SATISFAÇÃO E INSATISFAÇÃO PROFISSIONAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

RESUMO

Objetivo:

identificar os fatores que contribuem para a satisfação e insatisfação dos profissionais de saúde que atuam na Atenção Primária à Saúde.

Método:

trata-se de uma revisão integrativa realizada na Public/Publish Medline, Scopus, American Psychological Association, Web of Science, Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências Sociais, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature e Scientific Eletronic Library Online, com os seguintes descritores e palavras-chave: satisfação profissional, satisfação pessoal, insatisfação, pessoal de saúde, trabalhadores de saúde e Atenção Primária à Saúde. Os estudos incluídos foram artigos com resumos disponibilizados em inglês, espanhol ou português entre os anos de 1972 a 2017 que dispuseram texto na íntegra.

Resultados:

foram identificados 63 artigos, com 204 fatores de satisfação e 174 de insatisfação, os quais foram agrupados nas categorias: carreira, que agregou aspectos profissionais da rotina de trabalho; infraestrutura, foram incluídos fatores relacionados ao ambiente físico de trabalho, aspectos materiais e insumos; relacionamento interpessoal, abrangeram fatores pautados na relação do profissional com equipe de trabalho, pacientes, usuários do serviço e familiares; aspectos psicossociais, contemplou questões internas do profissional de saúde e a influência de questões sociais.

Conclusão:

os fatores promotores de satisfação e insatisfação na APS são ambíguos com uma predominância dos aspectos satisfatórios relacionados a carreira profissional e das relações interpessoais, e insatisfatórios relacionados a fragilidades de uma carreira profissional promissora e a infraestrutura dos serviços

DESCRITORES:
Atenção primária à saúde; Satisfação profissional; Profissionais da saúde; Instalações de saúde; Relações interpessoais; Estrutura de serviços

ABSTRACT

Objective:

identify the factors that contribute to job satisfaction or job dissatisfaction among Primary Health Care workers.

Method:

this integrative review was conducted in Public/Publish Medline, Scopus, American Psychological Association, Web of Science, Latin America and Caribbean Health Sciences Literature, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, and Scientific Electronic Library Online using the following descriptors and keywords: job satisfaction, personal satisfaction, dissatisfaction, health personnel, Primary Health Care. The studies presenting abstracts written in English, Spanish or Portuguese, published between 1972 and 2017, with full texts available, were included.

Results:

63 papers were identified with 204 satisfaction factors and 174 dissatisfaction factors and were grouped into the following categories: career, which gathered professional aspects of the work routine; infrastructure, which included factors related to the physical work environment such as material resources and inputs; interpersonal relations comprised factors related to the professional relationship established with the work team, patients, service users and families; and psychosocial aspects, which refer to the health workers’ internal aspects and the influence of social issues.

Conclusion:

the factors promoting satisfaction or dissatisfaction among PHC workers are ambiguous, though aspects leading to satisfaction are mostly related to the categories career and interpersonal relations, while dissatisfaction is related to aspects that prevent an individual from achieving a promising professional career and weaknesses in the services’ infrastructure.

DESCRIPTORS:
Primary health care; Job satisfaction; Health personnel; Health facilities; Interpersonal relations; Structure of services

RESUMEN

Objetivo:

identificar los factores que contribuyen a la satisfacción e insatisfacción de los profesionales de la salud que laboran en Atención Primaria de Salud.

Método:

esta es una revisión integradora realizada en Public / Publish Medline, Scopus, American Psychological Association, Web of Science, Latin American and Caribbean Literature in Social Sciences, Cumulative Index to Nursing y Allied Health Literature and Scientific Eletronic Library Online, con las siguientes palabras clave y palabras clave: satisfacción laboral, satisfacción personal, insatisfacción, personal de salud, trabajadores de salud y Atención Primaria de Salud. Los estudios incluidos fueron artículos con resúmenes disponibles en inglés, español o portugués entre los años 1972 a 2017 que tenía texto completo.

Resultados:

se identificaron 63 artículos, con 204 de satisfacción y 174 factores de insatisfacción, que se agruparon en las categorías: carrera, que agregó aspectos profesionales de la rutina laboral; se incluyeron infraestructura, factores relacionados con el ambiente físico de trabajo, aspectos materiales e insumos; relaciones interpersonales, factores cubiertos en función de la relación del profesional con el equipo de trabajo, pacientes, usuarios del servicio y familiares; aspectos psicosociales, aspectos internos contemplados del profesional de la salud y la influencia de los aspectos sociales.

Conclusión:

los factores que promueven la satisfacción e insatisfacción en la APS son ambiguos con predominio de aspectos satisfactorios relacionados com la carrera profesional y las relaciones interpersonales, e insatisfactorios relacionados con las debilidades de una carrera profesional prometedora y la infraestructura de servicios.

DESCRIPTORES:
Atención primaria de salud; Satisfacción laboral; Profesionales de la salud; Establecimientos de salud; Relaciones interpersonales; Estructuras de servicios

INTRODUÇÃO

O ser humano possui necessidades a serem sanadas, sendo elas necessidades básicas como alimentação e segurança, necessidades psicológicas, como respeito e ainda necessidades de realização pessoal, como autonomia e crescimento.1 No cotidiano o trabalho tem como função propiciar a satisfação dessas necessidades, sejam elas de qualquer escala e conforme surgem na vida dos indivíduos. No entanto, o trabalhador da saúde atua na produção não material de bens, ou seja, encerra seu trabalho logo após o mesmo ser consumido pelo sujeito, não sendo possível dissociar o produto do processo.2

O trabalho pode gerar satisfação se em seu processo de criação consegue suprir as necessidades dos sujeitos, no qual se transformam o objeto e o ser humano.3 No entanto, quando não há vínculo entre quem produz e o resultado desse processo o indivíduo passa a ser apenas mais uma peça da engrenagem que não infere no processo de criação e produção, gerando em muitos casos, insatisfação.

Na relação entre o homem e a organização do trabalho há necessidade de compreender que o trabalhador é envolto por aspirações, desejos, motivações e necessidade psicológicas, e que possui uma história de vida que influencia em suas características pessoais. Dessa forma, a subjetividade influencia na relação entre sujeito e trabalho.4

A insatisfação, que tem como um dos seus resultados o sofrimento no trabalho, pode se manifestar quando os trabalhadores não podem ou não conseguem se mobilizar ou sentir prazer no trabalho, seja por questões subjetivas ou por imposições do modelo organizacional. Assim sendo, o prazer se apresenta quando “o trabalhador consegue inventar soluções convenientes” no enfrentamento ao prescrito.5:374

O trabalho na Atenção Primária à Saúde é caracterizado da mesma forma que em outros setores saúde, entretanto, opera de maneira particular, pois o objeto de trabalho, além do indivíduo e famílias, inclui toda a população do âmbito do território assumido pelas equipes. Nesse sentido, o fazer dos trabalhadores é acompanhado de muitas peculiaridades a serem consideradas na própria organização do trabalho, dentre elas o vínculo com os usuários do serviço, o trabalho em equipe interdisciplinar e o modo de produção em saúde que deve priorizar atividades de promoção e prevenção.6

No âmbito brasileiro, a Atenção Primária à Saúde é a porta de entrada para o Sistema Único de Saúde, sendo os profissionais que ali atuam a base para o funcionamento e desenvolvimento dos serviços prestados para a população. Desse modo, identificar a satisfação e insatisfação dos profissionais que atuam na base do sistema é relevante e necessário na medida em que os níveis de satisfação influenciam na atuação cotidiana das equipes.7

Com base no exposto, o presente estudo teve como objetivo identificar os fatores que contribuem para a satisfação e a insatisfação dos profissionais de saúde que atuam na Atenção Primária a Saúde (APS).

MÉTODO

Trata-se de um estudo de revisão integrativa8 desenvolvida para responder à questão de pesquisa: quais os fatores de satisfação e insatisfação dos profissionais da saúde na Atenção Primária à Saúde?

Posteriormente foram escolhidas as palavras-chave em inglês existentes no Medical Subject Headings (MESH), agrupadas de forma a esgotar todas as possibilidades e prover maior especificidade à busca, com o auxílio dos operadores booleanos AND e OR. A estratégia de busca definida foi Job satisfaction AND personal satisfaction AND (Health Personnel OR health workers) AND Primary Health Care, todas com o item All Fields selecionado nas bases de dados que o admitiam. Para a base de dados SciELO foi utilizado o agrupamento de palavras chave: Job satisfaction AND dissatisfaction AND Primary Health Care.

As bases de dados definidas foram PubMed (Public/Publish Medline), Scopus (The largest base of abstracts and references from peer-reviewed scientific literature), PsycINFO (American Psychological Association base), Web of Science, LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências Sociais), CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature) e SciELO (Scientific Eletronic Library Online).

Os estudos incluídos foram artigos com resumos disponibilizados em inglês, espanhol ou português. Quanto ao recorte temporal foram incluídos estudos que datam a partir do ano de 1972, data da indicação do termo personal satisfaction, a setembro de 2017. Os critérios de exclusão foram os artigos que não dispuseram texto na íntegra, duplicidade, literatura cinza.

Inicialmente foi realizada a leitura dos resumos dos artigos captados na busca das bases de dados para identificação das palavras chaves, os artigos que não as continham foram excluídos do estudo. Posteriormente, os artigos que se repetiram, que não estavam disponíveis na íntegra ou em formato de artigo como monografias e os que estavam redigidos em outra língua que não o inglês, português ou espanhol foram excluídos. Os estudos restantes após passarem pelos filtros de inclusão e exclusão foram selecionados para análise.

Na terceira etapa, para a definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados, contou-se com auxílio do software Atlas.ti, que oportunizou a seleção dos trechos significativos (quotations) nos artigos incluídos na revisão. A cada quotation foi atribuído um code (codificação) e estes foram posteriormente agrupados (code groups), processo que auxiliou na elaboração de categorias de análise.9 A análise dos dados foi realizada com base nos preceitos da análise de conteúdo temática, agrupando os fatores de insatisfação e satisfação por ordem de categorias que levou em conta os códigos selecionados e o objetivo da pesquisa.10

RESULTADOS

A partir da estratégia inicial de busca identificou-se 404 estudos, estes foram submetidos a uma primeira seleção que contemplou a leitura do título e resumo para identificação das palavras satisfaction, dissatisfaction, primary health, resultando em 114 artigos. Por seguinte, foram retirados os artigos repetidos e que não possuíam texto na íntegra, o que resultou em 63 artigos que fizeram parte desta análise. A Figura 1demonstra o processo de obtenção dos estudos.

Figura 1 -
Diagrama da seleção de artigos para a revisão integrativa. Criciúma, SC, Brasil, 2017. (n=63)

Os 63 estudos foram realizados em 19 locais diferentes, sendo nos Estados Unidos (16), Brasil (8), Espanha (6), Israel (4), Suíça (3), África do Sul (3), Inglaterra (3), Finlândia (2), China (2), Holanda (2), Turquia (2), Austrália (2), Canadá (2), Cuba (2), Portugal (2), Estônia (1), Iraque (1), Irã (1) e Itália (1). A linha cronológica de publicação foi entre 1973 a 2017, com predomínio entre os anos de 2014 e 2015 com mais de 23% dos estudos (13).

Dos 63 artigos, 30 possuíam em seus resultados fatores de satisfação e insatisfação, 19 continham apenas fatores de satisfação e 14 relataram apenas fatores de insatisfação. Os resultados permitiram identificar 206 quotations de fatores de satisfação e 174 quotations de fatores de insatisfação explanados nos artigos.

O processo analítico, pautado na codificação dos fatores promotores de satisfação e insatisfação na APS, permitiu a divisão em 4 categorias temáticas, a saber: carreira dos trabalhadores, que agregou códigos correspondentes à aspectos profissionais da rotina de trabalho; infraestrutura, no qual foram incluídos fatores relacionados ao ambiente físico de trabalho, aspectos materiais e insumos; aspectos psicossociais, que abarcou questões internas do profissional de saúde e a influência de questões sociais, e relacionamento interpessoal, em que foram inseridos códigos que abrangiam fatores pautados na relação do profissional com seus colegas de trabalho, com os pacientes, usuários do serviço e/ou familiares.

Um aspecto importante é que os diversos fatores podem ser promotores de satisfação e insatisfação dos profissionais na APS. Isso dependerá das situações políticas e de gestão que cada profissional encontra e seu local de atuação. A Tabela 1ilustra a relação entre as categorias e macro categorias e o número de quotations relacionadas às mesmas:

Tabela 1 -
Relação das categorias e macros categorias de acordo com o número de quotations. Criciúma, SC, Brasil, 2017.

Categoria	Macro categoria
	Satisfação	Insatisfação
Carreira dos trabalhadores	95	80
Relacionamento Interpessoal	44	23
Infraestrutura	38	41
Aspectos Psicossociais	29	30
Total	206	174

A categoria carreira dos trabalhadores englobou a maior quantidade de fatores tanto de satisfação quanto de insatisfação, sendo os fatores que geram satisfação: característica das tarefas (13), salário (12), autonomia (10), variedade do trabalho (10), educação continuada (10), receber supervisão e orientação (8), horário de trabalho (7), carga de trabalho (6), participar de treinamentos (3), oportunidade de crescimento (3), gostar do que faz (3), responsabilidade profissional (2), estimulação intelectual (2), baixo impacto emocional do trabalho (2), ajudar as pessoas (2), complexidade do cuidado (1) e trabalhar em equipe multiprofissional (1).

De forma polarizada, os fatores que causam insatisfação na carreira dos profissionais de saúde são: salário (19), carga de trabalho (19), carga horária (13), baixa oportunidade de crescimento e desenvolvimento profissional (9), falta de autonomia (6), pouco incentivo à educação continuada (6), excesso de atividades administrativas (5), ausência de orientação (1), pouco contato com os pacientes (1) e turnover (1).

Os fatores associados ao relacionamento interpessoal surgem em segundo lugar para satisfação profissional e diferentemente da categoria anterior, destoa sendo o menos citado como gerador de insatisfação. Os fatores de satisfação citados foram: relação com os colegas de trabalho (17), qualidade da interação com os pacientes (14), trabalho em equipe (7), comunicação estabelecida com colegas e com os pacientes (4), respeito do paciente (1) e clima de trabalho (1).

Os fatores relacionais geradores de insatisfação, apesar de citados em menor quantidade, ainda demonstram algumas contradições, sendo eles: problemas com a gestão (5), interação com os pacientes (5), interação com os colegas (4), dificuldade no trabalho em equipe (3), comunicação estabelecida com os colegas de trabalho (3), falta de apoio (2) e isolamento profissional (1).

A categoria infraestrutura surge como segundo maior fator de insatisfação, contudo, também foi amplamente citado como fator de satisfação. Os fatores de satisfação citados nessa esfera foram divididos em dois eixos: questões macro e questões trabalhistas. O primeiro eixo engloba o funcionamento do serviço (14), condições de trabalho (9), regulamento do serviço (4), a capacidade da rede de saúde (3), equidade e qualidade na prestação dos serviços (2); o segundo eixo integra seguro médico (1), seguro aposentadoria (1), seguro desemprego (1), subsídio de habitação (1), subsídio de transporte (1) e seguro de lesões (1).

Os fatores citados como geradores de insatisfação no campo da infraestrutura foram: condições de trabalho inadequadas (14), insuficiência de estrutura, materiais e recursos humanos (12), falta de segurança (5), organização do ambiente de trabalho (5), falta de equipe qualificada (3), necessidade de um centro de referência com especialidades (1) e falta de manutenção das unidades (1).

Na categoria temática aspectos psicossociais os fatores de insatisfação se sobressaíram aos fatores de satisfação, sendo mais citados nos estudos analisados. Os fatores de satisfação enquadram: reconhecimento social (6), recompensas pessoais (6), prestígio (5), tempo de lazer com a família (5), orgulho da profissão (3), realização profissional (2) e sentir que faz a diferença (2).

Como influenciadores de insatisfação psicossocial dos profissionais surgem: falta de reconhecimento (15), pouca manutenção pessoal (3), baixa realização pessoal (2), pouco tempo de lazer (2), stress (2), exaustão emocional (2), altas demandas psicológicas (2), poucas horas de sono (1) e ansiedade (1).

Com base nos extensos conteúdos gerados pela análise e da revisão integrar de forma ampla os artigos publicados nas últimas décadas relacionados à temática, a discussão será embasada e fundamentada com os 63 artigos integrantes da revisão.

DISCUSSÃO

Carreira dos trabalhadores

A carreira corresponde à rotina prática dos profissionais, sendo o fator mais frequentemente citado com relação à essa esfera o salário/remuneração recebida pelo serviço prestado. De forma divergente, salário aparece no topo de ambas as questões: satisfatórias e insatisfatórias. O salário, em conjunto com demais fatores é um dos grandes motivadores dos profissionais da saúde, percebeu-se que quando há satisfação com o salário e quando a instituição possui um plano de carreira e de salários o profissional se sente valorizado e motivado a exercer sua profissão, o que contribui inclusive para melhora da sua qualidade de vida,11^-12 assim, a insuficiência do salário representa um importante influenciador de insatisfação, corroborando a importância desse fator para a gestão de saúde.13^-14

Alguns estudos evidenciam que a autonomia em executar suas atividades profissionais representa a confiança dos gestores e dos colegas de trabalho, ainda, simboliza que os mesmos conhecem suas funções e suas responsabilidades, permitindo que cada profissional amplie seu papel e planeje seu dia de trabalho conforme considere relevante.15^-16 Contudo, a falta de autonomia enquanto fonte de insatisfação aparece devido a necessidade de buscar autorização para decisões clínicas e a negação de cuidados,17 surge associada ao estresse, trabalho excessivo e principalmente ao baixo salário.18

A oportunidade de Educação Continuada é considerada importante fator de satisfação, sendo concebida como um importante fator para o desenvolvimento profissional, pois agrega na prática diária do exercício ocupacional, mas principalmente renova o entusiasmo com suas funções, ainda, para alguns profissionais a educação continuada é um dos poucos fatores positivos do local de trabalho.19^-20

De forma inversa, o pouco incentivo à educação continuada associada à ausência de orientação acarreta na baixa oportunidade de crescimento e/ou desenvolvimento profissional.21^-22 Ou seja, a falta de investimento nos profissionais de saúde, seja investimento para desenvolvimento profissional ou o não investimento na confiança de que ele possui capacidade para realizar tarefas e desenvolver papéis, torna o profissional insatisfeito com seu trabalho.

Os treinamentos recebidos e a possibilidade de receber supervisão e orientação são fatores de satisfação importantes. Os treinamentos permitem aos profissionais da saúde acompanhar as atualizações na área de trabalho e, por conseguinte, o desenvolvimento profissional,23 logo, a oportunidade de crescimento pessoal e profissional surge como consequência da participação de treinamentos.23^-24

O suporte recebido tanto da gestão quanto dos colegas corresponde a um alto nível de satisfação, estando relacionado ao clima de trabalho e associado à disponibilidade da equipe de profissionais para seus membros.25 Contrastante, a falta de tempo para receber e dar orientações com os demais membros da unidade gera insatisfação por dificultar o trabalho em equipe e fragmentar as atuações.22

O horário de trabalho encontra-se entre os fatores de satisfação mais recorrentes na carreira dos profissionais da APS, aparece a satisfação em trabalhar no período matutino e vespertino, sendo citado principalmente por profissionais que já trabalharam por algum tempo no período noturno.26 No entanto, a insatisfação com a carga horária de trabalho é ainda mais encontrada entre os profissionais da saúde, sendo excessiva e associada à alta demanda das unidades, situação que interfere inclusive no tempo e contato que os profissionais dispendem com cada paciente/usuário do serviço.27^-29

As responsabilidades que possuem no trabalho aparecem em sua faceta de carga/quantidade de trabalho e como responsabilidade pela vida de outros sujeitos, ou seja, relacionada a resultados eficazes no trabalho prestado, são considerados motivos de satisfação para os trabalhadores da saúde devido sua responsabilidade profissional em ajudar as pessoas.30

Entretanto, a carga de trabalho se mostra excessiva e, portanto, causadora de insatisfação para grande parte dos profissionais. O excesso de carga de trabalho muitas vezes está associado a mudanças políticas e/ou de gestão, principalmente devido a cortes de gastos, acarretando em acúmulo de tarefas para os profissionais remanescentes no serviço, contudo, também pode estar associada à má distribuição das funções entre os profissionais.31^-33

No entanto, as características das tarefas realizadas e a variedade de trabalho surgem de forma ampla nos artigos, citados apenas como fonte de satisfação, pois proporcionam estimulação intelectual aos profissionais.34 Devido à variedade das demandas na APS exige-se que os profissionais guiem sua prática conforme as necessidades da área, dessa forma, associado à autonomia de escolha sobre o método a ser utilizado.30^,35 Ainda, as características das tarefas representam o cotidiano da instituição, ou seja, a rotina do profissional, e possui ligação direta com a satisfação do profissional pelo seu trabalho.36

A complexidade do cuidado realizado é abordado como um fator de satisfação na medida em que permite que o profissional novamente exerça sua autonomia para definir as práticas de cuidado a serem realizadas.37 Estando também associado a gostar do que faz, principalmente pela percepção da importância que o trabalho prestado têm na vida dos pacientes e usuários do serviço,15^,38 bem como ao baixo impacto emocional que o trabalho na APS gera aos profissionais, se comparado ao trabalho nos cuidados secundários, como no ambiente hospitalar.28^-31

Contudo, o excesso de atividades administrativas proporciona o efeito oposto, ou seja, acarreta no pouco contato com os pacientes.17 Dessa forma, muitos estudos abordam a insatisfação dos profissionais de saúde que precisam realizar o trabalho administrativo de sua unidade, estendendo a lista das tarefas que muitas vezes já é excessiva.34^,39 Essas questões insatisfatórias influenciam no turnover (alta rotatividade de profissionais na APS), sendo este também um dos fatores de insatisfação dos profissionais, pois dificulta a continuidade do trabalho em equipe.40

De forma complementar à importância do trabalho em equipe, os profissionais demonstraram satisfação em trabalhar em equipe intersetorial e multiprofissional na medida em que essa prática possibilita maior abrangência na prestação de cuidados, mas também por ser um fator que implica na realização de reuniões com a equipe multiprofissional e nas demais instituições da rede, ou seja, envolvendo também fatores de relacionamento interpessoal.35^,41

Relacionamento interpessoal

O fator de satisfação mais amplamente citado dentro da temática relacionamento interpessoal se trata da relação com os colegas de trabalho, visto que além de motivar o profissional, contribui para a manutenção do quadro profissional e do serviço e diminui o clima de tensão no ambiente de trabalho.19^,42 Assim como uma comunicação adequada e positiva entre os colegas permite que os profissionais se sintam mais satisfeitos com seus trabalhos, principalmente devido à relação entre a comunicação eficaz e a relação interpessoal, igualmente diminuindo a tensão e tornando o ambiente ocupacional agradável.43

De forma inversa, a interação e comunicação com os colegas apresentam-se como importantes aspectos para a compreensão da insatisfação dos profissionais de saúde,44 pois geram a exclusão do profissional, especialmente na tomada de decisões e ainda dificultam a cooperação entre membros da equipe.45

Por conseguinte, uma importante questão interpessoal que influencia na insatisfação dos profissionais da saúde é a dificuldade no trabalho em equipe. Há relatos de profissionais sobre o cotidiano de trabalho nas instituições de saúde, remetendo ao pouco comprometimento de alguns colegas, que acaba por influenciar o trabalho de toda a equipe, dificultando a realização do trabalho de forma integrada e causando insatisfação aos profissionais.27

Em contraponto, o trabalho em equipe foi igualmente citado como um importante fator de satisfação,27^,46 sendo que o mesmo possibilita o funcionamento adequado do serviço, pois auxilia aos profissionais para que tomem atitudes resolutivas. Dessa forma, além de tornarem os profissionais mais satisfeitos, a população que usufrui do serviço também se satisfaz com os atendimentos prestados.

Posteriormente, a qualidade da interação e comunicação com os pacientes é apontada como importante fator de satisfação para os profissionais, pois o trabalho com saúde envolve contato e vínculo entre os atores envolvidos no processo, especialmente profissional e usuário, pois a relação estabelecida entre ambos influencia no comportamento do trabalhador e no comprometimento do usuário, e, portanto, na resolutividade da assistência prestada.27^,43 A interação com os pacientes surge como fator de insatisfação quando a postura do usuário do serviço perante o profissional é agressiva e/ou impaciente.47^-48

Inclusive, o respeito dos pacientes é abordado como um importante fator de satisfação para os profissionais da saúde, principalmente quando há inúmeros fatores de insatisfação no ambiente de trabalho, como a falta de subsídios e benefícios do governo e demais condições de trabalho insatisfatórias.49

Os problemas com a liderança e/ou gestão constam como o principal fator de insatisfação, marcado principalmente pela dificuldade de compreensão da forma de atuação do profissional e a exclusão dos profissionais na tomada de decisões, situações estas, que influenciam negativamente na rotina do trabalho e consequentemente na satisfação do profissional em trabalhar em determinando ambiente.27^,47^-48^,50

De forma complementar, tanto os problemas com gestores, quanto as dificuldades com os colegas de trabalho acabam influenciando na exclusão do profissional, situação que acarreta isolamento. Essas circunstâncias diminuem ainda mais a comunicação estabelecida, a interação e até mesmo o crescimento profissional.51

A falta de apoio citada por profissionais da saúde envolve o excesso de carga de trabalho e está diretamente ligada à realização profissional, pois na medida em que a demanda exige um apoio que o profissional não recebe, o mesmo busca aumentar seu desempenho devido à grande demanda, causando a diminuição de seu entusiasmo pessoal e aumento da insatisfação.52

Por fim, o clima de trabalho se trata de um importante aspecto das organizações e é produzido conjuntamente entre os profissionais do ambiente organizacional, dessa forma é influenciador na satisfação, motivação e desempenho. Dessa maneira, mesmo que a estrutura física do ambiente seja falha, o clima do lugar é satisfatório para os profissionais.25

Infraestrutura

Na categoria temática infraestrutura encontram-se dois eixos distintos referentes a questões de infraestrutura, o primeiro eixo está relacionado a questões macro, como a capacidade da rede de saúde19 e o regulamento do serviço, mas principalmente questões de funcionamento. O bom funcionamento dos processos dentro das instituições de saúde representa a resolutividade do serviço prestado, propiciando além da satisfação do profissional, a satisfação dos usuários do serviço.26^-27

As condições de trabalho são abordadas como fatores de satisfação, pois influenciam na saúde dos profissionais e na forma como atuam.53^-54 Está relacionada principalmente à oportunidade de trabalhar com equipamentos de qualidade, considerando que o mesmo possibilita maior qualidade nos cuidados prestados.55

Contudo, as condições de trabalho surgem ainda mais fortes enquanto fontes de insatisfação profissional, que perpassam por várias outras questões como os aspectos físicos do ambiente, às características das tarefas desempenhadas e características institucionais, tendo como consequência a insatisfação do profissional.44^,56^-57

A insuficiência da estrutura da unidade, de materiais e inclusive de profissionais são pontos relacionados as condições de trabalho igualmente citados como fontes de insatisfação, assim como a falta de manutenção das unidades, pois prejudicam a atuação e interferem no cotidiano, gerando os pontos de insatisfação citados na categoria carreira, como por exemplo, excesso de carga de trabalho.22

A falta de organização do ambiente influencia na insatisfação dos profissionais de saúde na medida em que acarreta excesso de trabalho, enquanto um ambiente de trabalho organizado torna a atuação mais ágil e efetiva.55 A organização se entende para além das paredes das unidades, sendo que a falta de segurança gera insatisfação aos profissionais, pois está relacionada à preocupação com sua segurança pessoal e a segurança dos usuários do serviço.23

Ainda, a capacidade da rede é considerada fator de satisfação para os profissionais da APS visto que demonstra que a demanda recebeu o atendimento e/ou encaminhamentos necessários.19 Entretanto, alguns profissionais mencionam que a falta de um centro de referência com especialidades médicas com sistema de referência e contra referência dificulta a prática dos profissionais e aumenta o nível de insatisfação dos mesmos.58

Importante questão marcada pelos profissionais da saúde está relacionada aos regulamentos do serviço, quanto menor a complexidade desses regulamentos, maior a satisfação dos profissionais, considerando que o excesso de burocracia está associado ao aumento de funções.59

Por outro viés, a equidade e qualidade na prestação dos serviços são identificadas pelos profissionais com relação aos tratamentos desenvolvidos com pacientes dependentes químicos, com depressão e obesidade, sendo a eficácia dos tratamentos importante fator de satisfação.60^-61 No entanto, a falta de uma equipe qualificada influencia na qualidade dos atendimentos e também na insatisfação dos profissionais, principalmente em razão à falta de treinamentos e capacitações no momento de entrada do profissional no serviço de saúde. Essas questões podem estar interligadas a falta de organização da instituição e/ou da rede, e ser um grande obstáculo para a prática profissional.47^,62

As demais questões citadas como fatores de satisfação com a infraestrutura estão relacionadas a questões trabalhistas do sistema, considerados benefícios pessoais como: seguro médico, seguro aposentadoria, seguro desemprego, subsídio de habitação, subsídio de transporte e seguro de lesões, isto é, questões básicas considerando questões legais e trabalhistas.49

Aspectos psicossociais

Na categoria psicossocial o fator reconhecimento foi o mais citado como causador de satisfação, no entanto de forma mais contrastante como fator de insatisfação. A satisfação do reconhecimento surge proveniente da comunidade e dos colegas de trabalho, sendo considerados os elogios e a percepção da importância de sua função como formas de demonstrar o reconhecimento de seu papel, acarretando na satisfação do profissional.42^,63^-64

Enquanto a falta de reconhecimento é uma grande fragilidade da rede em saúde e que gera insatisfação aos profissionais envolvidos. Para alguns, está relacionada à centralidade do médico como "detentor do saber” no âmbito da saúde, além da visão de que por ser um serviço público, o serviço ofertado pelos profissionais é de baixa qualidade.13^,27^,30^,55

O reconhecimento também possui relação com o prestígio social e recompensas pessoais, a renda possui importante papel na satisfação dos médicos da atenção primária e é associada ao prestígio adquirido. As recompensas pessoais do trabalho na APS estão ligadas principalmente ao maior tempo de lazer com a família e para outras atividades.31^,65

De forma oposta, alguns profissionais relatam o pouco tempo de lazer e para o cuidado pessoal decorrente do excesso de trabalho, que os desvia dos cuidados consigo mesmo e com sua família, inclusive, gerando poucas horas de sono, estresse excessivo e causando a alguns profissionais problemas de saúde, como por exemplo, ansiedade.17^,44^,66 Todas essas questões afetam a realização pessoal e profissional e se mostrou um importante fator de insatisfação.13

No entanto, a realização pessoal surge também como fator de satisfação associada ao orgulho pela profissão. Questões que superam inclusive as maiores dificuldades enfrentadas no cotidiano de trabalho, tornando-os satisfeitos com seus papéis profissionais, ou no mínimo, fortalecidos para continuar a atuação.45 Ainda, os critérios de realização individual correspondem a influência positiva na vida de outras pessoas através do trabalho realizado, gerando entusiasmo pela função exercida, o que acaba por estimular a satisfação profissional.67

O estresse está interligado à exaustão emocional e como já citado, ao não reconhecimento do potencial de trabalho dos profissionais da atenção primária pública, por sua vez, o excesso de trabalho devido questões políticas-administrativas-financeiras acarretam uma maior carga horária e intensifica o estresse. Por conseguinte, a alta demanda psicológica pode causar no profissional de saúde sentimentos de inadequação e de incapacidade, aumentando o nível de insatisfação.68

A exaustão emocional apresentada como um fator de insatisfação pode estar associada ao Burnout, deixando clara a relevância de buscar identificar a satisfação e insatisfação dos profissionais de saúde, considerando a complexidade do quadro patológico de insatisfação com o trabalho, pois afeta também a forma como acontece os atendimentos, podendo acarretar na não adesão ou desistência do mesmo por parte do paciente.69^-72

Outra importante questão se trata da ansiedade gerada nos profissionais por serem protagonistas de sua prática profissional, relacionada com a dificuldade do trabalho em equipe, pois muitas vezes a equipe não se reconhece enquanto coletivo, o que faz com que os profissionais atuem isoladamente,73^-74 situação que influencia na sobrecarga de trabalho, e dessa forma, os fatores citados pelos profissionais se interconectam e intensifica-se a insatisfação.

As limitações do presente estudo se encontram na barreira de espaço para uma ampla discussão acerca do tema, considerando os resultados. Bem como, as dificuldades de categorização dos fatores encontrados devido suas conexões e co-ocorrências entre as categorias. Sugere-se a ampliação da pesquisa para estudos publicados em outras línguas e em outros formatos, além de artigos.

CONCLUSÕES

O desenvolvimento de aspectos relacionadas a carreira profissional contribui significativamente em especial para satisfação, seguido de relacionamento interpessoal que influencia na dinâmica do serviço, da equipe e na atuação do profissional no serviço e em outros espaços, como no ambiente familiar. Os aspectos psicossociais dos profissionais foram fatores também destacados e que necessitam ser mais aprofundados, uma vez que se referem à forma como cada sujeito é afetado pelas questões do âmbito profissional. Já a infraestrutura surgiu como um elemento propulsor predominante para insatisfação, mas também potente para atuar como aspectos satisfatórios na APS. Os fatores promotores de satisfação e insatisfação na APS são ambíguos, ou seja, os mesmos fatores podem ser promotores da satisfação profissional, além de estarem conectados e presentes em âmbito mundial, ultrapassando as fronteiras territoriais.

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NOTAS

• FINANCIAMENTO

  Edital número 15/2017 do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) em convenio com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  25 Jan 2021
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  19 Maio 2018
• Aceito
  11 Mar 2019