOS+AMAZ%C3%94NICOS&aqs=chrome..69i57j33.15963j0j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8#>. Access at Apr 10, 2017.
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).

A Reserva da Biosfera é um destes modelos, criado dentro do Programa Homem e Biosfera da UNESCO, durante a década de 1970 e previstos na lei 9.985/2000, sendo o principal instrumento do referido programa, composto por uma rede mundial de áreas que têm por finalidade a pesquisa cooperativa, a conservação do patrimônio natural e cultural e a promoção do desenvolvimento sustentável.

A região do Extremo Sul da Bahia passou a compor a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no ano de 2000, durante a fase IV, tendo o Parque Nacional do Descobrimento sido inserido em todas discussões afetas ao tema, como no caso daquelas afetas ao Corredor Central da Mata Atlântica, com grande importância para financiamentos externos advindos do Programa Corredores Ecológicos, que foi responsável, dentre outras atividades, por financiar o Plano de Manejo da UC; as reuniões e oficinas para criação do Conselho Consultivo e aporte de recursos materiais, a exemplo de veículos (ICMBio, 2014).

Planejamento

A criação de áreas protegidas é essencial para a conservação da biodiversidade, porém as mesmas necessitam de bons planejamentos para tanto, sendo inclusive tal premissa definida nos termos da Convenção sobre Diversidade Biológica, pelo seu órgão supremo decisório, a Convenção das Partes, conforme consta nas Metas de Aichi (MARCO et al., 2015MARCO, M. D.; BUTCHART, S. H. M.; VISCONTI, P.; BUCHANAN, G. M.; FICETOLA, G. F.; RONDININI, C. Synergies and trade-offs in achieving global biodiversity targets. Conservation Biology, v. 30. 2015. https://doi.org/10.1111/cobi.12559
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).

De acordo com definição contida na Lei 9.985/2000, as Unidades de Conservação devem possuir Plano de Manejo que deve abranger a área da UC, sua Zona de Amortecimento, os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas.

De acordo com Dourojeanni (2003DOUROJEANNI, M. J. Análise Crítica dos Planos de Manejo de Áreas Protegidas no Brasil In Áreas Protegidas: Conservação no Âmbito do Cone Sul (A. Bager, ed.) Pelotas, p.1-20. 2003. Available at <https://www.academia.edu/5669109/Analise_critica_de_planos_de_manejo>. Access at Apr 10, 2017.
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), em 1976 já existiam na América Latina cerca de 55 planos de manejo de Unidades de Conservação, muitos tendo sido elaborados na década de 60. Apenas em 1976 é que foi elaborado o primeiro Plano de Manejo no Brasil, pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, para o Parque Nacional de Brasília.

Conforme D’Amico (2016), no Brasil, menos da metade das UCs federais possuem Plano de Manejo sendo que a maior parte destes foi elaborado a partir de dados secundários.

No PND, os estudos de campo que embasaram o Plano de Manejo deram-se no ano de 2009 por meio da aplicação do método Avaliação Ecológica Rápida (AER), que segundo Sayre et al. (2003), é um método que combina o trabalho simultâneo de pesquisadores de diversas áreas nos mesmos locais, respeitando a metodologia de cada área mas garantindo a integração dos resultados, de forma a buscar o conhecimento da relação ecológica entre esses grupos.

Por não abordar o viés populacional, os resultados advindos de tal metodologia devem ser analisados com cautela, dado a importância de estudos populacionais para elucidar o real estado de conservação das espécies encontradas, pois é através da caracterização e acompanhamento das populações que informações seguras podem ser geradas acerca do comportamento das espécies frente aos fatores bióticos e abióticos (BARRYMAN, 2002BARRYMAN, A. A. Population: a central concept for ecology? Oikos, v. 97, n. 3. 2002. https://doi.org/10.1034/j.1600-0706.2002.970314.x
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).

Para além da definição metodológica, os dados do Plano de Manejo apresentam determinadas fragilidades, a exemplo de os dados já serem de uma década atrás, portanto, desatualizados; dos estudos de fauna estarem centrados apenas no grupo de vertebrados; do zoneamento da unidade indicar ser a Zona Intangível de dimensões diminutas e estar localizada em área com intenso uso pretérito bem como pelo fato também de não existirem os Planos Executivos, logo, baixa execução do que foi planejado (PONTES JUNIOR, 2016).

Ressalva importante deve ser feita para o fato de que o PND, juntamente com outras Unidades de Conservação faz parte do seleto grupo das UCs que possuem Plano de Manejo, situação esta que inclusive traz boa pontuação em metodologias de efetividade de gestão (IBAMA, 2007; ICMBio, 2010). Porém, como visto acima, tal dado deve ser visto com bastante cautela, haja visto a possibilidade de as informações geradas pelos mesmos estarem desatualizadas, com informações equivocadas e mesmo não colocado em prática.

Relacionamento com entorno

Qualquer que seja a estratégia adotada para a criação de uma Unidade de Conservação, a instalação de uma área protegida em uma dada paisagem, desconectada da mesma, não garante o cumprimento dos objetivos de criação desta, acaso não ocorra um equilíbrio entre as atividades existentes no entorno e aquelas a que se destina a UC.

O efeito da matriz circundante em uma Unidade de Conservação pode tanto potencializar seus objetivos de criação, como seria o caso de propiciar condições ambientais favoráveis a biota local bem como também pode prejudicar o alcance de tais objetivos, situação onde os fatores externos à UC influenciam negativamente as condições ecológicas para estabelecimento e continuidade das espécies e processos ecológicos/geológicos aos quais a unidade está vinculada (RIBEIRO et al., 2009).

Conforme definição trazida pela Lei 9.985/2000, a Zona de Amortecimento é definida como sendo a região do entorno das Unidades de Conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a Unidade de Conservação.

A Zona de Amortecimento do PND foi instituída pelo Decreto de ampliação da UC em 2012, sendo sua área de 107.239,30 hectares, onde a Unidade de Conservação ocupa 21% desta área. Sua ocupação se dá por povoados, distritos, assentamentos agrários, pequenas, médias e grandes propriedades, além de terrenos de marinha (ICMBio, 2014), estando tal ocupação distribuída por uma série de micro-bacias hidrográficas, conforme Pontes Junior (2016).

O uso do solo nas propriedades inseridas na Zona de Amortecimento do PND pode ser caracterizado um complexo mosaico de atividades econômicas e sociais, existindo fragmentos florestais em diferentes condições de preservação, além de áreas com pastagem (maioria), silvicultura (eucalipto), plantios diversos (principalmente café, cacau, pimenta), fruticultura (foco no maracujá), mineração (Caulim), carcinicultura (camarão da malásia), granja. Ocorrem ainda atividades relacionadas ao turismo, muito centradas no binômio mar e sol (ICMBio, 2014).

Um fórum apropriado para as discussões territoriais onde a Unidade de Conservação está inserida é o Conselho Gestor da Unidade, este previsto na Lei 9.985/2000, podendo ser Deliberativo (caso de Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável) ou Consultivo, que é o caso de Parques Nacionais, dentre as demais categorias de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000).

Dentre as funções do Conselho Gestor cita-se avaliar o orçamento da UC e o relatório financeiro anual; manifestar-se sobre obra ou atividade potencialmente causadora de impacto na Unidade de Conservação; propor diretrizes e ações para compatibilizar a relação com população do entorno ou do interior da UC e participar da elaboração do Plano de Manejo (BRASIL, 4.340/2002).

O Conselho Consultivo do Parque Nacional do Descobrimento foi criado em 2008 e apesar de ter mais de dez anos de existência, Pontes Junior (2016) traz argumentos de que o mesmo esteja ainda em uma fase de menoridade, havendo ainda um caminho a trilhar rumo à maioridade, conforme definições trazidas por Immanuel Kant (NODARI; SAUGO, 2011NODARI, P. C.; SAUGO, F. Esclarecimento, autonomia e educação em Kant. Conjectura, v. 16. 2011. Available at <http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conjectura/article/view/892>. Access at 10/04/2017.
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).

Conclusão

Conclui-se que o processo de criação e ampliação de Unidades de Conservação é complexo e envolve diversas variáveis a serem analisadas de forma a se buscar as melhores estratégias a serem operacionalizadas. Algumas destas variáveis foram analisadas no presente documento, tendo sido elencado o Parque Nacional do Descobrimento para exemplificação.

Os resultados apresentados demonstram que a criação do PND apresentou uma série de descompassos de planejamento, onde critérios além daqueles ecológicos é que balizaram tais atos, pois apesar das oportunidades existentes, desconsiderou-se conceitos chave da biologia da conservação, deixando lacunas para a conservação da biodiversidade na região e mesmo minimizando possibilidades de desenvolvimento local em bases sustentáveis.

Também aspectos relacionados a gestão da Unidade foram abordados, onde ficou demonstrado que, apesar de existir um Plano de Manejo, o mesmo deve ser visto com ressalvas, haja visto as restrições metodológicas utilizadas, a desatualização dos dados, a falta de operacionalização do plano, bem como algumas incongruências encontradas, a exemplo da delimitação da Zona Intangível em área com grande histórico de perturbação, além do fato de ser de dimensões diminutas.

Por fim, é crucial que haja esforços para que a UC busque a integração com a região onde a mesma está instalada, buscando construir relações harmônicas com os demais que atuam na mesma área, visando sempre ser um fomentador de ações em prol da sustentabilidade. Foi identificado que a Zona de Amortecimento do PND possui relativa complexidade do uso do solo, que exige da equipe gestora excelência nos planejamentos junto a tais atividades.

Um fórum apropriado para tais discussões é o Conselho Consultivo da UC, que no caso do PND, apesar de o mesmo existir a mais de dez anos, necessita de avanços para não ficar apenas ratificando atos da gestão local.

Apesar de o tema da Conservação da Biodiversidade não ser algo novo na literatura, este estudo demonstrou que nem sempre a sua aplicação prática é uma realidade, como constatado para o caso do Parque Nacional do Descobrimento, que com seus 20 anos de existência pode ser considerado uma UC relativamente nova e que poderia ter sido implantado sob todas as boas práticas da Biologia da Conservação.

Deste modo, o presente estudo visa contribuir com informações técnicas para um aprofundamento das discussões envolvendo gestores públicos e tomadores de decisão bem como a sociedade em geral com relação às múltiplas possibilidades de planejamento da região onde se instalam as áreas protegidas.

Destaca-se a importância de se avaliar com critérios claros todo o contexto que permeia a proteção da biodiversidade e o desenvolvimento local, buscando sempre análises múltiplas das situações envolvendo a criação de áreas protegidas de forma a potencializar o objetivo primário destas, a conservação da sócio-geo-biodiversidade, com a sustentabilidade da região onde estas estão inseridas, situação em que se enaltecem outros objetivos, como aqueles relacionados à oferta de serviços ecossistêmicos e desenvolvimento territorial em bases sustentáveis.

References

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2017
  • Aceito
    19 Jun 2019
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