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Neoliberalismo, crise do Welfare e Serviço Social na Itália: uma análise do Projeto M’Imprendo

Resumo:

Este artigo, resultado de pesquisa de pós-doutorado, buscou apreender as interconexões entre o Welfare e o Serviço Social italiano, e analisar os impactos da sua crise e do avanço do neoliberalismo nas políticas sociais, a partir do estudo do Projeto M’Imprendo. Identificou que existe uma cultura de direitos e de cidadania na Itália, herança do Welfare, e que tais impactos ameaçam a formação/prática do assistente social que tem um influxo da Sociologia e das Ciências Sociais no âmbito acadêmico.

Palavras-chave:
Welfare; Neoliberalismo; Serviço Social italiano; M’Imprendo

Abstract:

This article, the result of a Postdoctoral research, sought to understand the interconnections between Welfare and Italian Social Service and analyze the impacts of its crisis and the advance of neoliberalism in social policies, based on the study of the M’Imprendo Project. He identified that there is a culture of rights and citizenship in Italy, heritage of Welfare, and that such impacts threaten the training/practice of the social worker who has an influence of Sociology and Social Sciences in the academic sphere.

Keywords :
Welfare; Neoliberalism; Italian Social Work; M’Imprendo

Introdução

O pós-doutorado na Itália e o interesse em pesquisar o Projeto M’Imprendo nasceram no âmbito do intercâmbio entre o Serviço Social brasileiro e o italiano que foi criado por nós, desde os anos 1990, quando da realização de nosso doutorado em Filosofia na Università Salesiana di Roma. O contato que se estabeleceu entre nós e as assistentes sociais italianas, assim como entre os sociólogos daquele país, favoreceu a troca de experiências, as realizações de pesquisas conjuntas e a criação de convênios entre as universidades brasileiras e as universidades italianas, particularmente a Università degli Studi di Roma Tre, a Università Milano Bicocca e a Università Ca’Foscari di Venezia, nas quais estudantes e professoras brasileiras têm desenvolvido estudos em nível de doutorado pleno, doutorado sanduíche, eventos científicos conjuntos e, atualmente, pesquisas relacionadas com a internacionalização do Serviço Social, através do Projeto Print.

Foi exatamente neste contexto que conheci a proposta do M’Imprendo: através do intercâmbio Brasil-Itália, conheci a assistente social Anna Maria D’Ottavi, então presidente do ISTISSS (Istituto per gli Studi Sul Servizio Sociale) e coordenadora do Projeto M’Imprendo, e o sociólogo Roberto Cipriani, ambos professores da citada Università degli Studi di Roma Tre.

Em precedência, havia sido feita, em parceria com os atores citados, uma pesquisa bilateral que estava voltada para um estudo comparativo entre o M’Imprendo e o Projovem. Essa pesquisa, então, resultou no Encontro Internacional de Ética, Pesquisa Social e Direitos Humanos que aconteceu no Brasil, em 2010, com a participação de professores, intelectuais e estudantes brasileiros e italianos, e deu origem ao livro O ser social: ética, pesquisa social e direitos humanos, em 2012.

A pesquisa de pós-doutorado privilegiou o estudo sobre os objetivos, a natureza e a implementação do M’Imprendo, exatamente para tentar identificar como uma experiência de empreendedorismo pode extrapolar e superar os limites normalmente impostos pela lógica da sociedade capitalista, que estabelece para tal atividade apenas o objetivo do empreendimento econômico, na perspectiva de criar nos jovens da classe trabalhadora a imagem ilusória de que a mobilidade social é possível, especialmente se o trabalhador passa a se ver como futuro capitalista e, portanto, futuro explorador da força de trabalho daqueles que serão seus funcionários. O desejo de sucesso, de se tornar também ele um dono de empresas (e, portanto, um “opressor” nas palavras de Paulo Freire) e de “mudar de classe social” parece ser o movente principal dessas experiências. Nesse sentido, coube-nos analisar o Projeto M’Imprendo desde a sua concepção em 2005, quando foi lançado numa sala do Campidoglio em Roma (D’OTTAVI, 2007D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo licale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007.) nos valendo do conteúdo dos discursos daqueles que o estavam promovendo e que atuaram como seus coordenadores.

Para compreender a lógica que orientou o projeto e a sua dinâmica de funcionamento, realizamos pesquisa documental e bibliográfica, entrevistas com seus coordenadores e professores das escolas onde o projeto foi implementado, participamos em Roma de workshops de formação para estudantes, dos eventos de premiação do projeto e, inclusive eu, em primeira pessoa, fui indicada para compor o Comitê Científico do projeto mesmo, que tinha como responsabilidade a definição dos conteúdos a serem repassados no processo de capacitação dos professores e a formação dos alunos que se envolveram no projeto.

Apresentaremos, em seguida, o projeto em si, sua origem, autores, entidades envolvidas, objetivos, dinâmica de funcionamento, e faremos uma análise da contextualização socioeconômica e política do surgimento da sua proposta, no contexto de crise do Welfare State e do desmonte das políticas sociais, em função do avanço do neoliberalismo.

Uma vez que o projeto se apresentou como desafio para a intervenção social junto a jovens estudantes da periferia de Roma, para os cursos de Sociologia e Serviço Social da Università degli Studi di Roma Tre, nossa análise privilegiou o estudo do Serviço Social italiano e sua inter-relação com a Sociologia e com os impactos da crise do Welfare, conforme será apresentado nos itens que se seguem.

1. Projeto M’Imprendo

1.1 Contextualização histórica: o Welfare e as políticas sociais

A Itália é um dos países europeus que experimentaram com maior intensidade o modelo de Estado de Bem-Estar Social. Esta experiência teve uma duração de aproximadamente 30 anos, a contar do período pós-Segunda Guerra Mundial, e começa a apresentar sinais de crise pós-anos 1990, especialmente com a crise econômica que se desencadeou no mundo a partir de 2007.

Vale ressaltar aqui que a experiência do Welfare ou Estado de Bem-Estar Social vem contextualizada no âmbito das alternativas dos países capitalistas, como resposta às reivindicações da classe trabalhadora que apresentava sinais de adesão aos regimes socialistas, inspirados nos governos da União Soviética e do Leste Europeu.

Do ponto de vista teórico, a proposta de estruturação do Welfare State, nos países de capitalismo avançado, se sustenta nas teses de John Maynard Keynes, em contraposição àquelas de Friedrich Hayek, no que se refere à sustentabilidade do capital no enfrentamento às crises cíclicas do mesmo que promovem desemprego em massa, inflação e descontentamento da classe trabalhadora. Esta polêmica existe desde a crise de 1929 (WAPSHOTT, 2016WAPSHOTT, Nicholas. Keynes X Hayek: as origens e a herança do maior duelo econômico da história. Rio de Janeiro: Record, 2016.) e vai apresentar uma relação de continuidade no contexto da Guerra Fria, pós-Segunda Guerra Mundial.

Para Keynes, um Estado forte, interventor e regulador da economia, capaz de promover bem-estar aos trabalhadores e pleno emprego, é a saída mais convincente de que o modo de produção capitalista é viável e de que é possível a convivência entre capital e trabalho, sem que seja necessário optar por regimes socialistas ou comunistas. Em síntese, trata-se de promover condições para que os riscos de ameaça à ordem do capital sejam minimizados e se crie uma mentalidade favorável ao capitalismo, capaz de convencer a própria classe trabalhadora de que é possível a convivência na desigualdade, desde que esta seja controlada e que os lucros alcançados pela burguesia não ultrapassem aquele limite que provocaria um aumento do pauperismo. Dentro dessa lógica, criam-se políticas sociais e de assistência social que asseguram tanto uma “vida digna” aos trabalhadores quanto representam uma negação da alternativa socialista ou comunista, que passa a ser vista como desnecessária, já que a situação social, econômica, política e cultural dos países que adotaram o Welfare responde positivamente aos anseios de empregabilidade e sustentabilidade, num clima de “liberdade”, entendido como de “livre iniciativa”, na ordem do capital.

Este ideário teve sustentação por aproximadamente 30 anos, mas a queda do socialismo real representou o fim da “ameaça” comunista no mundo e, consequentemente, as teses de Keynes foram postas em questão, já que a crise do capital exigia outras alternativas mais ofensivas no que se refere à sustentabilidade dos níveis de lucratividade da burguesia e, ao mesmo tempo, o “fantasma” do comunismo não se constituía mais ameaça plausível de ser levada em consideração, especialmente devido às teorias do fim da história e do pós-modernismo que se apresentaram como impedimentos à retomada da direção que a classe trabalhadora vinha dando às suas lutas, desde a Revolução de 1917. O recurso ao conservadorismo suscitou um encaminhamento político e econômico que promoveu a adesão às teses de Hayek (em detrimento daquelas de Keynes, que vinham até então sendo as mais aceitas), explicitadas sob a forma de neoliberalismo, que representam o acirramento da concentração de renda em detrimento de um proporcional acirramento do pauperismo, delegando para a iniciativa privada, através da privatização desenfreada, o controle sobre o mercado que ocasiona, simultaneamente, uma precarização das condições de vida e trabalho e o desmonte das políticas sociais e assistenciais.

Mas não podemos falar de neoliberalismo antes de analisarmos o significado dos chamados “Trinta anos gloriosos” para os países que vivenciaram a experiência do Welfare. Este período é entendido, pela maioria dos estudiosos, a partir das seguintes características: intervenção do Estado na regulamentação dos interesses econômicos e sociais; universalização das políticas de educação e de saúde; articulação do sistema de políticas de proteção social e de serviços sociais, com atenção especial para os mais vulnerabilizados; orientação das políticas para redução das desigualdades (ASCOLI, 2011ASCOLI, Ugo. Il Welfare in Italia. Bolonha: Il Mulino, 2011.).

Seguindo a linha de raciocínio desenvolvida por Ascoli, identificamos que muitas necessidades sociais começaram a se ampliar e a reconfigurar o cenário europeu, e também italiano, com a crise do Welfare State. Dentre essas necessidades, vale destacar:

  • as necessidades do segmento idoso que cresceu significativamente na Itália;

  • o enfraquecimento dos serviços de cuidado com a infância;

  • o elevado índice de desemprego entre os jovens;

  • o baixo índice de ocupação feminina;

  • a necessidade de políticas mais eficazes para a questão da migração, que se apresenta em altíssimo nível e cada vez mais crescente, em face das condições de miséria, fome, guerras civis e conflitos externos que, de tempos em tempos, assolam países do Leste Europeu, da África e da Ásia (especialmente do Oriente Médio);

  • a ausência de políticas voltadas para a formação para o trabalho.

Diante deste quadro, chega-se a afirmar que:

Analisando o caso italiano, evidencia-se que emergem em primeiro plano as problemáticas conectadas com as desigualdades territoriais, cuja gravidade não tem parâmetro de comparação com nenhum outro país da União Europeia. Todos os indicadores nos mostram um país em que as desigualdades e as fraturas territoriais têm sido amplamente alargadas, especialmente nos últimos dez-quinze anos (ASCOLI, 2011ASCOLI, Ugo. Il Welfare in Italia. Bolonha: Il Mulino, 2011., p. 15).

Vale considerar ainda que o processo de mundialização do capital e de avanço do neoliberalismo “tem promovido o deslocamento de empresas, a precarização do mercado de trabalho, a baixa inovação tecnológica por conta de uma decisão do Estado em reduzir os custos com o trabalho, e o desmonte da proteção social e dos direitos dos trabalhadores” (BARDANZELLU, 2007BARDANZELLU, F. Il Comunedi Roma, le politiche per il lavoro e ilprogetto M’Imprendo. In: D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo locale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007. p. 17-20., p. 17).

Todavia, alguns traços daquilo que se mostrou como experiência exitosa de Welfare State podem ser encontrados nas políticas sociais da Itália, especialmente se considerarmos que alguns estudiosos descrevem a situação atual como “um sistema ainda em transição na direção de uma nova configuração” (NATALI, 2009 apudASCOLI, 2011ASCOLI, Ugo. Il Welfare in Italia. Bolonha: Il Mulino, 2011., p. 5).

É neste contexto de crise e de tentativa, por parte de alguns governantes, de manter o equilíbrio entre neoliberalismo, crise do Welfare State e manutenção de algumas de suas características sociais, que emerge a Lei Bersani,1 1 O Decreto Bersani destina recursos para infraestrutura, políticas da família, políticas para a juventude e para a despesa pública. No que se refere às políticas para a juventude, estabelece no seu artigo 19: “Com o objetivo de promover o direito dos jovens à formação cultural e profissional e à inserção na vida social, seja através do direito à habitação, do acesso ao crédito para aquisição e uso de bens e serviços, sob a Presidência do Conselho dos Ministros, se institui um fundo denominado ‘Fundo para as políticas para a juventude’, ao qual é destinada a soma de 3 milhões de euros para o ano 2006 e 10 milhões de euros a partir do ano 2007”. Disponível em: https://www.altalex.com/documents/leggi/2008/03/19/decreto-bersani-infrastrutture-famiglia-e-spesa-pubblica. Acesso em: 23 out. 2021. com o objetivo de fornecer recursos a fundo perdido para financiamento de pequenas empresas que possam criar postos de trabalho nas periferias. Essa lei favoreceu iniciativas de artesãos, abertura de livrarias, empresas verdes, empresas de cidadãos migrantes, empresas de espetáculo, alcançando um total aproximado de 700 pequenas empresas beneficiadas e de criação de 3.300 postos de trabalho.

É exatamente no interior desta iniciativa que surge a proposta da Prefeitura de Roma de apresentar esta perspectiva de empreendedorismo para os jovens estudantes das periferias da cidade. É assim que surge a demanda que propicia a gestação do Projeto M’Imprendo em parceria com a Università degli Studi di Roma Tre, o ISTISSS e as escolas públicas.

1.2 Objetivos do M’Imprendo

Inicialmente, os objetivos do Projeto M’Imprendo foram estabelecidos pelo Departamento de Políticas para o Desenvolvimento Local da Prefeitura de Roma e apresentavam duas direções que se inseriam na própria proposta de empreendedorismo que previa a Lei Bersani e as atribuições mais amplas deste departamento, especialmente no que se refere à promoção de ações voltadas para o atendimento das necessidades dos territórios ou comunidades localizadas na periferia de Roma.

Note-se aqui que, com a precarização do mundo do trabalho e com a adoção de políticas de austeridade, de controle e redução de recursos para políticas sociais, próprias do neoliberalismo, a pobreza aumentou consideravelmente no mundo e atingiu também a Itália, que passou a vivenciar a crise do Welfare State. Assim, a proposta do M’Imprendo apresentava a possibilidade de uma parceria entre comunidades e administração pública, através da atuação no sentido de despertar nos jovens da periferia o interesse para uma formação para o trabalho, na perspectiva da autogestão, bem como ampliar a sua visão de sujeitos capazes de pensar os próprios problemas comunitários como possíveis de serem respondidos por meio de suas iniciativas, que seriam julgadas quanto ao mérito e à viabilidade por um Comitê formado pelas entidades que compunham a equipe responsável pelo projeto.

Neste sentido, o objetivo do M’Imprendo envolvia necessariamente a formação para o trabalho, o autoempreendimento e a capacidade criativa para a resolutividade de problemas do território, de modo particular, aqueles de natureza ambiental.

De acordo com o Departamento da Prefeitura de Roma, a consistência da proposta estaria exatamente no seguinte argumento:

O desenvolvimento local hoje pode ser entendido quase como sinônimo de participação e de governance, no sentido do confronto entre as forças vivas do contexto local e os Administradores enquanto decisores políticos e econômicos, com o fim de obter a valorização máxima do capital social (XIV Dipartimento apudD’OTTAVI, 2007D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo licale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007., p. 5).

Assim, fica claro que o objetivo do projeto era exatamente “formar os jovens para a autoempreenditorialidade, fornecendo-lhes a capacidade de articular os aspectos econômicos, ambientais e sociais do desenvolvimento humano” (XIV Dipartimento apudD’OTTAVI, 2007D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo licale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007., p. 5).

Esta proposta de desenvolvimento, segundo os gestores da Prefeitura, dentre eles as assistentes sociais Adelaide Norcia e Patrizia Giganti, está em consonância com a noção de desenvolvimento elaborada nos anos 1990, no primeiro Relatório sobre o Desenvolvimento Humano do UNDP (Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas), que dá centralidade ao desenvolvimento humano, ao afirmar: “os seres humanos são a verdadeira riqueza de uma nação, objetivo essencial do desenvolvimento é criar um clima favorável para uma vida saudável, duradoura e criativa” (UNDP, 1990UNDP. Human Development Report 1990. New York: Oxford University Press, 1990., apudD’OTTAVI, 2007D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo licale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007., p. 9). Esta visão põe em questão a concepção de desenvolvimento finalizado exclusivamente ao lucro em detrimento da vida dos indivíduos e das populações, e questiona também o crescimento caótico, fruto da especulação selvagem que é, como se sabe, fator desagregador da vida nas comunidades.

Implícita a essa concepção encontra-se uma desaprovação do capitalismo e de seus princípios individualistas e social-darwinistas, que se fundamentam na busca desenfreada de lucro a qualquer custo.

Assim, esse projeto apresenta uma proposta diferenciada das demais propostas de empreendedorismo que se inspiram na formação de empresários obedecendo à mesma lógica de busca da lucratividade, tendo por mérito o fato de que esses jovens, “futuros empresários”, são oriundos da classe subalternizada.

Mas o diferencial do Projeto M’Imprendo vai além quando são analisados os critérios que o orientam, como podemos identificar através das palavras do sociólogo e professor do Dipartimento di Scienze dell’Educazione da Università degli Studi di Roma Tre, Roberto Cipriani. Segundo ele, três critérios são indispensáveis nesse processo de formação de jovens: a inovação, a autonomia e a criatividade.

Sem inovação se é destinado à decadência, à perda de toda possibilidade também sobre o plano ocupacional. Inovação é a chave do nosso ­discurso. A Prefeitura e a Universidade dão as linhas gerais, mas cada escola, cada grupo, cada estudante poderá decidir como considera o trabalho, os objetivos, tipo de setor no qual se insere a própria atividade, ao menos em nível de proposta. [O Projeto] se destina aos jovens que estão no auge da capacidade criativa. [...] Mesmo nas comunidades mais carentes de recursos, existe possibilidade de sobrevivência e de melhor existência. A invenção é necessária - serendipity - ‘pensar um pouco é tudo e mais’ (CIPRIANI, 2007CIPRIANI, Roberto. Il momento fondativo di M’Imprendo. In: D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo locale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007. p. 20-23., p. 20).

Esses critérios são de fundamental importância para uma concepção de trabalho desalienado, pois resgatam no ser humano a sua capacidade teleológica, isto é: de planejar e executar ações que representem a sua autonomia das imposições ditadas pela divisão social e técnica do trabalho, assim como o liberta da determinação imposta pelo próprio modo de produção capitalista de submissão aos ditames da alienação dos meios de produção, do processo de trabalho e do produto do trabalho. Estas características representam a possibilidade de uma emancipação que, mesmo se verificada nos limites da própria lógica do capital, pois a estrutura social continua sendo capitalista, pode ter o significado de um experimento laboratorial de verificação de como seria em uma sociedade emancipada e de superação do capitalismo o exercício do trabalho livre, desalienado. Estas experiências, na sua essência, criam uma nova mentalidade, especialmente entre os jovens que passam a enxergar possibilidades outras para além daquelas restritas à experiência laboral em que o trabalhador é apenas uma mão de obra explorada para fins de lucro e enriquecimento da classe patronal. Em síntese, trata-se de criar condições objetivas que permitam o desenvolvimento de pesquisas que possam dar sustentação à tese de que outro tipo de trabalho é possível, de que outro tipo de relação de trabalho é possível, e que para pôr em prática a sua capacidade teleológica - que é inerente ao ser humano -, faz-se necessário o experimento em laboratório que produz, com cientificidade, as condições ideais para que se analise a viabilidade desta sociedade futura, e não se caia no determinismo fatalista de que o modo de produção capitalista é a forma de organização derradeira e mais adequada para se viver em sociedade.

Para ratificar estas considerações, trazemos, mais uma vez, as palavras de Cipriani (2007CIPRIANI, Roberto. Il momento fondativo di M’Imprendo. In: D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo locale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007. p. 20-23., p. 21): “O essencial de toda atividade humana é substancialmente e, em primeiro lugar, a atividade cognoscitiva”.

É por esta razão que se exige que os jovens que se candidatem a participar do projeto devam estar matriculados no ensino médio das escolas públicas e que essas escolas, através dos professores que também se motivaram a se envolver no projeto, recebam uma formação especial, visando atender aos princípios anteriormente colocados e aos objetivos propostos pela Prefeitura de Roma. Este conteúdo da formação para professores e estudantes é definido pelo Comitê Científico e corresponde a uma capacitação para a autoformação de sujeitos propositivos; a capacitação para a identificação de necessidades nos territórios ou comunidades nas quais os jovens e as escolas estão inseridos; a capacitação para elaboração de projetos de empresa que reúnam todas as qualidades requeridas nos critérios e objetivos do M’Imprendo e a dinâmica de funcionamento de uma empresa.

Os projetos elaborados pelos estudantes serão julgados por uma equipe de avaliadores quanto à qualidade da proposta, sua coerência com os princípios estabelecidos pelo M’Imprendo e sua viabilidade, de acordo com os recursos comunitários existentes e os recursos da Prefeitura de Roma. Assim, os jovens naturalmente desenvolverão sua habilidade em trabalhar em grupo, com os colegas das escolas, e receberão um acompanhamento dos professores e de especialistas nas áreas da Sociologia, do Serviço Social e do empreendedorismo propriamente dito.

Os professores serão orientados a inserir nos seus currículos escolares matérias e conteúdos que estabeleçam uma conexão entre a escola e o mundo do trabalho, assim como as noções de preparação para a pesquisa que se materializará junto às comunidades, no intuito de facilitar aos jovens a identificação daquelas necessidades que são mais emergentes e possíveis de serem respondidas a partir da proposta de uma empresa e da gestão da cidade, através da Prefeitura de Roma.

No que se refere ao território ou a comunidades, Roberto Cipriani alerta para a necessidade de introdução de uma atitude científica, investigativa, especialmente porque este lócus se constitui o hábitat dos jovens do M’Imprendo e, por esta razão, por ser um ambiente tão familiar a eles, suas demandas mais urgentes, que podem servir de potencial para a criação de respostas para suas soluções e encaminhamentos pelos gestores, podem passar despercebidas pelos próprios jovens. Trata-se, portanto, da necessidade de um conhecimento rigoroso e estudioso sobre a comunidade, que desperte nos jovens o olhar crítico sobre a realidade e suas potencialidades:

Não podemos imaginar uma empresa no território se antes não conhecemos o território. Não podemos basearmo-nos sobre o que imaginamos que seja a realidade, porque todos somos capazes de imaginar a realidade, mas é necessário um confronto com a realidade - que se faça uma pesquisa (CIPRIANI, 2007CIPRIANI, Roberto. Il momento fondativo di M’Imprendo. In: D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo locale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007. p. 20-23., p. 21).

Como sociólogo, ele traça os passos indispensáveis para um conhecimento científico da realidade e propõe isto como metodologia a ser utilizada pelos professores e pelos instrutores, responsáveis pelos seminários e workshops que acompanharão os jovens na feitura do projeto:

O primeiro ponto é uma pesquisa sobre o território, para estudar o território, colher dados de diversas fontes - bibliotecas, institutos, câmeras de comércio, sindicatos, partidos, etc. A metodologia da pesquisa deve ser a melhor - quantitativa e qualitativa (conversa com as pessoas, com empreendedores, que atuam no território, com gestores dos municípios). [...] Os jovens e as escolas, as famílias, são inseridos na comunidade, assim, o distanciamento para o conhecimento desta realidade também se faz necessário, assim como a criação de uma rede de relações porque eles têm uma experiência e um conhecimento melhor da sua realidade (CIPRIANI, 2007CIPRIANI, Roberto. Il momento fondativo di M’Imprendo. In: D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo locale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007. p. 20-23., p. 21).

Esta dimensão teórico-metodológica para o conhecimento do território tem um significado que vai além de uma proposta empreendedorista que se limitasse ao domínio de técnicas e de um aparato prático de construção de uma empresa. Ela contém um dinamizador que potencializa, nos estudantes e nos professores, a abertura para o estímulo à capacidade cognoscitiva, à criação de um verdadeiro e próprio “espírito” científico, antes mesmo de os alunos ingressarem na universidade. Desperta neles o desejo da atitude científica, investigativa, que lhes permite ir além do senso comum e interpretar a realidade com um instrumental de pesquisa que exercita sua potencialidade para descobertas, análises críticas e propositivas, e aumenta o nível de compromisso com a classe trabalhadora, já que o estudo recai sobre as condições de vida e de trabalho deste segmento social no qual todos estão inseridos.

Esta potencialidade intrínseca à proposta do M’Imprendo recebe o nome de “protagonismo” e se manifesta desde o momento em que são os jovens que decidem participar do projeto e não os coordenadores ou professores que os indicam ou elegem. Além disso, esse protagonismo acompanha todo o processo de desenvolvimento do projeto: “Não são os docentes que dirão o que fazer, mas os próprios jovens que irão também decidir o que fazer, como proceder, a partir do conhecimento prévio que o programa prevê” (CIPRIANI, 2007CIPRIANI, Roberto. Il momento fondativo di M’Imprendo. In: D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo locale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007. p. 20-23., p. 21).

Em síntese, o protagonismo consiste em “estar no centro da realidade, imaginar o próprio futuro e talvez em que o projeto pode se transformar enquanto implementação, quando se completar o currículo escolar” (CIPRIANI, 2007CIPRIANI, Roberto. Il momento fondativo di M’Imprendo. In: D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo locale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo. Roma: ISTISSS, 2007. p. 20-23., p. 21).

2. Papel da universidade, do Serviço Social e da Sociologia

A Università degli Studi di Roma Tre foi contatada pela equipe do XIV Dipartimento da Comune di Roma, através do seu diretor, F. Bardanzellu, e das assistentes sociais, Adelaide Norcia e Patrízia Giganti, para desenvolver o Projeto “Sviluppo locale e occupazione: scuola come laboratório” (Desenvolvimento local e ocupação: escola como laboratório).

A solicitação foi feita ao Dipartimento di Scienze dell’Educazione da Universidade que conta, no seu interior, com os cursos de Pedagogia, Sociologia e Serviço Social, e que tinha como professores: Roberto Cipriani e Anna Maria D’Ottavi (que, à época, exercia o cargo de Presidente do ISTISSS - Istituto per gli Studi Sul Servizio Sociale).

Vale salientar aqui dois aspectos: a inserção do Serviço Social no âmbito das políticas sociais, no contexto de um Estado de Bem-Estar Social; e a interlocução que caracteriza a formação e a intervenção das áreas do conhecimento - Sociologia e Serviço Social, na Itália.

2.1 Serviço Social e políticas sociais no âmbito do Welfare italiano

As origens que marcam a história do Serviço Social italiano remontam aos anos 20 do século XX, quando se deram as primeiras experiências do Serviço Social de fábrica, consideradas expressão do “paternalismo industrial”, e com a criação do Istituto Italiano di Assistenza Sociale, tendo como protagonista a figura de Paolina Tarugi, que se empenhou no processo de criação das primeiras escolas de Serviço Social e representava a tendência mais significativa da época, que era o feminismo prático ou feminismo político, considerando que, também na Itália, a profissão teve, inicialmente, uma expressiva adesão das mulheres como suas primeiras profissionais.

Não podemos esquecer que, a essa época, a Itália sofreu um ataque político-ideológico que durou até o pós-Segunda Guerra Mundial, o qual se manifestou através da dominação fascista, na figura de seu líder maior, Benito Mussolini.

É assim que a tendência fascista se apropria da prática de assistência social e começa a dar a direção teórica e metodológica às escolas nascentes. A esse respeito, escrevem Dellavalle e Lumetta (2008DELLAVALLE, Marilena; LUMETTA, Elena. La formazione al servizio sociale in Italia. [2008]. (Mimeo.)):

Em 1928, o Istituto Italiano de Assistenza Sociale é absorvido pelo Departamento de Assistência Social da Confederazione Generale Fascista dell’Industria Italiana e, no mesmo ano, o regime institui a Escola para Assistentes Sociais de San Gregorio al Cielo. O fato que o pessoal possa conjugar a formação técnica e a “profunda vocação a um férvido sentimento fascista [é considerado] garantia do sempre maior desenvolvimento da assistência na órbita educativa do Regime”.

A ruptura com tal tendência vai representar um momento de Renascimento do Serviço Social, tanto no âmbito da prática profissional quanto no âmbito da formação. Essa ruptura se deu no Convegno di Tremezzo de 1946 e representou a libertação da ditadura fascista e da dominação nazista em unidade à perspectiva democrática, que unia todos aqueles que lutaram contra o fascismo e o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial, constituindo a força política e histórica dos grupos de oposição, tais como os partigianos, os quais desenvolveram um papel significativo para a dissolução do regime fascista e a expulsão das tropas nazistas do território italiano.

Trata-se, portanto, de redefinir a identidade profissional através de um processo em que estão envolvidos expoentes do antifascismo e da Resistência, em particular, mulheres que tinham assumido as atividades assistenciais como forma de participação na vida pública, já experimentada anteriormente no âmbito da filantropia política (DELLAVALLE, 2008DELLAVALLE, Marilena; LUMETTA, Elena. La formazione al servizio sociale in Italia. [2008]. (Mimeo.)).

O Convegno di Tremezzo representou, portanto, o divisor de águas entre o tradicionalismo da profissão na Itália e sua renovação, que correspondia a uma inserção numa perspectiva democrática e de reconstrução do país, em consonância com as diretrizes apontadas pelos governos que se instituíram no pós-Segunda Guerra, bem como com o desejo da população italiana de superar os problemas advindos da ditadura fascista e da guerra.

O livro escrito pela assistente social Maria Lorenzoni Stefani - Le origini del servizio sociale italiano: Tremezzo: un evento fondativo del 1946 - é o registro dessa renovação do Serviço Social italiano e sua inserção nas práticas assistenciais e políticas sociais que, a partir de então, passaram a constituir o modus operandi das assistentes sociais no processo de implementação do Welfare italiano, sob forte influência do governo norte-americano, já que as verbas para reconstrução da Itália se inseriam no bojo do Plano Marshall para reconstrução dos países no pós-guerra:

O Convegno foi promovido pelo Ministério da Assistência Pós-bélica, e pela Delegação da UNRRA (United Nations Relief and Rehabilitation Administration). [...] Articulou-se em três sessões: a) assistência social e legislação do trabalho; b) assistência à infância e aos menores; c) problemas do pós-guerra. [...] Em particular, foi atribuído ao serviço social um papel central na atuação das políticas públicas de reforma do sistema assistencial. [...] A assistência social que o Convegno de Tremezzo prefigurava era instrumento de mudança, era o meio para criar uma sociedade nova mais justa, respeitosa e responsável por garantir a consigna dos direitos de todos. Portanto, uma visão tão ampla compreendia também a assistência sanitária, o direito ao trabalho e à previdência, na consciência de que para uma sociedade atenta às necessidades da população, são aspectos interdependentes, a serem enfrentados na sua inter-relação (STEFANI, 2012STEFANI, Maria. Le origini del servizio sociale italiano: Tremezzo: un evento fondativo del 1946. Roma: Viella, 2012., p. 12-14).

É assim que se estabelece uma sincronia entre políticas sociais do Welfare e o Serviço Social italiano. E é por isso que a crise do Welfare provocou o desmonte das políticas sociais, com impactos nocivos para os segmentos mais vulnerabilizados e para o Serviço Social. De acordo com a análise de Ferrario (2011FERRARIO, Paolo. Politica dei Servizi Sociali: strutture, trasformazioni, legislazione. Roma: Carocci, 2011., p. 37):

[O Welfare] é um sistema social baseado na assunção, por parte de um estado político, de responsabilidades primárias para o bem-estar social e individual de todos os cidadãos através da legislação, da ativação de políticas públicas específicas e da sua implementação por meio de instâncias e entidades governamentais.

Neste contexto, estabelece-se uma trilogia entre necessidades, demandas e oferta de políticas sociais, que se utilizam da legislação social para terem materialidade. Todavia, o próprio Ferrario admite que toda esta lógica de atuação e de resposta governamental às necessidades sociais se dá no contexto da sociedade capitalista e que, apesar dos avanços na redução do pauperismo nas sociedades em que foi implantado, o Welfare encontra limites estruturais que o transformam num sistema insuficiente para sanar de uma vez por todas o pauperismo.

É por esta razão que a crise do Welfare não podia não ter gerado um retorno a situações de miserabilidade e crescimento das desigualdades:

A mundialização da economia reduziu a capacidade dos Estados nacionais de controlar, com as suas políticas, os fatores econômicos que tinham permitido alcançar, ao mesmo tempo, crescimento econômico e redistribuição de renda. A abertura dos mercados e a crescente mobilidade de recursos, também daqueles humanos, colocaram em crise os altos níveis de emprego, mesmo contextualmente utilizando consistentes fluxos migratórios (ORTIGOSA, 2011ORTIGOSA, Emanuele. Prefazione. In: FERRARIO, Paolo. Politica dei Servizi Sociali: strutture, trasformazioni, legislazione. Roma: Carocci, 2011. p. 13-29., p. 14).

Todavia, não se pode não reconhecer que, pelo fato de a Itália ter vivido a experiência do Welfare, criou-se, ali, uma cultura de respeito aos direitos sociais e à cidadania que explica o porquê da permanência, em nível político, de resquícios de políticas sociais da parte do governo e de uma consciência por parte da população do seu direito de reivindicação ao atendimento de suas necessidades sociais. As políticas de austeridade, que representam redução drástica dos custos com o social, se impõem de forma generalizada no mundo inteiro, mas o exercício da cidadania, desenvolvido em épocas do Welfare, produz na população italiana, em particular nos profissionais do Serviço Social, a esperança de que esta crise não pode afetar os direitos conquistados e implementados através das políticas sociais. Isso se reflete nas iniciativas que a profissão insiste em manter vivas, quando surgem oportunidades da parte de governos mais democrático-sociais, como é o caso do Projeto M’Imprendo.

3. Considerações finais

De acordo com as considerações feitas até aqui sobre o Serviço Social e o Welfare italiano, e partindo da informação de Dellavalle e Lumetta de que a inclusão da formação em Serviço Social no sistema universitário no país se deu a partir de 1987, entendemos que as políticas sociais se constituíram objeto de estudo e intervenção de assistentes sociais numa época de auge do Welfare, mas a formação universitária, propriamente dita, se deu em momentos próximos à crise desse Welfare mesmo.

Acrescente-se a isso que o Serviço Social, na Itália, entrou no âmbito acadêmico sob forte influência das disciplinas que fazem parte do corpus curricular, na medida em que a inserção na universidade se verificou no interior dos departamentos de Ciências da Educação, Sociologia e Ciências Políticas, cabendo à formação em Serviço Social concentrar-se sobre o estudo e a intervenção das políticas sociais:

De acordo com o regimento em vigor, desde o ano acadêmico 2008-2009, o percurso trienal de estudos em serviço social se propõe a fornecer um adequado conhecimento e domínio, a partir das disciplinas de base, dos métodos e técnicas próprias do serviço social, e uma boa cultura interdisciplinar voltada a compreender as características das sociedades modernas e a colaborar na construção de projetos de intervenção individual e social (DELLAVALLE; LUMETTA, 2008DELLAVALLE, Marilena; LUMETTA, Elena. La formazione al servizio sociale in Italia. [2008]. (Mimeo.)).

Os cursos de pós-graduação em Serviço Social emergiram e deram grande influxo à profissão, especialmente no que concerne à produção de conhecimento, mas tendo em vista a não autonomia das disciplinas chamadas centrais das Ciências Sociais e o próprio processo de crise do Welfare, que teve rebatimentos muito negativos nas políticas sociais, o processo de formação foi impactado de forma a comprometer a sobrevivência, principalmente, dos cursos de doutorado.

Assim, resgatando as palavras de Annamaria CampaniniCAMPANINI, Annamaria. Entrevista concedida a Alexandra Mustafá. Itália, outubro, 2019. (ex-presidente da Associação Italiana de Docentes de Serviço Social - AIDOSS - e atual presidente da Associação Internacional de Escolas de Serviço Social - IASSW-AIETS), em entrevista concedida a nós em outubro de 2019, o desafio atual do Serviço Social italiano é reafirmar-se no mundo acadêmico e intelectual, mantendo a sua autonomia, sem perder a interlocução com as Ciências Sociais e Humanas, de modo particular com a Sociologia.

Com efeito, a forte interconexão com disciplinas nucleares das Ciências Sociais tem sido um dos motivos que favorecem a existência de projetos como o M’Imprendo, tendo em vista que entre os docentes de Sociologia e de Serviço Social prevalece uma parceria muito positiva, capaz de promover iniciativas em que ambas as áreas do conhecimento se complementem na elaboração da proposta e na sua implementação.

Se considerarmos que o Projeto M’Imprendo foi gestado em 2005 e que, na atualidade, o neoliberalismo tem acentuado a sua ação de corte de gastos com o social, o impacto nas políticas sociais se torna possível de ser visibilizado, através das tendências neoliberais que são adotadas no processo de formação dos estudantes do M’Imprendo.

No que se refere ao Serviço Social, observa-se uma tendência de redução de sua atuação, consoante redução de recursos com as políticas sociais e um recrudescimento da sua atuação no âmbito da pesquisa e da produção de conhecimento, em detrimento das outras áreas nucleares das ciências sociais, como a Sociologia.

Esta tendência pode ser verificada na Itália, mas se espalha por toda a Europa e por todo o mundo, representando para o Serviço Social mundial (inclua-se aqui o Serviço Social brasileiro) um sinal de alerta para a continuidade de sua efervescência como área do conhecimento e de intervenção para diminuição das desigualdades sociais e respeito aos direitos sociais e humanos.

Referências

  • ASCOLI, Ugo. Il Welfare in Italia Bolonha: Il Mulino, 2011.
  • BARDANZELLU, F. Il Comunedi Roma, le politiche per il lavoro e ilprogetto M’Imprendo. In: D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo locale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo Roma: ISTISSS, 2007. p. 17-20.
  • CAMPANINI, Annamaria. Entrevista concedida a Alexandra Mustafá Itália, outubro, 2019.
  • CIPRIANI, Roberto. Il momento fondativo di M’Imprendo. In: D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo locale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo Roma: ISTISSS, 2007. p. 20-23.
  • DELLAVALLE, Marilena; LUMETTA, Elena. La formazione al servizio sociale in Italia [2008]. (Mimeo.)
  • D’OTTAVI, Annamaria (org.). Sviluppo licale e occupazione, il laboratorio M’Imprendo Roma: ISTISSS, 2007.
  • FERRARIO, Paolo. Politica dei Servizi Sociali: strutture, trasformazioni, legislazione. Roma: Carocci, 2011.
  • ORTIGOSA, Emanuele. Prefazione. In: FERRARIO, Paolo. Politica dei Servizi Sociali: strutture, trasformazioni, legislazione. Roma: Carocci, 2011. p. 13-29.
  • STEFANI, Maria. Le origini del servizio sociale italiano: Tremezzo: un evento fondativo del 1946. Roma: Viella, 2012.
  • UNDP. Human Development Report 1990 New York: Oxford University Press, 1990.
  • WAPSHOTT, Nicholas. Keynes X Hayek: as origens e a herança do maior duelo econômico da história. Rio de Janeiro: Record, 2016.
  • 1
    O Decreto Bersani destina recursos para infraestrutura, políticas da família, políticas para a juventude e para a despesa pública. No que se refere às políticas para a juventude, estabelece no seu artigo 19: “Com o objetivo de promover o direito dos jovens à formação cultural e profissional e à inserção na vida social, seja através do direito à habitação, do acesso ao crédito para aquisição e uso de bens e serviços, sob a Presidência do Conselho dos Ministros, se institui um fundo denominado ‘Fundo para as políticas para a juventude’, ao qual é destinada a soma de 3 milhões de euros para o ano 2006 e 10 milhões de euros a partir do ano 2007”. Disponível em: https://www.altalex.com/documents/leggi/2008/03/19/decreto-bersani-infrastrutture-famiglia-e-spesa-pubblica. Acesso em: 23 out. 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2021
  • Aceito
    28 Maio 2022
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