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O projeto de transparência do Senado Federal: entre a accountability e a propaganda política

The project of transparency of the Brazilian Senate: between accountability and political advertising

Resumos

Análise sobre o projeto de transparência do Senado Federal, com foco nas relações entre os enunciados políticos, suas lógicas de ação e de justificação e os fatores contextuais que favoreceram o debate político sobre transparência e seu respectivo projeto de ação estratégico-institucional. A metodologia combinou entrevistas em profundidade e pesquisa documental. A pesquisa revela a existência de dois mundos retóricos e uma série de controvérsias decorrentes dessa polarização entre as justificações apresentadas pelo então presidente da instituição, Renan Calheiros e as críticas articuladas pela esfera burocrática, responsável pela gestão das ferramentas de transparência do Senado. Os resultados apontam para duas funções do projeto de transparência do Senado: accountability e propaganda política.

Sociologia da transparência política; Produção social da transparência política; Poder Legislativo; Senado Federal


The article aims to analyze the Brazilian Senate's project of transparency. The analytical focus is on the relationships between political statements, their logics of action and justification and the contextual factors that favored political debate on transparency and its respective plan for strategic-institutional action. The methodology combined in-depth interviews and analysis of official documents. Findings reveal the existence of two rhetorical worlds and a series of controversies arising from such polarization between justifications submitted by the then president of the institution and criticism articulated by bureaucratic sphere responsible for the management of the Senate's transparency tools.

Transparency policy Sociology; Social production of political transparency; Brazilian Legislature; Brazilian Senate


Introdução

O artigo tem como foco analítico o projeto de transparência do Senado Federal, partindo do exame de um conjunto de indagações que se complementam. A primeira delas consiste em identificar as condições contextuais nas quais o debate político e institucional teve origem, ou seja, como a transparência política entrou na agenda do Senado Federal? Que fatores contextuais contribuíram para isso? Quem são os atores e protagonistas do processo de implantação e gestão política dos projetos de transparência do Senado? De que forma se dá a concertação institucional entre deles? Como esses atores interagem no espaço discursivo do parlamento? Como os enunciados de justificação da transparência são estruturados pelos atores políticos e institucionais?

À luz do conjunto de questões acima expostas, cabe apresentar os objetivos da pesquisa e sua hierarquia. Em termos de objetivo geral, o propósito é analisar as relações entre os enunciados políticos, suas lógicas de ação e de justificação e os fatores contextuais que favoreceram o debate político sobre transparência e seu respectivo projeto de ação estratégico-institucional.

Quanto aos objetivos específicos, há dois níveis complementares. O primeiro tem como foco estudar o que dizem os atores políticos envolvidos na concepção, implantação e gestão dos projetos de transparência do Senado Federal, ou seja, como eles próprios formulam os enunciados de justificação institucional. O segundo consiste em investigar as estratégias argumentativas utilizadas por esses atores para justificarem suas escolhas, propostas e projetos, no contexto do debate público sobre transparência política no âmbito do Poder Legislativo federal. Isso implica compreender o que é priorizado na concertação argumentativa entre os atores envolvidos e quais suas implicações políticas.

1. Metodologia do Estudo

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa foi orientada pelo pressuposto sociológico de Giddens (2009, p.335)12.FIGUEIREDO, Vilma. Produção social da tecnologia. São Paulo: EPU, 1989, segundo o qual existe um duplo processo hermenêutico que permeia os estudos inspirados pela lógica da ação social. Isso significa que o pesquisador tem como objeto de investigação empírica fenômenos "já constituídos como significativos" para os atores investigados. O papel do analista social, portanto, é "travar conhecimento com o que os atores já sabem" sobre tais fenômenos, ou seja, a pesquisa é mediada pela consciência prática e discursiva dos agentes investigados. Logo, o resultado de um estudo empírico-analítico dessa natureza terá como foco o duplo processo de tradução e interpretação que está envolvido nas operações e relações de pesquisa e na elucidação da capacidade cognitiva dos atores sociais, com o intuito de compreender suas razões para o agenciamento de determinadas pautas institucionais, políticas ou culturais.

Com base em tais premissas, em níveis operacionais, a pesquisa usou como fontes para o duplo processo hermenêutico acima mencionado duas ordens de material empírico. A primeira consistiu na recolha de informações por meios dos seguintes instrumentos de investigação social: (a) entrevistas em profundidade com os atores responsáveis pela gestão dos projetos de transparência do Senado, incluindo servidores; (b) exame dos discursos parlamentares / institucionais sobre o tema; (c) pesquisa documental abrangendo documentos oficiais sobre a implantação e gestão do projeto de transparência política do Senado Federal e os relatórios de acesso ao portal e a tipologia das demandas de informações pelos cidadãos.

As entrevistas individuais foram feitas diretamente com os responsáveis pela concepção, implantação, gestão e avaliação dos projetos de transparência do Senado Federal, ao longo do primeiro semestre de 2014. Isso inclui os atores institucionais a quem o SF delegou o papel de decidir e formular as justificações discursivas, tais como os diretores e gestores técnicos da Secretaria de Transparência e demais órgãos vinculados. Destaca-se ainda o próprio presidente do Senado na época da pesquisa, Renan Calheiros, o qual proferiu vários pronunciamentos sobre o projeto de transparência da instituição. Por essa razão, a pesquisa para a composição do corpus para o exame dos discursos incluiu inicialmente os pronunciamentos realizados pelo Presidente do Senado e demais autoridades do âmbito parlamentar (membros da Mesa Diretora) e da esfera institucional (diretores e gestores dos projetos quando se pronunciam publicamente em eventos e cerimônias sobre o tema). O levantamento, contudo, mostrou que o único senador que se engajou e se envolveu diretamente na defesa pública do projeto de transparência do Senado foi o próprio presidente da instituição. Os demais não se manifestaram sobre o tema, mesmo aqueles senadores que ocupam posição de destaque na hierarquia da Casa.

Como fontes documentais, foram usados o Diário Oficial do Senado, o Boletim Administrativo, o Banco de Discursos Parlamentares e os órgãos institucionais de divulgação do Senado (Portal, TV Senado, Rádio, Senado, Jornal do Senado). Os documentos oficiais serão analisados a partir de uma perspectiva sociológica específica, também enquadrada sob o ângulo da teoria da ação social. Nesse aspecto, os documentos institucionais são tomados como uma modalidade de "discurso nativo dos atores". Como tal, esses documentos articulam os saberes práticos e a consciência discursiva dos responsáveis pelos projetos de transparência política do Senado Federal.

2. Produção Social da Transparência Política

O estudo inscreve-se na concepção de transparência política como fenômeno socialmente construído, ou seja, resultante das relações entre os diferentes atores políticos, representados por dois polos: o Estado e a sociedade. A ideia de transparência política como produção social encontra respaldo no pressuposto sociológico de que as necessidades e os valores sociais são definidos e redefinidos de acordo com a dinâmica social, marcada pela vontade e o julgamento que comandam as motivações para o agir na esfera pública, consoante com as diferenciações relativas às especificidades das épocas históricas, a configuração das sociedades situadas, com suas classes e grupos sociais. Afinal, as necessidades sociais não são homogêneas e nem fixas e nem seguem a leis pré-estabelecidas. Ao contrário, elas são diversificadas, em decorrência da pluralidade de sujeitos que as expressam e são também criadas e recriadas em função dos progressos no campo político e cultural (FIGUEIREDO, 1989).

Exemplo disso é que nem sempre a transparência política foi defendida ou considerada uma necessidade social e moralmente relevante. Houve épocas em que se defendia exatamente o contrário, ou seja, o segredo e o resguardo das informações políticas, da atuação do Estado e de suas instituições (DEBRAY, 19949. DEBRAY, R. O Estado sedutor. Petrópolis: Vozes, 1994.). Isso reforça mais um postulado sociológico de que a vontade que comanda o agir social varia segundo as diferenciações inerentes a cada contexto histórico, a cada sociedade. Afinal, as estruturas sociais condicionam e interferem no arbítrio dos sujeitos sociais e políticos, uma vez que são esses sujeitos, segundo as condições sócio-históricas que criam situações concretas no mundo social e são os fatores daí resultantes que podem ser revelados (FIGUEIREDO, 198912.FIGUEIREDO, Vilma. Produção social da tecnologia. São Paulo: EPU, 1989).

Apesar de ainda guardar resquícios da cultura do segredo (votação secreta, fórum privilegiado), o parlamento brasileiro avançou nos últimos anos na adesão aos projetos políticos de transparência e accountability que começaram a ter impactos relevantes no cenário internacional1 1 Para um panorama sobre o contexto internacional, consultar Booth, J; Selison, M. (1978) e Brady, H. E. (1999). . Esses projetos passaram a fazer parte do debate político internacional e também se tornaram relevantes no âmbito da teoria política e dos estudos sociológicos sobre as redefinições dos regimes democráticos, denominadas por Giddens (2009)14 GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2009. de "democratização da democracia".

As deficiências da democracia liberal, com seu modelo de representação focado na competição eleitoral sugerem formas mais radicais de democratização e modos institucionais de revisão das próprias engrenagens do regime. Para Giddens, a transparência, associada às concepções de accountability, responsivity e advoacy apresentam potencial para aumentar a densidade da democracia, unindo o Estado à mobilização reflexiva da sociedade. Isso, contudo, requer inteligência diretiva na gestão política e burocrática, além de permeabilidade política das instituições, confiança ativa e autonomia dos indivíduos e grupos.

A história política brasileira é marcada por um déficit histórico de transparência e accountability, em decorrência de um longo período de disjunção entre o Estado e a sociedade, fruto do poder unilateral do aparato estatal em detrimento da autonomia da sociedade civil (DINIZ, 200010.DINIZ, E. A reforma do Estado: uma nova perspectiva analítica. In: COELHO, M. F. et al (org). Política, ciência e cultura em Max Weber. Brasília: EdUnB, 2000. P.127-150.). Contudo, com o cenário político redesenhado no período da redemocratização, especialmente após a promulgação da Constituição de 1988, várias iniciativas começaram a ser implementadas, desencadeando um processo de reflexão sobre cultura, política, democracia, representação e transparência. Tais iniciativas tinham como argumento central o princípio constitucional da publicidade, instituído pela Carta de 1988, segundo o qual o cidadão tem direito à publicidade dos atos, decisões e demais atividades das instituições vinculadas ao Estado, como ocorre em todos os sistemas de governo representativos.

A abertura das instituições políticas deve ser analisada, portanto, como resultante histórica de um processo de racionalização política (no sentido weberiano), condicionada por fatores culturais e tecnológicos. Sob essa ótica, a transparência política deve ser entendida, como consequência da lógica de ação social da modernização reflexiva, concebida como revolução permanente das formas de organização política, de suas estruturas, funções e também das relações e práticas sociais (BECK et al., 1994, p. 12BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony e LASH, Scott. Modernidade reflexiva: trabalho e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 1994.).

A política de transparência do Poder Legislativo brasileiro teve início com a redemocratização, no período após a Constituição de 1988. O investimento inicial foi em sistemas de informação, com emissoras de rádio e televisão. A partir de 2000, a internet passou a ser utilizada, o que ampliou o alcance social da divulgação (BARROS, BERNARDES e RODRIGUES, 2014BARROS, A. T.; BERNARDES, Cristiane Brum; REHBEIN, M. R.. Visibilidade e representação política: o caso da Câmara dos Deputados no Brasil. In: Contextualizaciones Latinoamericanas, v. 6, 2014, p. 1-13.). Atualmente, segundo levantamento da World E-Parliamentary (2012), 95,3% dos parlamentos mundiais mantêm websites institucionais em funcionamento, com o objetivo de promover a transparência política.

Neste novo cenário, o uso das ferramentas digitais multiplica-se e passa a requerer maior dinamismo da parte das instituições políticas. Isso justifica o exame mais detalhado sobre as lógicas de usabilidade desses recursos para proporcionar transparência dos atos parlamentares. Afinal de contas, o parlamento é considerado um órgão especializado de mediação política entre o Estado e a sociedade, segundo Max Weber (1999)25 WEBER, M. Natureza, pressupostos e desenvolvimento da dominação burocrática. In: Economia e Sociedade. V.2. Brasilia: Editora da UnB, 1999, p.198233.. Para a eficácia dessa mediação, alguns aspectos são fundamentais, como visibilidade e transparência.

A internet amplia as possibilidades da democracia dialógica (GIDDENS, 199113 GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991). Trata-se de um novo sistema sociotécnico, resultado da constituição dos "híbridos sociais" (LATOUR, 199416 LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.; 201217 LATOUR, Bruno. Reagregando o Social: uma introdução à Teoria do AtorRede. Bauru: Edufba/Edusc, 2012.). Em um contexto de fragilização das malhas do engajamento cívico, em decorrência do enfraquecimento do capital social2 2 Para Putnam (1973), o conceito de capital social abrange o estudo das práticas sociais, normas e relações de confiança e de reciprocidade que se estabelecem entre indivíduos e grupos, construindo uma malha de interações sociais. Essa coesão social funciona como amálgama para fortalecer a democracia e estimular a participação política e a cooperação cívica. (PUTNAM, 197324 PUTNAM, R. D. The Beliefs of Politicians: Ideology, Conflict, and Democracy in Britain and Italy. Yale University Press, 1973.), a internet destaca-se pelo seu potencial como ativo simbólico na construção de redes de confiança, cooperação e compartilhamento virtual (MATOS, 200819 MATOS, Heloiza. Capital social, internet e Tv: controvérsias. In: Organicom, São Paulo, v. 5, n. 8, jan./jun 2008, p. 23-35.). É neste contexto relacional que se inserem também as estratégias políticas, que visam, entre outras coisas, maior conexão com o eleitor, bem como sua confiança, com vistas a superar lacunas de accountability e transparência. Nessa trilha, pesquisadores de vários países percebem o incremento nas estratégias de transparência por parte de instituições legislativas nos últimos anos (LESTON-BANDEIRA, 201218 LESTON-BANDEIRA, C. Studying the relationship between Parliament and citizens. In: The Journal of Legislative Studies, v.18, n.3-4, Sep-Dec. 2012. P.265-274.).

3. O Projeto de Transparência do Senado Federal

O evento crítico que impulsionou a política de transparência do Senado foi o escândalo dos atos secretos, em junho de 2009. Segundo o que foi divulgado na época pela comissão de sindicância da própria instituição, foram cerca de 650 decisões mantidas sob sigilo desde o final da década de 1990. Os atos não publicados envolviam medidas como nepotismo, com a contratação de familiares dos senadores e extensão da assistência odontológica e psicológica vitalícia a cônjuges de ex-parlamentares. Na época, o então presidente da Casa, José Sarney, negou as acusações e afirmou que houve erro técnico, o que prejudicou a publicação (COLON, 2009COLON, Leandro. Atos secretos no Senado chegam ao total de 650. O Estado de S. Paulo, 17/06/2009. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,atos-secretos-no-senado-chegam-ao-total-de-650,389001 Acesso em: 28/08/14.
http://politica.estadao.com.br/noticias/...
).

Em resposta às denúncias na época, o então presidente da instituição, José Sarney, contratou a Fundação Getúlio Vargas, com o objetivo de realizar um plano de reestruturação administrativa, a fim de reduzir gastos, aumentar a eficiência burocrática e a transparência dos atos da instituição. Um dos resultados concretos dessa consultoria, em termos de política de transparência foi a criação, em 2009, do Portal da Transparência (http://www.senado.gov.br/transparencia). Segundo sua Diretora-

-Geral, Doris Peixoto, o novo portal exerceu uma função relevante, pois

reuniu e centralizou uma extensa gama de informações públicas sobre o Senado, com destaque para aquelas pertinentes à gestão administrativa da Casa: licitações, contratos, recursos humanos, despesas, auditorias, relatórios de controle interno, prestação de contas com os gastos dos senadores, entre outras (PEIXOTO, 2012, sem paginação).

A configuração do portal inclui informações administrativas, sobre os senadores, licitações, contratos e outros assuntos, conforme mostra o Quadro 1.

Quadro 1.
Informações disponíveis no Portal da Transparência do Senado

Destaca-se o caráter didático na organização das informações, um facilitador para as consultas. No item "perguntas frequentes", há um elenco de informações organizadas em formato de indagações e respostas sobre os tópicos principais relacionados a temas como o funcionamento do Senado, processo legislativo, atividade parlamentar e outros. O tópico "Dados abertos" consiste em uma síntese das informações do portal, organizadas em formato de planilhas e tabelas. São redundâncias positivas, pois permitem consultas rápidas e temáticas.

Após dois anos de existência, com o início da gestão de Renan Calheiros, o portal passou por uma reformulação, a fim de aliar transparência e participação social, conforme relatam os depoimentos de servidores, coletados durante a pesquisa3 3 Uma condição para o registro dos depoimentos foi a garantia de anonimato dos informantes, uma vez que se trata de servidores que ocupam cargos de chefia, na maioria dos casos. : Agora, o portal se volta para um novo paradigma: dar um passo além da transparência, incluindo ferramentas para o exercício da cidadania e da participação popular.

A reformulação do portal foi pautada na ideia de arranjo institucional em prol do aumento da eficácia da participação, conforme se infere do depoimento transcrito acima. Destaca-se ainda o conceito de convergência tecnológica, com o objetivo de integrar os diversos canais de atendimento ao cidadão já existentes. A integração dos mecanismos de contato teve como propósito dinamizar o fluxo de informações no âmbito da transparência passiva, ou seja, aquela processada em função das demandas da sociedade.

3.1 As justificações da Presidência do Senado

Na solenidade de relançamento do Portal da Transparência (http://www.senado.leg.br/transparencia), realizada em 17 de maio de 2013, Renan Calheiros fez um longo pronunciamento, marcado pelo engajamento retórico, no qual destaca os aspectos principais de sua gestão no que se refere à política de transparência. Em primeiro lugar, ele destaca a ambiciosa meta de tornar o Senado referência nacional em termos de abertura de dados e informações:

Todos se recordam que, na posse da nova mesa diretora, nos comprometemos com uma overdose de transparência e controle social, medida imprescindível para aproximar o Senado ainda mais da sociedade brasileira. Nossa ambição não é modesta. Seremos a instituição número um entre todas os entes da administração pública em transparência. Na busca pela excelência em controle social - é obrigatório sempre frisar - o Senado Federal já tem um portal da transparência antes mesmo da Lei de Acesso à informação existir. Portal que agora, com modernas ferramentas e novos conteúdos, passa a se chamar da Transparência e Controle Social (grifos acrescentados).

Em seguida, Calheiros apresenta um elenco dos dados já disponíveis para consulta no novo portal e rebate o argumento de que a instituição funcionava como uma "caixa preta":

Nestes primeiros cem dias, em um trabalho que é gradativo e terá sempre aperfeiçoamentos, publicamos no portal da transparência os dados referentes a proventos, pensões de ex-parlamentares, servidores inativos e pensionistas. Também incluímos no mesmo portal a descrição dos bens e serviços contratados com recursos da verba indenizatória. A agilidade e quantidade da informação prestada falam por si, demonstrando que, ao contrário do que se propala, o Senado Federal não é uma caixa preta (...) A transparência é inimiga da opacidade e adversária das sombras (grifos acrescentados).

Outro ponto enfatizado no pronunciamento foi a implementação das medidas de abertura em função da Lei de Acesso à Informação:

A Lei de Acesso à Informação4, que está completando um ano, é um marco na democracia brasileira e no controle público. O Senado disponibiliza o que a lei determina. O que a lei não autoriza, pelo contrário, resguarda, não podemos divulgar. Se, de um lado temos obrigação de informar, de outro temos o dever de proteger informações sigilosas protegidas legalmente. As leis relativas aos sigilos não foram revogadas e é impróprio que o Senado pague por isto (grifos acrescentados).

Além da marca do engajamento retórico, os pronunciamentos de Renan Calheiros acionam provas para fundamentar suas justificações. As provas são essenciais para legitimar os argumentos e as justificações dos atores (LATOUR, 201217 LATOUR, Bruno. Reagregando o Social: uma introdução à Teoria do AtorRede. Bauru: Edufba/Edusc, 2012.). A capacidade de articular as provas na sustentação ou na refutação de ideias está diretamente relacionada com a competência argumentativa ou a habilidade retórica de arregimentar elementos que reforçam ou sustentam os raciocínios expostos (BOLTANSKI, 2000BOLTANSKI, L. El amor y la justicia como competencias. Buenos Aires: Amorrutu, 2000.). No caso em exame, podemos observa como se dá o uso dessas provas argumentativas nos trechos sublinhados na transcrição dos pronunciamentos, os quais ressaltam aspectos objetivos, comprovados em documentos. Em primeiro lugar o orador acionou o fato de que Senado já dispunha de um portal da transparência antes mesmo da Lei de Acesso à informação entrar em vigor. Em segundo lugar, cita o rol dos conteúdos divulgados pelo Portal da Transparência, como os dados referentes a proventos, pensões de ex-parlamentares, servidores inativos e pensionistas. Em terceiro lugar, ressalta que o Senado cumpre a LAI, ao disponibilizar "o que a lei determina". Como é possível observar, são provas frágeis, que produzem efeito apenas no plano retórico. Afinal qual o mérito institucional das provas acionadas? São todas decorrentes do próprio dever cívico, inclusive o de cumprir a legislação.

O que observamos durante a pesquisa, entretanto, é que a estratégia de reedição do mesmo discurso e o acionamento retórico das mesmas provas se manteve como uma estratégia constante. Em várias ocasiões, o então presidente do Senado apresentou as justificativas institucionais para as mudanças realizadas e a implementação da nova política de transparência. Constatamos ainda uma espécie de campanha de Renan em defesa da transparência ativa e proativa, isto é, aquela em que a divulgação de informações se dá por iniciativa da instituição pública, sem necessidade de requisição de um cidadão ou de uma entidade da sociedade civil, por exemplo. Em quase todos os eventos realizados no âmbito do Senado e do Congresso Nacional, mesmo quando tinham outros temas como motivação, Calheiros encontrava uma forma de encaixar a política de transparência do Senado em seus pronunciamentos. As sessões solenes tornaram-se espaços discursivos privilegiados para essas manifestações. A título de exemplo, destacaremos duas delas: a que foi realizada em homenagem aos 190 anos do Parlamento (maio de 2013) e outra em comemoração aos 25 anos da Constituição Federal (outubro de 2013).

Em ambos os casos, o esquema discursivo de Calheiros foi o mesmo. Por se tratar de efemérides, as representações sobre o passado, o presente e o futuro foram o fio condutor dos argumentos. As imagens relativas ao passado evocaram o heroísmo e as virtudes de figuras emblemáticas da história política do parlamento brasileiro. Além disso, o parlamento é representado como vítima de perseguições políticas nos regimes ditatoriais. O presente teve como foco os seguintes elementos: as dificuldades nas relações interpoderes; a incompreensão perante a opinião pública; a imagem negativa decorrentes dos escândalos de corrupção. Quando se referiu ao futuro, o orador enfatizou os desafios: conquistar legitimidade perante a opinião pública; e fortalecer os projetos de transparência e de permeabilidade às demandas da sociedade, na figura da "voz das ruas".

A abertura do Senado, apesar dos avanços acentuados pelo orador, permanece como um dos desafios, por se tratar de um contínuo processo de revisão e de correção de imperfeições, nas palavras de Calheiros, repetidas nas duas solenidades. Nesse campo, além de elencar todos os instrumentos, canais e mecanismos de transparência, comunicação, informação, consulta à documentação e interatividade institucional, Renan Calheiros anunciou como novidade, a iniciativa inédita do Senado Federal de disponibilizar ao público da internet um banco de discursos históricos de senadores.

3.2 As controvérsias internas - o ponto de vista dos gestores técnicos

Ao perceber que o discurso de Renan Calheiros se caracterizava como monotônico e desprovido das nuances típicas das discussões que envolvem temas complexos e que envolvem múltiplos atores e interesses diversos, decidimos ouvir os servidores técnicos do Senado5 5 Mais uma vez ressaltamos o anonimato dos informantes. , com prioridade para aqueles que atuam diretamente com a gestão dos procedimentos relacionados à transparência. Afinal, esses servidores atuam no aparato administrativo-burocrático, o domínio do saber oficial (WEBER, 199925 WEBER, M. Natureza, pressupostos e desenvolvimento da dominação burocrática. In: Economia e Sociedade. V.2. Brasilia: Editora da UnB, 1999, p.198233.). Na visão weberiana, existe, portanto, uma forma de dominação exercida pelos próprios funcionários / servidores. A promoção e valorização interna do saber técnico é uma das estratégias de manutenção e reprodução da dominação burocrática.

Os servidores entrevistados enquadram-se, portanto, na categoria weberiana de homem especializado, situados na esfera do saber técnico. Apesar de estarem a serviço da ação política, os servidores da burocracia do Senado constituem uma esfera de poder, no âmbito da dominação burocrática. Além disso, as diferentes áreas administrativas funcionam orga3

nicamente, mas a partir de uma dinâmica de competição e de disputa por reconhecimento profissional, distinção e reputação técnica (nos termos de BOURDIEU, 1987BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.). Como veremos nas entrevistas, trata-se de um corpo técnico heterogêneo, do ponto de vista da opinião e da avaliação sobre os mecanismos de transparência implementados pela instituição.

Se o discurso de Renan Calheiros é apresentado como consensual, sem contestação pelos demais senadores, não é o que observamos durante a pesquisa em relação aos servidores que ocupam os postos burocráticos centrais na área de transparência. As controvérsias são consideradas aspectos fundamentais da análise sociológica, uma que vez que revelam lógicas de ação e estratégias dos atores, conforme mostram os estudos referenciais de Laurent Thévenot (1998), Luc Boltanski (2000)BOLTANSKI, L. El amor y la justicia como competencias. Buenos Aires: Amorrutu, 2000..

Há um depoimento esclarecedor, que explica porque o assunto não gerou controvérsias entre os parlamentares:

A iniciativa foi uma resposta ao bombardeio da imprensa. Como se trata de um projeto pessoal do presidente, não houve resistência aberta dos outros senadores. O discurso é de uma bandeira institucional de fato, sem depender de partido ou de opinião pessoal dos senadores. Além disso, contestar o presidente da Casa, seria desautorizá-lo perante os pares, o que não ficaria bem para nenhum senador (Grifos acrescentados).

Os trechos sublinhados chamam atenção para dois aspectos que relativizam o tom do discurso de Calheiros. Em primeiro lugar a pressão midiática, com uma cobertura extensiva sobre os frequentes escândalos, a exemplo dos atos secretos. A recorrência de escândalos transformou o Senado (e as demais casas legislativas) em um ator político cuja performance midiática quase sempre está associada a escândalos. Em segundo lugar, chama atenção para o pacto tácito de aceitação das medidas adotadas por Renan Calheiros entre os senadores, sem discursos contrários. O tom de pioneirismo e de ineditismo presente no discurso de Renan Calheiros é contestado por mais um dos servidores entrevistados6 6 As entrevistas foram concedidas com a condição de que o anonimato dos informantes fosse mantido, uma vez que se trata de servidores que ocupam cargos de confiança. : A Secretaria de Transparência, anunciada com alarde como novidade, não tem nada de novo efetivamente e resulta da reestruturação interna e redefinição de atribuições de um sistema que já existia.

O suposto caráter de novidade, na visão de um dos informantes, é apenas uma adequação à linguagem digital e à conjuntura política, um processo gradual de alinhamento institucional ao contexto sociotecnológico:

Tanto no passado como no presente, a característica dominante foi o oportunismo (no bom sentido), ou seja, aproveitar um clima de opinião pública favorável acerca de termos que são mais bem recebidos e têm maior impacto positivo na imagem da Casa. Alô Senado, por exemplo, remete a uma época em que a novidade era a possibilidade de contato direto, a oferta de um canal gratuito para o cidadão, ligar para o Senado. Hoje, os termos transparência e e-cidadania são muito mais expressivos.

A análise dos depoimentos nos permite observar que as estratégias discursivas de Renan Calheiros são centradas na personificação do projeto de transparência, atribuindo a si próprio o mérito pelo "novo", pela atitude política "inovadora e pioneira" de sua gestão. Calheiros assume um lugar de fala de empreendedor moral, protagonista de uma gestão focada na transparência, no combate aos gastos públicos e na inovação política. Os servidores entrevistados, por sua vez, apontam o processo como decorrência de uma trajetória institucional que remete a outras fases de desenvolvimento burocrático e político. Pela visão dos servidores entrevistados, trata-se de distintas fases do mesmo processo, uma evolução progressiva da democracia de contato para a transparência e as redes sociotecnológicas como caracteriza Regis Debray (1994)9. DEBRAY, R. O Estado sedutor. Petrópolis: Vozes, 1994., ao estudar as estratégias do que ele denomina de conformação do estado sedutor.

Para o autor citado, no modelo de democracia de contato adotado pelo estado sedutor, as instituições estatais passaram a exercer suas atividades típicas de codificação e regulamentação por meio da representação simbólica, com a maior proximidade possível do cidadão, mesmo que no plano aparente.7 7 Antes de chegar ao estágio do "Estado sedutor", segundo Debray, o percurso foi o seguinte: (1) Estado simbólico (força das insígnias associadas ao poder, como as moedas, brasões, bandeiras etc). (2) Estado cerimonial (divulgação dos discursos e feitos em ocasiões solenes); (3) Estado informacional (produção de estatísticas); (4) Estado publicitário (início da divulgação oficial, a exemplo da imprensa régia e similares); (5) Estado escolar (uso do sistema de ensino para a inculcação de valores cívicos); (6) Estado cultural (ampliação dos sistemas de reprodução dos valores culturais além da escola, como bibliotecas, museus, institutos culturais etc). A classificação toma como base o modelo francês, sem uma cronologia bem delineada. Contudo, há possibilidade de aplicação ao caso brasileiro, até porque, do ponto de vista cultural, o Brasil seguiu a trilha francesa durante um período expressivo, sobretudo no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Procura-se fascinar pela aproximação e não mais pela distância, pela banalização e não mais pela heroicização do chefe de Estado (DEBRAY, 1994, p.239. DEBRAY, R. O Estado sedutor. Petrópolis: Vozes, 1994.). Se no passado, a distinção social e o prestígio político se operavam pelo retraimento das figuras públicas, com a lógica da mediatização, a exposição tornou-se imperativa e indispensável, dando ao cidadão a sensação de "participar" dos acontecimentos.

Conforme a análise de Debray, a intensificação das estratégias de divulgação e de contato, ou seja, a adoção de práticas políticas de publicidade e visibilidade é decorrência da perda da autoridade do próprio Estado. Dessa forma, o argumento do autor é o de que a emergência dos aparatos burocráticos informacionais e de transparência teria como função política compensar a perda da autoridade pública e o consequente declínio da confiança dos cidadãos nos sistemas e instituições do Estado. Assim, a burocracia como sistema escritural por excelência, cujo papel era produzir regras e normas, passou a funcionar também como instância de promoção da imagem pública. Nas palavras do autor, aparatos burocráticos de divulgação pensados como oficinas de glória (DEBRAY, 1994, p.569. DEBRAY, R. O Estado sedutor. Petrópolis: Vozes, 1994.).

A performance retórica de Renan Calheiros é ostensivamente associada por um dos servidores a um projeto político pessoal do senador, segundo a lógica de oficina de glória de Debray:

No caso específico das últimas mudanças, todo o projeto institucional e estratégico foi transformado de modo que o Senado servisse de meio para os seus dirigentes políticos atingirem seus objetivos partidários e eleitorais. A instituição foi posta de lado e alocada para um projeto político pessoal e com o alvo muito claro, ou seja, a eleição para o governo do estado de Alagoas.

Outro servidor chama atenção para o clima de desconfiança interna e uma onda de questionamentos que surgiram entre os diversos setores administrativos:

As medidas de Renan, anunciadas sempre como inovadoras, arrojadas e corajosas, podem até seduzir alguns setores de fora do Senado. Mas aqui dentro, a situação é bem diferente. O que vemos todos os dias são servidores desconfiados do oportunismo dessas medidas e principalmente sobre e eficácia delas.

Os depoimentos acima expostos colocam em cheque a dimensão da grandeza cívica 8 8 Segundo essa perspectiva, o presidente do Senado atua em nome de um coletivo, cuja vontade geral ele representa (BOLTANSKI, 2000). A grandeza cívica refere-se à defesa de interesses públicos, de forma republicana, sem contaminação por motivações pessoais ou de grupos oligárquicos. do projeto de transparência de Calheiros. Enquanto o discurso do presidente do Senado aciona provas que remetem à grandeza cívica das medidas como princípio garantidor da relevância de suas decisões, os servidores questionam se não se trata de mais um repertório de ações personalistas, motivadas por interesses pessoais (ordem doméstica, no sentido usado por BOLTANSKI, 2000BOLTANSKI, L. El amor y la justicia como competencias. Buenos Aires: Amorrutu, 2000.). São dois modos distintos de uso dos recursos de justificação dos atores. Por essa razão é que Boltanski e Thévenot (1991) estimulam o exame do repertório dos atores, a fim de daí depreender o estatuto da realidade aos olhos dos próprios agentes e os modos como são produzidas diferentes lógicas de ação social e como as situações moldam regimes de diferenciados de julgamento, crítica, denúncia e justificação (BOLTANSKI, 2000BOLTANSKI, L. El amor y la justicia como competencias. Buenos Aires: Amorrutu, 2000.).

As entrevistas chamam atenção ainda para as disputas internas, típicas da esfera burocrática. Enquanto Renan Calheiros constrói uma retórica que singulariza e generaliza, um modo de acentuação política de um feito ou de assunto, como registra Boltanski (2000)BOLTANSKI, L. El amor y la justicia como competencias. Buenos Aires: Amorrutu, 2000., os servidores adotam estratégias opostas. O propósito do corpo técnico é colocar em evidência a pluralidade de interesses e visões em disputa no campo funcional do Senado, com diferentes atores e distintas lógicas de ação. As diferentes áreas e setores administrativos atuam segundo a lógica de campo de Bourdieu (1987)BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987., cuja marca são as dinâmicas de disputas simbólicas, com suas tensões e conflitos na busca da legitimidade e do reconhecimento, com a tentativa de sobreposição de suas visões e formas de atuação.

Alguns fatores exógenos também foram arregimentados pelos entrevistados como prova argumentativa das dificuldades de implantação do projeto de transparência do Senado, como a pressão da mídia e a relação com os demais poderes. Um dos informantes ressente-se do que considera pressão excessiva em relação ao Senado e pouco engajamento das demais instituições em termos de transparência:

O difícil é lidar com essa pressão inacreditável da mídia, quando vemos que outras instituições continuam fechadas, ou seja, enquanto um dos poderes é efetivamente transparente (o Legislativo), os dois outros nem tanto assim, ou parcialmente, com uma transparência limitada ou parcial, sem que isso seja criticado pela sociedade ou pela imprensa (Grifos acrescentados).

Os trechos sublinhados mostram como o entrevistado qualifica a atuação da mídia e a postura das demais instituições públicas no que diz respeito à transparência. O Senado é visto pelo informante como um alvo da imprensa, em termos de cobranças por abertura de seus dados e prestação de contas à sociedade. Entretanto, na avaliação do depoente, a postura dos meios de comunicação é seletiva e não se aplica aos demais poderes, numa espécie de denúncia, articulada pela indignação, como é próprio das operações de justificação (BOLTANSKI, 2000BOLTANSKI, L. El amor y la justicia como competencias. Buenos Aires: Amorrutu, 2000.).

3.3 Os impactos da Lei de Acesso à Informação na política de transparência do Senado

Outro fator a ser considerado na construção política da narrativa sobre a transparência no âmbito do Senado é a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), que regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas. Essa norma criou mecanismos que possibilitam, a qualquer pessoa, física ou jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas. A então Diretora-Geral do Senado, Doris Peixoto, declarou na época que a lei contribuiu para que o Senado reconhecesse a quantidade de canais que já oferece e os disponibilizasse de forma ainda mais organizada e eficaz (PEIXOTO, 201223 PEIXOTO, Doris. Senado está preparado para atender a Lei de Acesso à Informação, afirma diretora-geral. Disponível em: http://www12.senado.gov.br/ noticias/materias/2012/05/16/senado-esta-preparado-para-atender-a-lei-de-acesso-a-informacao-afirma-diretora-geral/tablet, 2012. Consultado em 04/09/14.
http://www12.senado.gov.br/...
, sem paginação).

No biênio 2013-14, o Senado recebeu um total de 75.204 solicitações de informações de cidadãos, distribuídos conforme mostra o quadro a seguir:

Quadro 2.
Principais canais de acesso às informações do Senado

Como se vê no quadro, entre os canais de acesso às informações do Senado, destaca-se o Alô Senado, serviço de atendimento telefônico gratuito (0800612211), com 77,93%. O serviço também permite acesso pelo Portal (http://www.senado.leg.br/senado/alosenado) e pelo Facebook (https://pt-br.facebook.com/alosenadofederal). Essa preferência dos usuários se explica por se tratar do canal de contato e interação mais conhecido entre a população. Criado em 1998, o serviço consolidou-se como o canal mais popular e de mais fácil acesso, seja por telefone seja pela internet (DUARTE e TREZZI, 201411.DUARTE, Marcia Yukiko M.; TREZZI, Erika L. A trajetória da área de relações públicas no Senado Federal. In: Comunicação & Mercado, Dourados, v. 3, n. 6, jan-jun, 2014, p. 19-31.).

Entre os outros canais estão o arquivo, a biblioteca, o balcão de informações, a Secretaria-Geral da Mesa, a Ouvidoria e o protocolo geral do Senado, os quais totalizam 19,05% das demandas de informação, conforme exposto no Quadro 2. A média de atendimentos chega a 37.602 solicitações por ano, 1.253 solicitações por mês e 103 solicitações por dia, como mostra o Quadro 3.

Quadro 3.
Média de Atendimentos

Quadro 4.
Atendimentos em função da Lei de Acesso à Informação (2013-2014)

Chama atenção o percentual de informações administrativas solicitadas pelo público, com 68,90%. Nesse rol estão os seguintes assuntos: informações sobre remuneração de servidores do Senado, gastos com passagens aéreas e diárias para os servidores em viagem oficial, contratos e licitações, concursos públicos e publicações oficiais. Em segundo lugar estão as informações legislativas, com 31,10%. Isso mostra que, no período em estudo, há mais interesse do cidadão acerca dos gastos do Senado com as atividades administrativas rotineiras do que com a atividade parlamentar. Uma explicação provável é que as informações sobre os senadores já estavam disponíveis na internet antes mesmo da LAI, desde 1995, quando foi criado o Portal do Senado. Por outro lado, havia um déficit de transparência no que se refere aos dados sobre os servidores e a estrutura administrativa, como afirma um dos entrevistados:

Com a entrada em vigor da Lei de Acesso á Informação, criou-se um clima de grande curiosidade pública em torno da remuneração dos servidores do Senado. A imprensa fez uma longa campanha contra os chamados 'supersalários' no Poder Legislativo. Com isso, aumentou o interesse de muitos segmentos em consultar os dados relativos à folha de pagamento. São principalmente servidores públicos de outras instituições e de outros poderes, motivados pela comparação dos níveis salariais entre as diferentes carreiras.

Essa explicação aplica-se também ao elevado percentual de consultas de residentes no Centro-Oeste, com 40% das solicitações de informações (Quadro 4). Seguindo a linha de raciocínio do depoimento supracitado, é no Centro-Oeste que está o Distrito Federal, cuja capital concentra elevado número de servidores públicos, de todos os poderes da República. Se a principal motivação para a consulta ao Portal da Transparência, no período, foi a busca de dados sobre a remuneração dos servidores do Senado, é plausível inferir que essa demanda é oriunda principalmente da esfera do Serviço Público, pelas razões já expostas acima. Existe, portanto, um relevante fator contextual que gerou um foco de interesse, centrado nas informações administrativas do Senado que até então eram resguardadas do acesso público, a exemplo da folha de pagamento.

3.4 Perfil dos cidadãos que solicitam informações ao Senado

Em relação ao perfil dos cidadãos, chamam atenção alguns dados. Em primeiro lugar, a predominância de pessoas do sexo masculino (67%), como mostra o Quadro 5. Em relação à faixa etária predominam os estratos de 20 a 49 anos, totalizando 81%. Quanto ao nível de instrução, destacam-se os cidadãos com nível superior (52%) e os portadores de diploma de pós-graduação (37%), totalizando 89%. Do ponto de vista geográfico, estão no topo do ranking os cidadãos da Região Centro-Oeste (40%) e do Sudeste (34%).

Quadro 5.
Perfil dos cidadãos solicitantes

Quanto à faixa etária, cabe destacar que a concentração se dá nos segmentos em idade produtiva, ou seja, os cidadãos que constituem força de trabalho ativa. Provavelmente são trabalhadores dos estratos superiores e integrantes da classe média. Estes são os que demonstram maior interesse por assuntos relacionados ao funcionamento e à agenda de trabalho do Senado, ao controle dos gastos públicos e ao padrão salarial dos servidores da Casa.

No caso da variável escolaridade, é clara a correlação entre mais anos de estudo e mais oportunidades de participação política e de interesse nos sistemas de transparência do Senado. Provavelmente, o nível de informação política seja maior entre os cidadãos com instrução superior. Afinal, como ressalta Gomes (2008, p.294)15 GOMES, W. Internet e participação política. In: GOMES, W.; MAIA, R. C. M. Comunicação e democracia: problemas e perspectivas. São Paulo: Paulus, 2008. p. 293-326., a participação requer um "volume adequado de conhecimento político estrutural e circunstancial e um estoque apropriado de informações não distorcidas e relevantes" para que o cidadão tenha níveis adequados de compreensão das matérias relativas aos negócios públicos e também ao jogo político.

O perfil acima delineado confirma ainda alguns dados e abordagens já explorados pelos estudos empíricos nas Ciências Sociais sobre interesse em política no plano dos efeitos geracionais, conforme aponta Norris (2003)21 NORRIS, P.. Young People & Political Activism: From the Politics of Loyalties to the Politics of Choice? Report for the Council of Europe Symposium, 2003. Disponível em: http://www.pippanorris.com Acesso em 30/06/14.
http://www.pippanorris.com...
. Para a autora, os efeitos geracionais explicariam maior ou menor interesse em política, de acordo com a faixa etária. A propósito, a literatura internacional sobre comportamento político registra que a faixa etária é uma variável de grande relevância quando se trata de interesse por política, com base no argumento de que os recursos materiais e cognitivos relacionados a participação, bem como os vínculos sociais, se acumulam no decorrer do tempo (OKADO, 2013, p.4122 OKADO, Lucas T. A. Juventude e participação política no Brasil: efeitos geracionais ou de ciclos de vida? In: Revista Espaço Acadêmico, n. 147, ago., 2013, p. 37-50.). Assim, o cidadão jovem se interessaria menos por política, mas conforme adquire maiores níveis educacionais, amplia o seu interesse quando adulto e se desinteressa na terceira idade devido à redução de seus vínculos sociais. Trata-se do que Milbrath e Goel (1977)20 MILBRATH, L.; GOEL, L.M. Political Participation: how and why do people get involved in politics? Chicago: Rand McNally, 1977. denominam "efeito curvilíneo" entre interesse por política e idade. É o que se observa com a cartografia das faixas etárias expostas no Quadro 5, com baixo interesse entre os mais jovens, maior engajamento dos adultos e novamente queda na motivação dos mais idosos.

No período analisado, constatou-se uma tendência de demandas sociais por informações relacionadas à esfera administrativa do Senado. Trata-se de algo que pode ser relacionado ao contexto, em função das medidas adotadas em decorrência do escândalo dos atos secretos, em 2009; e dos impactos da Lei de Acesso à Informação, cuja vigência iniciou em 2012. A divulgação nominal dos salários dos servidores do Senado e dos gastos com horas extras, viagens oficiais e passagens aéreas foi um dos motivadores da busca de informação. Certamente isso não interessa à sociedade em sua totalidade, mas setores expressivos se mobilizaram em função dessa demanda, o que explica o predomínio de cidadãos da própria cidade de Brasília, conforme já foi discutido durante a análise dos dados. O interesse e a busca por informações sobre o Senado transcende, portanto, o vínculo eleitoral com os parlamentares e o possível engajamento nas atividades legislativas. A prestação de contas requerida pela sociedade vai além da atuação dos senadores. A própria estrutura administrativa tornou-se objeto de demanda de informações.

Conclusões

A análise revela que o projeto de transparência do Senado tem passado por amplas e continuadas reformulações e ampliações, incorporando novas lógicas e novos mecanismos tecnológicos que permitem maior acesso da população às informações e dados institucionais. Trata-se de um projeto in progress, com a incorporação de novas ferramentas de contato e a revisão de normas e procedimentos.

A pesquisa revela ainda uma série de controvérsias no âmbito dos setores administrativos da instituição, o que foi possível identificar graças à aplicação dos pressupostos metodológicos de Giddens (2009)14 GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2009.. Os servidores entrevistados atuaram como porta-vozes desses diferentes segmentos, com uma contraposição hermenêutica que demarca a existência de dois mundos retóricos. O primeiro é representado pelas justificações apresentadas pelo então presidente da instituição, Renan Calheiros. O segundo reúne as controvérsias e críticas articuladas pelos estratos da administração burocrática responsável pela gestão das ferramentas de transparência do Senado. Foram identificadas cinco ordens de controvérsias que exercem papel relevante no contexto institucional.

A primeira diz respeito ao caráter "inovador e inédito" do projeto de transparência desenvolvido na gestão de Calheiros. Enquanto ele próprio aciona provas argumentativas e dados para justificar tal perspectiva, os servidores contestam e demonstram que o Senado já trilhava um caminho que levou à adoção de medidas de abertura de dados e informações, inclusive em função do alinhamento à conjuntura sociotecnológica. A segunda relaciona-se com o caráter de unanimidade apresentado por Calheiros. Os servidores entrevistados demonstraram a existência de barreiras, resistências, disputas e competições travadas entre as diferentes áreas da gestão burocrática da transparência. A terceira contempla a insatisfação e a desconfiança do corpo funcional em relação à divulgação nominal dos contracheques na internet, o que gerou um clima interno que não condiz com as declarações públicas de Calheiros. A quarta consiste em apontar os fatores exógenos que exerceram influência das decisões políticas e gerenciais do Senado, principalmente a partir do escândalo dos atos secretos, em 2009 e a ampla divulgação na imprensa. O projeto de transparência, portanto, na visão dos servidores, é uma resposta a essas pressões e não uma iniciativa particular de Calheiros. A quinta e última coloca em discussão a difícil articulação entre a esfera parlamentar e a esfera administrativa, a fim de que as manifestações da sociedade sejam efetivamente consideradas no cotidiano legislativo.

Em suma, o projeto de transparência política do Senado empreendido no período em exame representa ganhos para a sociedade em termos de maior facilidade de acesso aos dados administrativos e de maior densidade no teor da prestação de contas (accountability). O discurso de Renan Calheiros, contudo, contém matizes de propaganda política, personalização e promoção de sua própria reputação política, ao apresentar a sua gestão como pioneira, inovadora, ousada e corajosa. Para tanto acionou provas que são consideradas frágeis pelos servidores entrevistados. Tudo isso reforça o argumento central que serviu de base para o estudo, ou seja, a concepção de que a transparência política é um fenômeno socialmente construído, resultante das relações entre os diferentes atores concernidos, conforme foi abordado na primeira parte do artigo.

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  • 1
    Para um panorama sobre o contexto internacional, consultar Booth, J; Selison, M. (1978) e Brady, H. E. (1999).
  • 2
    Para Putnam (1973), o conceito de capital social abrange o estudo das práticas sociais, normas e relações de confiança e de reciprocidade que se estabelecem entre indivíduos e grupos, construindo uma malha de interações sociais. Essa coesão social funciona como amálgama para fortalecer a democracia e estimular a participação política e a cooperação cívica.
  • 3
    Uma condição para o registro dos depoimentos foi a garantia de anonimato dos informantes, uma vez que se trata de servidores que ocupam cargos de chefia, na maioria dos casos.
  • 4
    Alusão à publicação do primeiro relatório de aplicação da LAI no Senado, com 1% de sigilo.
  • 5
    Mais uma vez ressaltamos o anonimato dos informantes.
  • 6
    As entrevistas foram concedidas com a condição de que o anonimato dos informantes fosse mantido, uma vez que se trata de servidores que ocupam cargos de confiança.
  • 7
    Antes de chegar ao estágio do "Estado sedutor", segundo Debray, o percurso foi o seguinte: (1) Estado simbólico (força das insígnias associadas ao poder, como as moedas, brasões, bandeiras etc). (2) Estado cerimonial (divulgação dos discursos e feitos em ocasiões solenes); (3) Estado informacional (produção de estatísticas); (4) Estado publicitário (início da divulgação oficial, a exemplo da imprensa régia e similares); (5) Estado escolar (uso do sistema de ensino para a inculcação de valores cívicos); (6) Estado cultural (ampliação dos sistemas de reprodução dos valores culturais além da escola, como bibliotecas, museus, institutos culturais etc). A classificação toma como base o modelo francês, sem uma cronologia bem delineada. Contudo, há possibilidade de aplicação ao caso brasileiro, até porque, do ponto de vista cultural, o Brasil seguiu a trilha francesa durante um período expressivo, sobretudo no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX.
  • 8
    Segundo essa perspectiva, o presidente do Senado atua em nome de um coletivo, cuja vontade geral ele representa (BOLTANSKI, 2000). A grandeza cívica refere-se à defesa de interesses públicos, de forma republicana, sem contaminação por motivações pessoais ou de grupos oligárquicos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    2014
  • Aceito
    06 Mar 2015
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