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Rede Urbana Interiorizada: novas conformações do Território no Nordeste Brasileiro

Resumo

A problemática deste estudo aponta para um objeto concreto, cuja referência é a configuração de uma rede urbana internalizada no Nordeste brasileiro. Para este entendimento, estudamos a formação da rede de cidades da região, considerando a urbanização do território, até as últimas décadas. Utilizamos a contribuição teórica nas leituras bibliográficas de trabalhos que tratam do tema. Analisamos as transformações no território acompanhadas pela reestruturação da economia, o crescimento do número e tamanho das cidades e o aumento representativo dos papéis urbanos na divisão territorial do trabalho. Identificamos no Nordeste do Brasil uma rede urbana internalizada, organizada e dinâmica, com a difusão de novas centralidades urbanas distante dos grandes centros da região.

Palavras-chave:
Urbanização do território; Novas centralidades; Cidades do Nordeste

Abstract

The issue of this study points to a concrete object, whose reference is the configuration of an internalized urban network in the Brazilian Northeast. To understand this, we studied the formation of the network of cities in the region, considering the urbanization of the territory, until the last decades. We used the theoretical contribution in bibliographic readings of works that deal with the theme as in Azevedo. We analyzed the transformations in the territory accompanied by the restructuring of the economy, the growth of the number and size of cities and the representative increase of the urban roles in the territorial division of labor. We identified in Northeast Brazil an internalized urban network organized and dynamic, with the diffusion of new urban centralities far from the great centers of the region.

Keywords:
Urbanization of the territory; New centralities; Northeast Cities

INTRODUÇÃO

A urbanização contemporânea tem, cada vez mais, nos mostrado a fluidez dos investimentos produtivos pelo território e o redimensionamento dos fatores locacionais clássicos. Essa é uma nova forma que observamos com o preenchimento do espaço por atividades econômicas em áreas que até então não tinham representatividade no território.

A expansão do sistema de objetos e sistema de ação (SANTOS, 2004SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4, ed. EDUSP: São Paulo, 2004 [1996]. [1996]), no interior do território, tem possibilitado a criação de novas centralidades urbanas. Para entender essa configuração, estudamos a formação da rede de cidades na região Nordeste, considerando o processo de urbanização do território, até as últimas décadas. Analisamos as grandes transformações no território acompanhadas pela reestruturação da economia, do crescimento do número e tamanho das cidades e pelo representativo aumento dos papeis urbanos na divisão territorial do trabalho (SANTOS, 2005 [1993]).

Este processo não é novo, porém, tem apontado um direcionamento de importantes atividades econômicas para o interior do território, criando, assim, novas centralidades urbanas e, com isso, possibilitando a difusão de características restritas às metrópoles em espaços urbano-regionais de cidades de menor porte.

O objetivo deste trabalho é discutir esse processo que vem sendo verificado nas últimas décadas em todo território. O Foco será o Nordeste brasileiro, o fenômeno que chamamos de rede urbana interiorizada, compreendida pelos centros urbanos constitutivos dessa nova configuração da urbanização do território. Para o desenvolvimento do trabalho, foi utilizado o aporte teórico em leituras bibliográficas de obras que versam sobre a temática literatura científica e relatórios governamentais.

A REDE URBANA INTERIORIZADA: COMO LÊ-LA?

Analisar a urbanização, entendida enquanto processo cujo o produto socioespacial é a cidade, entendemos ser necessário o exercício da articulação entre o espaço e tempo (SPOSITO, 2004SPOSITO, M. E. B. O chão em pedaços: urbanização, economia e cidades no Estado de São Paulo. 2004. 508 f. Tese (Livre Docência). Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2004.) em sua análise, especialmente sob o modo de produção capitalista e seu rebatimento na divisão social do trabalho.

O estudo sobre a urbanização pede uma cuidadosa investigação do processo histórico, observando todos os objetos geográficos (fixos estruturais e fluxos de relações e conteúdos sociais) responsáveis por sua conformação no território, o que nos permite identificar as mudanças e as permanências (SANTOS, 2004SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4, ed. EDUSP: São Paulo, 2004 [1996]. [1996]) e, com isso, a identificação de suas rugosidades no espaço (SANTOS, 2008a [1978]; 2004 [1996]).

Para isso, torna-se fundamental entendermos a urbanização como um processo que resultou na criação das cidades no território, estas ricas em conteúdo, forma, função e processo (SANTOS, 2008b______. Metamorfoses do espaço habitado: Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Geografia, 6. ed. São Paulo: EDUSP, 2008b [1988]. [1988]), sendo sua apreensão uma necessidade no estudo que realizamos.

Quanto aos espaços urbanos não metropolitanos no país, assumimos o compromisso de caminhar em um campo ainda pouco estudado, em comparação às áreas mais urbanizadas, abrigo das grandes cidades e regiões metropolitanas.

Contudo, temos observado, também nas últimas décadas, paralelo ao fenômeno da metropolização no Brasil, a manutenção de alguns quadros urbanos regionais, com a permanência no comando da rede urbana nacional das capitais estaduais que, em grande parte, aparecem como maiores centros urbanos (O’NELL, 2010O’NELL, M. M. Rede urbana. In: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas Nacional do Brasil Milton Santos. Rio de Janeiro: IBGE, p. 261-272, 2010.). O que temos, todavia, é o surgimento de uma nova lógica econômica, política e social correspondente a esse momento histórico, caracterizado pelo processo de modernização e descentralização das atividades, mas também pela expansão da pobreza e desigualdade, que eram restritas aos grandes centros metropolitanos (SIMÕES; AMARAL, 2011SIMÕES, R.; AMARAL, P. V. Interiorização e novas centralidades urbanas: uma visão prospectiva para o Brasil. In: Revista Economia, v.12, n.3, p.553-579. set./dez. 2011.; BEZERRA; LIMA, 2011BEZERRA, J. A.; LIMA, K. Q. de. Desigualdades socioespaciais em pequenas cidades: a segregação residencial na cidade de Pau dos Ferros-RN. In: Revista Geotemas. Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil, v. 1, n. 1, p. 43-54, jan./jun., 2011. https://doi.org/10.33237/geotemas.v1i1.120
https://doi.org/10.33237/geotemas.v1i1.1...
).

Esse novo momento, caracterizado basicamente pela globalização da economia, possibilitou uma nova reorganização do território com o surgimento de novas regionalizações, tanto em áreas tradicionalmente concentradoras de recursos econômicos e populacionais, no Sul e Sudeste do país, como também em porções menos adensadas do Centro-Oeste e Nordeste. Nesta última, tivemos uma urbanização atrofiada das cidades, que se modificou pela difusão desse processo pelo território ao longo das últimas décadas, modificando a conformação da rede de cidades do interior nordestino.

A formação da rede urbana interiorizada nordestina

As áreas concentradoras de população e recursos econômicos do Nordeste eram, ou passaram a ser, caracterizadas especialmente pelo acelerado processo de urbanização e pela multiplicação de fluxos de toda natureza (pessoas, matéria, capital e informação), ligadas à atuação de uma grande atividade econômica, ou pela ascensão de novas centralidades ligadas à gestão do território (IBGE, 2014). Alguns destes centros tornaram-se verdadeiros corredores de desenvolvimento regional no interior do território, devido à concentração de atividades neste espaço e, com isso, a ampliação de sua influência em centros de menor importância (IBGE, 2008).

A análise da urbanização e a conformação das cidades na região Nordeste requer uma investigação mais densa e específica às dinâmicas econômicas regionais, e sua relação com a formação do território. Como sinaliza Clementino (1995______. Economia e urbanização: o Rio Grande do Norte nos anos 70. Natal: UFRN/CCHLA, 1995., p. 28):

[...] os processos históricos do desenvolvimento econômico de cada uma das regiões do país vão ensejar diferentes processos de urbanização: uns mais atomizados, outros mais articulados e até os que apresentam uma lei hierárquica de cidades.

Esse aspecto da urbanização nas áreas mais afastadas dos grandes centros, especialmente no Nordeste brasileiro, demonstra um novo traço da conformação urbano-regional e novos sentidos e significados dessa parcela de cidades menores da rede urbana regional. Temos, de um lado, a faixa litorânea, de ocupação antiga, apresentando um elevado grau de urbanização, alta densidade urbana e concentração de uma população de renda baixa e, do outro, a porção interiorana, também com índices de desenvolvimento humano baixos, porém, apresentando um processo de urbanização que possibilita o surgimento de novas centralidades urbanas (LUBAMBO et al., 2005LUBAMBO, C.; CAMPELLO, A. F.; ARAÙJO, M. do S.; ARAÚJO, M. L. C. de. Urbanização Recente na Região Nordeste: dinâmica e perfil da rede urbana. In: Observanordeste - Textos Especiais. 2005.).

Quando nos debruçamos sobre a questão regional do Nordeste brasileiro (ANDRADE, 1984______. A questão regional. O caso do Nordeste. In: MARANHÃO, Sílvio. A questão Nordeste. Estudos sobre formação histórica, desenvolvimento e processos políticos e ideológicos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 41-53, 1984.), podemos identificar, de forma mais clara, esse quadro de mudanças no território, as quais podem ser confundidas pelo crescimento dos índices de desenvolvimento humano e pela desigualdade na urbanização da região. Esse processo modificou a organização das cidades, e pode ser compreendido como reflexo da urbanização dispersa e condicionante da organização social e produtiva que preservou formas arcaicas de produção (ANDRADE, 1984).

Falar da formação do Nordeste brasileiro implica em nos remeter à sua ocupação, observando o sentido litoral interior, quando da constituição das primeiras cidades (AZEVEDO, 1994 [1957]) e, consequentemente, do sistema urbano da região.

Podemos dizer também que a disposição espacial em que as cidades nordestinas se encontram na região se deu a partir da produção no campo e na cidade, seja a partir das economias tradicionais originárias ainda no período colonial, como também no último quartel do século XX, com a participação do Estado na política industrial que recondicionou a economia da região a um novo modelo e redefiniu o papel de importantes cidades do interior (CLEMENTINO, 1990CLEMENTINO, M. do L. M. Complexidade de uma urbanização periférica. 307 f. Tese (Doutorado em Economia). Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1990.).

Nesse meio tempo, precisamos frisar ainda que essas cidades passaram a assumir novas funções ditadas pelo mercado, rebatendo diretamente no processo de urbanização no Nordeste, especialmente a partir do final do século passado (ANDRADE, 1995______. A questão do território no Brasil. Hucitec: São Paulo, 1995.).

Clementino (1995______. Economia e urbanização: o Rio Grande do Norte nos anos 70. Natal: UFRN/CCHLA, 1995.) relata que, até meados dos anos 1950, a cidade no Nordeste brasileiro assumiu uma função meramente político-administrativa. O campo era subordinado às poucas cidades existentes, sendo essas concentradoras da maior parte da população e abrigo de militares e do capital mercantil.

Esta realidade vista em grande parte do Nordeste, discorrida em alguns estudos sobre o tema (ANDRADE, 1995______. A questão do território no Brasil. Hucitec: São Paulo, 1995.; CORREA, 1977CORRÊA, R. L. Aspectos da urbanização do Nordeste. Departamento de estudos econômicos do Nordeste. Banco do Nordeste: Fortaleza, 1977.; LINS, 1990LINS, C. J. C. Crescimento dos centros urbanos do Nordeste do Brasil no período de 1960-70. FUNDAJ. Editora Massangana, Recife, 1990.), mostrou que a distribuição espacial dos centros de maior importância funcional, e relativamente mais desenvolvidos, se encontrava essencialmente ao longo do litoral, sendo a difusão da urbanização pelo interior bastante retardada em sua comparação.

Como afirma Cascudo (1984CASCUDO, L. da C. História do Rio Grande do Norte. 2. ed. Natal: Fundação José Augusto. 1984 [1955]. [1955]), esse processo de interiorização da urbanização no Nordeste, entendida, nesse início, como processo de constituição das primeiras cidades, só começou no século XVIII com o povoamento da Chapada Diamantina, do vale médio do rio São Francisco e, especialmente, com a expansão pastoril no sertão. A porção da região que mais se destacou nesse aspecto foi a que se estendia desde a baixada maranhense até o baixo mucuri (divisa entre os estados da Bahia e o Espírito Santo), com maior penetração do sertão oriental (ANDRADE, 1995______. A questão do território no Brasil. Hucitec: São Paulo, 1995.). Nessa época, foram criadas algumas vilas e cidades importantes no interior da região, entre elas: Icó (Ceará); Crato (Ceará); Sobral (Ceará); Assú (Rio Grande do Norte); Campina Grande (Paraíba); Sousa (Paraíba), Senhor do Bonfim (Bahia) e Jacobina (Bahia) (IBGE, 2011).

É importante frisar que o sertão compreende importantes áreas do Nordeste brasileiro (a partir dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia), sendo objeto de estudos de várias áreas do conhecimento. Essa dimensão pode ser vista no trabalho de Andrade (2005______. A terra e o homem no Nordeste - Contribuições ao Estudo da Questão Agrária no Nordeste. 8. ed. Recife: Cortez, 2005 [1963]. [1963]), quando diferencia o litoral do sertão, e Oliveira (1993OLIVEIRA, F. de. Elegia para uma re(li)gião: Sudene, Nordeste. Planejamento e conflito de classes. 6, Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993 [1977]. [1977]), na discussão sobre o Estado e os conflitos de classe na região. A obra “Os Sertões”, de Euclides da Cunha (1963CUNHA, E. da. Os Sertões. 27 ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963 [1902]. [1902]), que pode ser apreendida, além de sua contribuição literária na língua portuguesa, ajuda-nos a entender o cotidiano do sertanejo diante das adversidades da natureza e do homem (elites fazendeiras).

Durante muito tempo, tivemos uma urbanização insignificante no Nordeste que, muitas vezes, nos apontava um predomínio político e econômico do campo frente à cidade, caraterizado pela ausência de uma rede urbana articulada e pela existência de pouquíssimos centros de comando.

Clementino (1990CLEMENTINO, M. do L. M. Complexidade de uma urbanização periférica. 307 f. Tese (Doutorado em Economia). Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1990., p. 72) aponta que, ao discutirmos o surgimento da urbanização na região, não podemos deixar de considerar os redutos territoriais dos coronéis e famílias oligárquicas. “[...] Como detém o aparelho de Estado a nível local, usa em seu próprio proveito as benesses do Estado e refaz de algum modo a cidade”. Nesse contexto, muitas cidades foram criadas e se desenvolveram ao longo de décadas, estando por muito tempo sob comando de famílias tradicionais das suas respectivas regiões.

Quanto à formação da rede urbana interiorizada, especialmente na porção oriental do Nordeste, esta esteve ligada originalmente aos caminhos de gado construídos à época. Segundo Andrade (1981______. A produção do espaço norte-rio-grandense. UFRN. Ed. Universitária UFRN: Natal, 1981.) e Cascudo (1984CASCUDO, L. da C. História do Rio Grande do Norte. 2. ed. Natal: Fundação José Augusto. 1984 [1955]. [1955]), até meados do século XVIII, boa parte do Nordeste ainda não era ocupado, contudo, o sistema de cidades começou a ser construído, principalmente no litoral, ligado à exportação de cana-de-açúcar e, no sertão, com a criação de gado.

Segundo Cascudo (1984CASCUDO, L. da C. História do Rio Grande do Norte. 2. ed. Natal: Fundação José Augusto. 1984 [1955]. [1955]), a gênese da região nos ajuda a entender também a diversidade regional em comparação às outras porções do território brasileiro. Por um lado, tivemos, durante muitos séculos, um pequeno grupo de centros fincados especialmente no litoral, que desempenhavam um papel de polo dinâmico regional, movimentado pelo mundo externo, havendo pouca relação interna. Enquanto em um panorama mais amplo, teríamos um verdadeiro mosaico regional, formado por “ilhas” de povoamento mais ou menos isoladas umas das outras sem, até a década de 1940, existir grandes estruturas viárias interligando-as (LINS, 1990LINS, C. J. C. Crescimento dos centros urbanos do Nordeste do Brasil no período de 1960-70. FUNDAJ. Editora Massangana, Recife, 1990.).

O que Andrade (1974ANDRADE, M. C. de. Cidade e campo no Brasil. Editora Brasiliense: São Paulo, 1974.) afirma sobre essa primeira etapa da urbanização na região é que as cidades e suas regiões foram, durante muito tempo, exercendo relações quase que exclusivamente intra-regionais, se adaptando às condições geográficas e ao momento histórico no qual foram criadas.

Há de considerar, além disso, que, historicamente, as adversidades naturais, especificamente ligadas ao clima semiárido, contribuíram para o retardamento da ocupação do seu território, mesmo que, nas últimas décadas, o sertão nordestino, apesar de constituir uma área menos povoada em relação ao litoral, se encontre como uma das mais densas demograficamente do mundo (SALES, 2002SALES, M. C. L. Evolução dos estudos de desertificação no Nordeste Brasileiro. In: GeoUSP: Espaço e Tempo. N. 11. p. 115-126. São Paulo, 2002. https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2002.123650
https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892....
).

Outra questão que precisa ser apontada, é a estrutura fundiária da região, importante para entendermos a diversidade regional no que diz respeito ao processo de urbanização do Nordeste. Sobre o assunto, Santos (2005______. A urbanização brasileira. 5, ed. EDUSP: São Paulo, 2005 [1993]. [1993], p. 69) aponta que a:

[...] estrutura fundiária, hostil desde cedo à maior distribuição de renda, ao maior consumo e à maior terciarização, ajudava a manter na pobreza milhões de pessoas e impedia uma urbanização mais expressiva. Por isso, a introdução de inovações materiais e sociais iria encontrar grande resistência de um passado cristalizado na sociedade e no espaço, atrasando o processo de desenvolvimento.

Este quadro pretérito da região permaneceu assim por várias décadas, fazendo com que pequenos assentamentos populacionais mantivessem estruturas arcaicas da sociedade, brecando a inserção destes espaços às mudanças socioeconômicas já verificadas em outras regiões do país (SANTOS, 2005______. A urbanização brasileira. 5, ed. EDUSP: São Paulo, 2005 [1993]. [1993]). Com isso, houve um retardo no processo de urbanização do Nordeste, especialmente no seu interior, impulsionado pela escassez de rodovias que facilitassem o acesso a estes espaços localizados adentro do território (LINS, 1990LINS, C. J. C. Crescimento dos centros urbanos do Nordeste do Brasil no período de 1960-70. FUNDAJ. Editora Massangana, Recife, 1990.).

A leitura sobre a difusão dos corredores viários, especialmente das estradas de rodagem, está intimamente vinculada à ampliação da área de influência das cidades na porção interiorana da região e, com isso, ao crescimento populacional da maior parte de suas cidades. Algumas destas sofreram uma estagnação no crescimento e foram absorvidas por centros mais dinâmicos ou perderam sua importância no cenário regional (CORRÊA, 1977CORRÊA, R. L. Aspectos da urbanização do Nordeste. Departamento de estudos econômicos do Nordeste. Banco do Nordeste: Fortaleza, 1977.).

Esta é uma realidade vista desde a primeira metade do século passado e assinalada em alguns dos primeiros estudos sobre a rede urbana brasileira (GEIGER, 1963GEIGER, P. P. Evolução da Rede Urbana Brasileira. Coleção o Brasil Urbano. Série 4. Sociedade e Educação. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, 1963.). Sobre o surgimento de importantes centros no interior do Brasil, Geiger (1963GEIGER, P. P. Evolução da Rede Urbana Brasileira. Coleção o Brasil Urbano. Série 4. Sociedade e Educação. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, 1963.) aponta que:

De 1920 para cá, foram-se sucedendo novas “bocas de sertão”, “pontas de trilho” e “capitais regionais”, na terminologia utilizada por Pierre Mombeig. Surgiram tanto da fundação de novos núcleos urbanos como na valorização de antigas localidades atingidas pela onda da colonização, ou seja, atingidas pela ferrovia ou pela rodovia (GEIGER, 1963GEIGER, P. P. Evolução da Rede Urbana Brasileira. Coleção o Brasil Urbano. Série 4. Sociedade e Educação. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, 1963., p. 111, grifo do autor).

Um marco que contribuiu para acentuação da urbanização da região se deu na década de 1960, com a expansão da indústria, fomentada especialmente pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), que promoveu uma melhoria na infraestrutura urbana de importantes centros do interior.

Essa mudança foi percebida pelo surgimento de novas funções urbanas destes centros, especialmente a partir da desconstrução relativa dos seus papéis atacadistas, abrindo as cidades, juntamente com suas respectivas regiões, para a interlocução socioeconômica com as demais (CLEMENTINO, 1990CLEMENTINO, M. do L. M. Complexidade de uma urbanização periférica. 307 f. Tese (Doutorado em Economia). Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1990.).

Mesmo com a criação de muitas cidades no interior da região, até o final da década de 1970 eram poucas as estradas de boa qualidade que interligaram estes centros (LINS, 1990LINS, C. J. C. Crescimento dos centros urbanos do Nordeste do Brasil no período de 1960-70. FUNDAJ. Editora Massangana, Recife, 1990.).

As capitais dos estados, por se beneficiarem de sua função administrativa e, por isso, concentrarem um conjunto de serviços ligados aos órgãos federais e estaduais na região, receberam as primeiras e maiores estruturas que possibilitaram a manutenção e ampliação no comando da rede urbana e regional (CORRÊA, 1977CORRÊA, R. L. Aspectos da urbanização do Nordeste. Departamento de estudos econômicos do Nordeste. Banco do Nordeste: Fortaleza, 1977.; CLEMENTINO, 1995______. Economia e urbanização: o Rio Grande do Norte nos anos 70. Natal: UFRN/CCHLA, 1995.).

Isso ocorreu mesmo havendo uma interligação ainda precária com os centros intermediários que, gradativamente, vinham ganhando importância na organização das cidades, com a chegada de investimentos públicos e privados mais específicos nesses centros afastados das capitais (CLEMENTINO, 1995______. Economia e urbanização: o Rio Grande do Norte nos anos 70. Natal: UFRN/CCHLA, 1995.).

Para isso, reforçamos a importância da abertura/pavimentação das principais rodovias da região como as BRs 101, 304, 222, 232, 324, 230, além de algumas outras rodovias estaduais. Contudo, a pavimentação da BR 116, que ligou o Nordeste ao Centro-Sul do país, foi a que trouxe maior impacto e integração à região, pois facilitou a ligação dos maiores centros produtores de bens industrializados à boa parte dos centros consumidores nordestinos (LINS, 1990LINS, C. J. C. Crescimento dos centros urbanos do Nordeste do Brasil no período de 1960-70. FUNDAJ. Editora Massangana, Recife, 1990.), não só presentes no litoral. Assim, podemos dizer que, até o final da década de 1970, pouquíssimas cidades interioranas tinham ligações por estradas pavimentadas, inviabilizando qualquer relação comercial e mesmo administrativa com estes espaços.

Esse quadro começa a mudar, a partir da reestruturação produtiva do território e a implementação de políticas descentralizadoras implementadas a partir dos anos de 1990 e, principalmente, nos anos 2000, projetando a rede urbana nordestina, especialmente a interiorizada, com destaque na rede urbana nacional.

A nova configuração da rede urbana interiorizada nordestina

Apesar do processo de urbanização na região Nordeste ter sido um pouco mais lento em comparação a outras regiões do país, sobretudo frente ao Sudeste, no final do século XX, grandes cidades nordestinas, algumas constituídas como regiões metropolitanas consolidadas, apareceram como espaços de grande concentração populacional e de atividades econômicas mais avançadas. Estes espaços são promotores de “[...] conhecimento técnico e científico e das instâncias de decisão política” (LIMONAD, 1996LIMONAD, E. Os lugares da urbanização: o caso do interior Fluminense. 247 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). 1996. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo. São Paulo, 1996., p. 231) e podem ser vistos em toda parte.

Em contrapartida, diante dos novos rumos que a urbanização vem tomando no território, é possível observar o avanço de algumas cidades do interior da região Nordeste, nas instâncias de poder, bem como assumindo um papel de comando de sua rede urbana regional, mesmo estando ainda subordinadas às capitais dos estados (IBGE, 1972, 1987, 2000, 2008).

Esse processo recente de interiorização da urbanização, a nosso ver, é movido pelo surgimento de novas centralidades urbanas compostas por centros regionais de porte intermediário que, somado à sua área de influência, passam a ser verdadeiros aglomerados urbanos que congregam um grande número de cidades distribuídas pelo interior de todas as regiões do país.

Segundo Simões e Amaral (2011SIMÕES, R.; AMARAL, P. V. Interiorização e novas centralidades urbanas: uma visão prospectiva para o Brasil. In: Revista Economia, v.12, n.3, p.553-579. set./dez. 2011.), a espacialização desse fenômeno localizado na periferia da rede urbana brasileira pode ser entendida atualmente pelo assentamento da indústria dos setores eletroeletrônico, químico, mecânico e de transportes, localizados de Minas Gerais até o Sul do país, e pela expansão da fronteira agrícola extensiva ligada à agroindústria, com destaque para a parte Norte de Minas Gerais e algumas porções do Nordeste. Nesta região, temos também o deslocamento dos seguimentos leves, que exigem baixa sofisticação tecnológica em produtos e pouca qualificação de mão-de-obra, o que demonstra ser o foco principal dessa atividade os mercados regionais e locais. Ainda segundo Simões e Amaral (2011), esse conjunto possibilita a dispersão espacial recente desses setores produtivos no interior do Nordeste e o surgimento de uma rede urbana embrionariamente policêntrica, formada por regiões historicamente pobres e seus respectivos centros regionais.

O que observamos, nesse processo, é a atração das cidades mais desenvolvidas do Sul e Sudeste do país pela indústria de transformação mais intensiva em capital, enquanto no interior do Nordeste e Centro-Oeste, vê-se a chegada dos segmentos industriais intensivos em trabalho (SIMÕES; AMARAL, 2011SIMÕES, R.; AMARAL, P. V. Interiorização e novas centralidades urbanas: uma visão prospectiva para o Brasil. In: Revista Economia, v.12, n.3, p.553-579. set./dez. 2011.).

No Nordeste, temos observado uma reestruturação econômica na região que tem permitido o avanço de algumas atividades urbanas, a princípio, de forma mais concentrada, nas grandes regiões metropolitanas, mas que vêm chegando também nos centros regionais e de pequeno porte. Essa mudança permitiu que alguns grupos nacionais, e até internacionais, se instalassem nesses espaços menores, possibilitando a integração regional de algumas áreas.

Há de se observar a crise e o encolhimento da tradicional e complexa atividade sucroalcooleira, localizada no litoral da região Nordeste, que vem sendo gradativamente transferida para os estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás (ARAÚJO, 2014ARAÚJO, T. B. Nordeste: desenvolvimento recente e perspectivas. Caderno 19. In: GUIMARÃES, P. F.; AGUIAR, R. A. de; MARTINS, H. M.; SILVA, L. M. M. da. Um olhar territorial para o desenvolvimento: Nordeste. Rio de Janeiro: BNDES, p. 539-560, 2014.). Em meio a isso, temos a chegada de projetos de grande porte em todos os estados da região: plantas eólicas no Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia e Piauí; termoelétricas e siderúrgicas no Ceará e Maranhão; refinaria e indústria automotiva em Pernambuco; estaleiro e indústria de celulose na Bahia, entre outros. Todas essas bases têm proporcionado grandes mudanças na estrutura produtiva da região, o que vem impactando diretamente na dinâmica das cidades e nas suas respectivas regiões (Ibid.).

Economias tradicionais, como a pecuária e o algodão vêm perdendo importância para os setores da construção civil, do agronegócio, voltado especialmente para a produção de grãos, “[...] como hidrelétrica (Maranhão), plantas de energia eólica (Bahia, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte), refinarias (Pernambuco e Ceará), estaleiros (Pernambuco, Alagoas, Bahia e Maranhão), siderúrgicas (Maranhã e Ceará), indústrias de celulose (MA e BA), indústria automotiva (Pernambuco) e petroquímica (Pernambuco) [...]” (ARAÚJO, 2014ARAÚJO, T. B. Nordeste: desenvolvimento recente e perspectivas. Caderno 19. In: GUIMARÃES, P. F.; AGUIAR, R. A. de; MARTINS, H. M.; SILVA, L. M. M. da. Um olhar territorial para o desenvolvimento: Nordeste. Rio de Janeiro: BNDES, p. 539-560, 2014., p. 549) e, sobretudo, para ampliação do setor terciário, refuncionalizando os centros regionais, com a ampliação dos serviços de educação, saúde, comércio moderno, serviços especializados voltados para empresas e pessoais.

Com isso, não podemos deixar de destacar que as mudanças na estrutura produtiva da região, especialmente no terciário, têm proporcionado, no interior do Nordeste, a consolidação de pequenas fabriquetas de confecções, pequenas indústrias de laticínios e ovinocapricultura, entre outros setores.

Mas, sobretudo, a ampliação da base de ciência, tecnologia e inovação que o Governo Federal fomentou nos últimos anos, que resultou na expansão das universidades no interior e dos institutos de educação técnica, com a instalação de novos centros de pesquisa e desenvolvimento de polos tecnológicos no interior (ARAÚJO, 2014ARAÚJO, T. B. Nordeste: desenvolvimento recente e perspectivas. Caderno 19. In: GUIMARÃES, P. F.; AGUIAR, R. A. de; MARTINS, H. M.; SILVA, L. M. M. da. Um olhar territorial para o desenvolvimento: Nordeste. Rio de Janeiro: BNDES, p. 539-560, 2014.).

Na última década, foram criadas 07 universidades federais no interior do Nordeste, distribuídas em diversos campi espalhados pelos centros regionais da região. Entre as universidades criadas nesse contexto de interiorização do ensino superior, destacamos a Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB); a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA); a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIFASV) e a Universidade Federal do Carirí (UFCA) (MEC, 2012).

Diante dessa conjuntura, na região Nordeste, as cidades de Fortaleza, Recife e Salvador apareceram nas últimas décadas como os espaços que estão no comando da rede urbana regional, apresentando-se como principais polos populacionais, industriais e turísticos, embora estes centros e suas respectivas regiões metropolitanas se encontrem ainda relativamente segmentados e descontínuos em relação ao corredor industrial e de comando, localizado especialmente no Sudeste (IBGE, 2008).

Mesmo com estas mudanças que fizeram parte do processo de reestruturação do território nas últimas décadas na região, as quais intensificaram as relações socioeconômicas intrínsecas à urbanização em grande parte do Nordeste, pouco se mudou da característica da atomização da rede urbana nordestina (CANO, 1989CANO, W. Urbanização: sua crise e revisão de seu planejamento. In: Revista de Economia Política. v. 9, n 1. São Paulo, p. 62-82, jan./mar. 1989.). Segundo o autor (CANO, 1989), a paralisia urbana ocorrida nas primeiras décadas do século XX proporcionou uma:

[...] herança social, com enorme excedente demográfico, perversa estrutura fundiária e agricultura retrógrada [promovendo uma] urbanização geográfica e economicamente dispersa, constituída principalmente por suas nove capitais regionais e cerca de duas dezenas de cidades de porte médio, muitas delas interiorizadas (CANO, 1989CANO, W. Urbanização: sua crise e revisão de seu planejamento. In: Revista de Economia Política. v. 9, n 1. São Paulo, p. 62-82, jan./mar. 1989., p. 68).

Essa herança social trouxe à região uma desigualdade estrutural, em que os níveis de marginalidade e pobreza cresceram a patamares mais altos do país, sendo que nem seus principais centros puderam usufruir dos benefícios de aglomerados mais estruturados, como São Paulo e Rio de Janeiro (CANO, 1989CANO, W. Urbanização: sua crise e revisão de seu planejamento. In: Revista de Economia Política. v. 9, n 1. São Paulo, p. 62-82, jan./mar. 1989.).

Este perfil distorcido da rede urbana brasileira, especialmente no Nordeste, pode ser claramente percebido na análise de alguns estudos da rede urbana brasileira (GEIGER, 1963GEIGER, P. P. Evolução da Rede Urbana Brasileira. Coleção o Brasil Urbano. Série 4. Sociedade e Educação. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, 1963.; CORRÊA, 2006______. Estudos sobre a rede urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.). Contudo, a emergência, nas últimas décadas, de alguns centros intermediários que vêm desempenhando uma função importante na prestação de serviços e centralização comercial e industrial, resulta em um processo importante a se observar, que nos indica o desenho dessa rede urbana interiorizada na região.

Atualmente, com uma posição de destaque no comando da rede urbana interiorizada no Nordeste, podemos destacar as cidades de Sobral (Ceará), Juazeiro do Norte (Ceará), Mossoró (Rio Grande do Norte), Campina Grande (Paraíba), Caruarú (Pernambuco), Arapiraca (Alagoas), Petrolina (Bahia), Feira de Santana (Bahia), Vitória da Conquista (Bahia), Ilhéus (Bahia) e Barreiras (Bahia), que vêm comandando a rede urbana no interior do Nordeste, assumindo o papel de interlocução com as capitais e centros metropolitanos mais desenvolvidos da região, bem como com os subcentros regionais (IBGE, 2008). Torna-se importante frisar que alguns destes centros assumem esse status na rede urbana regional em coparticipação com outros centros conturbados / próximos, como são os casos de Petrolina (Bahia) com Juazeiro (Pernambuco); Juazeiro do Norte (Ceará) com Crato (Ceará) e Barbalha (Ceará) e Ilhéus (Bahia) com Itabuna (Bahia). Essa conformação foi considerada, por exemplo, no estudo da REGIC - 2007 (IBGE, 2008).

Considerando o que ocorre no Norte do país, onde ainda temos um elevado espaçamento na ocupação do território, caracterizado pela existência de municípios com dimensões territoriais imensas e adensamentos populacionais bastante rarefeitos, na região Nordeste, podemos afirmar que há uma consolidação demográfica e espacial de forma bastante adensada em algumas áreas (IBGE, 2011).

Com base no último Censo Demográfico (IBGE, 2011), das 05 maiores cidades com maior população do país, 02 são nordestinas: Salvador (3º) e Fortaleza (5º). O Nordeste (com 30 cidades) aparece, depois do Sudeste (com 73 cidades), como a região que abriga a maior quantidade de municípios não metropolitanos com população superior a 100 mil habitantes, seguido do Sul (com 29 cidades), Norte (com 10 cidades) e Centro-Oeste (com 07 cidades). Alguns destes centros aparecem com grande representatividade espacial em suas regiões. Aqui, novamente, destacamos Feira de Santana (Bahia) (556.642 habitantes); Campina Grande (Paraíba) (385.213 habitantes); Caruarú (Pernambuco) (314.912 habitantes); Petrolina (Bahia) (293.962 habitantes); Mossoró (Rio Grande do Norte) (259.815 habitantes), além de Imperatriz (Maranhão) (247.505 habitantes) (IBGE, 2008; 2011).

Embora ainda seja evidente a concentração de população, equipamentos e serviços nas capitais estaduais da região, alguns centros intermediários vêm apresentando um movimento ascendente na rede urbana regional, muito relacionado às atividades ligadas à produção agropecuária globalizada que, segundo Elias (2011ELIAS, D. Agronegócio e novas regionalizações no Brasil. In: Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais (ANPUR), v.13, n.2, p. 153-167, 2011., 2013), formam, em alguns casos, Regiões Produtivas do Agronegócio (RPA), caracterizadas por modernos espaços agrícolas e espaços urbanos não metropolitanos, especialmente caracterizadas pelas cidades médias.

Algumas regiões sob influência de Juazeiro (Bahia)/Petrolina (Pernambuco), Mossoró (Rio Grande do Norte) e Barreiras (Bahia) passaram de áreas de subsistência para regiões agrícolas extremamente desenvolvidas, onde suas sedes abrigam equipamentos urbanos modernos (aeroportos, shoppings, hipermercados, concessionárias de veículos) e serviços especializados (clínicas e laboratórios médicos, locadoras de máquinas agrícolas, universidades, escolas de ensino técnico) que compõem um terciário moderno no meio do semiárido nordestino (SANTOS, 2016SANTOS, C. D. Difusão do agronegócio e reestruturação urbano-regional no oeste baiano. 449 f. Tese (Doutorado em Geografia). Programa de Pós-graduação em Geografia da UECE. Fortaleza, 2016.).

Esse processo envolve a difusão de novas centralidades urbanas distantes dos grandes centros metropolitanos da região, algo que está intimamente vinculado à interligação econômica e, com isso, a uma maior aproximação geográfica entre os espaços.

Mesmo com a manutenção de uma rede urbana policêntrica e macrocefálica, no que se refere à concentração de recursos/investimentos econômicos e populacionais nas capitais, há cada vez mais uma conformação urbana adensada no interior do território, o que, em alguns casos, chega a gerar rivalidade política e econômica entre estes centros intermediários e as capitais estaduais, como o que ocorre entre Mossoró e Natal, no Rio Grande do Norte, e Campina Grande e João Pessoa, na Paraíba.

Estes centros se apresentam com uma enorme amplitude entre a oferta de bens e serviços e concentração populacional, em contrapartida, no outro lado, temos uma rede urbana interiorizada, mesmo com a ascensão de algumas cidades, a inexpressividade da maioria e/ou a polarização de um ou dois centros intermediários em cada estado. Assim, em síntese, o que observamos até aqui é a emergência de um pequeno número de centros regionais, alguns com características de cidades médias, e um grande número de cidades pequenas com população inferior a 20 mil habitantes (Figura 01).

Figura 01
Região Nordeste: escala populacional das maiores cidades por estado (2010)

Como podemos observar na figura 01, existe um distanciamento no tamanho populacional entre as capitais dos estados em relação aos demais centros urbanos do seu interior. Primeiramente, ressaltamos o grande percentual de centros de pequeno porte (82,54%), muitos destes comandados pelos centros de articulação intermediária mais próximos (IBGE, 2011). Acreditamos que esse quadro muito comum no interior do Nordeste está ligado ao acelerado processo de emancipação político-administrativa de vários municípios da região que deu status de cidades a todas as sedes destes novos municípios.

O IBGE (2008) mostra que a organização hierárquica das cidades segue essa desigualdade em sua conformação na região Nordeste. Enquanto no Centro-Sul do país, temos uma rede urbana estruturada, compreendida por um considerável número de metrópoles, capitais regionais e centros sub-regionais bastante articulados, no Nordeste, temos uma distribuição espaçada entre os centros, sendo observada a ausência de alguns níveis hierárquicos intermediários.

Com isso, percebemos que, mesmo com o crescimento da dinâmica socioeconômica das áreas interioranas, polarizada por cidades com relativa centralização urbana na região, não é possível visualizarmos uma grande alteração na supremacia no comando das capitais dos estados sob a rede urbana regional que pode ser vista pela concentração da população total por aglomerado metropolitano das capitais (figura 02).

Figura 02
Região Nordeste: concentração da população total por aglomerado metropolitano das capitais (2010)

Podemos dizer, para finalizar, que a rede urbana nordestina continua a ter uma polarização política e econômica no litoral, com ramificações comandadas por centros de porte médio, mas também com sub-centros regionais que ganharam importância na periferia dessa rede.

Estes centros sub-regionais desempenham a articulação com um grupo de cidades menores, que são a maioria no país, e assumem um papel fundamental na organização do espaço urbano-regional no interior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os novos traços da urbanização no território, bem como a conformação recente da rede urbana brasileira, nos fizeram enxergar as novas formas de representação do fenômeno urbano na escala geográfica na qual se encontram as cidades nordestinas.

Uma das conclusões que podemos considerar nesse final parte da constatação de que a rede urbana hoje, mesmo considerando-a enquanto elemento dinâmico do espaço geográfico, privilegiando a rapidez das transformações, a complexidade das interações entre os lugares, e a multiplicidade das ações que caracterizam as relações espaciais (CORREA, 2006______. Estudos sobre a rede urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.; 2012), ainda possui laços tradicionais de estrutura e obediência hierárquica das cidades, na maioria das vezes, relacionadas à estruturação espacial dos centros de comando regional em escalas periféricas da rede urbana.

Assim, é verdade que, considerando a diversidade e as dimensões das redes urbanas brasileiras, vimos que as pesquisas mais recentes apontam para uma abertura dos sistemas urbanos no período atual que possibilita uma diversidade de configurações em um conjunto de redes urbanas (SPOSITO, 2011______. A produção do espaço urbano: escalas, diferenças e desigualdades socioespaciais In: CARLOS, A. F. A.; SOUZA, M. L. de; SPOSITO, M. E. Beltrão. A produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios. São Paulo: Contexto, p.123-145, 2011.), com o advento dos novos processos produtivos no espaço, e a evidência das fronteiras subvertidas, o que sugere uma quebra da estrutura hierárquica das cidades, no âmbito da produção, circulação, distribuição e consumo (SANTOS, 2004SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4, ed. EDUSP: São Paulo, 2004 [1996]. [1996]; CORRÊA, 2012______. Redes geográficas: reflexões sobre um tema persistente. In: Cidades, Presidente Prudente, v.9, n.16, 2012.).

Contudo, já afirmava Santos (2008b______. Metamorfoses do espaço habitado: Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Geografia, 6. ed. São Paulo: EDUSP, 2008b [1988]. [1988]; 2004 [1996]) que, mesmo com o advento do meio técnico-científico-informacional, ainda é possível encontrar determinados níveis de hierarquia em algumas escalas da rede urbana e regional, como a que observamos em nosso objeto de pesquisa, em que as cidades menores estão intimamente ligadas ao centro imediatamente seguinte da sua rede urbana. Esta configuração conservadora da rede urbana está ligada à situação geográfica em que as cidades se encontram no espaço, com a disposição de uma forma estruturada na relação em determinadas redes urbanas.

Desse modo, esse conjunto de cidades faz parte da rede urbana interiorizada, compreendida pela emergência, nas últimas décadas, de alguns centros intermediários que vêm desempenhando uma função importante na prestação de serviços e centralização comercial e industrial em espaços não metropolitanos do território.

No Nordeste brasileiro, esse fenômeno parece mais evidente, tendo em vista o processo de urbanização tardio e disperso geograficamente, desencadeado na segunda metade do século passado (CANO, 1989CANO, W. Urbanização: sua crise e revisão de seu planejamento. In: Revista de Economia Política. v. 9, n 1. São Paulo, p. 62-82, jan./mar. 1989.; CLEMENTINO, 1990CLEMENTINO, M. do L. M. Complexidade de uma urbanização periférica. 307 f. Tese (Doutorado em Economia). Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1990.; SIMÕES; AMARAL, 2011SIMÕES, R.; AMARAL, P. V. Interiorização e novas centralidades urbanas: uma visão prospectiva para o Brasil. In: Revista Economia, v.12, n.3, p.553-579. set./dez. 2011.) e que pode ser compreendido pelo conjunto de cidades médias e/ou centros regionais e inúmeras cidades pequenas espalhadas pelo interior dos estados.

Constatamos que essa nova fase da urbanização proporcionou a difusão de novas centralidades urbanas distantes dos grandes centros (metropolitanos) da região, algo que está intimamente vinculado à interligação econômica e, com isso, a uma maior aproximação geográfica entre os espaços, gerando, cada vez mais, uma conformação urbana adensada no interior do território.

Nessa dimensão da rede urbana nordestina, os centros regionais localizados no interior são aqueles que desempenham um papel espacial nessa escala no estrato da rede urbana nordestina, sendo a maioria deles compostos por cidades médias, comandando o que chamamos de rede urbana interiorizada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2018
  • Aceito
    03 Jan 2020
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