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Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920-1940

RESENHA

Ministério do Desenvolvimento Agrário Brasilia/DF-Brasil Lilian1363@yahoo.com.br

Em uma conjuntura em que a reflexão acerca da problemática ambiental se torna cada vez mais freqüente e necessária e na qual o desenvolvimento sustentável se apresenta como alternativa para a garantia de condições de vida essenciais às futuras gerações, é bastante oportuna a publicação do livro Proteção à Natureza e Identidade Nacional no Brasil, anos 1920-1940.

É inovador o objetivo da obra, que busca compreender o modo pelo qual a conservação da natureza foi pensada e como as proposições concernentes a este tema foram elaboradas no Brasil durante os anos 1920-1940, sem haver pretensão de narrar as origens do ambientalismo brasileiro. Para tal entendimento, os autores analisam o pensamento e as ações de um grupo de ambientalistas de relevante atuação durante o período de 1920-40, no que se refere à propagação de idéias impulsoras da proteção à natureza, produção científica no campo da biologia e influência política, atuação esta que resultou em iniciativas governamentais favoráveis à tutela do meio ambiente. O grupo estudado é composto por Alberto José Sampaio, intelectual e cientista do Museu Nacional do Rio de Janeiro- MNRJ; Armando Magalhães Corrêa, desenhista, escritor e professor do MNRJ; Cândido de Mello Leitão, zoólogo e professor do MNRJ e Frederico Carlos Hoehne, pesquisador e cientista do campo da botânica. O eixo fundamental da análise dos autores sobre as idéias e iniciativas de proteção à natureza deste grupo guia-se pelo paralelismo ora presente entre a ideologia defendida por esses intelectuais e o contexto político da época. Os autores procuraram evidenciar o fato de que pensamento e ações do grupo eram harmônicos com relação aos ideais políticos defendidos à época. Assim, para os autores, em razão desta correspondência de idéias, a proteção à natureza nos anos 1920-40 surge associada à ideologia nacionalista, marcada pelo desejo de consolidação da identidade nacional, uso do cientificismo como meio de conhecimento das coisas da terra e conseqüente desenvolvimento de um sentimento afetivo em relação a elas, modelo de Estado intervencionista e previsão de um projeto para a nação, a ser organizado pela elite intelectual. Assim, a proteção à natureza inseria-se em um projeto mais amplo de sociedade, fundamentado na percepção das riquezas naturais como fontes de nacionalidade. A natureza, diante deste contexto, relacionava-se com a questão da identidade nacional de forma que por sua riqueza, diversidade e beleza promoveria laços afetivos entre os indivíduos da nação e o solo natal. "O relativo sucesso do grupo se explica por ter relacionado a proteção da natureza com a questão da identidade nacional" (p. 25-26).

A proteção à natureza defendida pelo grupo baseava-se no pensamento segundo o qual o mundo natural continha valor econômico, estético e científico. Os autores procuraram evidenciar que nas idéias dos intelectuais estudados predominavam projetos de uso racional dos recursos naturais com vistas ao desenvolvimento econômico da nação, antecipando-se idéias para a promoção do desenvolvimento com base na sustentabilidade e opondo-se ao modelo desenvolvimentista clássico baseado no industrialismo. Alberto José Sampaio desenvolveu um programa no qual aliava a produção de bens e a conservação da natureza. Para isto, propunha a multiplicação de plantas florestais de uso industrial por meio da silvicultura, assim como a criação de reservas naturais para a conservação das matas nativas.

Além disso, é evidenciado no estudo realizado pelos autores que diversas outras idéias de proteção à natureza, consideradas atuais, na verdade, já haviam sido pensadas por esta geração de ambientalistas. Assim, é apontado o fato de que Armando Magalhães Corrêa, autor de O Sertão Carioca, já ter relacionado questões sociais à problemática ambiental, com base em observações da região rural adjacente à cidade do Rio de Janeiro, inclusive antecipando o modelo de gestão ambiental participativa, que visa integrar às atividades ambientais as populações locais. Assim, é proposto que a gestão ambiental participativa, pensada atualmente como uma inovação radical trazida por cientistas sociais dos dias de hoje, na verdade, constitui idéia já há tempos lançada entre os ambientalistas brasileiros. Além desta antecipação, Corrêa apontava para a adequação da criação de parques para o resguardo da natureza selvagem, assim como daqueles que pudessem ser beneficiados pela presença e atividades das populações locais, prevendo de antemão o que hoje chamamos modernamente de unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável.

Para compreender como a proteção à natureza foi pensada no Brasil no período de 1920-1940, os autores analisam algumas das idéias defendidas por Cândido de Mello Leitão. A partir desta análise, esclarece-se que, à época, a ciência era concebida como atividade meio para a promoção da valorização da natureza, para através do conhecimento do meio natural, poder-se estar consciente de sua importância e, assim, construir mecanismos para a sua proteção. Além disso, Mello Leitão concebia a ciência como uma atividade favorável à contemplação estética dos ambientes naturais. Para ele, a natureza deveria ser percebida inclusive como objeto de culto e fruição estética, fato que por si só justificaria sua proteção. A partir de tal concepção, os autores aproximam o pensamento ambientalista do período 1920-1940 dos ideais românticos, demonstrando que havia uma sensibilidade romântica em relação ao mundo natural.

Ao examinar as idéias de Frederico Carlos Hoehne, os autores tornam ainda mais evidente o fato de que o ambientalismo dos anos 1920-1940 se integrava ao contexto político da época. Ao publicar As Plantas Ornamentais da Flora Brasílica, Hoehne desejava apresentar os novos conhecimentos para despertar nos patrícios o interesse e amor pelo que de mais belo havia no país. Daí decorria seu nacionalismo.

Os autores apontam para o fato de que, apesar do relativo êxito obtido pelo grupo de ambientalistas estudado, atribuído em parte a sua participação em iniciativas como a realização da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza e ao avanço no conhecimento sobre a natureza brasileira, as idéias divulgadas por estes intelectuais sucumbiram diante da maré desenvolvimentista das décadas seguintes, o que indica que "estava distante o tempo em que a natureza se tornaria objeto de políticas públicas mais efetivas e em que a preocupação com sua conservação se tornaria tema mais difundido. Esse tempo chegou, ou está chegando, e as idéias do grupo estudado ganham relevância e merecem ser recuperadas" (p.219).

Resenha recebida para publicação em 27/10/2010 aceita para publicação em 21/04/2010

  • DRUMMOND J. A.; ANDRADE FRANCO, J. L.; Proteção à natureza e identidade nacional no brasil, anos 1920-1940, Rio de Janeiro: ed. Fiocruz 2009. 272 p.

    Carolina Azevedo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      2011
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