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ARRANJOS INSTITUCIONAIS E A REGULAÇÃO DO ACESSO E USO DE RECURSOS NATURAIS EM ASSENTAMENTOS RURAIS DO SEMIÁRIDO PARAIBANO

Institutional arrangements and regulation of access and use of natural resources in the rural settlements of Semiarid Paraiba

RESUMO

Os trabalhos sobre processos de constituição dos assentamentos rurais têm dado pouca ênfase às dinâmicas institucionais como parte dos esforços das famílias assentadas em consolidar as áreas reformadas e se viabilizarem enquanto agricultores familiares. Neste sentido, analisa-se a criação das instituições dos assentamentos rurais José Antônio Eufrosino e Osiel Pereira, localizados no semiárido paraibano, e a contribuição destas na regulação do acesso e uso dos recursos naturais apropriados coletivamente pelas famílias assentadas. A perspectiva teórica utilizada foi o neoinstitucionalismo, que destaca o papel das instituições: na redução de incertezas, ao disponibilizarem regras e normas que regulam os comportamentos individuais e os espaços em que ocorrem as relações sociais, econômicas e ambientais; e na superação de dilemas da ação coletiva. A metodologia se pautou na consulta a documentos, realização de entrevistas semiestruturadas e observações in lócus. A avaliação das instituições dos assentamentos rurais pesquisados na regulação do acesso e uso dos recursos naturais se deu a parte dos casos: da extração de madeira, da caça, da pesca e das pastagens. O estudo mostrou que, de um lado há uma dificuldade das instituições regularem as condutas individuais, e de outro que existe um esforço das famílias assentadas formularem instituições mais efetivas.

Palavras-chave:
Instituições Sociais; Recursos Naturais; Assentamentos Rurais; Semiárido; Paraíba

ABSTRACT

The work on formation processes of rural settlements have given little emphasis to the institutional dynamics as part of the efforts of settlers to consolidate the renovated areas and make viable while family farmers. In this direction, we analyze the setting up institutions of rural settlements José Antônio Eufrosino and Osiel Pereira, located in the Semiarid of Paraiba, and their contribution in regulating the access and use of natural resources by the appropriate collectively settled families. The theoretical perspective was utilized neoinstitutionalism, which highlights the role of institutions: the reduction of uncertainty by delivering rules and norms that regulate individual behavior and the spaces that occur social relations economic and environmental, and to overcome the dilemmas collective action. The methodology was based on the consultation documents, semi-structured interviews and observations in locus. The evaluation of the institutions of rural settlements surveyed in regulating access to and use of natural resources was given to cases: the logging, hunting, fishing and pastures. The study shows that, on one side there is a difficulty institutions regulate individual conduct, and another who is an effort of settlers formulate more effective institutions.

Keywords:
Social Institutions; Natural Resources; Rural Settlements; Semiarid; Paraiba

INTRODUÇÃO

A vida em um assentamento rural implica, cotidianamente, na realização de diferentes ações coletivas coordenadas e diversos momentos de tomada de decisão. Nos três primeiros anos, principalmente, as demandas das famílias assentadas e as escolhas a serem feitas são significativamente grandes (MIRANDA, 2007MIRANDA, R. S. Desempenho institucional e a superação dos dilemas sociais em assentamentos do semi-árido paraibano. 2007. 145f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Centro de Humanidades, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2007.). Os custos sociais relativos a estas demandas são normalmente altos, em virtude da dificuldade das famílias se reunirem periodicamente para a definição e redefinição de arranjos institucionais necessários à organização social, produtiva e de acesso e uso dos recursos naturais.

Logo que assentadas, as famílias são incumbidas de gerirem as atividades produtivas e os recursos naturais do assentamento. Para tanto, novas dinâmicas institucionais são estabelecidas na tentativa de ordenar a regulação dos comportamentos individuais e coletivos. As instituições sociais, responsáveis pela regulação das novas relações socioambientais, são marcadas por reformulações que procuram dar conta da diversidade de ações que os assentados têm de executar, ao longo dos anos, para a consolidação do assentamento.

O processo de instalação das famílias em um assentamento rural tende a ser marcado pela extração excessiva de madeira para construir as casas, os currais e as cercas, e até mesmo para fazer carvão e estacas para vender; e, praticar a pesca predatória e a caça de animais silvestres. O que, em grande medida, está relacionado ao desenho da política de criação de assentamentos rurais e às estratégias produtivas adotadas pelas famílias assentadas, que contribui para a degradação da base de recursos naturais comuns (NASCIMENTO, 2008NASCIMENTO, H. M. A questão ambiental na origem do problema agrário brasileiro e o caso da região Sul. Revista Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 2, p. 103-132, ago. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-06182008000200005.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-06182008...
; TOURNEAU e BURSZTYN, 2010TOURNEAU, F. M. e BURSZTYN, M. Assentamentos rurais na Amazônia: contradições entre a política agrária e a política ambiental. Revista Ambiente & Sociedade, Campinas, v. 13, n. 1, p. 111-130, jan./jun. 2010. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-753X2010000100008
http://dx.doi.org/10.1590/S1414-753X2010...
).

O modelo de assentamentos rurais adotado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) parte da desapropriação, criação do Projeto de Assentamento, instalação das famílias, elaboração do Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), parcelamento (divisão dos lotes) e construção das casas. O parcelamento deveria ser uma das primeiras ações a serem executadas, porque reduziria as incertezas em relação ao tamanho e local das áreas de cultivo e criação e, consequentemente, ao uso desregulado dos recursos naturais, ao definir os regimes de propriedade. A demora na realização do parcelamento está relacionada à degradação da base de recursos naturais.

Neste sentido, o artigo analisa, à luz do neoinstitucionalismo, o papel dos arranjos institucionais dos assentamentos rurais José Antônio Eufrosino e Osiel Pereira na regulação do acesso e uso dos recursos naturais apropriados coletivamente, a partir da possibilidade de: (1) reduzirem os custos sociais e as incertezas associados à (re)definição de regras e normas necessárias para a organização social, produtiva e de acesso e uso dos recursos naturais; e (2) permitirem a superação dos dilemas sociais, que ocorrem sempre que indivíduos em situações de interdependência realizam escolhas que maximizam os seus ganhos, no curto prazo, e, no longo prazo, acabam por prejudicar todos os membros do grupo.

Os dados problematizados foram coletados entre 2005 e 2007, e a metodologia de pesquisa foi pautada na: (1) consulta de atas da associação do assentamento José Antônio Eufrosino, e da cooperativa do assentamento Osiel Pereira; (2) realização de entrevistas semiestruturadas, com assentados que participaram do processo de criação dos assentamentos; e (3) observações feitas durante as assembleias e reuniões de núcleos de famílias realizadas nos dois assentamentos. Esses assentamentos possuíam três características em comum: (1) estão localizados no Semiárido paraibano, (2) tinham mais de cinco anos de criação e (3) eram ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Para desenvolver os objetivos propostos o artigo foi estruturado em três partes: (1) uma discussão teórica do neoinstitucionalismo, no que diz respeito ao papel das instituições na superação dos dilemas sociais; (2) a apresentação dos assentamentos José Antônio Eufrosino e Osiel Pereira e do processo de construção de suas instituições sociais; e (3) a análise da atuação das instituições sociais dos dois assentamentos na regulação do acesso e uso dos recursos naturais coletivos a partir da análise dos casos da extração de madeira, caça e pesca e áreas de pastagem.

INSTITUIÇÕES SOCIAIS E A SUPERAÇÃO DE DILEMAS SOCIAIS

As instituições possibilitam a redução das incertezas (DIMAGGIO e POWELL, 1999DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. Introdução. In: POWELL, W. W.; DIMAGGIO, P. J. (Comp.). El nuevo institucionalismo en el análisis organizacional. México: Fondo de Cultura Económica, 1999, p. 33-75.; HALL e TAYLOR, 2003HALL, P. A.; TAYLOR, R. C. R. As três versões do neo-institucionalismo. Revista Lua Nova, São Paulo, n. 58, p. 194-223, 2003.; NORTH, 1990NORTH, D. C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.; PETERS, 2003PETERS, B. G. El nuevo institucionalismo: teoria institucional en ciencia política. Barcelona: Gedisa, 2003.; ROMERO, 1999ROMERO, J. J. Los nuevos institucionalismos: sus diferencias, sus cercanías. In: POWELL, W. W.; DIMAGGIO, P. J. (Comp.). El nuevo institucionalismo en el análisis organizacional. México: Fondo de Cultura Econômica, 1999, p. 7-29.) ao fornecerem regras e normas que regulam os comportamentos individuais e os espaços em que se darão as relações sociais, econômicas e ambientais. A importância das instituições na vida social tem sido enfatizada por diferentes autores ligados ao neoinstitucionalismo e é um tema recorrente nos debates teóricos e práticos relacionados à organização social e produtiva e aos conflitos socioambientais em assentamentos rurais (MIRANDA, 2007MIRANDA, R. S. Desempenho institucional e a superação dos dilemas sociais em assentamentos do semi-árido paraibano. 2007. 145f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Centro de Humanidades, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2007.).

Quando se fala de instituições, deve-se ter em mente que existem instituições formais e informais e que as práticas sociais reguladas pelas instituições formais são, às vezes, permeadas por ações e condutas características da regulação possibilitada pelas instituições informais. As instituições informais se materializam na forma de normas sociais que facilitam as relações entre pessoas de um determinado grupo. Os constrangimentos informais desempenham esse papel porque, quando as informações disponíveis são limitadas, reduzem os custos de interação humana (NORTH, 1990NORTH, D. C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.), assim como fazem as instituições formais.

Os constrangimentos informais são normas de comportamento socialmente sancionadas e padrões de conduta responsáveis pela coordenação da interação entre os indivíduos de um determinado grupo social ou sociedade - às vezes, são extensões, elaborações e modificações de regras formais -, transmitidas socialmente de uma geração para outra geração, através do ensinamento e da imitação de valores que influenciam o comportamento humano (NORTH, 1990NORTH, D. C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.).

O desenvolvimento do capitalismo moderno e a formação dos Estados Nacionais conceberam sistemas organizacionais e uma sociedade racionalizada dependente da regulamentação de instituições políticas formais (JEPPERSON e MEYER, 1999JEPPERSON, R. L.; MEYER, J. W. El orden público y la construción de organizaciones formales. In: POWELL, W. W.; DIMAGGIO, P. J. (Comp.). El nuevo institucionalismo en el análisis organizacional. México: Fondo de Cultura Económica, 1999, p. 237-260.) capazes de reduzir os custos transacionais e as incertezas, ao estipularem regras que regulamentaram as ações sociais, econômicas e políticas. Os sistemas formais legais, portanto, passaram a regulamentar e controlar vínculos e disputas complexas e relações socioeconômicas específicas que não eram reguladas pelas instituições informais (NORTH, 1990NORTH, D. C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.).

Os constrangimentos formais podem ser elaborados e ordenados para modificar, rever ou substituir constrangimentos informais, porém, os constrangimentos informais continuam a existir paralelamente aos constrangimentos formais. As regras formais, destacadas por North (1990NORTH, D. C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.), abrangem os campos político, jurídico, econômico e contratos. A hierarquia de tais regras institui leis comuns e contratos individuais: as regras políticas definem a estrutura política e as regras econômicas definem direitos de propriedade. Em síntese, pode-se dizer que o papel das regras é a promoção de determinados tipos de mudança, mas não todas.

No caso dos assentamentos rurais, as associações se constituem a forma predominante de representação das famílias assentadas, “pelo simples fato de que são uma espécie de ‘exigência’ do Estado: elas são a ‘personalidade jurídica’ do assentamento e sua presença é quase obrigatória para o repasse de créditos” (LEITE et al., 2004LEITE, S. et al. Impactos dos assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro. São Paulo: EDUNESP, 2004., p. 113). Nos assentamentos em que não existem associações, outras instituições formais, como as cooperativas, exercem a mediação entre assentados e organismos governamentais (CARVALHO, 1998CARVALHO, H. M. Formas de associativismo vivenciadas pelos trabalhadores rurais nas áreas oficiais de reforma agrária do Brasil. Curitiba: IICA/NEAD, 1998.).

No Semiárido nordestino, a criação de associações para a organização dos pequenos produtores rurais, hoje denominados de agricultores familiares, é relativamente recente, data dos anos 1980 e estava, frequentemente, ligada à intervenção do Estado, por meio de programas especiais de luta contra a seca (PIRAUX e MIRANDA, 2010PIRAUX, M e MIRANDA, R. S. A longa emergência da agricultura familiar: relações entre atividade agrícola, atores sociais e formas de intervenção do Estado no Agreste paraibano. Revista Raízes, Campina Grande, v. 30, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2010.). Estas instituições formais concorrem com as formas preexistentes de organização produtiva e de manejo dos recursos naturais coletivos, marcadas pela reciprocidade (SABOURIN, 2001SABOURIN, E. P. Práticas de reciprocidade e economia de dádiva em comunidades rurais do nordeste brasileiro. Revista Raízes, Campina Grande, v. 20, p. 41-49, jan./dez. 2001., 2010SABOURIN, E. P. Multifuncionalidade e relações não-mercantis: manejo de recursos comuns no Nordeste. Caderno CRH, Salvador, v. 23, n. 58, p. 151-169, jan./abr. 2010.).

As instituições formais de assentamentos rurais são responsáveis pela aquisição de benefícios coletivos. Processo, que carrega uma contradição entre racionalidade individual e racionalidade coletiva, entendida como dilemas da ação coletiva ou sociais. Embora o interesse pelo benefício seja coletivo, “cada membro preferiria que os outros pagassem todo o custo sozinhos” (OLSON, 1999OLSON, M. Lógica da ação coletiva. São Paulo: EDUSP, 1999., p.33). A resolução dos dilemas sociais, para o autor, se dá mediante a ação de um interventor externo que ofereça benefícios seletivos e/ou imponha sanções que estimulem os indivíduos a agirem coletivamente.

Ao constatar empiricamente, empiricamente, que os indivíduos se ocupam sistematicamente de ações coletivas para prover bens públicos ou administrar recursos comuns sem uma autoridade externa que ofereça incentivos ou imponha sanções, Ostrom (1990OSTROM, E. Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. New York: Cambridge University Press, 1990., 1994OSTROM, E. Rules, games, and common-pool resources. Michigan: University of Michigan, 1994., 1998OSTROM, E. A behavioral approach to the rational choice theory of collective action. American Political Science Review, Washington, v. 92, n. 01, p. 1-21, Mar. 1998. DOI: 10.2307/2585925
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), elabora um modelo teórico, ressaltando que as normas sociais, a reciprocidade e a confiança possibilitam a superação dos dilemas de ação coletiva sem a necessidade do uso de incentivos ou sanções externas ao grupo, como propôs Olson (1999OLSON, M. Lógica da ação coletiva. São Paulo: EDUSP, 1999.).

OS ARRANJOS INSTITUCIONAIS DOS ASSENTAMENTOS JOSÉ ANTÔNIO EUFROSINO E OSIEL PEREIRA

Assentamento José Antônio Eufrosino

O assentamento José Antônio Eufrosino está localizado na porção semiárida do município de Campina Grande (PB), na Microrregião de Campina Grande e na Mesorregião do Agreste, ocupando uma área de 2.990,6401ha. Criado no ano de 2001, mediante a desapropriação das fazendas Monte Alegre, Castelo, Bonfim e Logradouro (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Plano de Desenvolvimento do Assentamento José Antônio Eufrosino. João Pessoa: INCRA, 2002.). A ocupação das fazendas foi organizada por lideranças do MST e da Federação dos Trabalhadores da Agricultura (FETAG) (CUNHA, NUNES e MIRANDA, 2006CUNHA, L. H.; NUNES, A. M. B.; MIRANDA, R. S. Colapso e reconstrução dos regimes de propriedade e o manejo dos recursos naturais em áreas de assentamento. In: ENCONTRO DA REDE RURAL, 1., 2006, Niterói. Anais... Niterói: UFF, 2006. CD-ROM.).

Parte das famílias assentadas estavam acampadas no assentamento Venâncio Tomé de Araújo e se deslocaram para as áreas das fazendas Monte Alegre, Castelo, Bonfim e Logradouro depois de um acordo com o INCRA. As famílias ligadas ao MST haviam sido mobilizadas e recrutadas pelo trabalho de base feito nos sítios vizinhos e nos bairros periféricos de Campina Grande. As ligadas à FETAG já moravam nas fazendas desapropriadas ou eram filiadas ao Sindicato de Trabalhadores Rurais de Campina Grande (CUNHA, NUNES e MIRANDA, 2006CUNHA, L. H.; NUNES, A. M. B.; MIRANDA, R. S. Colapso e reconstrução dos regimes de propriedade e o manejo dos recursos naturais em áreas de assentamento. In: ENCONTRO DA REDE RURAL, 1., 2006, Niterói. Anais... Niterói: UFF, 2006. CD-ROM.).

No assentamento existe uma Área de Preservação Permanente (APP), a do açude grande, e uma Área de Reserva Legal (ARL), a da serra. Delas é extraída lenha para cozinhar, varas e estacas para a infraestrutura dos lotes. Sendo, também, utilizadas como área de pastagem para os animais. O assentamento possui 32 reservatórios de água entre açudes, barreiros, tanques naturais e 5 poços (dois estão desativados), que fornecem água para o consumo das famílias e dos animais. No açude principal, com um espelho d’água de aproximadamente 17ha, existem peixes, destinados ao consumo das famílias.

A economia do assentamento é baseada, principalmente, na agricultura - sendo o milho, o feijão e a batata-doce os principais produtos para comercialização e alimentação das famílias assentadas - e na criação de animais - aves (galinhas e guinés), suínos, bovinos e equinos. A área de cultivo de cada família varia entre 2ha e 4ha. A pecuária bovina vem ocupando lugar de destaque entre as atividades produtivas, assim como vem ocorrendo em outras áreas de agricultura familiar do Semiárido nordestino (NUNES, 2011NUNES, A. M. B. A (re)pecuarização do semiárido nordestino: reconversões produtivas entre agricultores familiares do Pajeú (PE). 2011. 202f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Centro de Humanidades, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2011.).

As instituições do assentamento José Antônio Eufrosino foram sendo criadas de acordo com as exigências formais e as necessidades de redefinição dos arranjos institucionais que visavam a superação dos dilemas sociais inerentes às ações coletivas empreendidas pelas famílias, para implementar políticas governamentais encaminhadas pelos representantes do INCRA. O assentamento possuía dois tipos de instituições principais: a associação e os núcleos de família. As últimas são parte do modelo organizacional formalizado pela direção nacional do MST a partir de 2005 (MIRANDA e CUNHA, 2013MIRANDA, R. S.; CUNHA, L. H. A estrutura organizacional do MST: lógica política e lógica prática. Caderno CRH, Salvador, v. 26, n. 68, p. 363-376, maio/ago. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792013000200010.
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).

O processo de criação da associação do assentamento foi marcado por conflitos. A partir do momento em que os assentados ligados ao MST passaram a gerir a associação, o número de famílias foi sendo reduzido, até chegar ao número total de 120 para 100 famílias, e o acesso e uso dos recursos naturais apropriados coletivamente foram regulamentados, o que levou as 17 famílias ligadas à FETAG, incluídas entre as 100 famílias, a formarem outra associação, as outras 83 famílias continuavam ligadas ao MST. Nesse período as decisões coletivas eram tomadas numa Assembleia Geral, com todos os assentados.

Em 2006, a associação ligada à FETAG foi extinta e seus membros se filiaram à associação criada pelo MST. O principal motivo para a extinção foi a ausência de ações que possibilitassem a estabilização das famílias no assentamento. Até então as principais políticas governamentais destinadas aos assentados, o parcelamento e o recebimento do crédito para a execução das casas, por exemplo, foram executadas através da associação ligada ao MST.

A organização do assentamento, contudo, não se resume à associação. A organização interna é, na verdade, articulada por quatro núcleos de família, que correspondem, geograficamente, a cada uma das antigas fazendas: Logradouro, Bonfim, Castelo e Monte Alegre. A nucleação foi iniciada em 2003, por lideranças estaduais e regionais do MST, que realizaram um trabalho de formação e orientação junto às famílias do assentamento.

Cada núcleo é composto por 25 famílias, que possuem dois coordenadores (um homem e uma mulher) e se reúnem uma ou duas vezes ao mês, para discutir os problemas locais; recolher contribuições, quando necessário; escolher os assentados que irão participar de cursos e encontros; e, para organizarem trabalhos coletivos, mutirões ou trocas de serviço. Além disso, os coordenadores dos núcleos, juntamente com os representantes dos setores do MST, fiscalizam o cumprimento das regras de uso e acesso aos recursos naturais coletivos do assentamento, formando, assim, uma equipe de coordenação do assentamento.

O processo de tomada de decisão no assentamento José Antônio Eufrosino ocorre em duas esferas distintas, porém complementares: nas assembleias da associação e nas reuniões dos núcleos de família (Monte Alegre, Castelo, Bonfim e Logradouro). A implementação dos núcleos de famílias reduziu os custos sociais, ao descentralizar debates e os processos de tomada de decisão; facilitou e estimulou a participação de um número maior de assentados nas reuniões e assembleias; e, reduziu as incertezas que cercavam o acesso e uso dos recursos naturais, ao institucionalizar a fiscalização da apropriação desses recursos, permitindo, assim, a superação de dilemas sociais, ao regular as condutas individuais e coletivas das famílias.

Com a criação dos núcleos de família, a associação passou a exercer, principalmente, a interlocução externa e as assembleias, ordinárias e extraordinárias, passaram a ser menos frequentes. A pauta é previamente debatida nos núcleos e as decisões formalizadas e encaminhadas nas assembleias. Caso alguma questão envolvesse apenas as famílias de um núcleo, esse núcleo tinha autonomia para tomar as decisões necessárias à resolução dos problemas e/ou conflitos.

A reestruturação da vida social das famílias do assentamento José Antônio Eufrosino, iniciada com a mudança na gestão da associação e na implementação dos núcleos e família, continuam. Algumas ações necessitam de monitoramento e regulação constantes, como por exemplo, a regulação dos recursos naturais coletivos que envolvem a pesca e a criação de animais, que tende a gerar muitos custos sociais.

Assentamento Osiel Pereira

O assentamento Osiel Pereira localiza-se nos municípios paraibanos de Areia, Microrregião do Brejo, e Remígio, Microrregião do Curimataú Ocidental, na Mesorregião do Agreste, ocupando uma área de 2.960,1759ha. O decreto 2.250/97 deu início à desapropriação da Fazenda Queimadas, formalizada no dia 07 de dezembro de 1998. Já a emissão de posse e a criação do Projeto de Assentamento datam dos dias 19 de novembro de 1999 e 23 de novembro de 1999, respectivamente (BRASIL, 2000BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Plano de Desenvolvimento do Assentamento Osiel Pereira. João Pessoa: INCRA, 2000.).

A ocupação da área foi organizada por lideranças do MST e apoiada pela diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio. O INCRA já havia considerado que a Fazenda Queimadas era improdutiva, mas a direção do Sindicato não sabia como mobilizar as famílias para ocupar a área. Lideranças do MST, então, realizaram um trabalhado de formação, que durou 8 dias, e mobilizou famílias de municípios vizinhos, para que juntamente com as famílias de Remígio pudessem fazer a ocupação.

Ao final do ano de 1998, apenas 95 famílias permaneciam acampadas, contando com as que já moravam na propriedade. Como a emissão de posse estava demorando, muitas famílias voltaram para a cidade porque não tinham condições de se manter no acampamento. Na época, a direção estadual do MST não fornecia cestas básicas. Com a emissão de posse, muitas famílias foram orientadas a voltar para a área. Em agosto de 1999, quando o Projeto de Assentamento Osiel Pereira foi criado, havia 150 famílias.

Os conflitos entre as famílias eclodiram imediatamente após a criação do assentamento. A diretoria do Sindicato queria expulsar as famílias ligadas ao MST, que, em sua maioria, vieram de outros municípios. Os dirigentes do Sindicato, de 1998 a 2000, defendiam que o assentamento era para as famílias sem terra de Remígio, e que as demais deveriam procurar ocupar terras nos municípios de origem:

A gente era dos outros municípios, de fora (...) eles [as famílias ligadas ao Sindicato] não queriam concordar com o que a gente queria. A gente toda vida foi do MST, porque nós não tínhamos terra para trabalhar, não existia um chão de casa para morar, não existia terra, e [o MST] quem foi buscar se a gente queria enfrentar a luta pela terra (...). (Assentada do núcleo Cajá, militante do MST).

Com o passar dos meses, os conflitos se ampliaram e os forasteiros eram violentamente perseguidos. Alguns levaram tiros e um assentado foi assassinado, enquanto outros eram ameaçados de morte. Devido ao agravamento da crise, lideranças do MST pediram que os ameaçados de morte não andassem sozinhos e iniciaram as conversas com os representantes do INCRA para que o assentamento fosse dividido.

A primeira estratégia adotada pelas lideranças do MST, orientada pelos agentes do INCRA, foi criar, em abril de 2002, uma cooperativa para que as famílias ligadas ao movimento pudessem se organizar e produzir. Na primeira assembleia, mediada pelo empreendedor social do INCRA, foram definidas quais famílias ficariam na cooperativa. Ao final da assembleia, 45 famílias optaram pela cooperativa, os forasteiros, os antigos moradores e pessoas vindas de Remígio, simpáticas aos métodos e ações do MST.

No dia 27 de julho de 2002 houve uma audiência no Fórum de Remígio, com representantes da associação, da cooperativa e do INCRA para formalizar a divisão do Projeto de Assentamento Osiel Pereira e indicar em que área cada grupo iria se estabelecer. De comum acordo, as partes envolvidas aceitaram a seguinte divisão: a cooperativa ficaria com um terço da terra, porque tinha 45 famílias, devendo escolher mais 5 para completar as 50, e; a associação ficaria com dois terços da terra.

As famílias do novo Projeto de Assentamento, Queimadas, criado em 2003, tiveram que criar uma nova associação e iniciar todos os trâmites legais para obter o crédito para a construção das casas e linhas de crédito destinadas à aquisição de animais. Por sua vez, as famílias representadas pela cooperativa herdaram toda a estrutura formal que já havia sido criada, o que facilitou a implementação de projetos e o acesso a linhas de crédito.

Os dados apresentados a seguir se referem ao assentamento Osiel Pereira, depois da divisão, ocorrida em agosto de 2002. Após a criação de um novo projeto de assentamento, a área do assentamento Osiel Pereira passou a ser de 986,7253ha, e o número de famílias assentadas foi reduzido para 50. A sua localização foi significativamente alterada, dos 100ha localizados no município de Areia, Microrregião do Brejo, restaram apenas 30ha, e 956,7253ha no município de Remígio, Microrregião do Curimataú Ocidental.

No assentamento, existem três APPs, às margens dos açudes Queimadas e Lagoa de Jogo e do rio, e duas ARLs, uma na serra que fica atrás da agrovila da Pista e outra na agrovila Lagoa de Jogo, a maior. Destas áreas, as famílias retiram lenha, pouco usada na agrovila da Pista, estacas para construir barracas, cercas e chiqueiros. A água para consumo doméstico e para os animais é retirada de um dos 4 açudes (Queimadas e Lagoa de Jogo são os maiores), de barreiros existentes em alguns lotes, de córregos temporários e de um rio que corta o assentamento.

A economia do assentamento baseia-se na agricultura, predominando o plantio de feijão, milho, mandioca, batata-doce, maracujá e cebola branca; na criação de bovinos, aves (galinhas, principalmente), caprinos e suínos; e no artesanato, com a fabricação de louças a partir da argila existente no assentamento. Além disso, seis famílias fazem parte da Feira Agroecológica de Remígio, onde vendem feijão verde, jiló (comprado na região), cebola branca, maracujá, cabaço, buchada de bode, peças de louça, entre outros produtos.

O processo de criação da cooperativa do Assentamento Osiel Pereira significou o estabelecimento de arranjos institucionais pouco conhecidos pelos assentados, que tinham experiência em empreender ações coletivas e se organizarem a partir de associações. Devido a esses fatores, a cooperativa foi administrada a partir da lógica de uma associação. A preocupação principal dos membros da diretoria era a aquisição de benefícios coletivos que melhorassem a infraestrutura do assentamento.

A primeira tarefa desempenhada pela cooperativa foi receber e repassar os créditos que já haviam sido disponibilizados para as 150 famílias assentadas para a construção das casas e financiamento da produção, que saiu antes do parcelamento porque as famílias optaram pela formação de agrovilas. Para a Superintendência Regional do INCRA na Paraíba, a criação da cooperativa representou apenas a substituição de um arranjo institucional por outro. A direção da cooperativa ficou responsável por todas as atividades que vinham sendo geridas pela última diretoria da associação.

Contudo, a organização do assentamento não se resume à cooperativa, existem outras instituições que orientam e coordenam a vida social e econômica das famílias assentadas. Há três Núcleos de família, Cajá (com 15 famílias) e Pia (com 15 famílias) na agrovila da Pista, e Lagoa de Jogo (com 20 famílias), na agrovila de mesmo nome. Os núcleos de família foram criados logo que houve a separação do assentamento. Existe também um grupo de mulheres que se reúne para fazer louças de barro e organizar a produção de plantas medicinais.

A presença de todos esses arranjos institucionais no assentamento se deve, em parte, à história de vida dos assentados. As famílias do núcleo Pia moravam na área e, portanto, se conhecem há muito tempo, possuem laços de amizade, parentesco e compadrio. As famílias do núcleo Cajá, apesar de serem de regiões diferentes, estão juntas desde a época da primeira ocupação da fazenda, em 1997. As famílias do núcleo Lagoa de Jogo chegaram por último e são oriundas de diferentes acampamentos organizados pelo MST na região.

Os núcleos de família foram importantes para superar os dilemas de ação coletiva que surgiram após a divisão do assentamento, especialmente a proibição da pesca e da fabricação de carvão vegetal. De 2002 a 2004, as reuniões dos núcleos eram frequentes e tratavam de questões sobre a construção das casas e o parcelamento. As decisões tomadas em cada núcleo eram encaminhadas à cooperativa, que, em assembleia, formalizava as decisões. Contudo, a partir de 2005, os núcleos passaram a perder espaço nos processos de tomada de decisão.

Na tentativa de aproximar as famílias e acabar de vez com as divergências entre antigos moradores e forasteiros, lideranças do MST sugeriram que as famílias do núcleo Pia tivessem o direito de ter seus lotes próximos das casas, ao fundo da agrovila da Pista, porque sempre plantaram e criaram animais nessa área. As demais famílias concordaram e ficaram com os lotes próximos à agrovila de Lagoa de Jogo, a 5km da agrovila em que moram.

O processo de tomada de decisão no assentamento ocorre em três esferas: (1) nas assembleias da cooperativa, (2) nas reuniões das agrovilas coordenadas por membros da diretoria da cooperativa e (3) nos núcleos de família. Para facilitar e agilizar a tomada de decisão, a cooperativa tem realizado reuniões em cada uma das agrovilas para que haja um debate inicial e uma assembleia geral para formalizar e encaminhar as decisões. Os núcleos de família estão perdendo espaço devido à organização espacial adotada no assentamento.

São nas duas agrovilas, Pista e Lagoa de Jogo, que as questões relacionadas a todas as famílias assentadas começam a ser discutidas, porque as distâncias dificultam a mobilização de todas as famílias. Esse novo tipo de arranjo institucional diminuiu os custos sociais que envolvem o processo de tomada de decisão: (1) ao descentralizar as discussões, (2) facilitar a participação de um número maior de famílias nas reuniões e (3) reduzir as incertezas ao institucionalizar espaços alternativos de debate.

REGULAÇÃO DO ACESSO E USO DOS RECURSOS NATURAIS DOS ASSENTAMENTOS JOSÉ ANTÔNIO EUFROSINO E OSIEL PEREIRA

Para que todas as famílias assentadas possam se apropriar dos recursos naturais coletivos e a tragédia dos comuns, nos termos de Hardin (1968HARDIN, G. The tragedy of the commons. Science Magazine, Washington, v. 162, n. 3859, p. 1243-1248, Dec. 1968. DOI: 10.1126/science.162.3859.1243
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), não seja consumada, é necessário a existência de um processo de regulação do acesso e do uso dos recursos naturais, que depende, inevitavelmente, do empreendimento de ações coletivas continuadas, que definam e redefinam, quando preciso, as regras e as normas. Isso ocorre porque a regulação está associada a ações rotineiras que requerem arranjos institucionais capazes de superar os dilemas de ação coletiva que venham a entravar o processo.

No assentamento José Antônio Eufrosino, entre 2001 e 2003, vários conflitos relativos ao acesso e uso dos recursos naturais envolveram as famílias assentadas e pessoas de fora do assentamento. Os conflitos propiciaram a exploração intensiva da madeira, para a venda de estacas e fabricação de carvão; caça e pesca predatória e a superexploração das pastagens naturais pelos não assentados que deixavam seus animais na área.

Através de suas instituições, os assentados procuraram orientar e coibir práticas que ocasionassem a degradação dos recursos naturais coletivos. Para solucionar parte dos conflitos, as famílias optaram por restringir a retirada de madeira apenas para fazer cercas, barracos, chiqueiros e currais, e formaram uma comissão para fiscalizar o cumprimento das normas. Caso fossem encontradas estacas, tiradas ilegalmente, os fiscais, da associação, dos núcleos e dos setores do MST, apreenderiam o material e acionariam os fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

No assentamento Osiel Pereira, de 1999 a 2003, os conflitos relativos ao acesso e uso dos recursos naturais envolveram os assentados e pessoas de fora do assentamento. A falta de regulação foi caracterizada pela pesca predatória, pela extração de madeira para a venda de estacas e para a fabricação de carvão, pela entrada de animais das fazendas vizinhas nas áreas de reserva e preservação e nos roçados das famílias.

O processo de regulação se intensificou depois que o assentamento foi dividido, e as famílias que ficaram no assentamento Osiel Pereira passaram a se reunir para estabelecer as regras e normas que definiram as formas de apropriação dos recursos naturais coletivos. As ações da cooperativa e dos núcleos de família possibilitaram a mobilização das famílias para a realização das discussões, e o início da fiscalização da aplicabilidade das decisões tomadas coletivamente.

A regulação dos recursos naturais apropriados coletivamente, em assentamentos rurais, demanda custos sociais: mobilização das famílias para a definição e redefinição de arranjos institucionais e ações de fiscalização do acesso e uso desses recursos; que se tornam maiores quando o número de famílias assentadas é expressivo, como no assentamento José Antônio Eufrosino. Para avaliar melhor esse processo nos assentamentos José Antônio Eufrosino e Osiel Pereira, analisados aspectos que estão relacionadas à vida cotidiana dos assentados: (1) extração de madeira, (2) caça e pesca e (3) uso das áreas de pastagem.

A extração de madeira

No assentamento José Antônio Eufrosino, o conflito ambiental mais sério enfrentado pelas famílias foi a extração de madeira da ARL, feita tanto por assentados, que a comercializavam diretamente ou a utilizavam para a fabricação de carvão, quanto por atravessadores que contratavam mão de obra para o corte, transportavam a lenha para padarias em Campina Grande, e vendiam as estacas e mourões para fazendas da região (CUNHA, NUNES e MIRANDA, 2006CUNHA, L. H.; NUNES, A. M. B.; MIRANDA, R. S. Colapso e reconstrução dos regimes de propriedade e o manejo dos recursos naturais em áreas de assentamento. In: ENCONTRO DA REDE RURAL, 1., 2006, Niterói. Anais... Niterói: UFF, 2006. CD-ROM.). Toda a extração era realizada sem o consentimento da associação e sem o conhecimento do IBAMA.

Houve a retirada indiscriminada de madeira no assentamento para ser vendida. Como as regras e normas de regulação não eram claras ou não foram estabelecidas previamente, muitos assentados procuraram maximizar os ganhos pessoais:

(...) as pessoas têm aquele, aquele espírito de dizer o seguinte: não é meu, não é seu, não é de ninguém, eu vou me aproveitar o mais rápido possível. É o que a gente chama de oportunismo, o oportunista ele chega e quer levar, se ele puder levar 200, 300 peças de madeira, ele leva tranquilamente e faz uso qualquer disso (...) vende até por migalha e depois vai necessitar não é (...). Muitas pessoas vieram... com o seguinte pensamento: lá tem muita madeira, lá tem isso, lá tem aquilo outro, eu vou para lá trabalhar um ano, trabalhar dois meses ou três meses e aí tirar uma parte de coisa e vou embora (...). (Assentado do núcleo Castelo, membro da direção estadual do MST).

Após denúncias, fiscais do IBAMA compareceram ao assentamento e orientaram os assentados a redobrarem a fiscalização para que os problemas de caráter externo fossem contornados. O processo de regulação ganhou forma com a chegada de militantes do MST (do Pará), que vieram orientar os assentados a utilizarem práticas capazes de coibir o livre acesso, e com a realização do pré-parcelamento que deu uma nova configuração ao regime de propriedade e facilitou a inspeção feita pelos próprios assentados:

(...) foi obrigado a gente criar uma norma [fiscalizar e proibir a retirada de madeira para a venda], fazer com que algumas regras fossem respeitadas, alguns poderiam usar algumas coisas, mas não desordenadamente (...). (Assentado do núcleo Castelo, membro da direção estadual do MST).

Além da extração ilegal, foram registrados dois incêndios no assentamento, provavelmente criminosos na ARL - realizados por pessoas insatisfeitas com as proibições adotadas quanto ao uso de alguns recursos naturais - que contribuíram para a perda da vegetação nativa. O controle da retirada de madeira na ARL é extremamente importante para os assentados, visto que a lenha (árvores mortas) é a principal fonte de energia utilizada para cozinhar. Cada família consome, em média, uma carroça de lenha, aproximadamente 0,5m3 a cada dez dias, o que totaliza 18,25m3 ao ano. (CUNHA, NUNES e MIRANDA, 2006CUNHA, L. H.; NUNES, A. M. B.; MIRANDA, R. S. Colapso e reconstrução dos regimes de propriedade e o manejo dos recursos naturais em áreas de assentamento. In: ENCONTRO DA REDE RURAL, 1., 2006, Niterói. Anais... Niterói: UFF, 2006. CD-ROM.).

No assentamento Osiel Pereira, nos três primeiros anos, antes da divisão, muita madeira foi retirada do assentamento para fabricar carvão. As espécies mais utilizadas eram o juá e o angico. Como os conflitos no assentamento não eram relacionados apenas à apropriação dos recursos naturais coletivos, o processo de regulação era inexistente. A produção de carvão era a principal fonte de renda de muitas famílias assentadas, que em média produziam 50 sacos de carvão (20kg cada), por família ao mês, e vendiam cada saco por 4 reais no município de Remígio.

Nas visitas e conversas pudemos verificar a dificuldade das famílias em encontrar dentro do assentamento madeira em quantidade suficiente para construírem chiqueiros, barracas e cercas. A única área que ainda disponibiliza madeira é uma área de reserva próxima à agrovila de Lagoa de Jogo, que por ser muito distante, não foi tão explorada. As poucas árvores que existem próximo da agrovila da Pista são proibidas de serem retiradas, para garantirem sombra próxima às casas, e as famílias respeitam essa regulamentação.

As ações empreendidas pelas instituições sociais do assentamento, na tentativa de regular a extração de madeira, aconteceram depois que as áreas próximas à agrovila da Pista não disponibilizavam mais o recurso natural, momento da divisão do assentamento, em 2002. Depois da consumação da tragédia dos comuns os assentados estabeleceram regras e normas para regulamentar o acesso à madeira da Lagoa do Jogo. Há casos, ainda, de famílias que fabricam carvão, mas, a produção é pequena e é usada para o consumo próprio.

Além da ausência de regras e normas internas que inibissem a retirada ilegal de madeira, as famílias assentadas tiveram dificuldade em ter acesso aos funcionários do IBAMA. A certeza de que dificilmente o IBAMA enviaria fiscais ao assentamento contribuiu para extração de madeira na ARL. O que nos permite afirmar que a ausência dos órgãos públicos competentes e de arranjos institucionais aumenta as incertezas e, consequentemente, contribui para a degradação da base de recursos naturais comuns.

A caça e a pesca

No assentamento José Antônio Eufrosino, os recursos pesqueiros foram explorados, principalmente por forasteiros. No período de desregulação, pescadores profissionais ou amadores entravam indiscriminadamente no assentamento e levavam consigo grandes quantidades de pescado sem remunerar as famílias assentadas. Para controlar a pesca, as famílias proibiram a entrada de pessoas estranhas no assentamento; os portões e cancelas passaram a ser trancados com cadeados.

Entre 2004 e 2005, a pesca foi proibida por um período de seis meses, momento em que foram colocados, no açude grande, alevinos (carpas), a fim de que os recursos pesqueiros fossem repostos e viessem a se tornar fonte de alimento para as famílias assentadas. Após a inserção de novos peixes, esperou-se que os mesmos crescessem e se reproduzissem durante 1 ano, para retomar a pesca. Atualmente, as famílias podem pescar em qualquer época do ano em todos os reservatórios, desde que seja para o consumo. Não há uma definição de quantos quilos de peixe podem ser pescados, na verdade a proibição é para a venda do pescado.

O livre acesso e o oportunismo de alguns assentados contribuíram para a redução da fauna, das aves: galo de campina (paroaria dominicana), concriz (icterus jamacaii), sabiá (turdus refiventris), rolinha (scardafella squammata), azulão (cyanoloxia brissonii), gavião-caboclo (heterospizias meridionalis) e ema (rhea americana); dos animais: tatu-peba (euphractus sexcintus), tatu verdadeiro (daypus novemcintus) tamanduá-mirim (tamandua tetradactyla), raposa (vulpes vulpes), preá (cavea aperea); e das cobras: cascavel (cotralus durissus), coral (micrurus corallinus), corre-campo (themnodynastes pallidus) e jararaca (bothrops jararaca), comumente encontrados outrora, tornaram-se menos vistos.

No assentamento Osiel Pereira, a pesca predatória foi o principal conflito ambiental enfrentado pelos assentados. De 1999 a 2003, várias tentativas de regulação foram realizadas, mas não obtiveram sucesso. Os piores anos foram antes da divisão do assentamento. Famílias de Remígio iam tomar banho, beber, fazer churrasco e pescar no açude Queimadas: “Todo mundo tinha acesso a tudo, quem era assentado e quem não era assentado, pescava o peixe que tinha todinho e os assentados que quisessem comer [peixe] tinham que pagar pelo peixe pescado nos açudes da gente” (Assentada do núcleo Pia).

Com a divisão do assentamento, as ações reguladoras passaram a ser mais rigorosas. Em 2002 as famílias do assentamento Osiel Pereira e um representante do assentamento Queimadas, em assembleia, decidiram que no açude Queimadas: o pescador que passar o dia pescando tem direito a um terço do pescado (não ficou definido, quem ficaria com a outra parte); somente os assentados poderão pescar; os assentados só poderão pescar durante a 2ª quarta-feira e a 4ª quinta-feira de cada mês, das 5h à 17h. Apesar das famílias estabeleceram as regras de acesso ao açude Queimadas, não fiscalizavam sua aplicabilidade.

No primeiro semestre de 2003, as famílias retomaram os debates sobre a pesca predatória e sobre a falta de fiscalização. Visto que todas as tentativas de monitoramento e regulação do acesso aos açudes não tinham sido eficazes, os assentados decidiram, em assembleia, proibir a pesca e cercar parte do açude Queimadas para dificultar o acesso de pessoas de fora do assentamento, o que reduziu significativamente a pesca.

A redefinição dos mecanismos de regulação de acesso e uso dos recursos naturais comuns, associada à escassez de peixes no açude Queimadas, contribuiu para a redução da pesca no assentamento Osiel Pereira. Os assentados interessados em pescar têm que se dirigir ao açude de Lagoa de Jogo, mais preservado, por ser mais distante. Mas, a principal conquista foi o controle do acesso de pessoas não assentadas que iam tomar banho, beber e fazer churrasco no açude Queimadas.

As áreas de pastagem coletiva

No assentamento José Antônio Eufrosino, a superexploração da pastagem coletiva foi um problema. Antes do pré-parcelamento, um criador de gado, ex-arrendatário de uma das fazendas, colocou cerca de 200 reses no assentamento e mandou cercar uma área de 400ha e chegou a cercar 90ha. Insatisfeitos, os assentados denunciaram o fazendeiro ao INCRA, que exigiu a retirada do gado. Como o fazendeiro descumpriu as ordens judiciais, os assentados começaram a abater os animais e distribuir a carne entre si (fala-se que foram abatidos 11 animais), só assim, o fazendeiro retirou o restante dos animais.

Após o pré-parcelamento, algumas famílias passaram a alugar o pasto da área coletiva. Como cada família queria colocar muitos animais, para garantir lucros maiores, a pastagem ficou lotada, calcula-se que chegou a ter 3.000 animais pastando em 1.000ha. Quando as pastagens foram degradadas e a água ficou escassa, os assentados criadores exigiram, das instituições do assentamento, a redução do número de animais. Devido às possibilidades de falta de pasto e de água para os animais dos assentados, as famílias decidiram pela proibição do aluguel do pasto e o acesso à pastagem coletiva ficou restrito a 500 cabeças de gado.

As instituições sociais do assentamento continuam tendo dificuldades para regular a quantidade de animais por família, especialmente no inverno (época das chuvas):

(...) a gente está com um problema sério e grave por que... aqui era para criar os bichos da gente, só da gente, quem tem cria, quem não tem, arruma um jeito de comprar, mais aqui o pessoal... se eu tenho 10, eu pego 20 da rua e boto aqui na reserva (...) está acabando com tudo, quando é no verão os cabras levam seu gado gordo e deixam o da gente aqui morrendo de fome (...). (Assentado do núcleo Bonfim).

Foram feitas assembleias para discutir o número de animais nas áreas de pastagem coletiva, a quantidade de animais por família e, principalmente, a presença de animais de terceiros pastando:

(...) a gente já debateu, a associação cai em cima, mas, você sabe, quando três ou quatro tentam resolver uma coisa é queimado, é ameaçado de morte, aquele muído da mulhesta (...) [atualmente] esfriou mais um pouco, mais ainda tem os bicho dos outros aqui dentro, tem e não é pouco não, ainda é muito, muito mesmo. (Assentado do núcleo Bonfim).

O acesso ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), mobilizou as famílias assentadas para a criação de animais e para a redefinição das regras de uso dos recursos naturais e a organização da criação de animais no assentamento, de maneira que todos pudessem ter acesso às pastagens coletivas e à água. O uso e acesso à água, aliás, vêm se tornando um problema. Com o parcelamento, parte dos barreiros e açudes, coletivos, ficaram dentro dos lotes, e em alguns casos, os proprietários deixam os animais beberem nos locais em que se retira água para o consumo.

(...) água para beber são poucos [os barreiros e açudes], ainda mais agora depois que foi feito esse loteamento, agora que vai ficar [mais] escasso mesmo, porque muitos caíram dentro dos lotes (...) os animais usam. Eu acredito que daqui para frente, água para beber de barreiro daqui, não vai ter, em minha opinião, porque já foi tudo destinado para os animais, tanto que já existe esse projeto de cisternas, que está bem encaminhado, iniciado. (Assentado do núcleo Logradouro, duas vezes presidente da associação).

No assentamento Osiel Pereira, as famílias praticamente não enfrentam problemas relacionados às pastagens. Houve casos de animais de vizinhos que entraram no assentamento e comeram a plantação de algumas famílias. Talvez por não ser um problema, os assentados não se mobilizaram para regulamentarem a quantidade de animais que cada família poderia colocar na área coletiva ou nas áreas de preservação permanente. Em 2006, membros da direção da cooperativa fizeram o levantamento de quantas famílias da agrovila da Pista utilizavam as pastagens para colocar animais. Das 30 famílias da agrovila, apenas 9 utilizam.

Apesar de poucas famílias utilizarem as pastagens coletivas, ocorreram conflitos. Na agrovila da Pista o principal local de pastagem são várzeas do açude Queimadas, que fornece alimento para os animais na época da seca. Como não existem regras e normas que regulamentem o uso da várzea do açude, algumas famílias começaram o colocar os animais na área. Os animais dos assentados que moram nessa agrovila estão pastando nas várzeas porque, depois do acesso a linhas de crédito, o rebanho bovino vem aumentado.

Em virtude desses conflitos, houve uma assembleia, em 2006, para formalizar e regular o acesso de animais no açude Queimadas e no açude de Lagoa de Jogo (próximo à área de reserva) e ficou acordado que:

(...) não se pode amarrar animais dentro da várzea que pega o açude, que ali é uma reserva de alimentos para quando chegar a seca o povo cortar capim, só que as pessoas não respeitam, muitas pessoas não respeitam, e soltam os animais dentro, ai é aquela confusão, os que vão buscar manual [o capim] reclamam porque destruíram tudo (...) dizem que tem proposta [a atual diretoria da cooperativa] para ver se consegui organizar, mas até agora não tem organização em relação a isso não. (Assentada do núcleo Pia, ex-membro da diretoria da cooperativa, coordenadora do núcleo, membro do grupo de mulheres, e militante do MST).

A construção da cerca não ocorreu ainda porque:

Alguns sócios (...) preferem ver a área aberta, desmantelada, porque ele coloca [animais] de todo jeito, do que ele contribuir para cercar. (Assentado do núcleo Pia, atual tesoureiro da cooperativa).

As famílias deliberam em assembleia a forma de apropriação, mas não conseguem garantir a aplicabilidade das decisões tomadas coletivamente. Em parte isso ocorre porque muitos assentados não estão interessados em dividir os custos relacionados ao processo de regulação, sejam eles a construção de cerca ou a fiscalização de quem está descumprindo as normas e, porque a cooperativa e os núcleos de família não possibilitam a redução das incertezas que envolvem o acesso e uso dos recursos naturais coletivos.

Por outro lado, os conflitos pela colocação de animais para pastarem nas várzeas de açudes e rios ocorrem, em certa medida, porque ações referentes à realização do parcelamento não regulamentaram que os recursos hídricos do assentamento seriam coletivos e que todos podem ter acesso a esses benefícios, mesmo que esses se encontrem dentro de algum lote. Houve família que cercou barreiros e margens de rio que havia no lote:

Em relação às margens de rio foi uma confusão muito grande, porque quando foi feito o parcelamento uma parte ficou dentro do lote de uma pessoa. Ela achou que aquilo era dela e cercou tudo, então as pessoas que tinham acesso antes, que usavam, tiravam capim, amarravam animais, essas pessoas começaram a brigar entre elas. A cooperativa teve que se reunir e explicar que era uma reserva, que todos tinham o direito de usar, que ele não podia cercar (...) e dizer que era dela. (Assentada do núcleo Pia, ex-membro da diretoria da cooperativa, coordenadora do núcleo, membro do grupo de mulheres, e militante do MST).

Assim como no assentamento José Antônio Eufrosino, as famílias do assentamento Osiel Pereira têm tido dificuldade em regulamentar o acesso e uso dos recursos naturais. As ações implementadas ocorreram sempre que os conflitos se agravaram e as regras e normas estabelecidas nas assembleias ou nas reuniões dos núcleos eram descumpridas. O processo de regulação dos recursos naturais requer ações contínuas e não pontuais. Regulamentar não é só dizer o que pode e o que não pode ser feito, mas, também, monitorar comportamentos.

As instituições sociais do assentamento Osiel Pereira não possibilitaram e tiveram dificuldade para regulamentar o acesso e uso aos recursos naturais. Os depoimentos mostraram que o assentamento viveu dois casos de consumação da tragédia dos comuns: a escassez de peixes no açude Queimadas, e a pequena quantidade de árvores das espécies juá e angico. Os recursos naturais existentes não degradados estão em área de difícil acesso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os processos sociais desencadeados pela desapropriação do latifúndio para a constituição dos assentamentos de reforma agrária são permeados por incertezas e pela falta de regulação do acesso e uso dos recursos naturais coletivos (CUNHA; NUNES; MIRANDA, 2006CUNHA, L. H.; NUNES, A. M. B.; MIRANDA, R. S. Colapso e reconstrução dos regimes de propriedade e o manejo dos recursos naturais em áreas de assentamento. In: ENCONTRO DA REDE RURAL, 1., 2006, Niterói. Anais... Niterói: UFF, 2006. CD-ROM.), bem como pela maior dificuldade em empreender ações coletivas, em comparação ao período do acampamento. Adquirida a terra, as famílias procuram se instalar nos seus lotes e organizar sua produção com base na mão de obra familiar. É neste cenário que as instituições sociais adquirem o papel preponderante.

As dinâmicas institucionais existentes nos assentamentos estudados devem ser entendidas como um complexo processo social (cumulativo) de aprendizado de regras e normas que possibilitam o alcance de resultados melhores e dão corpo aos arranjos institucionais dos assentamentos. No início, as instituições estão relacionadas a aspectos puramente formais que, posteriormente, transformam-se, ganham contornos e tornam-se parte constitutiva de uma nova realidade social, econômica e ambiental.

O processo de resolução e superação dos dilemas sociais que entravam a mediação interna e a regulação dos recursos naturais dos dois assentamentos passaram a ser solucionados quando os núcleos de família foram criados. Apesar dos núcleos serem parte do novo modelo organizacional adotado pela direção nacional do MST e, consequentemente, estabelecerem regras e normas que estão relacionadas à ação nacional do movimento, em cada assentamento esses arranjos institucionais foram implementados de maneira diferente.

A ampliação dos espaços de tomada de decisão nos assentamentos, através das reuniões dos núcleos de família, demonstra que as regras e normas estabelecidas pela associação e a cooperativa dos assentamentos José Antônio Eufrosino e Osiel Pereira, respectivamente, nem sempre possibilitaram a superação de dilemas sociais associados ao provimento de bens comuns. O que sugere a incompatibilidade dos arranjos institucionais de associações e cooperativas, da modo como foram estabelecidos, com o processo de consolidação dos assentamentos rurais e viabilização da agricultura familiar nessas áreas.

O parcelamento, mecanismo que institucionaliza as áreas de apropriação individual e áreas de apropriação coletiva nos assentamentos, é implementado anos após a criação dos assentamentos. Deveria ser a primeira ação executada pelos técnicos do INCRA, com a participação dos assentados e suas instituições, porque a formalização da organização espacial das áreas reformadas reduz as incertezas relacionadas ao acesso e uso dos recursos naturais. A demora na sua realização fragiliza a instituições sociais dos assentamentos rurais.

As incertezas vividas pelas famílias assentadas, em grande parte, estão associadas à indefinição do local de moradia e plantio e, consequentemente, à permanência no assentamento. Nos assentamentos estudados, o parcelamento ocorreu de maneiras distintas. No assentamento José Antônio Eufrosino, a realização do parcelamento possibilitou a definição do local de moradia e a liberação do crédito para a construção das casas, além de estabelecer as regras e normas de apropriação dos recursos comuns. No assentamento Osiel Pereira, o parcelamento representou a definição dos espaços coletivos e de uso individual.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2014
  • Aceito
    20 Mar 2017
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