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Editorial

Editorial

Este número especial da revista Serviço Social & Sociedade traz a público um conjunto de artigos que tem como núcleo os temas Trabalho, Saúde e Meio Ambiente. A escolha por essas temáticas pretende fomentar a discussão de questões que envolvem o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento (as assim chamadas Ciências da Natureza e Ciências da Sociedade) e entre distintas disciplinas que, na maioria das vezes, têm sido abordadas de modo fragmentado e sem a necessária articulação numa perspectiva de totalidade social.

Como afirma Maria das Graças em seu artigo neste número: “A tarefa de apreender estes fenômenos supõe e exige um esforço de problematizar os nexos entre saúde e ambiente a partir do contexto sócio-histórico que lhe funda, posto que tanto a degradação ambiental quanto as questões afetas à saúde guardam, mediata ou imediatamente, relação com a acumulação capitalista e o atual padrão de desenvolvimento que a impulsiona”.

As transformações do capitalismo contemporâneo provocam impactos no trabalho e no ambiente natural, expondo as contradições estruturais do capitalismo entre sua lógica produtivista ascendente e a necessidade de preservação do meio ambiente como condição para a reprodução social.

A reversão da longa onda de crescimento econômico, do final da Segunda Guerra Mundial e até inícios dos anos de 1970, provocou profunda reorganização do capitalismo em escala global com mudança nas formas de acumulação e na divisão internacional do trabalho. Impactos desse processo se evidenciam tanto no centro do capitalismo quanto na periferia do sistema, provocando respostas do capital à sua crise de acumulação que visam reverter a tendência de queda nas taxas de lucro. Com apoio ativo dos Estados nacionais, novas estratégias de exploração da força de trabalho assalariada são implementadas concomitantes à contrarreforma que leva ao encolhimento do público e ampliação dos interesses privados, afetando o alcance e o formato das políticas públicas e do sistema de proteção social.

No centro dessa dinâmica encontra-se o agravamento da questão social, expressão das lutas de classe frente ao aprofundamento da exploração e da dominação capitalistas, provocando respostas defensivas da classe trabalhadora em seu movimento de resistência e defesa de direitos conquistados historicamente.

Inúmeras pesquisas vêm demonstrando como o novo padrão de acumulação capitalista, mundializado e financeirizado, afeta a lógica de organização e gestão do trabalho, provocando sofrimento e adoecimento nos trabalhadores e nas trabalhadoras. Nesse sentido, estudos conduzidos pelas organizadoras (Bravo, Raichelis e Marsiglia) vêm aprofundando diferentes ângulos que circunscrevem os eixos temáticos deste número especial da revista.

Bravo tem analisado a política de saúde principalmente nos anos 1980 e a contrarreforma das décadas de 1990 e 2000; o Serviço Social e a saúde; as lutas sociais na saúde e os impactos da privatização na organização do sistema e na saúde dos trabalhadores.

Observa que no final dos anos 1970, com o processo de abertura política e, posteriormente, com a redemocratização do país, ocorreu na saúde um movimento significativo que contou com a participação de novos sujeitos sociais na discussão das condições de vida da população brasileira e com propostas governamentais apresentadas para o setor, o que contribuiu para um amplo debate.

Toda esta movimentação foi articulada pelo Movimento Sanitário que formulou o projeto de Reforma Sanitária brasileira, que tem como característica central a elaboração de propostas de fortalecimento do setor público em oposição ao modelo de privilegiamento do setor privado, bem como a politização da saúde com o objetivo de aprofundar a consciência sanitária (Berlinguer, 1987BERLINGUER, G. Medicina e política. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1987.) e a análise da saúde (incluindo a saúde do trabalhador) , no contexto mais amplo das desigualdades sociais, com o conceito de determinação social do processo saúde e doença.

Segundo a autora, nos anos 1990 assistiu-se ao redirecionamento do papel do Estado influenciado pela Política de Ajuste Neoliberal, que suprime direitos e desmonta mecanismos de proteção social, fragilizando a luta dos movimentos sociais por direitos.

As contrarreformas implementadas a partir da segunda metade da década de 1990, em consonância com as orientações do Banco Mundial (BM) , estão ancoradas na necessidade de limitação das funções do Estado. Este deve desresponsabilizar-se da execução direta das políticas sociais, sendo suas funções prioritárias as de coordenar e financiar as políticas públicas e não mais executá-las.

Nessa conjuntura, constata-se que as entidades da sociedade civil não conseguiram uma defesa da Seguridade Social e da Saúde em particular, com destaque para os movimentos sociais, sindical, partidos políticos e movimento sanitário (Bravo, 2006______. Desafios atuais do controle social no Sistema Único de Saúde (SUS). Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 88, p. 84-100, 2006.) .

A partir dos anos 2000, ressaltam-se algumas experiências organizativas nos campos sindical e dos movimentos sociais, nos quais é possível afirmar que a conjuntura atual não é marcada apenas pelo refluxo, mas também pela resistência a processos de cooptação e conformismo.

O período que se inicia com o primeiro governo Lula, a despeito das expectativas criadas de mudanças substanciais na política econômica e social, manteve elementos importantes dos governos que o precederam a partir dos anos 1990. Não se desconsidera com isso as análises que identificam uma modificação da orientação geral do segundo governo em relação ao primeiro e do governo Dilma em relação ao anterior. Boito Jr., já no início do período (2003), afirma ter havido uma hegemonia neoliberal que manteve as orientações da política econômica e de gestão do trabalho: a abertura comercial, a desregulamentação financeira, a privatização, o ajuste fiscal e o pagamento da dívida, a redução dos direitos sociais, a desregulamentação do mercado de trabalho, a desindexação dos salários e a contrarreforma da previdência. Na esfera da Seguridade Social, encontram-se importantes similaridades no tratamento dado pelo governo Lula a cada uma das políticas componentes: saúde, previdência e assistência social.

Destaca-se no segundo mandato do governo Lula, com perspectivas de continuidade na administração Dilma, a ênfase numa política de franco subsídio do Estado ao mercado, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) . No âmbito da saúde, expressa-se pelo Programa Mais Saúde do Ministério da Saúde (2007-2011), que implica uma aceleração da construção de novos equipamentos de saúde, como as unidades de pronto-atendimento, muitas delas, gerenciadas por Organizações Sociais e Fundação estatal de direito privado, na lógica das parcerias público-privadas (Andreazzi e Bravo, 2012ANDREAZZI, M. F. S.; BRAVO, M. I. S. Privatização da gestão e organizações sociais na atenção à saúde. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 12 n. 3, p. 499-518, set./dez. 2014.) .

No campo das políticas sociais, inclusive na saúde, destaca-se a ênfase em programas focais como o Bolsa Família. Bravo (2006)______. Desafios atuais do controle social no Sistema Único de Saúde (SUS). Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 88, p. 84-100, 2006. identifica algumas contradições no primeiro governo Lula, mas com uma orientação enfática na focalização, na precarização, na terceirização dos recursos humanos, no desfinanciamento e na falta de vontade política para viabilizar a concepção de Seguridade Social.

Dessa forma, constata a persistência de notórias dificuldades, como as desigualdades de acesso da população aos serviços de saúde, os desafios de construção de práticas baseadas na universalidade e na integralidade, os dilemas para alcançar a equidade no financiamento do setor, os avanços e recuos nas experiências de controle social e a falta de articulação entre os movimentos sociais. Todas estas questões são exemplos de que a construção e consolidação dos princípios da Reforma Sanitária permanecem como desafios fundamentais na agenda contemporânea do setor saúde.

A autora chama atenção para o risco das abordagens atuais que enfatizam o cotidiano de forma fragmentada. Algumas temáticas têm sido ressaltadas neste debate, por exemplo: promoção da saúde, cuidado e autocuidado, cuidador, acolhimento, humanização. Em algumas análises, percebe-se a responsabilização do indivíduo pela sua saúde e a desresponsabilização do Estado, tendo como estratégias estimular os sujeitos a encontrarem alternativas fora do sistema de saúde, ou seja, na família e/ou no mercado. Em outros autores, também é possível identificar propostas de ações e/ou programas com o objetivo de reduzir tensão e fazer a triagem do atendimento a partir de critérios socioeconômicos, tendo por argumento a discriminação positiva. Na atualidade, na Saúde Coletiva, são em minoria os autores que trabalham na perspectiva dos fundamentos teóricos da Reforma Sanitária, formulada a partir de meados dos anos 1970.

Em seus estudos sobre Serviço Social e Saúde (1996), Bravo ressalta que a área de saúde é, historicamente, a maior área de concentração de assistentes sociais, apesar do crescimento da política de assistência social, nos anos 2000. Observa ainda que os limites e contradições postos pela atual realidade impactam o processo de trabalho em saúde trazendo inflexões para todas as profissões e trabalhadores da saúde, dentre eles os assistentes sociais.

Raichelis, em suas reflexões sobre o trabalho na contemporaneidade, tem se dedicado à pesquisa do trabalho de assistentes sociais nas políticas sociais e no setor de serviços, especialmente na política de assistência social, além dos estudos sobre gestão pública, democratização e controle social.

A partir das reflexões de Iamamoto (2007)IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2007. , Raichelis tem como pressuposto que as transformações estruturais do capitalismo decorrentes das políticas neoliberais no contexto de mundialização e financeirização do capital atravessam diferentes dimensões da vida social e incidem nas relações e formas de gestão do trabalho, nos modos de expressão das sociabilidades individuais e coletivas, nas formas de organização do Estado, das políticas públicas e dos sistemas de proteção social, alterando critérios de distribuição do fundo público, modelando conteúdos e formatos dos programas e serviços sociais públicos. (Raichelis, 2010RAICHELIS, R. Intervenção profissional do assistente social e condições de trabalho no SUAS. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 104, p. 750-772, out./dez. 2010. (Edição especial: Crise social, trabalho e mediações profissionais.), 2013)______. Proteção social e trabalho do assistente social: tendências e disputas na conjuntura de crise mundial. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 116, p. 609-635, out./dez. 2013.

Nesse âmbito, o Estado passa à defesa de alternativas que envolvem a família, as organizações sociais e a rede filantrópica de “solidariedade social”, abdicando de políticas ancoradas na universalização do direito de cidadania. As medidas sociais postas em prática são reducionistas, voltadas primordialmente para situações extremas, com alto grau de seletividade e focalização, direcionadas à miséria e à pobreza absoluta, de que é exemplo emblemático o Programa Bolsa Família, que não impactam significativamente os níveis de desigualdade social persistentes em nosso país.

No caso das políticas de assistência social e de saúde, a autora destaca a ênfase nas condicionalidades ou contrapartidas dos usuários como mecanismo de controle seletivo do acesso a benefícios; o deslocamento de análises estruturais dos determinantes da pobreza para argumentos morais com base em indicadores de comportamentos “desviantes” como causas da pobreza; a culpabilização dos pobres pelas suas carências; a revalorização da família como principal canal de absorção dos “novos riscos sociais”.

Ao mesmo tempo, observa que o trabalho do/a assistente social sofre profundas inflexões decorrentes das novas configurações do mercado de trabalho e das relações de assalariamento, sofrendo as determinações estruturais que movem os processos de intensificação e precarização do trabalho no contexto da crise mundial (Raichelis, 2010RAICHELIS, R. Intervenção profissional do assistente social e condições de trabalho no SUAS. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 104, p. 750-772, out./dez. 2010. (Edição especial: Crise social, trabalho e mediações profissionais.)) .

A partir da contribuição de Antunes (1999ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999., 2008______. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2008., 2013)______. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências In: ANTUNES, R. (Org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. São Paulo: Boitempo, 2013. , reflete sobre a atual morfologia do trabalho caracterizada pelas novas modalidades de contratação por meio de trabalhos terceirizados, subcontratados, temporários, domésticos, em tempo parcial ou por projeto, e pelos processos continuados de informalização, insegurança e desproteção no trabalho, expressões da precarização a que estão submetidos os trabalhadores no mundo do trabalho.

Nesse contexto, assistentes sociais e demais trabalhadores e trabalhadoras das políticas sociais são afetados/as pelos baixos salários, pelas precárias e flexíveis formas de contratação com redução e/ou ausência de benefícios e direitos trabalhistas, intensificação do trabalho e das formas de controle, gestão sob pressão para alcance de metas e resultados imediatos, ausência de horizontes profissionais, falta de perspectivas de progressão e ascensão na carreira, de políticas de educação permanente, entre outros.

No mercado de trabalho profissional, a autora constata a ampliação de formas de subcontratação de serviços individuais dos assistentes sociais por parte de empresas de serviços ou de assessoria (empresas do eu sozinho ou PJs), de (falsas) cooperativas de trabalhadores para a prestação de serviços a governos, especialmente subnacionais, e organizações não governamentais, acenando para o exercício profissional privado (autônomo), temporário, por projeto, por tarefa, em função das novas formas de gestão do trabalho.

Diante desse quadro, Raichelis (2013)______. Proteção social e trabalho do assistente social: tendências e disputas na conjuntura de crise mundial. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 116, p. 609-635, out./dez. 2013. aponta a presença desagregadora do produtivismo nas relações de trabalho, responsável pela difusão da ideologia gerencialista (Gaulejac, 2007GAULEJAC, V. de. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Ideias Letras, 2007.) como nova lógica de gestão do trabalho baseada em metas de produtividade, intensificação do trabalho, maior fiscalização e controle do trabalhador, estimulo à polivalência e competitividade, com amplo apoio nas tecnologias de informação e comunicação que esvaziam conteúdos reflexivos e criativos do trabalho.

Nos estudos que vêm realizando, Raichelis (2010RAICHELIS, R. Intervenção profissional do assistente social e condições de trabalho no SUAS. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 104, p. 750-772, out./dez. 2010. (Edição especial: Crise social, trabalho e mediações profissionais.), 2011______. O assistente social como trabalhador assalariado: desafios frente às violações de seus direitos. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 107, p. 420-437, jul./set. 2011., 2013)______. Proteção social e trabalho do assistente social: tendências e disputas na conjuntura de crise mundial. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 116, p. 609-635, out./dez. 2013. observa também o crescimento de um tipo de requisição institucional dirigida aos assistentes sociais que afasta o profissional do trabalho direto com a população. Constata o discurso reiterativo de assistentes sociais que atuam no SUAS, no SUS e também em outras áreas profissionais, o envolvimento excessivo com o preenchimento de formulários e planilhas digitais padronizadas; a multiplicação das visitas domiciliares para fins de controle institucional das provisões e prestações sociais; a realização de cadastramentos da população assumidos em geral de forma burocrática e repetitiva, que não agregam conhecimento e reflexão crítica sobre a realidade dos usuários e suas condições de vida e trabalho, rebaixam a qualidade do trabalho técnico e impedem os assistentes sociais de realizar o trabalho intelectual e crítico para o qual estão (ou deveriam estar) capacitados.

Para a autora, trata-se de uma dinâmica institucional que vai transformando insidiosamente a própria natureza do Serviço Social, sua episteme de profissão de caráter técnico e político, fragilizando a ação direta e o desenvolvimento de trabalho socioeducativo com as classes e grupos subalternos numa perspectiva emancipatória.

As pesquisas sobre as tendências do mercado de trabalho do assistente social atestam o paradoxo da expansão de demandas profissionais no campo das políticas sociais e da proteção social e, ao mesmo tempo e no mesmo processo, o aprofundamento das diferentes formas de intensificação e precarização, aberta ou velada, das condições em que este trabalho se realiza, afetando mesmo que com intensidades variadas o conjunto dos trabalhadores.

Para a autora, na base desses processos encontra-se o aumento da degradação e da exploração do trabalho, ou em outros termos, a adoção de estratégias de redução do trabalho pago e ampliação do trabalho excedente, o que está na raiz do sofrimento do trabalhador assalariado.

Raichelis observa que a tríade desgaste físico/mental-sofrimento-adoecimento relacionado ao trabalho tem sido estudada em vários campos do conhecimento, inclusive no Serviço Social, mas ainda pouco se conhece sobre o adoecimento de assistentes sociais diante da exposição continuada às mais dramáticas expressões da questão social, lidando com a dura realidade das classes subalternas e diante da impotência frente à ausência de meios e recursos que possam efetivamente remover as causas estruturais que provocam a pobreza e a desigualdade social.

No Serviço Social tem sido cada vez mais comum testemunhar depoimentos de assistentes sociais sobre situações de sofrimento, estresse e assédio moral decorrentes da intensa pressão a que são submetidos por chefias e superiores hierárquicos, bem como referências ao esgotamento profissional e a quadros depressivos. Torna-se urgente, pois, ampliar a pesquisa que particularize as específicas condições de trabalho do/a assistente social no conjunto da classe trabalhadora, mapear as situações concretas de sofrimento e desgaste físico e mental a que estão submetidos/as, para extrair daí elementos que possam embasar lutas por novas reivindicações e direitos.

Nesse sentido, os artigos de Santos e Raichelis e Vicente, publicados neste número da revista, são contribuições nessa direção.

Santos e Raichelis tratam do assédio moral nas relações de trabalho de assistentes sociais. Para as autoras, com base na dissertação de mestrado de Santos (2014) e em outros estudos de pesquisadores nacionais e estrangeiros (Barreto, 2005BARRETO, M. M. S. Assédio moral: a violência sutil - Análise epidemiológica e psicossocial no trabalho no Brasil. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.; Goulejac, 2007)GAULEJAC, V. de. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Ideias Letras, 2007. , o aumento de casos de assédio moral no trabalho decorre das formas de intensificação e precarização a que são submetidos/as trabalhadores e trabalhadoras ante as novas formas de gestão do trabalho, tanto nas empresas privadas quanto na esfera estatal.

No Brasil, a reforma neoliberal do Estado e a incorporação da lógica gerencial/produtivista na gestão do trabalho provocam o aumento do estresse e do adoecimento físico e mental. As situações de violência e assédio moral no trabalho de assistentes sociais evidenciadas pela pesquisa demonstram os constrangimentos a que são submetidos/as, de modo similar ao conjunto da classe que vive do trabalho.

Vicente, também em artigo neste número, produzido com base em sua pesquisa de pós-doutorado com assistentes sociais que trabalham na área de habitação de interesse social (HIS), identificou nas formas de terceirização do trabalho social a raiz do desgaste mental e do adoecimento provocado pelas relações de trabalho em que trabalhadoras assistentes sociais são contratadas por empresas terceirizadas pelo poder público e expostas às piores condições de trabalho, às situações mais penosas e humilhantes, aos trabalhos mais precarizados e mais sujeitos a riscos, ao desgaste mental e físico, sofrimento e adoecimento, em condições semelhantes a qualquer trabalhador terceirizado, o elo mais frágil na cadeia de exploração do trabalho.

Marsiglia, a partir de suas reflexões, observa que o debate entre a sociologia do trabalho, a saúde ocupacional e o meio ambiente, na sua produção contemporânea, procura incorporar as elaborações resultantes das análises mais avançadas de cada área, e ao mesmo tempo buscar a síntese desses conhecimentos, em patamares cada vez mais complexos, em um movimento de diálogo profícuo entre aprofundamento/especialização e abrangência do conhecimento. Questões que abordou com Amélia Cohn, em 1993, em capítulo sobre Processo e Organização do Trabalho, no livro organizado por Buschinelli et al. (1993-1994)COHN, A.; MARSIGLIA, R. M. G. Processo e organização do trabalho. In: BUSCHINELLI, Tarcísio et al. (Orgs.). Isto é trabalho de gente? São Paulo: Hucitec, 1994..

Para a autora, o campo da Saúde Coletiva, construída ao final dos anos 1970 no país, nestas três décadas de existência conseguiu constituir-se como área própria de conhecimento, autônoma em relação às áreas da medicina e da saúde pública, já bem consolidadas. Ela buscou na sua origem a articulação entre as ciências humanas e sociais, a epidemiologia, preocupada com a determinação social da saúde de grandes grupos populacionais e a política, planejamento e administração de serviços de saúde. Quando, há três décadas, essa nova área apresentou suas três grandes linhas de interesse para a pesquisa - condições de vida da população, política de saúde e organização dos serviços de saúde e recursos humanos para a saúde -, e dois temas emergentes - trabalho e saúde (Laurell e Noriega, 1989LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.) e violência - apontou os caminhos a seguir e as articulações que deveria buscar. Processo que Marsiglia analisou em artigo para a Revista Saúde & Sociedade, editada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e Associação Paulista de Saúde Pública, em 2013.

As relações entre processo de produção, organização do trabalho, ambiente e saúde, especialmente na fase atual de reestruturação produtiva e acumulação flexível do capital, tem recebido especial atenção de autores da área da sociologia (Oliveira e Singer, 1989OLIVEIRA, Fr. O terciário e a divisão social do trabalho. Estudos Cebrap, São Paulo, n. 24, p.138-168, jul. 1989.) e saúde coletiva (Gomes e col., 2011GOMES, C. M. et al. (Orgs.). Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011. e Silva, 2011) : a expansão do emprego em serviços, a feminização da força de trabalho, os dilemas e conflitos das políticas sociais, saúde, educação, previdência e assistência social têm sido objeto de publicações recentes (Assunção e Brito, 2011ASSUNÇÃO, A. A.; BRITO, J. (Org.). Trabalhar na saúde: experiências cotidianas e desafios para a gestão do trabalho e do emprego. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011. (Prefácio de Regina Marsiglia.)). Publicações que buscam analisar a particularidade do trabalho nessas áreas, as condições do ambiente e as repercussões sobre a saúde desses trabalhadores.

Esse número da revista compõe um amplo painel de questões relacionadas ao trabalho, à saúde e ao meio ambiente, que constituem relevantes objetos de pesquisa interdisciplinar: a intolerância e o assédio moral nas relações sociais; a superexploração do trabalho, as doenças profissionais e os acidentes de trabalho na agroindústria canavieira e na indústria automobilística; os agravos à saúde da população e ao meio ambiente decorrentes dos grandes empreendimentos, sejam eles usinas siderúrgicas ou hidrelétricas; a relação saúde e ambiente a partir do desenvolvimento do PAC em favelas, além dos artigos já mencionados que tratam das relações entre saúde e ambiente na ótica das contradições do modelo de desenvolvimento brasileiro, e das questões relacionadas à saúde, adoecimento e assédio moral no trabalho de assistentes sociais.

Os artigos deste número da revista Serviço Social & Sociedade foram especialmente encomendados para reconhecidos/as pesquisadores/as de diferentes áreas do conhecimento e instituições acadêmicas do país. A pronta acolhida evidenciou que os temas propostos integram uma agenda em desenvolvimento e expressam o diálogo interdisciplinar do serviço social com distintas áreas de conhecimento, especialmente no âmbito da pesquisa conduzida pelos programas de pós-graduação. Faltava conferir visibilidade a essa produção, o que fazemos agora por meio desta publicação mais do que especial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015
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