Acessibilidade / Reportar erro

A herança escravista de longa duração na formação do mercado de trabalho no Brasil

The long-term slavery legacy in the formation of the labor market in Brazil

Resumo:

Este artigo tem como objetivo analisar a formação do mercado de trabalho e problematizar sua constituição, considerando o extenso período do escravismo brasileiro. O argumento preponderante é a existência do tráfico negreiro alimentador do processo de trabalho no escravismo colonial. A abordagem é embasada em livros e documentos que oferecem perspectivas de análise de longa duração para compreensão histórica da formação da força de trabalho no Brasil.

Palavras-chave:
Trabalho; Escravismo; Brasil; História

Abstract:

This article aims at the formation of the labor market and problematize its accounting for the extensive period of the Brazilian study. The main argument is the existence of the slave trade that feeds the work process in colonial slavery. The approach is based on books and documents that support the long-term analysis for historical understanding of the formation of the workforce in Brazil.

Keywords:
Work; Slavery; Brazil; History

Introdução

O mercado de trabalho, como desenvolvimento histórico alicerçado no assalariamento da força de trabalho, generaliza-se na sociedade burguesa. Em países que foram colônias - como o Brasil -, a formação do mercado de trabalho apresenta particularidades, principalmente a respeito de seu passado escravista. Essa determinação histórica do mercado de trabalho só pode ser revelada no âmbito das relações mercantis e pelo próprio caráter que assume a forma de reprodução do processo de trabalho da época, à luz da crítica à economia política. Desse modo, este artigo argumenta que a origem do mercado de trabalho no Brasil remonta à formação social escravista pelo próprio caráter específico da produção e das relações mercantis do colonialismo.

Ao analisar a problemática do mercado de trabalho no Brasil, é preciso retomar a análise historiográfica, com o objetivo de questionar sua formação socioeconômica e, assim, desvelarmos os traços gerais que concernem à nossa particularidade. No caso brasileiro, o racismo é estruturante da inserção da população negra no mercado de trabalho assalariado e na totalidade da vida social, mas para levar a cabo essa compreensão, o debate do racismo precisa extrapolar qualquer panorama culturalista que pretende moldá-lo apenas a partir de uma visão comportamental e isolada dos fatos da vida cotidiana e da história da formação do país na divisão internacional do trabalho, pois é importante na análise científica considerar os processos objetivos (sócio-históricos) que permeiam a sociabilidade entre as raças e as classes sociais.

1. Formação sócio-histórica e mercado de trabalho

A historiografia oficial que abordou a formação social brasileira, em especial a constituição da força de trabalho e o sujeito subjetivo do processo de trabalho, em alguns casos concentrou as análises aos processos gerais - porquanto às vezes generalista -, o que pode ter engendrado uma perspectiva da história do trabalho que pouco corresponde à história dos séculos de escravismo vividos em solo brasileiro. Em tal panorama se inscrevem, objetivamente, as análises que tratam apenas do mercado de trabalho no Brasil como simples implementação do trabalho assalariado ou, por outro lado, a abordagem culturalista e antropológica do escravismo, buscando apagar a essência de sua função como formação social prenhe de conflitos de classes e étnico-raciais. Diante disso, compreendemos que é necessário estabelecer algumas mediações sobre as determinações escravistas impostas ao processo histórico da formação do mercado de trabalho na sociedade brasileira.

Na formação social escravista, o sujeito subjetivo do processo de trabalho,1 1 O trabalho humano/vivo, independentemente da formação social, é o componente subjetivo do processo de trabalho. Os elementos objetivos e subjetivos do processo de trabalho podem ser observados em Marx (2017b), em especial, numa leitura atenta, a partir do capítulo VI, d’ O capital. Na análise da formação social escravista brasileira, Gorender (2016b, p. 241-242, grifos do autor) é o autor que proporciona uma original contribuição: “A fim de identificar o escravo como agente histórico, precisamos, a meu ver, partir do que é o escravo justamente no âmbito da economia escravista. Da minha parte despendi o esforço discursivo a meu alcance para demonstrar que o escravo não é um ‘capital fixo’, não equivale às máquinas ou a outro bem de capital, como formularam autores brasileiros, dentre eles Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Fernando Henrique, Nelson Werneck Sodré e Ciro Cardoso. O dinheiro gasto na compra do escravo tem uma rotação idêntica à do dinheiro gasto na compra de um capital fixo, pois se amortiza também fracionadamente no decurso de vários ciclos produtivos e não de um único. Mas o próprio escravo, como ser concreto e no processo de trabalho, não se identifica como dinheiro equivalente ao seu preço de aquisição, nem com qualquer capital fixo encarnado em instrumentos de produção. O escravo é o agente subjetivo do processo de trabalho: todo processo de trabalho possui necessariamente um agente subjetivo, que não deixa de o ser por se tratar de indivíduo coagido e brutalizado. Já no âmago da atividade econômica, o escravo conserva a condição de pessoa humana, em contradição viva com a extrema coisificação que lhe impõem as relações de produção entre cujas tenazes se acha aprisionado. Aí está, precisamente, o ponto de partida de sua resistência e da possibilidade nunca extinta de sua rebeldia e completa negação da condição de escravo”. isto é, a pessoa escravizada, na sua condição de propriedade, é vista como coisa, embora não o seja efetivamente em sua generalidade humana. Como categoria, o ser escravizado encerra a especificidade de ser coisificado dentro e fora do seu processo de trabalho, diferentemente do que se opera no regime de trabalho livre, em que a força de trabalho só é coisa dentro do processo de produção, durante a alienação do seu trabalho. Na medida em que o ser escravizado é a coisa em si em relação ao senhor, sua única forma de negação à sua coisificação é, consequentemente, a negação à sua categoria econômica, ou seja, sua negação como sujeito escravizado. No entanto, trata-se de um sujeito duplamente alienado (IANNI, 1978IANNI, Octavio. Escravidão e racismo. São Paulo: Hucitec, 1978.) enquanto escravizado: como pessoa, na qualidade de propriedade do senhor, e em sua força de trabalho, no qual não pode manifestar qualquer faculdade sobre seu comando sem ser impositiva e alheia sob condição do uso da força.

O ser escravizado, tomado como coisa, foi inserido em situações extenuantes de trabalho e exploração na economia colonialista,2 2 De acordo com Bagú ([2021], p. 79): “La esclavitud americana fué el más extraordinario motor que tuvo la acumulación del capital comercial europeo y éste, a su vez, la piedra fundamental sobre la cual se construyó el gigantesco capital industrial de los tiempos contemporáneos - capital industrial que, necesitado como estuvo tempranamente de productores y consumidores libres, atacó desde el siglo 19 la institución de la esclavitud como funesta para sus propósitos. Indirectamente, pues, la esclavitud del indio y el negro resultó indispensable para que, mediante un secular proceso de acumulación capitalista, pudiera la Europa occidental tener industrias modernas y Estados Unidos alcanzara en el siglo 19 su espectacular desarrollo económico”. esta representando um espólio não apenas de matérias-primas, mas, sobretudo, de sobretrabalho alicerçado no regime escravocrata, que mais tarde nutriria o desenvolvimento do modo de produção capitalista na Europa.

A formação social escravista, sob o colonialismo, tornava impositivo o estabelecimento de trocas mercantis. Além dos gêneros de exportação tropicais, a mercadoria mais importante, no aspecto das relações mercantis entre as metrópoles e as colônias, era “a mercadoria escrava”, incentivada pelo tráfico negreiro.3 3 Williams (2012, p. 63) é enfático em relação ao papel do tráfico negreiro: “Os escravos negros eram ‘a força e a energia deste mundo ocidental’”. O ser escravizado é, portanto, uma mercadoria que, por sua qualidade mesma de sujeito subjetivo do processo de trabalho, imprime valor no processo de produção das mercadorias coloniais. Entretanto, é uma mercadoria força de trabalho distinta da força de trabalho assalariada da sociedade burguesa, que guarda em si particularidades na sua relação de compra e venda. Isso porque a força de trabalho assalariada é duplamente livre, isto é, de possuir livremente sua força de trabalho e de não ter outra mercadoria para vender nas relações mercantis além de sua força de trabalho, ao passo que, no ser escravizado, a compra e a venda da sua força de trabalho são mediadas pelo tráfico negreiro, por sua captura, venda e transporte. Trata-se, nesse caso, de um mercado de trabalho, uma vez que em sua particularidade de relação mercantil a “mercadoria escrava” é adquirida mediante o tráfico. É um mercado de trabalho particular, em que as determinações de sua particularidade como mercado de trabalho remontam às condições histórico-sociais. Contudo, é preciso analisar o estabelecimento dessa troca, com o objetivo de elucidar seu caráter como mercado de trabalho escravizado.

O processo de reprodução de um modo de produção, em sua maneira simples ou ampliada, implica necessariamente dois polos interdependentes: de um lado, o processo de produção, que objetiva as mercadorias através do processo de trabalho/valorização e, de outro, o processo de circulação, que se trata da efetivação valorativa da troca, isto é, a realização do processo de reprodução. Na relação colonialista, é evidente que o processo de produção ficava por conta da colônia e sua efetivação, no processo de circulação, dava-se pelo monopólio comercial da metrópole. Assim, temos num extremo a produção mercantil escravista e noutro a troca mercantilista, ambas no elã ascendente do capital mercantil. Novais (2019NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Editora 34, 2019.), ao analisar o colonialismo e a expansão ultramarina de Portugal e Espanha, afirma que a comercialização dos produtos orientais, o tráfico negreiro, a produção colonial do açúcar e a mineração dos metais nobres iniciaram-se ao longo dos séculos XVI e XVII. Por conseguinte, o sistema estava praticamente constituído, e o que se segue nos próximos séculos é o seu desenvolvimento e aprofundamento.

À primeira vista, aparenta ser um processo excludente de duas formas distintas presentes no processo de reprodução. Entretanto, é preciso enfatizar que tal relação é interdependente - à própria maneira do processo de reprodução - graças ao caráter colonial em que está inserida. Somente assim é que conseguimos entender a escravidão moderna com a presença do capital mercantil. E é justamente nesse ponto que se enfatiza a presença de um mercado de trabalho já existente através do tráfico negreiro. O caráter espoliativo do colonialismo, colocado sob a forma da plantagem, só poderia dar prosseguimento ao seu processo de produção por meio da extração de sobretrabalho do trabalho escravizado. A acumulação no escravismo só consegue se materializar pelo capital mercantil mediante a exploração do trabalho escravo e, consequentemente, de suas condições de vida por meio do sobretrabalho.4 4 A vida útil do escravizado variava conforme a produtividade e suas condições de trabalho, bem como seu preço de aquisição. Contudo, pode-se estabelecer uma média de vida útil do escravizado de dez anos; cf. Gorender (2016a, p. 237), Moura (1977, p. 78-79) e Ianni (1978, p. 58). A África, como fornecedora de força de trabalho escravizada, viabilizou a produção colonial (NOVAIS, 2019NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Editora 34, 2019.). Para isso, urge a necessidade da compra do escravizado por intermédio do tráfico mercantilista.

Apenas nos três primeiros séculos do colonialismo, o tráfico negreiro introduziu cerca de 3.647.000 africanos (GORENDER, 2016aGORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016a., p. 351), o que já demonstra a importância da compra do sujeito escravizado para a continuidade do estabelecimento colonial. Se o processo produtivo era fundamentado no regime escravista, vale salientar que, tirando o escravizado, todos os participantes inseridos na reprodução - do senhor ao mercador, o traficante e a Coroa - estavam balizados no capital mercantil, que só conseguia se realizar pelo trabalho escravizado. A existência do tráfico negreiro se torna necessária pelo próprio modo como se estabelece o processo de trabalho nos moldes escravistas. E é justamente aí que habita o cerne de sua determinação como mercado de trabalho escravizado.

O sujeito escravizado se insere nas relações de troca mercantil como mercadoria - o que revela mais uma vez seu caráter de coisa. Com isso, suas atribuições de compra e venda se encontram no próprio caráter da mercadoria em si, ou seja, como forma-mercadoria. Logo, o prosseguimento da compra e venda da força de trabalho escravizada é o imperativo categórico da formação social escravista, uma vez que é ela que lança nas plantagens o sujeito subjetivo do processo de trabalho que pode dar continuidade à reprodução constante da produção. A recorrência ao tráfico negreiro concebe sua lógica se colocada nos circuitos da exploração mercantil do nexo colonial.

Enquanto os vínculos entre metrópole e colônia estão concretizados, o desdobramento da escravatura no regime colonial não encontra grandes dificuldades para sua reprodução como formação social dominante. Com a abertura dos portos e o processo de independência política, o mantimento do escravismo se depara com certas limitações. Isso se dá especialmente com as relações comerciais entre Brasil e Inglaterra, esta última em pleno vigor de sua Revolução Industrial, transicionando à forma plena e subsumida do modo de produção capitalista. Nesse limiar é que o escravismo moderno consegue coexistir e oferecer importante apoio ao desenvolvimento capitalista, inserindo-se nos circuitos do mercado mundial.

A formação social escravista presente em solo brasileiro e seu contato com o mercado mundial coexistem como palco perfeito para a acumulação originária de capital. A partir desse momento, toda a forma de desenvolvimento do escravismo, em contato com o modo de produção capitalista, transforma-se num processo de derrocada autofágica. As situações procedentes se tornam disputas de interesses conflitivos externa e internamente. Esse conflito já habita na própria forma como se realiza o capital mercantil frente ao capital industrial para os estratos senhoriais da sociedade brasileira. Frente ao mercado de trabalho de cariz escravocrata, não há possibilidade de efetivação do capital industrial internamente, apenas é possível efetivar as mercadorias na sua forma elementar mercantil. Assim, ainda fixado no capital mercantil em decorrência do escravismo, o caráter econômico ainda é colonial, mesmo quando ocorre a emancipação política em relação à Coroa portuguesa no século XIX. A determinação econômica ainda perfaz a característica colonialista precisamente pela inserção do país no mercado mundial através do trabalho escravizado.

Em decorrência disso, urgem interesses na exploração indireta - e até mesmo de maneira direta no século XIX - da força de trabalho escravizada pelo capital estrangeiro. Para que isso continue ocorrendo em sua operacionalidade, é preciso deixar vivo o mercado de trabalho escravizado, isto é, manter o tráfico negreiro para a exploração corpórea da “mercadoria escrava”. O tráfico negreiro teve continuidade até onde os interesses internos e externos puderam confluir. A partir de 1850, tem-se a abolição formal do tráfico negreiro internacional, ao mesmo tempo que é elaborada a Lei de Terras que institui a propriedade privada agrária no Brasil, como forma de privilegiamento da posse da terra. Contudo, já é perceptível, nesse contexto, um movimento peculiar da forma de operacionalização política das classes dominantes: modernização com traços conservadores que não afeta o status senhorial através de interesses particularistas. Todavia, se o tráfico externo havia sido abolido, na sua essência ele havia de perdurar por muito tempo de outras maneiras. A diferença que decorre da abolição do tráfico africano é que ela ocorreria agora, até o momento da Abolição da escravatura, como tráfico interno interprovincial para realizar o capital mercantil e conservar intacto o mercado de trabalho escravizado.

Sem o fornecimento direto de força de trabalho escravizada do continente africano, o tráfico interno conta com seu movimento limitado dentro da própria mobilidade escravista. O que sucede, de maneira geral, é a transferência de contingente de escravizados das áreas de economias em decadência para a economia mais dinâmica daquele período: a cafeicultura do Sudeste. Nos 35 anos que transcorrem da abolição do tráfico negreiro, somente a cafeicultura se beneficiou do tráfico interno com cerca de 300.000 escravizados. E nas vésperas da abolição do tráfico africano, estima-se a introdução de 220.000 escravizados africanos (GORENDER, 2016aGORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016a.). O sujeito escravizado nunca deixou de ser uma mercadoria à compra e venda nas relações mercantis, mesmo depois da abolição do tráfico negreiro e diante da defesa senhorial de seu regime.

Concomitantemente, vista a limitação do tráfico interno como alimentação do mercado de trabalho escravizado, manifesta-se para o estamento senhorial a recorrência ao trabalho livre como alternativa através do imigrante europeu. A primeira experiência de inserir o imigrante enquanto trabalhador livre foi pelo sistema de parceria, como iniciativa do senador Vergueiro - também senhor de cafezais. O imigrante colocado no sistema de parceria, que na verdade não significava mais que uma forma incompleta da escravidão por meio do endividamento permanente, redundou em fracasso, tendo o seu episódio derradeiro na Revolta de Ibicaba (KOWARICK, 2019KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2019., p. 78-80; GORENDER, 2016aGORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016a., p. 608-609). A parceria, como forma impositiva, era uma maneira de negar o acesso à propriedade da terra aos colonos imigrantes, e que só iria ter seu ressurgimento anos mais tarde - retratado grandemente, com sua interação à cultura caipira, por Candido (2017CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Edusp, 2017.).

Disso não se segue que, por tentativa de implementação do trabalho assalariado, o fazendeiro de café representasse a mentalidade ou o raciocínio empreendedor do capitalista, tampouco uma tentativa de implementação do modo de produção especificamente capitalista. O recurso ao imigrante como trabalhador livre foi apenas uma saída estritamente econômica frente ao estrondoso preço do escravizado com a limitação do tráfico internacional e, mesmo, do tráfico interprovincial. Escassez e encarecimento de escravizados somam-se às revoltas escravas e ao movimento abolicionista na segunda metade do século XIX, confluências que abalam o escravismo brasileiro.

O imigrante livre resultava na racionalidade econômica como uma aquisição menos custosa ao fazendeiro. A condição do trabalhador livre só o é como forma de atração às novas terras porque, onde foi possível, o estatuto de “livre” do imigrante foi aplicado à maneira única da escravidão. Se é possível enquadrar qualquer tipo de mudança no comportamento ou mentalidade do fazendeiro de café que escapava ao raciocínio-lógico escravista, só pode ser derivada como uma condição estritamente externa ao que os fatos demonstram pelo rechaço na tentativa de implementação do trabalho livre e a involução à persistência ao mercado de trabalho escravizado, mesmo este último com preços exorbitantes.5 5 Segundo Gorender (2016a, p. 231), nos cafezais, após a abolição do tráfico negreiro, o escravizado representava, em média, 70% do conjunto dos investimentos da fazenda. Cabe ainda indicar a dificuldade de inserção do trabalho livre em uma sociedade escravista. Candido (2017CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Edusp, 2017., p. 95) assinalava que:

No latifúndio produtivo, assim formado, o trabalho escravo criou condições dificilmente aceitáveis para o homem livre, que refugou também, posteriormente, a dependência social do colonato; não se tendo preparado a sua incorporação a este, agia sempre como fator negativo a comparação com o cativeiro.

Na Tabela 1, conseguimos analisar como ocorreram a evolução quantitativa do trabalho livre no Brasil e a decadência do trabalho escravizado.

Tabela 1.
Relação entre escravizados e livres até 18886 6 Dados extraídos de Ianni (1978, p. 27), comparados com Kowarick (2019, p. 57). É preciso destacar que o número da população livre no ano de 1888 diz respeito, na verdade, ao ano de 1887, retirado de Moura (1977, p. 30). Portanto, o cálculo de diferença da população livre é superior ao anotado na tabela, tendo em vista o aumento da imigração europeia.

O preço exorbitante do escravizado a partir de 1850 foi um condicionante para o aumento da população livre. A Guerra do Paraguai também foi outro fator de diminuição da população escravizada, pois somente nela foram dizimados mais de 100.000 escravizados, enviados à guerra como substitutos aos filhos dos senhores. O crescimento em mais de 2.000% na relação 1872-1888 teve, certamente, impacto das reformas emancipacionistas no circuito referido. Embora os dados da população livre em 1888 sejam maiores, cabe a título de comparação perceber que entre 1851 e 1900 adentrou no Brasil um total de 2.092.847 imigrantes europeus, sendo 525.086 introduzidos apenas no percurso de 1881 a 1890 e mais da metade deles no decênio 1890-1900. Somente na economia cafeicultura da zona paulista, em 1886, havia uma população escravizada de 163.343 (MOURA, 2019MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 2019., p. 115; GORENDER, 2016aGORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016a., p. 603).

A opção pelo trabalho livre surge de determinações externas que colocam em xeque o próprio mercado de trabalho escravista, mas, onde o trabalho livre surge, ele aparece como uma distensão do processo escravista de produção. Este se torna o ponto fulcral na insistência dos cafeicultores como a única alternativa viável da produção. Segundo Fernandes (1976FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1976., p. 107):

Todas as percepções, representações ou ilusões dos estamentos senhoriais, inseridos nesse processo, terminavam da mesma maneira. Na ideia de que o trabalho escravo continuaria a dar fundamento e viabilidade à ordem senhorial e numa espécie de contra-ideologia, segundo a qual soluções alternativas, que envolvessem outras formas de relação de produção, não se aplicavam à situação brasileira.

Tal orientação do estamento senhorial ocorre, sobretudo, na zona cafeeira devido à sua situação como economia mais dinâmica do escravismo. Residem neste ponto a fixação no processo escravista e o rechaço ao trabalho livre, porque “a elevada rentabilidade, justamente, induzia a continuar comprando escravos” (GORENDER, 2016aGORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016a., p. 604).

Os fazendeiros de café realizaram o possível para postergar a Abolição final do escravismo e tentar cooptá-lo a seu favor. Devido ao esvaziamento do contingente populacional escravizado, isto é, do mercado de trabalho escravizado, do seu alto custo e do inevitável colapso do sistema escravista, parcela de fazendeiros de áreas de produtividade mais prósperas realizou inversões de natureza técnica com o intuito de aumentar a produtividade do trabalho escravizado. Trata-se de investidas no afã de mantimento de seu status colonial, que invoca qualquer tentativa e possibilidade para realizar seu capital comercial, mas que carrega consigo, necessariamente, o trabalho escravizado para sua realização.

Em tais termos, vista a impossibilidade da permanência longínqua da escravidão, o trabalho livre começa a emergir no processo de produção da cafeicultura. O trabalhador livre, principalmente o imigrante, é inserido como força de trabalho subsidiária - na forma da escravidão incompleta -, mas o determinante continuava sendo o escravizado, colocado nas tarefas essenciais do processo produtivo.

A Abolição, de acordo com Fernandes (1976FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.), resultou numa revolução dentro da ordem em que se deu “de cima” para “baixo”, um ato branco e brando constituído pela elite senhorial que não chegava a tocar no cerne do problema e acabaria acarretando consequências inevitáveis para os recém-libertos. Sobre o comportamento senhorial diante do cenário exposto, cabe apontar que: “[...] o espírito de elite pairava sobre o abolicionismo. Ficou patente que, para a maioria, o abolicionismo começava e terminava com a problemática histórica do branco rico e poderoso” (FERNANDES, 1976FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1976., p. 165).

Essa estratégia de cooptação e enquadramento será a base de mobilidade das classes dominantes brasileiras, recorrente nas figuras do paternalismo, do coronelismo ou do clientelismo, mas todas elas com o objetivo de defender os interesses particulares da elite frente a qualquer sentido inevitável de mudanças necessárias, pois, apenas em dois anos da Abolição, chegam ao Brasil cerca de 304.000 imigrantes (KOWARICK, 2019KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2019., p. 89). Nesse sentido, a passagem do trabalho escravo ao trabalho livre assalariado no Brasil não encontrou grandes dificuldades econômicas para as classes dominantes senhoriais que, paulatinamente, metamorfoseavam-se em capitalistas. A dificuldade erigiu-se para as classes mais baixas da população, em geral, o elemento nacional, que foi renegado na inserção ao mercado de trabalho livre em preferência ao trabalhador imigrante, que teria sua vinda custeada pelo próprio Estado brasileiro desde 1885. Entre eles, o negro recém-liberto foi o mais afetado, pois carregaria em sua pele os efeitos passados do colonialismo. O que se manifesta é que “[...] tudo aquilo que dinamizou a economia paulista, após 1888, deixou de lado o negro como vendedor da força de trabalho” (MOURA, 1977MOURA, Clóvis. O negro: de bom escravo a mau cidadão? Rio de Janeiro: Conquista, 1977., p. 37). O processo de marginalização e segregação da população negra é um movimento anterior à Abolição que ocorreu em consequência da política imigracionista.

Na condição de permanência do estabelecimento do mercado de trabalho escravo, e seu caráter de acumulação, o negro marginalizado foge do escopo de servir como superpopulação relativa. Mas quando a dinâmica do modo de produção capitalista entra em cena, com o assalariamento no quadro histórico brasileiro, é preciso salientar a sua importância. Dessa maneira, a população livre nacional marginalizada na consolidação do capitalismo brasileiro cumprirá a função social e econômica de ser um exército industrial de reserva, função essa que não conseguiria cumprir na sociedade escravocrata devido à forma em que se operava seu mercado de trabalho. Contudo, ao que concerne à população negra, esta guardará a particularidade de compor a superpopulação relativa, como o elemento mais vulnerável às exigências do capital.

Nota-se que, embora a Abolição tenha sido feita contra o desejo das elites senhoriais, preparou-se todo o quadro necessário para a constituição do mercado de trabalho livre e a inserção do modo de produção capitalista. Colocado sob perspectiva analítica, o escravismo representava um entrave a si mesmo como formação social inserido no mercado mundial, e a demora de sua desintegração só desvela o caráter retrógado e plutocrático (FERNANDES, 2009FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. São Paulo: Global, 2009.) do senhor agrário que viria a se metamorfosear no capitalista. A Abolição significa, assim, a ordem dos fatores externos que impeliram a sua necessidade. O fato de o escravismo ter perdurado por período tão extenso só habita na inflexão de que sua formação social foi versando para o regime de trabalho livre assalariado, contando, sobretudo, com o preço vantajoso do café no mercado mundial e o desenvolvimento das forças produtivas, que acabaram propiciando alta produtividade. É perceptível que esta é uma limitação de caráter regional, onde nas regiões em que não se operou esse modelo de transição para a economia capitalista barreiras foram encontradas para consolidar o novo modo de produção. Entretanto, a questão central reside no próprio cerne do mercado de trabalho: o obstáculo de sobreviver um atuante mercado de trabalho escravo após a abolição do tráfico negreiro, somando-se a isso a atuação do movimento abolicionista. Essas foram as condições objetivas que determinaram a concretização da Abolição. A impossibilidade de o Brasil continuar no regime escravista residia exatamente na condição em que desenvolvia o mercado de trabalho escravo, inviabilizado de continuar oferecendo braços para sua exploração.

O estatuto dessa exploração do mercado de trabalho pela importância do tráfico de escravizados durante o colonialismo para consumar o capital mercantil ainda concentrava outra limitação envolvida internamente que foi um fator decisivo para o abolicionismo, ou seja, a formação escravista colocada no mercado mundial impossibilitava uma acumulação efetiva. De fato, o escravismo como fator interno para o colonialismo contém sua própria forma de reprodução que permite uma acumulação incipiente, mas a própria dinâmica do regime escravocrata abarca limitações que barram a plenitude de desenvolvimento e acumulação. E colocada sob a influência do mercado mundial, os obstáculos tendem a se acrescerem. Desse modo, a própria forma de acumulação da dinâmica interna escravista implicava desacumulação (GORENDER, 2016aGORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016a., p. 587).

No seu âmago, a partir do momento em que a escravidão brasileira se abriu para o mercado externo mundial, iniciaram-se, de antemão, o desmantelamento paulatino da investida escravista e sua passagem à formação social capitalista. A contradição que iria marcar presença reside justamente no contato do capital mercantil - como forma de reprodução do processo de trabalho escravo - com o capital industrial. A produção escravista, mesmo estabelecendo contato com o capital industrial, conservou-se viva de maneira minguada, e se evidencia um choque na sua forma de reprodução por conta da realização do seu processo de circulação no mercado mundial, que se torna uma imposição a sua relação com o capital industrial, vista a ausência de um mercado interno, tanto pelo próprio caráter da produção escravista quanto pelo caráter colonial de sua produção. A distribuição dos agentes de produção acaba sendo dificultada com o passar dos anos, em especial a partir de 1850. Infere-se, portanto, o contato com duas formas distintas de acumulação e reprodução: a escravista de caráter sumariamente mercantil e a capitalista de caráter industrial. Esta última, no plano da reprodução, conta com a especificidade mais desenvolvida que habita no próprio capital industrial, já aquela, em face da acumulação capitalista, só tendia a perecer. Esse perecimento não se trata de uma tendência imanente, mas de condições concretas, ou seja, as mesmas que determinaram o processo abolicionista.

Cabe esclarecer que, se o terreno pelo qual se move o escravismo se dá pela estrutura do capital mercantil em sua relação com o mercado mundial, isso tampouco significa dar-lhe a característica capitalista em sua formação, enquanto seu mercado de trabalho se constituía pelo trabalho escravo. O que confere a qualidade de um modo de produção é a sua relação específica de produção. Decorre disso que o modo de produção capitalista toma sua concretude pelo estabelecimento do capital industrial como forma geral de reprodução que só pode ser dada através do trabalho especificamente assalariado. Destoante é o que ocorre no escravismo brasileiro nos seus matizes coloniais, em que o trabalho é colocado sob a perspectiva do trabalho escravo em si. Segue-se que não são somente as determinações conferidas aos modos de produção que sofrem inflexões diferentes, mas a própria forma que se estrutura o mercado de trabalho. Se aqueles eram colocados sob serviço do tráfico para a aquisição da força de trabalho, este, ao contrário, estabelece-se na própria venda da força de trabalho em si. Contudo, com o ordenamento vigente da sociedade burguesa, o mercado de trabalho assalariado generaliza-se, uma vez que a condição de assalariamento é a forma predominante de reprodução da vida de homens e mulheres e de suas forças de trabalho, e não mais restrito a um caráter particular e limitado da compra e venda da força de trabalho escrava mediante o tráfico negreiro. Nesta última, ao contrário, sua compra e venda ocorrem diretamente por meio da coerção física e estritamente vinculada com a qualidade de ser escravizado. E é aí que se encontra e opera a distinção essencial entre o mercado de trabalho escravo e o mercado de trabalho assalariado. O conteúdo de ambos os mercados de trabalho é a troca mercantil que se estabelece para a força de trabalho, mas a forma em que se opera este conteúdo é que as diferencia em suas determinações essenciais.

2. Considerações finais

O comportamento da classe dominante senhorial pós-abolição do tráfico negreiro demonstra traços gerais do que seria sua prática efetiva na sociedade brasileira e que irá se tornar patente na transição do mercado de trabalho escravo para o mercado de trabalho assalariado. No interior desse processo, o trabalhador nacional, agora em sua totalidade livre, será pujantemente negligenciado como alternativa de composição ao mercado de trabalho assalariado. A prioridade será dada ao imigrante europeu, e embora este seja recolhido ao ingresso no mercado de trabalho assalariado brasileiro, ele contará com os resquícios das relações escravistas e coloniais. Portanto, se as relações de produção pós-abolição passaram ao assalariamento, as relações sociais precediam do período escravocrata. Essa transição não poderia ter ocorrido de maneira distinta, uma vez que a inserção do capitalismo no Brasil veio como uma imposição e não em decorrência dos interesses senhoriais.

As novas relações de produção no Brasil, com o mercado de trabalho assalariado, assumem nova fase histórica. A reprodução social ocorre à maneira da categoria hegeliana de suprassunção [aufhebung], o que resultará em implicações na formação do mercado de trabalho, ou seja, a unidade contrária das relações de produção novas com as relações sociais herdadas do passado.

Aparentemente, com a Abolição, o Brasil encontrar-se-ia livre para entrar na concorrência do mercado mundial de forma igualitária. Mas, apesar disso, pensando-se em se livrar do esbulho colonial, abria caminhos para um novo tipo de subjugação na divisão internacional do trabalho: a dependência econômica que lhe inculcaria o subdesenvolvimento. A dependência atuou apenas em certo sentido como reação histórica do passado colonial, pois ela se refere precisamente às relações mercantis capitalistas. Porém, não há dúvidas de que, sem o período escravista de caráter colonial, os países centrais dificilmente conseguiriam estabelecer sua dominância e elevação da composição orgânica do capital para sua predominância no mercado mundial. O caráter plantacionista do sistema colonial, exportador de gêneros tropicais, que deu aval para o latifúndio agrário e seu caráter de produção heteronômica, certamente, foram contributos na passagem do colonialismo à dependência. Em ambos os casos, no colonialismo ou na dependência, o eixo situa-se sempre na exploração do trabalho, em sua forma mercantil ou industrial. O enfático - vale ressaltar - é que os processos históricos seguintes seriam todos derivativos da forma precedente de acumulação interna (FERNANDES, 1976FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.).

Esse movimento de transformação assimilativo ocorre em basicamente todas as esferas da vida social, mas teve rebatimento direto na forma elementar de reprodução social da força de trabalho sob o capital: o assalariamento. A reminiscência do passado escravista mostra-se constante no trabalho assalariado no Brasil, comprovam-no o salário de miséria concedido ao recém-imigrado e a extenuante jornada de trabalho.7 7 Segundo Kowarick (2019, p. 143, 150), na indústria paulista do começo do século XX, um trabalhador adulto recebia, em média, o salário mensal de 100$000 [cem mil-réis], enquanto o valor do aluguel mensal girava em torno de 76$500. As jornadas de trabalho variavam de oito a 16 horas diárias, com preferência ao trabalho infantil, por esse resultar num salário médio de 50$000. O surgimento do mercado de trabalho assalariado no Brasil representava a forma de exploração com traços escravocratas, que futuramente foi analisado na condição de superexploração sob o jugo da dependência imperialista (MARINI, 2017MARINI, Ruy Mauro. Subdesenvolvimento e revolução. Florianópolis: Insular, 2017.), mas que em ambos os sentidos comprova o privilegiamento da classe dominante metamorfoseada em capitalista, que se apega a qualquer forma de exploração e acumulação no intento de proteger seu status.

A persistência da relação social escravocrata resistiria aos avanços da relação de produção capitalista pautada no mercado de trabalho assalariado, sobretudo ao avaliar a questão étnico-racial. O negro liberto na nova ordem social encontra inúmeras barreiras, sua mobilidade social na nova formação socioeconômica tornou-se estreita e passível de todas as infâmias de existência. A população negra liberta e agora marginalizada do mercado de trabalho trouxe as marcas coloniais e o passado escravista.

Por fim, a sua alienação coisificante como pessoa e força de trabalho na figura de escravizado concedeu sua alienação como classe e, por conseguinte, cidadão assalariado no modo de produção capitalista. Mesmo quando inserida no mercado de trabalho assalariado, a população negra ainda remete às condições passadas pelo local que ela ocupa na esfera produtiva, sem nenhum panorama de ascensão social que possa ocorrer de maneira absoluta. No nosso desenvolvimento histórico, o trabalhador explorado foi recriado pela figura do passado colonial e passou-se da imagem de bom escravizado à de mau cidadão (MOURA, 1977MOURA, Clóvis. O negro: de bom escravo a mau cidadão? Rio de Janeiro: Conquista, 1977., p. 27-28).

Referências

  • BAGÚ, Sergio. Economía de la sociedad colonial. El Sudamericano , [2021]. (Collecíon Socialismo e Libertad). Disponível em: Disponível em: http://elsudamericano.wordpress.com Acesso em: 10 fev. 2021.
    » http://elsudamericano.wordpress.com
  • CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito São Paulo: Edusp, 2017.
  • FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
  • FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina São Paulo: Global, 2009.
  • GORENDER, Jacob. O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica. In: LAPA, José Roberto do Amaral (org.). Modos de produção e realidade brasileira Rio de Janeiro: Vozes, 1980.
  • GORENDER, Jacob. O escravismo colonial São Paulo: Expressão Popular, 2016a.
  • GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada São Paulo: Expressão Popular, 2016b.
  • IANNI, Octavio. Escravidão e racismo São Paulo: Hucitec, 1978.
  • KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2019.
  • MARINI, Ruy Mauro. Subdesenvolvimento e revolução Florianópolis: Insular, 2017.
  • MARTINS, José S. O cativeiro da terra São Paulo: Contexto, 2017.
  • MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2014. Livro II: O processo de circulação do capital.
  • MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2017a. Livro III: O processo global da produção capitalista.
  • MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2017b. Livro I: O processo de produção do capital.
  • MOURA, Clóvis. O negro: de bom escravo a mau cidadão? Rio de Janeiro: Conquista, 1977.
  • MOURA, Clóvis. Dialética radical do Brasil negro São Paulo: Fundação Maurício Grabois; Anita Garibaldi, 2014.
  • MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro São Paulo: Perspectiva, 2019.
  • NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808) São Paulo: Editora 34, 2019.
  • WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
  • 1
    O trabalho humano/vivo, independentemente da formação social, é o componente subjetivo do processo de trabalho. Os elementos objetivos e subjetivos do processo de trabalho podem ser observados em Marx (2017bMARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2017b. Livro I: O processo de produção do capital.), em especial, numa leitura atenta, a partir do capítulo VI, d’ O capital. Na análise da formação social escravista brasileira, Gorender (2016bGORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Expressão Popular, 2016b., p. 241-242, grifos do autor) é o autor que proporciona uma original contribuição: “A fim de identificar o escravo como agente histórico, precisamos, a meu ver, partir do que é o escravo justamente no âmbito da economia escravista. Da minha parte despendi o esforço discursivo a meu alcance para demonstrar que o escravo não é um ‘capital fixo’, não equivale às máquinas ou a outro bem de capital, como formularam autores brasileiros, dentre eles Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Fernando Henrique, Nelson Werneck Sodré e Ciro Cardoso. O dinheiro gasto na compra do escravo tem uma rotação idêntica à do dinheiro gasto na compra de um capital fixo, pois se amortiza também fracionadamente no decurso de vários ciclos produtivos e não de um único. Mas o próprio escravo, como ser concreto e no processo de trabalho, não se identifica como dinheiro equivalente ao seu preço de aquisição, nem com qualquer capital fixo encarnado em instrumentos de produção. O escravo é o agente subjetivo do processo de trabalho: todo processo de trabalho possui necessariamente um agente subjetivo, que não deixa de o ser por se tratar de indivíduo coagido e brutalizado. Já no âmago da atividade econômica, o escravo conserva a condição de pessoa humana, em contradição viva com a extrema coisificação que lhe impõem as relações de produção entre cujas tenazes se acha aprisionado. Aí está, precisamente, o ponto de partida de sua resistência e da possibilidade nunca extinta de sua rebeldia e completa negação da condição de escravo”.
  • 2
    De acordo com Bagú ([2021], p. 79)BAGÚ, Sergio. Economía de la sociedad colonial. El Sudamericano , [2021]. (Collecíon Socialismo e Libertad). Disponível em: Disponível em: http://elsudamericano.wordpress.com . Acesso em: 10 fev. 2021.
    http://elsudamericano.wordpress.com...
    : “La esclavitud americana fué el más extraordinario motor que tuvo la acumulación del capital comercial europeo y éste, a su vez, la piedra fundamental sobre la cual se construyó el gigantesco capital industrial de los tiempos contemporáneos - capital industrial que, necesitado como estuvo tempranamente de productores y consumidores libres, atacó desde el siglo 19 la institución de la esclavitud como funesta para sus propósitos. Indirectamente, pues, la esclavitud del indio y el negro resultó indispensable para que, mediante un secular proceso de acumulación capitalista, pudiera la Europa occidental tener industrias modernas y Estados Unidos alcanzara en el siglo 19 su espectacular desarrollo económico”.
  • 3
    Williams (2012WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 63) é enfático em relação ao papel do tráfico negreiro: “Os escravos negros eram ‘a força e a energia deste mundo ocidental’”.
  • 4
    A vida útil do escravizado variava conforme a produtividade e suas condições de trabalho, bem como seu preço de aquisição. Contudo, pode-se estabelecer uma média de vida útil do escravizado de dez anos; cf. Gorender (2016aGORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016a., p. 237), Moura (1977MOURA, Clóvis. O negro: de bom escravo a mau cidadão? Rio de Janeiro: Conquista, 1977., p. 78-79) e Ianni (1978IANNI, Octavio. Escravidão e racismo. São Paulo: Hucitec, 1978., p. 58).
  • 5
    Segundo Gorender (2016aGORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016a., p. 231), nos cafezais, após a abolição do tráfico negreiro, o escravizado representava, em média, 70% do conjunto dos investimentos da fazenda.
  • 6
    Dados extraídos de Ianni (1978IANNI, Octavio. Escravidão e racismo. São Paulo: Hucitec, 1978., p. 27), comparados com Kowarick (2019KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2019., p. 57). É preciso destacar que o número da população livre no ano de 1888 diz respeito, na verdade, ao ano de 1887, retirado de Moura (1977MOURA, Clóvis. O negro: de bom escravo a mau cidadão? Rio de Janeiro: Conquista, 1977., p. 30). Portanto, o cálculo de diferença da população livre é superior ao anotado na tabela, tendo em vista o aumento da imigração europeia.
  • 7
    Segundo Kowarick (2019KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2019., p. 143, 150), na indústria paulista do começo do século XX, um trabalhador adulto recebia, em média, o salário mensal de 100$000 [cem mil-réis], enquanto o valor do aluguel mensal girava em torno de 76$500. As jornadas de trabalho variavam de oito a 16 horas diárias, com preferência ao trabalho infantil, por esse resultar num salário médio de 50$000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2022
  • Aceito
    28 Maio 2022
Cortez Editora Ltda Rua Monte Alegre, 1074, 05014-001 - São Paulo - SP, Tel: (55 11) 3864-0111 , Fax: (55 11) 3864-4290 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: servicosocial@cortezeditora.com.br