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Atualização do habitus profissional dos enfermeiros do instituto nacional de câncer (1980-1990)1 1 Recorte da tese - O Instituto Nacional de Câncer como locus de atualização e reconhecimento nacional do capital científico dos enfermeiros em oncologia (1980-1990), apresentada ao Curso de Doutorado da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2012

Resumos

Estudo histórico-social, com objetivos de caracterizar as áreas de atuação dos enfermeiros do Instituto Nacional de Câncer, onde houve a necessidade de incorporar novos conhecimentos em oncologia, e de discutir os ganhos simbólicos para os enfermeiros. As fontes primárias foram documentos escritos e orais, analisados segundo os conceitos de habitus e capital científico de Pierre Bourdieu. Evidenciou-se que, na década de 1980, a posição do Instituto Nacional de Câncer, no campo da assistência ao câncer no Brasil, fez com que os enfermeiros incorporassem novos conhecimentos nas áreas de cirurgia oncológica, oncologia clínica e transplante de medula ossea. As competências e procedimentos de enfermagem foram reorganizados e novas rotinas de atendimento ao paciente foram estruturadas. Conclui-se que as estratégias para ocupação desse espaço se desenvolveram através do compartilhamento de conhecimento científico, com visibilidade do capital científico no campo da oncologia e assistência altamente especializada, obtendo reconhecimento nacional.

Enfermagem; História da enfermagem; Enfermagem oncológica; Prática profissional


Social historical study, whose goals are: to characterize the practice areas of nurses from the National Cancer Institute, where there was a need to incorporate new knowledge in oncology and discuss the symbolic gains for nurses. The primary sources were oral and written documents, analyzed according to Pierre Bourdieu's concepts of habitus and scientific capital. It was evident that, in the 1980s, the position of the Institute in the field of cancer care in Brazil, made the nurses acquire new knowledge in the areas of cancer surgery, clinical oncology and bone marrow transplantation. The nursing competences and procedures were reorganized and new patient care routines were structured. It is concluded that the strategies to occupy this space were developed through the sharing of scientific knowledge, with visibility of the scientific capital in the field of oncology and highly specialized care, getting national recognition.

Nursing; History of nursing; Oncologic nursing; Professional practice


Estudio histórico y social, que objetivó caracterizar las áreas de actuación de los enfermeros de Instituto Nacional del Cáncer, donde hubo la necesidad de incorporar nuevos conocimientos en oncología y discutir las ganancias simbólicas para los enfermeros. Las fuentes primarias fueron documentos escritos y orales, analizados según los conceptos de habitus y capital científico de Pierre Bourdieu. Se evidenció que en la que década de 1980, la posición de Instituto en el campo de la asistencia al cáncer en Brasil, ha contribuido para que los enfermeros incorporasen nuevos conocimientos en las áreas de cirugía oncológica, oncología clínica y trasplante de Medula Ósea. Las competencias y procedimientos de enfermería fueron reorganizados y nuevas rutinas de atendimiento al paciente fueron estructuradas. Se concluye que las estrategias para la ocupación de este espacio se desarrollaron a través del compartimiento del conocimiento científico, con visibilidad de capital científico en el campo de la Oncología yAsistencia altamente especializada, obteniendo reconocimiento nacional.

Enfermería; Historia de la enfermería; Enfermería oncológica; Práctica profesional


INTRODUÇÃO

No início da década de 1980, apesar dos avanços tecnológicos e da incorporação dos novos recursos de diagnóstico e tratamento para o câncer, seu coeficiente de mortalidade manteve-se praticamente inalterado, constituindo a segunda causa de morte no território nacional.1Teixeira LA, coordenador. De doença desconhecida a problema de saúde pública: o INCA e o controle do câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Ministério da Saúde; 2007. Com manutenção desses indicadores epidemiológicos desde a década de 1970, o Instituto Nacional de Câncer (INCA), órgão fundamental para a política de controle do câncer no país, foi escolhido, em 1980, para a implantação de um processo de cogestão, ou seja, de coparticipação gerencial e administrativa entre o Ministério da Saúde, o Ministério da Previdência e Assistência Social e o próprio INCA, que passou a receber recursos financeiros destinados à administração, pesquisa, ensino e assistência.1Teixeira LA, coordenador. De doença desconhecida a problema de saúde pública: o INCA e o controle do câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Ministério da Saúde; 2007.

A cogestão visava à racionalização do uso dos recursos da previdência social, através da integração entre os diferentes ministérios dedicados ao serviço de saúde, além da valorização das instituições públicas de saúde ancoradas nas propostas da reforma sanitária. Essa iniciativa respondia às novas diretrizes e estratégias para melhorias na prestação de serviços públicos de saúde no Brasil.2Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Instituto Nacional de Câncer - 50 anos. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 1989.

Nesse contexto, a premissa para o tratamento do câncer, como qualquer outra patologia, buscava a descoberta de procedimentos efetivos, com os menores efeitos colaterais. O investimento em inovação e desenvolvimento tecnológico envolvendo a produção de fármacos com menor potencial de toxicidade, e técnicas cirúrgicas conservadoras exigia também, investimento na qualificação de recursos humanos em saúde.

O INCA, com as mudanças ensejadas pela cogestão na década de 1980, convivia com a incorporação de novos profissionais e convênios técnico-científicos firmados com universidades brasileiras e institutos de pesquisa internacionais, que contribuíram para incrementar a pesquisa na instituição. Além disso, foram criados novos protocolos de tratamento e adquiridas novas tecnologias. Tratava-se, portanto, de um cenário profícuo à inserção da enfermagem frente aos novos desafios impostos, tal como determinava a proposta de cogestão.3Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Campanha Nacional de Combate ao Câncer: plano de trabalho de 1989. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 1989 b.

Os enfermeiros contratados pelo INCA, no início da década de 1980, e lotados em vários setores do hospital, encontraram muitos desafios, a partir da reestruturação da assistência, impulsionada pelas mudanças exigidas pela co-gestão, as quais determinavam a necessidade de aquisição de conhecimentos específicos sobre o emprego de novas drogas quimioterápicas e o manejo dos sintomas; efeitos imediatos e tardios do tratamento oncológico; novas tecnologias de suporte.3Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Campanha Nacional de Combate ao Câncer: plano de trabalho de 1989. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 1989 b.

Nesse contexto, o desafio que se apresentou aos enfermeiros do INCA se expressava na necessidade de qualificação profissional, diante da demanda crescente de conhecimento a respeito dos processos patológicos do câncer e sua respectiva assistência específica, com metodologia de cuidado especializado. Sob tal perspectiva, o presente estudo tem como objetivos caracterizar as áreas de atuação dos enfermeiros do INCA na década de 1980, onde houve a necessidade de incorporar novos conhecimentos em oncologia e discutir os ganhos simbólicos advindos da incorporação desses conhecimentos, por esses enfermeiros.

O presente estudo se justifica por representar um avanço do conhecimento produzido sobre a temática, uma vez que evidencia a inserção histórica da enfermagem oncológica do INCA na reorganização do cuidado especializado ao paciente portador de processos oncológicos, no Brasil.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo histórico-social, tendo como recorte temporal a década de 1980, período em que se desenvolveu o processo de cogestão no INCA. As fontes primárias escritas utilizadas foram: artigos, livros, relatórios, livros comemorativos e boletins informativos da Campanha Nacional de Combate ao Câncer (CNCC), disponíveis no acervo documental do INCA.

Utilizamos, como fontes primárias orais, os depoimentos de sete enfermeiros, cujos critérios de inclusão foram aspectos qualitativos, como: terem, durante o período do estudo, ocupado cargos de liderança na estrutura organizacional e técnica do INCA; atuado na área de ensino, participado efetivamente dos processos de educação e comitês institucionais; participado na elaboração de protocolos assistenciais, nos setores de quimioterapia e radioterapia e na sua divulgação.

No tocante ao tratamento dos depoimentos gravados, os arquivos sonoros foram organizados e catalogados, a fim de viabilizar a consulta, bem como sua utilização no decorrer do tratamento das entrevistas. Procedeu-se as transcrições, seguida da conferência da fidedignidade das mesmas. Para garantir a confiabilidade do material transcrito, o mesmo foi apresentado aos entrevistados para validação do texto. As entrevistas tiveram duração média de 80 minutos.

As entrevistas, realizadas nos meses de março de 2010 a março de 2011, foram auxiliadas por um roteiro com perguntas abertas, permitindo discorrer sobre o tema em questão, sem perder de vista a indagação formulada. O roteiro abarcou questões acerca da operacionalização no âmbito da formação profissional, pesquisa e assistência ao paciente, a partir do processo de cogestão; as estratégias para reconhecimento e consolidação de conhecimento especializado na área de enfermagem no INCA e no Brasil; e as dificuldades e facilidades na implantação das estratégias relativas à incorporação de saberes sobre oncologia. O roteiro também considerou a cronologia dos acontecimentos ocorridos no período investigado e relevantes em relação ao objeto de estudo. Os entrevistados foram identificados com a letra D e número arábico sequencial.

As fontes secundárias foram derivadas de livros de História do Brasil e da Enfermagem, periódicos nacionais de enfermagem, teses, dissertações e trabalhos referentes à enfermagem em oncologia; livros e teses pertinentes à política social, de educação e de saúde no campo da oncologia brasileira. Consultamos igualmente os anais de congressos e periódicos nacionais, produzidos na década de 1980, cujas temáticas eram referentes à enfermagem oncológica e/ou ao campo da oncologia.

Como preconizado pelo método histórico, o estudo comportou as três etapas essenciais: levantamento dos dados; análise crítica desses dados e conclusões. Assim, após a etapa de seleção e classificação das fontes documentais, procedeu-se a determinação da qualidade e relevância da informação contida em tais fontes para o trabalho historiográfico proposto. Esse processo de validação de fontes denomina-se crítica externa e crítica interna.4Padilha MICS, Borenstein MS. O método de pesquisa histórica na enfermagem. Texto Contexto Enferm [online]. 2005 Out-Dez [acesso 05 Ago 2012]; 14(4):575-84. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v14n4/a15v14n4.pdf
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Nesse processo os documentos escritos e orais, fontes primárias, foram examinados detalhadamente, comparando-os com as fontes secundárias; em seguida, agrupados de acordo com a cronologia, e a temática de que tratavam.

Em continuidade, os dados foram organizados e analisados à luz do método histórico-social. O conjunto de fatos políticos e sociais também foi considerado para a interpretação dos dados históricos, o qual permitiu a exposição histórica a partir da documentação selecionada. Como exposto, a confiabilidade dos dados foi realizada mediante triangulação das fontes documentais. Da análise, derivaram os seguintes temas: incorporação de conhecimento especializado na cirurgia oncológica; incorporação de conhecimento especializado na oncologia clínica e incorporação de conhecimento especializado no transplante de medula óssea (CEMO).

Os conceitos teóricos de capital científico e habitus, do sociólogo francês Pierre Bourdieu,5Bourdieu P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo (SP): UNESP; 2004. embasaram o estudo. O conceito de capital, emprestado da economia, tem papel central para o pensamento de Bourdieu. No que se refere ao capital científico, este pode ocorrer de duas formas, com leis de acumulação diferentes: o capital científico puro adquire-se, principalmente pelas contribuições ao progresso da ciência e o capital científico de instituição, que é o utilizado neste estudo, é adquirido, essencialmente, por estratégias específicas, através da participação em bancas, reuniões, comissões, eventos científicos, entre outros.5Bourdieu P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo (SP): UNESP; 2004.

Sendo assim, o conceito de capital científico orientou a compreensão de que sua acumulação exigiu dos enfermeiros do INCA um grande investimento pessoal, uma vez que toda acumulação de capital pressupõe um trabalho de assimilação, que custa um tempo que deve ser investido pessoalmente pelo investidor.6Bourdieu P. Escritos de Educação. 2ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora Vozes; 1998. Sendo pessoal, o trabalho de aquisição de capital é um trabalho do sujeito sobre si mesmo, ou seja, uma propriedade que se torna parte da pessoa, um habitus. Isso porque o habitus é uma disposição incorporada que funciona como princípio gerador de práticas distintas e distintivas, as quais as ações dos sujeitos refletem e atualizam as marcas de sua posição social e as distinções estruturais que as definem, pois o habitus não só interioriza o exterior, mas também exterioriza o interior.7Bourdieu P. O poder simbólico. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand; 2001.

A Pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do INCA, sob o número de protocolo 16/10, em 22 de fevereiro de 2010, em observância às recomendações ético-legais propostas pelo Conselho Nacional de Saúde, através da Resolução n. 196/96. Todas as entrevistas foram realizadas após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

As fontes primárias escritas e os depoimentos de sete enfermeiros que ocuparam cargos de liderança na estrutura do INCA, permitiram a construção de três categorias, relacionados à incorporação de conhecimentos especializados, descritos a seguir.

Incorporação de conhecimento especializado na cirurgia oncológica

No INCA, na década de 1980, no bojo da cogestão, havia várias clínicas cirúrgicas, conforme a especificidade de abordagem cirúrgica e tratamento dos diversos tipos de tumores. Cada clínica possuía sua equipe de cirurgiões e número de leitos, distribuídos por enfermarias em alas distintas.8Barreto EMT. Levantamento administrativo de estrutura e serviços hospitalares. [relatório técnico]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1982.

Sobre as transformações inerentes às inovações cirúrgicas no tratamento do câncer e suas implicações para a assistência especializada do enfermeiro, especialmente na necessidade de estabelecer rotinas de atendimento ao paciente, tem-se o seguinte relato:

[...] fazíamos curativo de manhã, depois do banho do paciente, e antes de ir embora. Anotávamos os doentes que apresentavam necrose na ferida e que precisavam ser avaliados pelo cirurgião. Começamos a buscar espaço com o doutor Sérgio [médico oncologista Sérgio Allan] para não depender do médico da equipe dele para fazer esse pedido. Então, passamos a solicitar ao cirurgião para ver a mama que estava com tecido necrosado, e talvez necessitasse debridar. Buscamos espaços naquela situação, até porque era um monte de gente nova, cheia de gás (D1).

Na Clínica Cirúrgica de Cabeça e Pescoço, onde eram realizadas cirurgias como laringectomias, um dos aspectos considerados para a atuação do enfermeiro era a necessidade premente de acumular conhecimentos sobre oncologia, independentemente da experiência acumulada pelo profissional de enfermagem.

O artigo publicado em janeiro de 1985, no boletim "Câncer Notícias", intitulado "Atuação de Enfermagem na Clínica Cirúrgica de Cabeça e Pescoço", de autoria do enfermeiro Tanan Moreno, então chefe de enfermagem daquela clinica, apontava que esses profissionais não deveriam atuar neste setor "de maneira forçada ou persuadida", e sim, "por sua livre e espontânea vontade".9:6

A enfermagem orientava a assistência às especificidades de cada clínica cirúrgica oncológica. Os cuidados pré e pós-operatórios apresentavam inúmeras peculiaridades, conforme a intervenção cirúrgica e as características de cada paciente; um dos aspectos a serem considerados era a observação quanto à inclusão em protocolos quimioterápicos adjuvantes e/ou radioterápicos anteriores à cirurgia, fator primordial para o planejamento da assistência.1010 Ministério da Saúde (BR) . Instituto Nacional de Câncer. Centro de Estudos e Ensino Amadeu Fialho. [boletim interno/informativo]. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 1983.

Incorporação de conhecimento especializado na oncologia clínica

No contexto assistencial do INCA, a Seção de Oncologia Clínica, responsável pelo tratamento com drogas quimioterápicas e suporte clínico nas complicações, apresentava produção de 2.309 consultas externas, no terceiro trimestre do ano de 1981, aumentando para 3.438 no mesmo período, em 1982, o que representou aumento de 49%. Fenômeno similar se observa, ao analisar o tratamento por quimioterapia, que alcançou idêntico índice de aumento em dezembro de 1982, o que indicava ampliação da demanda para a assistência de enfermagem em quimioterapia.1010 Ministério da Saúde (BR) . Instituto Nacional de Câncer. Centro de Estudos e Ensino Amadeu Fialho. [boletim interno/informativo]. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 1983. A manipulação e administração das drogas e cuidados específicos a serem realizados pelo enfermeiro do INCA, utilizadas em protocolos de tratamento, determinaram a incorporação de conhecimentos técnico-científicos relativos à administração de quimioterápicos. Os depoimentos, abaixo, evidenciam estratégias para incorporação desse conhecimento:

[...] começava a atenção na hora de administrar uma quimioterapia no paciente, se ele estava tendo alguma reação (D2).

[...] então fui aprender quimioterapia com os enfermeiros que já estavam no setor. Era sobre dose correta, o paciente correto, faça corretamente e não deixe extravasar (D3).

A enfermagem se inseria na reestruturação da oncologia clínica, atualizando seu habitus profissional, construindo e reformulando propostas assistenciais de enfermagem e, desse modo, obtendo reconhecimento da equipe médica e de outros profissionais, conforme os depoimentos:

[...] depois de um bom tempo ali, inovamos um monte de coisa. Começamos a criar regras, o que seria mais tarde protocolo [...].Lembro-me que começamos a esboçar. Se ia fazer CDDP [Cisplatinum], MTX [Metotrexate], então começamos a montar um protocolo para os doentes. Inovamos muita coisa ali (D1).

[...] alguns médicos, vendo a necessidade do crescimento do nosso trabalho, investiam, abriam portas e levavam a enfermagem junto. Isso teve bastante. Dentro da própria quimioterapia, da oncologia clínica. Teve bastante apoio, muito apoio (D4).

Portanto, o enfermeiro iniciava a incorporação do saber da enfermagem na área da oncologia clínica, conquistando espaços e posturas perante seus pares:

[...] construímos através do estudo, através de diálogo com o médico. Então começamos a ter uma postura lá dentro que dava poder para resolver (D2).

Com o estabelecimento da cogestão, uma das áreas que se desenvolveu, significativamente, foi a da radioterapia, no INCA, apresentando um aumento de procedimentos em 76,9% (entre 1979 e 1981), com a reorganização de recursos humanos, equipamentos e procedimentos administrativos. Este desenvolvimento foi impulsionado com o Projeto Brasil-Canadá, que visava o intercâmbio científico com as instituições canadenses para implementação de atividades assistenciais em tecnologia avançada, no campo da radioterapia.1Teixeira LA, coordenador. De doença desconhecida a problema de saúde pública: o INCA e o controle do câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Ministério da Saúde; 2007.

As enfermeiras que atuavam nesse campo participavam na disseminação desse conhecimento, através das seções científicas, organizadas pelo Centro de Estudos do INCA, no ano de 1984, conforme veiculado no seu boletim informativo. Portanto, atuando como porta-vozes autorizadas e reconhecidas para enunciar seu saber especializado.1010 Ministério da Saúde (BR) . Instituto Nacional de Câncer. Centro de Estudos e Ensino Amadeu Fialho. [boletim interno/informativo]. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 1983.

Torna-se evidente que a enfermagem do INCA investiu em uma postura interdisciplinar, respaldada em estudos continuados e atualizados, bem como na parceria com toda a equipe assistencial, resultando em uma atuação qualificada, que traria reconhecimento para a enfermagem no campo oncológico.

Incorporação de conhecimento especializado no Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO)

Nos anos de 1980, foi autorizada a criação do Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO) do INCA.1111 Resolução CIPLAN n. 12 de 4 de agosto de 1982. Autoriza a criação do Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO) do INCA. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 04 ago. 1982. Seção 1:1 Com a inauguração do CEMO, constituía-se mais uma importante área de atuação para a enfermagem no campo da oncologia, com importante investimento naqueles enfermeiros que seriam lotados neste setor, propiciando a incorporação de conhecimentos específicos para uma abordagem terapêutica no campo de transplante de medula óssea.1212 Barreto EMT, Lourenço LHSC, Almeida Filho AJ. O Centro Nacional de Transplante de medula óssea no Instituto Nacional de Câncer: os primeiros desafios da implantação. Esc Anna Nery [online]. 2003 Dez [acesso 13 Ago 2012]; 7(3):406-12. Disponível em: http://www.redalyc.org/pdf/1277/127718223012.pdf
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Esses enfermeiros, portanto, seriam os porta-vozes autorizados do cuidado de enfermagem aos doentes oncológicos, submetidos a este tipo de transplante.

Para tanto, os enfermeiros que seriam lotados nesse setor tiveram que participar de um curso e, ao final, foram submetidos a uma avaliação, com provas escrita e oral, realizadas pelos coordenadores do referido curso, com vistas a indicar os profissionais considerados aptos para contratação. Uma das entrevistadas enfatizou a importância da realização do treinamento para enfermagem do INCA:

o curso de treinamento para os enfermeiros do CEMO e o período de recrutamento, em 1983, durou cerca de três meses [...]. Esse curso de treinamento foi o prelúdio, deu uma nova visão aos enfermeiros do INCA, direcionando para a criação da Residência de Enfermagem (D5).

O corpo docente do referido curso foi composto por médicos, enfermeiros, bioquímico, nutricionista e psicólogo. Os enfermeiros expositores acumulavam funções na coordenação do curso e dos setores afins, que faziam parte do cenário de atuação, todos muito bem posicionados naquele espaço social, em função do acúmulo de capital científico que incorporavam.1010 Ministério da Saúde (BR) . Instituto Nacional de Câncer. Centro de Estudos e Ensino Amadeu Fialho. [boletim interno/informativo]. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 1983.

O conteúdo especializado nos cursos de graduação era ministrado de forma reduzida, o que demandava treinamento mais rigoroso e abrangente para estes profissionais:

[...] ficamos um ano percorrendo o hospital, aprendendo a cuidar desse paciente oncológico. Tendo várias aulas [...]. Nós fazíamos seminários também. A Eliana [enfermeira Eliana Teixeira Barreto] fazia muitas reuniões, passava temas para pesquisar e apresentar para os colegas. Para adquirirmos realmente o conhecimento oncológico, porque naquela época as faculdades nem falavam em oncologia [...]. Então, a base toda foi aqui dentro mesmo [...] (D6).

A proposta inicial de lotação de pessoal no CEMO era de aproveitamento da experiência dos enfermeiros do INCA. Porém, por conta da baixa adesão dos mesmos, promoveu-se processo seletivo com a participação de profissionais externos. Com esse intento, oficializou-se, em 1983, a Comissão de Recrutamento, Seleção e Educação em Serviço, através da Ordem de Serviço n. 19, de janeiro de 1983, assinada pelo diretor do INCA, Ary Frauzino Pereira, e pelo Coordenador Regional da CNCC, Nildo Eimar de Aguiar.1212 Barreto EMT, Lourenço LHSC, Almeida Filho AJ. O Centro Nacional de Transplante de medula óssea no Instituto Nacional de Câncer: os primeiros desafios da implantação. Esc Anna Nery [online]. 2003 Dez [acesso 13 Ago 2012]; 7(3):406-12. Disponível em: http://www.redalyc.org/pdf/1277/127718223012.pdf
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Essa Comissão foi composta por quatro enfermeiras da instituição, com experiência no campo da enfermagem oncológica e na assistência ao doente oncológico: Claudia Tereza Pinheiro (enfermeira da CNCC e supervisora das unidades de internação), Eliana Maria Teixeira Barreto (enfermeira da CNCC e supervisora da Seção de Unidade de Terapia Intensiva), Heliacy Lima Barros Bastos (enfermeira do Ministério da Saúde e supervisora da radioterapia) e Maria Lucia Monteiro da Silva (enfermeira da CNCC e Coordenadora da Escola de Auxiliares de Enfermagem do Hospital dos Servidores do Estado/INAMPS/INCA).1313 Ministério da Saúde (BR) . Instituto Nacional de Câncer. Centro de Estudos e Ensino Amadeu Fialho. [boletim interno/informativo]. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 1983.

Para propiciar o preparo técnico-científico, com vistas a atuar em área tão especializada e desafiadora, as enfermeiras Eliana Teixeira Barreto e Claudia Tereza Pinheiro organizaram um Manual de Enfermagem, com normas e rotinas dos procedimentos a serem executados, que serviu como fonte de consulta e elemento norteador da conduta destes profissionais:

[...] então criamos o Manual de Enfermagem do CEMO [...].Fizemos com uma metodologia parecida com o que depois foi feito no INCA, com o agente, a ação. Fizemos tudo estruturado, o passo a passo de cada rotina. Como ia ser o preparo da quimioterapia, do banho no leito. Deu um manual enorme. Fizemos todas as rotinas, para quando o pessoal chegasse, já tivesse um subsídio de como ia funcionar (D7).

No caso dos enfermeiros do CEMO, o capital cultural era específico, resultando em ganho simbólico, representado pelo melhor posicionamento técnico da enfermagem oncológica e em prestígio junto aos pares. E assim, mais uma vez, os enfermeiros do INCA se encontravam em condições de enunciar o discurso autorizado em nova área de atuação profissional. Tal condição traduzia-se em poder e prestígio à enfermagem dessa instituição.

DISCUSSÃO

No tratamento multidisciplinar do câncer, a cirurgia é a modalidade terapêutica mais antiga. Foi o primeiro tratamento que alterou significativamente o curso da doença neoplásica e, até hoje, é um dos principais métodos terapêuticos. Estima-se que cerca de 60% de todos os pacientes portadores de câncer necessitem de cirurgia para o seu tratamento.1414 Ministério da Saúde (BR) . Instituto Nacional de Câncer. Ações de enfermagem para o controle do câncer: uma proposta de integração ensino-serviço. 3ª Ed. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2004.

A prática do enfermeiro, nas clínicas cirúrgicas, requeria habilidades e conhecimentos inerentes à fisiopatologia dos tumores, à abordagem cirúrgica e suas complicações, cuidados com a ferida operatória, com dispositivos como sondas, cateteres, drenos, ostomias e próteses, com a reabilitação e, principalmente, a abordagem coerente com as alterações fisiológicas e seus reflexos na imagem corporal decorrentes das mutilações. Na maioria das vezes, o tumor encontrava-se em estágio avançado de evolução.9Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Atuação de enfermagem na clínica cirúrgica de cabeça e pescoço [boletim interno/informativo]. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 1985.

Os pacientes da Clínica Cirúrgica de Cabeça e Pescoço, dentro do cenário oncológico, além de terem a autoimagem alterada, as possíveis associações das formas de tratamento, e o tempo que o paciente é submetido ao mesmo, podem gerar reações severas.1212 Barreto EMT, Lourenço LHSC, Almeida Filho AJ. O Centro Nacional de Transplante de medula óssea no Instituto Nacional de Câncer: os primeiros desafios da implantação. Esc Anna Nery [online]. 2003 Dez [acesso 13 Ago 2012]; 7(3):406-12. Disponível em: http://www.redalyc.org/pdf/1277/127718223012.pdf
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Portanto, além do impacto do diagnóstico da doença, padece com o temor da perda de controle, do desfiguramento e da consequente rejeição da família e da sociedade.1515 Santos RCS, Dias RS, Giordani AJ, Segreto RA, Segreto HRC. Mucosite em pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço submetidos à radioquimioterapia. Rev Esc Enferm USP [online]. 2011 [acesso 11 Ago 2012]; 45(6):1338-44. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n6/v45n6a09.pdf
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- 1616 Sousa DM, Soares EO, Costa KMS, Pacífico ALC, Parente ACM. A vivência da enfermeira no processo de morte e morrer dos pacientes oncológicos. Texto Contexto Enferm [online]. 2009 Jan-Mar [acesso 11 Ago 2012]; 18(1):41-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v18n1/v18n1a05.pdf
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Outro aspecto que requer tolerância e especial habilidade do profissional que lida com pacientes oncológicos diz respeito aos limites com que se depara na comunicação verbal, o que requer capacidade de concentração para entender e estabelecer apropriado vínculo de comunicação e atender às suas necessidades. No caso desses pacientes, a comunicação não verbal, utilizando todos os sentidos para percepção, decodificação das mensagens, observando o espaço pessoal, a expressão corporal talvez seja a maneira mais efetiva de interação.1717 Figueiredo NMA, Tonini T, Machado WCA, Moreira MC, Leite JL. Enfermagem Oncológica: conceitos e práticas. São Caetano do Sul (SP): Yendis; 2009.

O enfermeiro é quem permanece próximo ao paciente e a família em momentos difíceis, esclarecendo ou prestando cuidados imediatos. Assim, tem que lidar com o sofrimento, angústia e temores que podem surgir em diversas situações que envolvem esse cuidar.1616 Sousa DM, Soares EO, Costa KMS, Pacífico ALC, Parente ACM. A vivência da enfermeira no processo de morte e morrer dos pacientes oncológicos. Texto Contexto Enferm [online]. 2009 Jan-Mar [acesso 11 Ago 2012]; 18(1):41-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v18n1/v18n1a05.pdf
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A prestação destes cuidados requer do enfermeiro não só o conhecimento da patologia em si, mas, além disso, a habilidade para lidar com sentimentos dos outros e com as próprias emoções frente ao paciente oncológico.1818 Oliveira AM, Pozer MZ, Silva TA, Parreira BDM, Silva SR. Ações extencionistas voltadas para a prevenção e o tratamento do câncer ginecológico e de mama: relato de experiência. Rev Esc Enferm USP [online]. 2012 [acesso 13 Ago 2012]; 46(1):240-5. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n1/v46n1a32.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n1/v4...
- 1919 Hoga LAK. A dimensão subjetiva do profissional na humanização da assistência à saúde: uma reflexão. Rev Esc Enferm USP [online]. 2004 [acesso 22 Set 2012]; 38(1):13-20. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v38n1/02.pdf
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Além da cirurgia, outro pilar do tratamento oncológico é a quimioterapia antineoplásica, representando o tratamento sistêmico dos tumores malignos. Pode ser administrada isoladamente, porém é mais frequentemente associada à cirurgia e/ou radioterapia.1515 Santos RCS, Dias RS, Giordani AJ, Segreto RA, Segreto HRC. Mucosite em pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço submetidos à radioquimioterapia. Rev Esc Enferm USP [online]. 2011 [acesso 11 Ago 2012]; 45(6):1338-44. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n6/v45n6a09.pdf
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Nos anos 1980, na área da oncologia clínica do INCA, consolidou-se o tratamento adjuvante, cuja função é de complementar a intervenção após cirurgia e/ou radioterapia, nas fases iniciais da doença, mediante a redução do número de células cancerígenas, com sensibilidade maior ao quimioterápico. Conquistava-se, então, a cura de pacientes portadores de metástases, exclusivamente pela quimioterapia.2020 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Histórias da oncologia clínica do Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2008.

Tendo em vista que a quimioterapia é um tratamento sistêmico, cujos agentes antineoplásicos são tóxicos, portanto sujeitos a efeitos colaterais, aumenta a importância da participação do enfermeiro no processo de administração e no acompanhamento dos efeitos colaterais decorrentes da quimioterapia.1717 Figueiredo NMA, Tonini T, Machado WCA, Moreira MC, Leite JL. Enfermagem Oncológica: conceitos e práticas. São Caetano do Sul (SP): Yendis; 2009.

Esse foi um período em que a indústria farmacêutica investia maciçamente nos quimioterápicos, o que exigia igual desenvolvimento tecnológico. A esse respeito, pode-se mencionar: a capela de fluxo laminar, para diluição desses medicamentos, no intuito de promover a proteção do profissional durante a manipulação; os cateteres venosos centrais de longa permanência e as bombas infusoras, para administração das drogas vesicantes e outros medicamentos.2020 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Histórias da oncologia clínica do Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2008.

Guardando coerência com o exposto, as enfermeiras utilizavam, como estratégias de ocupação de um espaço nesse campo, o compartilhamento do conhecimento científico e o espaço consentido pelos outros agentes, para obter visibilidade do seu capital científico no campo da oncologia e, em contrapartida, oferecer uma assistência altamente especializada, contribuindo para o reconhecimento institucional. Sob esse ângulo de análise, é precisa a contribuição de Bourdieu, quando ressalta que os agentes criam o espaço, e o espaço só existe pelos agentes e pelas relações objetivas entre os que aí se encontram. O volume de seu capital determina a estrutura do campo em proporção ao seu peso, o qual depende do peso de todos os outros agentes, ou seja, de todo o espaço.5Bourdieu P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo (SP): UNESP; 2004.

A criação do CEMO1111 Resolução CIPLAN n. 12 de 4 de agosto de 1982. Autoriza a criação do Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO) do INCA. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 04 ago. 1982. Seção 1:1 foi um investimento grandioso, que possibilitou novas diretrizes ao tratamento do câncer com a implantação de uma unidade de referência nacional. Inicialmente, se realizava transplantes alogênicos (entre pessoas diferentes) e autólogos (de uma pessoa para si mesma) de medula óssea, atendendo a pacientes do estado do Rio de Janeiro e demais regiões do Brasil. A criação deste espaço social foi mais um marco na atualização do habitus profissional dos enfermeiros do INCA.1010 Ministério da Saúde (BR) . Instituto Nacional de Câncer. Centro de Estudos e Ensino Amadeu Fialho. [boletim interno/informativo]. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 1983.

Conforme interpretação derivada de Bourdieu, as enfermeiras acumulavam competência legítima, portanto, foram reconhecidas como porta-vozes autorizadas a emitir a fala digna de crédito. Nessa linha de entendimento, o uso da linguagem depende da posição social do locutor; ou seja, do reconhecimento institucionalizado e da crença que recebeu de determinado grupo. Os discursos são signos destinados a serem compreendidos, decifrados, avaliados, apreciados e são também signos de autoridades a serem acreditados e obedecidos.5Bourdieu P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo (SP): UNESP; 2004.

Complementarmente, é forçoso reconhecer que, ao ingressar no INCA, o enfermeiro defrontava-se com um campo de conhecimentos novos. Estudos realizados na década de 1980, com o intuito de identificar a existência do ensino em cancerologia nas Escolas de Enfermagem, apontaram a escassez de conteúdo de oncologia nos programas de cursos de graduação.2121 Rodrigues C, Queiroz J. A situação atual do ensino de enfermagem oncológica nos cursos de graduação em enfermagem no Brasil. Rev Paul Enferm. 1988 Jan-Mar; 8(1):23-5.

A escassez deste capital científico na formação do enfermeiro não proporcionava a competência exigida para o cuidado ao paciente com câncer, principalmente para atuar em um setor tão especializado e, portanto, complexo como o CEMO, ou, um preparo técnico-científico para assumir importantes funções nos programas de controle do câncer. O ingresso no campo da oncologia e a articulação dos saberes incorporados pelos enfermeiros nesse espaço social proporcionavam aos profissionais oportunidades de construção de um capital específico, ou seja, próprio das unidades de transplante de medula óssea.

Assim, os enfermeiros necessitaram buscar reformulações nas suas formas de pensar e agir, diante do que lhes é exigido tanto na prática assistencial quanto de ensino, tendo em vista as inovações científicas e tecnológicas de cada época.2121 Rodrigues C, Queiroz J. A situação atual do ensino de enfermagem oncológica nos cursos de graduação em enfermagem no Brasil. Rev Paul Enferm. 1988 Jan-Mar; 8(1):23-5. Isso contribuiu para a resolutividade no atendimento à saúde, pois, o efetivo equacionamento dos problemas de saúde e de cuidados apresentados pelos doentes é essencial para a humanização do cuidado.2222 Moreira MC, Carvalho V, Silva MM, Sanhudo NF, Filgueira MB. Produção de conhecimento na enfermagem em oncologia: contribuição da Escola de Enfermagem Anna Nery. Esc Anna Nery [online]. 2010 Jul [acesso 22 Set 2012]; 14(3):575-84. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ean/v14n3/v14n3a20.pdf
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Sobretudo, ao tratar-se de doente oncológico, e tudo que envolve essa condição, pois é importante que o enfermeiro, como profissional presente nos processos que envolvem a radioterapia e quimioterapia, colabore para otimização do tratamento e melhora da qualidade de vida dos pacientes.1515 Santos RCS, Dias RS, Giordani AJ, Segreto RA, Segreto HRC. Mucosite em pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço submetidos à radioquimioterapia. Rev Esc Enferm USP [online]. 2011 [acesso 11 Ago 2012]; 45(6):1338-44. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n6/v45n6a09.pdf
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Com as reestruturações em campos de atuação, como oncologia clínica, oncologia cirúrgica, radioterapia e transplante de medula óssea, a participação dos enfermeiros em determinados espaços da instituição lhes capitaneava reconhecimento adquirido por suas posturas perante os processos da assistência através do domínio do conhecimento científico e cooperação com a equipe multidisciplinar.2323 Santana CJM, Lopes GT. O cuidado especializado do egresso da residência em enfermagem do Instituto Nacional de Câncer - INCA. Esc Anna Nery [online]. 2007 Set [acesso 13 Ago 2012]; 11(3):417-22. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ean/v11n3/v11n3a04.pdf
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Enquanto o Instituto iniciava um processo de expansão nas áreas de assistência, ensino e pesquisa, impulsionava o desenvolvimento e consolidação do capital científico em enfermagem oncológica no INCA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como demonstra a pesquisa, o enfermeiro, ao ingressar no INCA, defrontava-se com um desafiador campo de novos conhecimentos e precisava superar a deficiência de conhecimento em oncologia, devido a lacunas em sua formação, cujo currículo não proporcionava a competência necessária ao cuidado do paciente com câncer, nem tampouco para assumir importantes funções nos programas de controle do câncer.

Na década de 1980, o grupo de enfermeiros do INCA construiu seu saber, através do acúmulo de experiências derivadas do cotidiano profissional, em cada área específica da oncologia, do estudo teórico sobre a especialidade e das trocas provenientes de uma atuação interdisciplinar, tudo isso apoiado no incentivo para o desenvolvimento da pesquisa e da assistência em oncologia, filosofia até hoje mantinda na instituição. A atualização do habitus profissional tornou-se um dos grandes desafios, uma vez que o conhecimento dos processos fisiopatológicos do câncer requeria do profissional assistência específica, através de metodologia complexa, de cuidado especializado.

À medida que adquiriam novos conhecimentos, os enfermeiros conquistavam espaço e reconhecimento da equipe multiprofissional. O avanço científico e tecnológico para diagnóstico e tratamento médico, na área oncológica, exigia que se contasse com um Serviço de Enfermagem igualmente qualificado, capaz de aplicar todo o arsenal de conhecimentos disponíveis.

Esse foi o momento para a conquista do espaço pelos enfermeiros, enquanto agentes portadores de um capital específico em enfermagem oncológica. As estratégias para ocupação desse espaço desenvolveram-se através do compartilhamento de conhecimento científico, o que propiciou obter visibilidade do capital científico no campo da oncologia e, ao mesmo tempo, uma assistência altamente especializada, articulada com o propósito de propiciar qualidade na assistência institucional.

Os resultados deste estudo revelou a necessidade de desenvolvimento de outras pesquisas, com vistas a melhor compreender as estratégias utilizadas pelos enfermeiros do INCA na definição de políticas de prevenção e controle do câncer no país, além de ser a primeira instituição a qualificar enfermeiros especializados no cuidado ao doente oncológico, através da criação do primeiro curso de residência em enfermagem nesta área.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2013
  • Aceito
    27 Set 2013
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