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SOFRIMENTO DE PACIENTES COM CÂNCER EM QUIMIOTERAPIA NEUROTÓXICA: UMA ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA

RESUMO

Objetivo:

desvelar experiências de pacientes com câncer que se submeteram à terapia com quimioterápicos neurotóxicos.

Método:

estudo qualitativo, fundamentado na fenomenologia, realizado com nove pacientes adultos em tratamento com antineoplásicos neurotóxicos, entrevistados em junho e julho de 2018. Os depoimentos foram analisados segundo o modelo empírico-compreensivo.

Resultados:

foram reveladas as categorias: com os nervos à flor da pele - percepção das limitações provocadas pela dor neuropática induzida pela quimioterapia; a quimioterapia que acaba com a minha energia; o sofrimento de recomeçar; o sofrimento de suportar; sozinho, em um deserto, ouvi o grito do meu silêncio; quimioterapia - uma infusão de esperança; e, não há sofrimentos na terra que o céu não possa curar.

Conclusão:

o estudo apresentou vários significados de sofrimento que emergem da experiência com o tratamento neurotóxico, relatando que muitas das dimensões do sofrimento interpenetram-se, sendo impossível dissociá-las.

DESCRITORES:
Estresse psicológico; Quimioterapia combinada; Neoplasias; Neuropatia de pequenas fibras; Pesquisa qualitativa

ABSTRACT

Objective:

reveal experiences of cancer patients undergoing neurotoxic chemotherapy.

Method:

phenomenology-based, qualitative study, carried out with nine adult patients in antineoplastic neurotoxic treatment, interviewed in June and July 2018. The testimonies were analyzed using an empirical comprehensive model.

Results:

the following categories were delineated: nerves on edge: perception of limitations caused by neuropathic pain induced by chemotherapy; chemotherapy drains me of energy; the suffering of starting again; the suffering of enduring it; alone in a desert, I heard the cry of my silence; chemotherapy: an infusion of hope; and there is no suffering on earth that heaven cannot heal.

Conclusion:

the study presented various meanings of suffering that emerge from experiences with neurotoxic treatment and found that many dimensions of suffering interpenetrate, making it impossible to disassociate them.

DESCRIPTORS:
Psychological stress; Combined chemotherapy; Neoplasms; Small fiber neuropathy; Qualitative study

RESUMEN

Objetivo:

revelar experiencias de pacientes con cáncer que se sometieron a terapia con quimioterápicos neurotóxicos.

Método:

Estudio cualitativo fundamentado en la fenomenología, realizado con nueve pacientes adultos tratados con antineoplásicos neurotóxicos, entrevistados entre junio y julio de 2018. Los testimonios fueron analizados según el modelo empírico-comprensivo.

Resultados:

se determinaron las categorías: Con los nervios a flor de piel -percepción de limitaciones provocadas por el dolor neuropático inducido por la quimioterapia-, La quimioterapia que acaba con mi energía; El sufrimiento de recomenzar; El sufrimiento de soportar; Solo, en un desierto, oí el grito de mi silencio; Quimioterapia -una infusión de esperanza-; y No hay sufrimiento en la tierra que el cielo no pueda curar.

Conclusión:

el estudio presentó varios significados de sufrimiento que surgen de la experiencia con el tratamiento neurotóxico, manifestando que muchas de las dimensiones del sufrimiento se entrecruzan, siendo imposible disociarlas.

DESCRIPTORES:
Estrés psicológico; Quimioterapia combinada; Neoplasias; Neuropatía de fibras pequeñas; Investigación cualitativa

INTRODUÇÃO

O sofrimento pode ser definido como um complexo estado afetivo-cognitivo negativo, caracterizado pela sensação de ameaça à integridade do indivíduo e pelo sentimento de impotência e esgotamento dos recursos pessoais que lhe permitiriam enfrentar essa ameaça.11. Chapman CR, Gavrin J. Suffering: the contributions of persistent pain. Lancet [Internet]. 1999 [cited 2018 Aug 25]; 353(9171):2233-7. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(99)01308-2
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Para portadores de câncer, o sofrimento tem múltiplas causas, e estas variam segundo o momento vivenciado, podendo abarcar desde a espera do diagnóstico e estadiamento à fase de tratamento e paliação.

Com o intuito de lidar com o sofrimento, os pacientes oncológicos utilizam diferentes estratégias de enfrentamento. A esse processo aplica-se o conceito de coping: compreendido como o conjunto de esforços cognitivos e comportamentais de um indivíduo para o gerenciamento de demandas estressoras, avaliadas como excedendo sua capacidade adaptativa.22. Folkman S, Lazarus RS, Dunkel-Schetter C, DeLongis A, Gruen RJ. Dynamics of a stressful encounter: cognitive appraisal, coping, and encounter outcomes. J Pers Soc Psychol [Internet]. 1986 [cited 2018 Aug 29];50(5):992-1003. Available from: https://doi.org/10.1037/0022-3514.50.5.992
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Se tais recursos convergirem à dimensão religiosa e/ou espiritual são denominados coping religioso e espiritual. Analisando esta associação, a espiritualidade emerge como uma maneira singular de experienciar um senso de conexão com os outros, com a natureza e/ou um poder superior que dá sentido à existência e transcende ao próprio sofrimento.33. Weathers E, McCarthy G, Coffey A. Concept Analysis of Spirituality: An Evolutionary Approach. Nurs Forum [Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 29];51(2):79-96. Available from: https://doi.org/10.1111/nuf.12128
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Dados da literatura mostram que esse fenômeno tem sido pouco reportado e tratado em unidades de atenção oncológica. Dentre as barreiras para o seu não reconhecimento destacam-se o fato de os pacientes não se sentirem confortáveis para falar sobre a sua angústia, medo de serem estigmatizados ao receber atendimento psicoterápico e assumir que o profissional pode não ter disponibilidade e competência para lidar com questões psicológicas.44. Han D-Y, Lin Y-Y, Liao S-C, Lee M-B, Thornicroft G, Wu C-Y. Analysis of the barriers of mental distress disclosure in medical inpatients in Taiwan. Int J Soc Psychiatry [Internet]. 2015 [cited 2018 Aug 28];61(5):446-55. Available from: https://doi.org/10.1177/0020764014552865
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Torna-se importante, por conseguinte, compreender as experiências com o sofrimento que o doente sob quimioterapia (QTA) vivencia, pois estudos as têm relacionado a impactos significativos na qualidade de vida55. Singh H, Kaur K, Banipal S, Singh S, Bala R. Quality of life in cancer patients undergoing chemotherapy in a tertiary care center in Malwa Region of Punjab. Indian J Palliat Care [Internet]. 2014 [cited 2018 Aug 17];20(2):116-22. Available from: https://doi.org/10.4103/0973-1075.132627
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e à incidência e severidade de efeitos adversos.66. Grassi L, Berardi MA, Ruffilli F, Meggiolaro E, Andritsch E, Sirgo A, et al. Role of psychosocial variables on chemotherapy-induced nausea and vomiting and health-related quality of life among cancer patients: A European study. Psychother Psychosom [Internet]. 2015 [cited 2018 Aug 17];84(6):339-47. Available from: https://doi.org/10.1159/000431256
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Ademais, são parcos os estudos que se debruçam sobre o tema no contexto da QTA, visto que grande parte investiga experiências de pacientes fora de possibilidades terapêuticas.

Quando aplicada em ciclos repetitivos, a QTA pode ocasionar significativa toxicidade e efeitos indesejáveis,77. Cherwin C, Kwekkeboom K. Prevalence, duration, severity, and distress of chemotherapy-related gastrointestinal symptoms in patients with a hematologic malignancy. Oncol Nurse Forum [Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 23];43(5):561-71. Available from: https://doi.org/10.1188/16.ONF.43-05AP
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como neuropatia periférica, que se distingue por ser um efeito secundário grave, estando associado a vários agentes antineoplásicos rotineiramente empregados no tratamento oncológico. Quimioterápicos derivados da platina, taxanos, alcaloides da vinca e bortezomib são indicados frequentemente como parte de um protocolo padrão no combate a diversos tipos de câncer, podendo causar danos transitórios ou permanentes, com uma prevalência que varia de 16 a 95%, cujos principais sintomas são parestesias, alterações cognitivas, disestesia por exposição ao frio, dormência, dificuldade para segurar objetos, dor e perda de reflexos tendinosos profundos. A morbidade associada a estes efeitos adversos podem incorrer em incapacidades físicas, alterações mentais, risco de quedas, redução da dose dos fármacos e interrupção do tratamento.88. Carozzi VA, Canta A, Chiorazzi A. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy: What do we know about mechanisms? Neurosci Lett [Internet]. 2015 [cited 2019 Aug 30];596:90-107. Available from: https://doi.org/10.1016/j.neulet.2014.10.014 .
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-1111. Hsu SY, Huang WS, Lee SH, Chu TP, Lin YC, Lu CH, et al. Incidence, severity, longitudinal trends and predictors of acute and chronic oxaliplatin-induced peripheral neuropathy in Taiwanese patients with colorectal cancer. Eur J Cancer Care (Engl) [Internet]. 2019 [cited 2019 Aug 30]; 28(2):e12976. Available from: https://doi.org/10.1111/ecc.12976
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Embora estudos recentes tenham avançado na identificação de preditores,1111. Hsu SY, Huang WS, Lee SH, Chu TP, Lin YC, Lu CH, et al. Incidence, severity, longitudinal trends and predictors of acute and chronic oxaliplatin-induced peripheral neuropathy in Taiwanese patients with colorectal cancer. Eur J Cancer Care (Engl) [Internet]. 2019 [cited 2019 Aug 30]; 28(2):e12976. Available from: https://doi.org/10.1111/ecc.12976
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instrumentos de medida e intervenções para reduzir o dano,1010. Izgu N, Ozdemir L, Bugdayci Basal F. Effect of aromatherapy massage on chemotherapy-induced peripheral neuropathic pain and fatigue in patients receiving oxaliplatin: an open label quasi-randomized controlled pilot study. Cancer Nurs [Internet]. 2019 [cited 2019 Aug 30];42(2):139-147. Available from: https://doi.org/10.1097/NCC.0000000000000577
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-1111. Hsu SY, Huang WS, Lee SH, Chu TP, Lin YC, Lu CH, et al. Incidence, severity, longitudinal trends and predictors of acute and chronic oxaliplatin-induced peripheral neuropathy in Taiwanese patients with colorectal cancer. Eur J Cancer Care (Engl) [Internet]. 2019 [cited 2019 Aug 30]; 28(2):e12976. Available from: https://doi.org/10.1111/ecc.12976
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os impactos emocionais e psíquicos que surgem em decorrência da neuropatia periférica, ainda se constituem em uma importante lacuna na literatura. Neste contexto, esse referencial espelha os objetivos deste estudo porque reflete a percepção de pacientes recebendo agentes neurotóxicos não como um conjunto de alterações cinestésicas e sensoriais, compreendido pelo pensamento cartesiano como causalidade linear de estímulo-resposta, mas como uma atitude corpórea que traz luz à noção de percepção, imbricada de movimento e intencionalidade. Mediante o exposto, este estudo inédito objetiva desvelar as experiências de pacientes com câncer que se submeteram à terapia com quimioterápicos neurotóxicos.

MÉTODO

Trata-se de estudo qualitativo, fundamentado na fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty. Para o filósofo, o conhecimento se constrói a partir de uma ciência rigorosa, que é a busca das essências; destinada a retornar as coisas mesmas como parte de um mundo vivido, experimentado, porém não completamente acabado. Seu modelo teórico adicionou uma visão crítica e renovada à fenomenologia transcendental por contextualizar o conhecimento das essências em um espaço, tempo e mundo vivido.1212. Miyahara K, Witkowski O. The integrated structure of consciousness: phenomenal content, subjective attitude, and noetic complex. Phenomenal Cogn Sci [Internet]. 2019 [cited 2019 Sept 03];18(4):731-58. Available from: https://doi.org/10.1007/s11097-018-9608-5
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Considerado o “core” da fenomenologia, a intencionalidade pode ser compreendida como a direção da consciência para entender o mundo. Ao contrário de Husserl, a noção de intencionalidade em Merleau-Ponty é plasmada muito mais em um “eu posso” que em um “eu penso”. Esse potencial ativo reside no corpo próprio, veículo do ser no mundo e receptáculo da existência.1313. Sadala MA, Ferreira RC. Phenomenology as a method to investigate the experience lived: a perspective from Husserl and Merleau Ponty’s thought. J Adv Nurs [Internet]. 2002 [cited 2019 Aug 30];37(3):282-93. Available from: https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2002.02071.x
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Por meio dele, as modificações provocadas pela quimioterapia adquirem novos significados. Assim, para conhecer o modo como os pacientes interpretam os efeitos da terapia neurotóxica, bem como os aspectos sociais, culturais e históricos que giram em torno na experiência, seguiu-se a abordagem fenomenológica existencial, cuja principal questão se volta para como o homem constitui sentido em seu mundo.

A pesquisa se desenvolveu no ambulatório de QTA adulto de uma das unidades de um centro de referência para o ensino e controle do câncer no Brasil, localizado na cidade do Rio de Janeiro, RJ. Constituiu-se como população-alvo todos os pacientes em tratamento quimioterápico no local de estudo, em junho de 2018. Para determinação da amostra, de caráter intencional, foram considerados aqueles em seguimento há pelo menos três meses e apresentando condições mínimas para se expressar com palavras. Foram delimitados como critérios de exclusão pacientes em acompanhamento psiquiátrico, com performance status (PS) maior que 3, gravemente doentes e apresentando efeitos adversos agudos, como vômitos, diarreia e reações infusionais.

Os dados foram apreendidos em junho e julho de 2018 por entrevista fenomenológica, operacionalizada pelas seguintes questões disparadoras: “Quais sentimentos surgiram a partir da experiência com o tratamento quimioterápico?” e “Como você percebe a quimioterapia em sua vida?”. A inclusão de mais sujeitos foi suspensa por saturação teórica, isto é, quando os investigadores assumiram que novos temas ou tipos de enunciados não acrescentariam mais elementos para subsidiar a teorização almejada.1414. Nascimento LCN, Souza TV, Oliveira ICS, Moraes JRMM, Aguiar RCB, Silva LF. Theoretical saturation in qualitative research: an experience report in interview with schoolchildren. Rev. Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2020 Mar 01];71(1):228-33. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0616
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Assim, a amostra foi de nove depoentes, identificados, neste estudo, pela letra E, seguida de um numeral. O instrumento de coleta de dados foi um questionário semiestruturado contemplando dados relacionados à caracterização sociodemográfica e clínica dos participantes; e um roteiro contendo questões da entrevista fenomenológica. O investigador principal, estudante de mestrado e especialista em enfermagem oncológica, foi responsável por conduzir as entrevistas, realizadas na instituição onde presta assistência direta há 15 anos a pacientes realizando QTA. As entrevistas tiveram duração média de 45 minutos e ocorreram em uma sala sem ruído, destinada à consulta de enfermagem. Depois de gravadas em equipamento digital, foram duplicadas e arquivadas em um acervo eletrônico. Sua finalização ocorreu com a devolutiva aos participantes da compreensão do pesquisador sobre as experiências narradas e um agradecimento pela participação.

Para o delineamento deste estudo, procedeu-se à checagem da lista de verificações do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). Para manter o rigor, seguiram-se os critérios de credibilidade, transferibilidade, confiabilidade e potencial de confirmação sugeridos por Lincoln e Guba.1515. Lincoln YS, Guba EG. Naturalistic Inquiry. Beverly Hills, CA(US): Sage Publications; 1985. Desse modo, os dados foram coletados em momentos diferentes e triangulados a partir de fontes distintas, buscando-se uma variação máxima de participantes em termos de perfil sociodemográfico e clínico. A categorização dos dados foi realizada por três pesquisadores, a partir da transcrição literal e na íntegra dos áudios gravados. Com o propósito de obter uma descrição detalhada da experiência consciente, foram inclusas informações contextuais que revelassem a emoção presente no discurso dos sujeitos (pausas, silêncio, repetição de palavras, choro e mudanças de entonação). Para validação da análise, os pesquisadores revisaram suas interpretações e rastrearam dados que desafiassem a categorização mediante a busca de casos negativos.

Para aprimorar a qualidade dos dados, adotou-se o engajamento prolongado e a observação persistente.1616. Polit DF, Beck CH. Fundamentos de pesquisa em enfermagem. Avaliação de evidências para a prática de enfermagem. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 2018. Os dados foram coletados após consulta de enfermagem realizada pelo investigador a fim de fortalecer o vínculo com os participantes e romper as barreiras que impedissem o relato de experiências particulares. Sobre a última estratégia, acompanhar os participantes por pelo menos duas horas enquanto recebiam QTA, observando o modo como reagiam aos seus efeitos, possibilitou o registro em notas de campo e uma compreensão da experiência fora de alcance da linguagem verbal.

Os depoimentos foram analisados segundo o modelo empírico-compreensivo proposto por Amedeo Giorgi,1717. Giorgi A. Difficulties encountered in the application of the phenomenological method in the social sciences. Indo-Pacific J Phenomenology [Internet]. 2008 [cited 2019 Aug 30]; 8(1):1-9. Available from: https://doi.org/10.1080/20797222.2008.11433956
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mediante o emprego dos seguintes passos: (1) suspensão fenomenológica; (2) leitura aprofundada do conjunto de dados, com o propósito de apreender o sentido do todo; (3) discriminação das unidades de significado (US); (4) transformação da linguagem do depoente (US) em linguagem científica (insights psicológicos), mantendo o foco no fenômeno em evidência; (5) síntese e integração dos insights psicológicos em categorias analíticas; e (6) elaboração de uma intelecção condizente à área do conhecimento, assim, desvelando à comunidade científica a estrutura central e invariável da experiência investigada.

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade e da instituição cenário. Foram seguidas todas as recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, incluindo a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

RESULTADOS

Este estudo se baseou numa amostra de nove pacientes com câncer, heterogênea em termos de diagnóstico e protocolos de tratamento, sendo seis do sexo masculino e três do sexo feminino. A idade dos participantes variou de 44 a 77 anos. Todos os pacientes entrevistados realizaram tratamento com o bortezomib, taxanos ou derivados da platina, em regimes atuais ou prévios. A obtenção de notas de campo contribuiu para uma descrição densa e contextualizada dos resultados trabalhados.

As US transformadas e as categorias analíticas se encontram sumarizadas no Quadro 1.

Quadro 1 -
Insights psicológicos e categorias analíticas resultantes da análise fenomenológica dos depoimentos. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. (n=9)

Com os nervos à flor da pele: percepção das limitações provocadas pela dor neuropática induzida pela quimioterapia

Os pacientes que receberam antineoplásicos neurotóxicos, além de experienciarem os sofrimentos físicos gerados pela neuropatia periférica, enfrentaram o sofrimento de se sentirem limitados em suprir as próprias necessidades. Ao verem-se agrilhoados à convivência com os efeitos neurotóxicos do tratamento, lidaram não apenas com a redução de suas capacidades funcionais, mas, também, com uma sensação de inutilidade ao verem-se dependentes dos familiares para realizar atividades cotidianas.

A vida que você tinha antes, você não tem mais. Agora, você não pode fazer muita coisa. Você ficar dependendo dos outros é ruim [...]. Isto acontecia quando eu fazia a outra quimioterapia que me dava choque [neuropatia periférica sensitiva], aí eu dependia de minha irmã para pegar as coisas na geladeira. [...] As mãos dormentes limitam muito e impedem de fazer as coisas (E1).

Não caiu o cabelo, mas alguns efeitos colaterais aconteceram e me deixaram com os nervos à flor da pele. Eu estava com esta perna dormente, este pé aqui e o dedão doíam também. Com esse efeito, eu sinto que minha pele ficou lisa, sensível e queima. O pé incha (E9).

A quimioterapia que acaba com a minha energia

Esta categoria emergiu da angústia que os participantes descreveram quando viram seus níveis de energia progressivamente reduzidos pelos múltiplos ciclos de QTA. Eles revelaram o sofrimento com o emprego de esforços insuficientes para começar o dia, sair da cama, desenvolver e concluir atividades diárias. A potência física foi traduzida em volts, desvelando uma preocupação com os níveis de energia quando os limites e as capacidades funcionais eram ultrapassados, assim, provocando dispneia súbita. A submissão e rendição à fadiga trouxeram sentimentos de desesperança e medo que sua evolução terminasse em morte.

Meu organismo está ficando fraco, cada vez mais fraco. Remédios que vêm para matar o que não é bom, mas que também estão matando o que é bom. Eu estou ficando fraca, e vou chegar sabe onde? Até a morte (E3).

Acaba com o seu físico, com a sua coragem (E1).

Dá um pouco de falta de ânimo, vontade de fazer nada. Só dá vontade de ficar na cama (E4).

Esta inutilidade me deixa muito, muito, muito, muito preocupado. E, por quê? Porque eu sempre fui plugado no 440V, e hoje, no máximo, eu tenho que estar a 127V. Eu estou cada vez mais impedido de fazer as coisas, porque cada vez mais eu tenho falta de ar. Se eu fico quietinho, ótimo, mas a vida não é ficar só quietinho (E8).

O sofrimento de recomeçar

Após a QTA, muitos pacientes entram em períodos de controle clínico para monitorar a ausência, estabilidade ou progressão da doença. Ao término dos ciclos programados, começam a planejar um futuro com mais esperança. Quando surpreendidos pela recidiva da doença, os depoentes tiveram de lidar novamente com os mesmos efeitos tóxicos experimentados no início, desta vez, com o agravante de encarar suas chances de cura diminuídas, por consequência, com maior estresse psicológico. Em um contexto diferente, foi desvelado o sofrimento de recomeçar, quando a QTA padrão provocou neurotoxicidade impeditiva de continuidade do tratamento convencional, motivando a troca de protocolo.

[...] O médico até me falou que voltaria, só que a gente reza para não voltar. Eu estou indo para o terceiro ciclo de quimioterapia, e são mais e mais remédios. É de seis em seis meses fazendo quimioterapia […] (E3).

Eu acho que é um tipo de experimento cada vez que troca a quimioterapia. [troca de protocolo após neurotoxicidade grau 3] (depoente chora) (E1).

O sofrimento de suportar

A crença de que a doença segue um curso progressivo e irreversível a torna um mal quase irremediável, insidioso e altamente destruidor. Dessa maneira, os pacientes percebem a QTA como “um mal necessário”, pois encaram a doença como um prenúncio de decadência física, psicológica e moral, que é pior que os efeitos tóxicos experimentados com seu tratamento.

A quimioterapia é para que eu melhore, mas para isso tem consequência. Então, eu aguento (E9). Para ele [o câncer] não me matar, eu tenho que matá-lo.(E8).

Se puder evitar é bom, mas não pode, então, encara! O sofrimento já está aí mesmo. Tem que ter uma guerra para ter uma vitória (E5).

Sozinho, em um deserto, ouvi o grito do meu silêncio

Esta categoria desvela um sentido de solidão social e emocional percebido durante a jornada de tratamento.

[...] As pessoas falam: “pode deixar que eu vou te ajudar”. Mas, na hora, ninguém aparece (E3).

Eu estou me sentindo só em um deserto (E2).

Me senti abandonado em termos de acompanhamento (E8).

Quimioterapia: uma infusão de esperança

Esta categoria reúne as mais diversas faces da esperança atribuída pelos pacientes à QTA. Foram apresentadas a esperança de se manter vivo; de ter controle sobre a doença e alívio na sua carga de sinais e sintomas; e de uma cura definitiva, com libertação total do sofrimento provocado pelo câncer.

Eu estou num hospital de referência, que é muito bom. Então, eu espero sair dessa. Eu espero ficar bom aqui (E6).

O que me conforta é saber que a quimioterapia é uma esperança de uma melhora para mim (E2). […]

Outra coisa, falo e repito, a vida me deu um câncer, e Deus me deu a possibilidade de aprender com este câncer (E8).

Não há sofrimentos na Terra que o céu não possa curar

A religiosidade e a espiritualidade são dimensões do ser contempladas nesta categoria e que expressam uma busca pelo amor, pela proteção divina e um desejo de conexão com forças transcendentais que possam aliviar o sofrimento além da matéria.

Voltei meus pensamentos para Deus de novo e me acalmei. Foi quando eu melhorei (E1).

O tratamento e o espiritual são fatores que se entrelaçaram e ajudam. Qualquer que seja o problema, a fé da pessoa ajuda muito […] (E8).

Eu cheguei mais a Ele, porque eu estava meio afastado. Eu queria estar em paz. Estar perto Dele em função da doença. Queira ou não, Ele está me ajudando. É a fé que você tem para continuar (E7).

Os resultados levam a crer que muitas das categorias temáticas de sofrimento se interpenetram, assim, revelando que os pacientes alternam momentos de profundo sofrimento, com fé, esperança e gratidão (Figura 1).

Figura 1 -
Vaso de Rubin

A Figura 1 - adaptada do vaso de Rubin - oferece uma leitura holística da experiência, representada por constituintes interdependentes de um mesmo fenômeno vivenciado; nela, é possível distinguir uma face voltada para a outra (experiências de sofrimento) ou um cálice no meio (fé, esperança e gratidão). A ilusão de ótica agrupa as perspectivas ideográficas dos discursos, revelando a natureza mutável, contextual e dinâmica do sofrimento e esperança presentes na experiência perceptiva dos pacientes.

DISCUSSÃO

Os efeitos colaterais do tratamento quimioterápico afetam diversos sistemas do organismo, sendo difíceis de serem enfrentados, mormente, a dor neuropática e a fadiga, como mencionado neste estudo. No domínio psíquico, constatou-se que os pacientes aprendem a conviver com os efeitos tóxicos da QTA, revelando a consciência de estarem no mundo não como seres doentes, mas como seres que lutam pela própria vida.1818. Sales CA, Molina MAS. O significado do câncer no cotidiano de mulheres em tratamento quimioterápico. Rev Bras Enferm [Internet]. 2004 [cited 2018 Jul 14];57(6):720-3. Available from: https://doi.org/10.1590/S0034-71672004000600018
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Com base na análise da descrição dos depoentes, a fadiga relacionada à QTA pode ser compreendida como um efeito adverso difícil de ser descrito, pois não se compara ao cansaço visto em situações comuns. Os sintomas da fadiga associados à QTA podem começar repentinamente e distinguem-se de outras condições fisiopatológicas por não serem responsivos ao sono e ao descanso. Comumente, a fadiga assume uma magnitude e persistência superiores e é capaz de drenar física e emocionalmente pacientes e familiares.1919. Kim H-J, Malone PS, Barsevick AM. Subgroups of Cancer Patients with Unique Pain and Fatigue Experience During Chemotherapy. J Pain Symptom Manag [Internet]. 2014 [cited 2018 Aug 19];48(4):558-68. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2013.10.025
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Neste estudo, os doentes descreveram-se cansados demais para realizar qualquer atividade, frustrados por não se reconhecerem como a si próprios e preocupados que a fadiga significasse que eles não estavam bem ou que a doença estivesse vencendo.

No domínio psicossomático, a incapacidade funcional derivada da fadiga foi agravada pela neuropatia periférica, por conseguinte, provocando sentimentos que deprimiram a qualidade do “(re)existir” dos pacientes.

A partir do momento que o ser se confronta com a realidade de existir com uma doença incurável, diversos projetos existenciais tendem a ser anulados ou modificados pela situação vivida,2020. Caldeira S, Carvalho EC, Vieira M. Between spiritual wellbeing and spiritual distress: possible related factors in elderly patients with cancer. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2014 [cited 2018 Aug 24];22(1):28-34. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-1169.3073.2382
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e os eventos físicos repercutem nessa dimensão. Os prejuízos da fadiga e as alterações neuropsicomotoras, estendidas às relações sociais, também, estiveram conectados à sensação de abandono reportada pelos depoentes. Para Merleau-Ponty, o corpo é nossa âncora no mundo, através dele nos relacionamos com as coisas nele envolvidas e com os outros.1313. Sadala MA, Ferreira RC. Phenomenology as a method to investigate the experience lived: a perspective from Husserl and Merleau Ponty’s thought. J Adv Nurs [Internet]. 2002 [cited 2019 Aug 30];37(3):282-93. Available from: https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2002.02071.x
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Esse novo prisma reconhece as alterações sensoriais desencadeadas pela neuropatia não como uma qualidade ou consciência estática, mas como uma atitude corpórea repleta de intencionalidade e movimento. Para romper a noção de corpo-objeto, o autor afasta a ideia de que os órgãos do sentido se comportam como receptores passivos, desvendando que o mesmo corpo que toca, também, é tocado pelos outros.

Analogamente, como me sinto como corpo e como me percebo enquanto objeto não se traduzem em coisas opostas, mas indissoluvelmente ligadas.2121. Nóbrega TP. Corpo, percepção e conhecimento em Merleau-Ponty. Estud Psicol [Internet]. 2008 [cited 2019 Aug 30];13(2):141-8. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-294X2008000200006
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Desse modo, a situação de dependência fez com que os adoecidos se sentissem isolados e mais vulneráveis à solidão, desse modo, utilizando-se da metáfora “só em um deserto” para exprimir o vazio existencial.

A análise fenomenológica torna patente que o ser humano é um ser-no-mundo, existindo sempre em relação a algo ou alguém.2222. Carvalho PAL, Malhado SCB, Constâncio TOS, Ribeiro IJS, Boery RNON, Sena ELS. Human care in light of Merleau-Ponty’s phenomenology. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2019 [cited 2019 Sept 07]; 28:e20170249. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2017-0249
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O corpo do outro atua, nesse aspecto, como intermediário, pois, para eu estar no mundo é preciso sua presença, sem a qual o eu estaria sem mundo. É neste ser-com-outro que o homem pode visualizar a possibilidade de se situar com alguém - não apenas como objeto de cuidado, mas de modo envolvente e significativo.1818. Sales CA, Molina MAS. O significado do câncer no cotidiano de mulheres em tratamento quimioterápico. Rev Bras Enferm [Internet]. 2004 [cited 2018 Jul 14];57(6):720-3. Available from: https://doi.org/10.1590/S0034-71672004000600018
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A falta desse relacionamento afetuoso pode precipitar ou agravar a angústia espiritual, compreendido como resultado do sentimento que a solidão emocional pode deixar no interior de uma pessoa. A definição do diagnóstico sofrimento espiritual corrobora esse resultado, isso por contemplar não apenas uma capacidade prejudicada de integrar sentido à existência, mas de conectar-se consigo mesmo, com os outros e a vida.2020. Caldeira S, Carvalho EC, Vieira M. Between spiritual wellbeing and spiritual distress: possible related factors in elderly patients with cancer. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2014 [cited 2018 Aug 24];22(1):28-34. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-1169.3073.2382
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,2323. Caldeira S, Timmins F, Carvalho EC, Vieira M. Spiritual Well-Being and Spiritual Distress in Cancer Patients Undergoing Chemotherapy: Utilizing the SWBQ as Component of Holistic Nursing Diagnosis. J Relig Health [Internet]. 2017 [cited 2019 Aug 30];56(4):1489-502. Available from: https://doi.org/10.1007/s10943-017-0390-4
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Em síntese, as incapacidades físicas, somadas à percepção de uma rede de suporte social insuficiente, podem afetar sobremaneira a saúde mental durante os ciclos de QTA neurotóxica, fazendo com que os pacientes se sintam desvalorizados, não reconheçam sua identidade e seu papel social, portanto, tornando-se mais suscetíveis à solidão, à dor e aos efeitos deletérios na dimensão espiritual. Dessa forma, faz-se preponderante o papel do enfermeiro para incentivar o apoio familiar e social durante a QTA, contribuindo para que os pacientes se sintam amados e reconhecidos em sua singularidade, ao perceberem-se participativos e contribuidores do progresso do meio em que se encontram.

A categoria “Com os nervos à flor da pele” remeteu às reações emocionais intensas que acompanharam os danos físicos gerados ao sistema nervoso periférico. Os pacientes experimentaram estados de irritabilidade que ultrapassaram à dimensão física da neuropatia periférica, situando o equilíbrio mental numa linha tênue entre o controle e o descontrole. Ao mesmo tempo que as infusões repetidas de quimioterápicos provocam uma diminuição da sensibilidade física nas mãos e pés, comprometendo a noção de superfície, relevo e toque, aumentam a sensibilidade ao estresse, o que resulta em uma labilidade emocional que é causa de sofrimento psicológico. O “estado de nervos” desvela uma agitação de emoções que não podem ser controladas, um modo de reagir às alterações sensitivas quando não se pode compreendê-las ou impedi-las, acentuando a ansiedade, a tensão e a raiva. Tais sentimentos traduzem as dificuldades para explorar, sentir e comunicar-se com o mundo.

Por isso é importante que enfermeiros possam dispensar cuidados sem ignorar os fatores físicos, emocionais e psicológicos envolvidos na dor neuropática, o que poderia resultar em elevado nível de sofrimento para os doentes. Reconhecer e atuar precocemente são consideradas intervenções indispensáveis para a prevenção de complicações decorrentes da neurotoxicidade, visto que é uma condição prevalente durante o tratamento quimioterápico, pouco responsiva aos medicamentos convencionais, e cuja única alternativa, em algumas situações, é a descontinuação do agente causal.2424. Fujii A, Yamada Y, Takayama K, Nakano T, Kishimoto J. Longitudinal assessment of pain management with the pain management index in cancer outpatients receiving chemotherapy. Support Care Cancer [Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 25]; 25(3):925-32. Available from: https://doi.org/10.1007/s00520-016-3482-x
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Pesquisas anteriores centraram-se na desinformação, nas limitações funcionais e nos prejuízos à qualidade de vida dos pacientes que enfrentaram a neuropatia periférica.2525. Tanay MAL, Armes J, Ream E. The experience of chemotherapy-induced peripheral neuropathy in adult cancer patients: a qualitative thematic synthesis. Eur J Cancer Care (Engl) [Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 29]; 26(5):e12443. Available from: https://doi.org/10.1111/ecc.12443
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-2626. Tanay MA, Armes J. Lived experiences and support needs of women who developed chemotherapy- induced peripheral neuropathy following treatment for breast and ovarian cancer. Eur J Cancer Care (Engl) [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 20];28(3):e13011. Available from: https://doi.org/10.1111/ecc.13011
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Esses achados são consistentes com os temas “Com os nervos à flor da pele” e “A quimioterapia que acaba com minha energia”. No entanto o conhecimento de como as dimensões do sofrimento interagem e mantêm-se conectadas permaneceu velado. O estudo mostra que esses aspectos estão inter-relacionados e devem mover os cuidados de enfermagem na perspectiva de sanar o sofrimento dos pacientes em terapia neurotóxica. A tendência de se concentrar esforços apenas na redução dos danos funcionais é um obstáculo para seu alívio. Posto isso, este estudo fomenta importantes avanços para a prática à medida que elucida a natureza da interface envolvendo as dimensões de sofrimento e a importância do contexto para essa avaliação.

Nesse entendimento, o presente estudo revela que quando os sintomas físicos de um paciente são desproporcionais a extensão dos danos sensitivo-motores, a presença de sofrimento sociorrelacional deva ser considerada. A falta percebida de relacionamentos no momento em que eles eram mais necessários, emergiu como peça-chave para desvendar a ruptura do sujeito-corpo com o mundo. Nesse ponto, os episódios de recidiva e de agravamento da neuropatia, se constituíram em períodos de maior vulnerabilidade para o sofrimento. A perda de autonomia e do controle sobre o próprio corpo foi complicada pelo medo de se tornar um fardo para a família, da solidão, a consciência da progressão da doença e proximidade da morte.

Sentimentos intensos e negativos também foram atribuídos ao sofrimento de recomeçar em função de recorrência da doença ou toxicidade dose-limitante dos fármacos. Perante as evidências atuais, a recidiva local é considerada um forte indicador de risco para doença sistêmica em muitos tumores onco-hematológicos. Pacientes que a desenvolvem como primeiro evento têm um risco maior de apresentar metástase a distância e lutam com um pior prognóstico. E, conquanto ela não afete a sobrevida em determinadas situações, existe significativa morbidade psicológica associada ao trauma emocional decorrente da expectativa frustrada. Na mesma categoria, a falta de informações no que tange à deliberação médica de trocas de protocolos em vigência de progressão de doença ou neurotoxicidade gerou, nos participantes, a percepção de que eram alvos de pesquisa clínica, por não compreenderem as estratégias terapêuticas utilizadas para superar a resistência aos fármacos e prevenção de toxicidade dose-limitante. De igual maneira, revisão sistemática revelou que os pacientes não são adequadamente advertidos para a ocorrência da neuropatia periférica antes de iniciarem a QTA. Segundo o estudo, a falta de informação torna difícil a comunicação do sintoma, aumentando o risco de danos permanentes e,2626. Tanay MA, Armes J. Lived experiences and support needs of women who developed chemotherapy- induced peripheral neuropathy following treatment for breast and ovarian cancer. Eur J Cancer Care (Engl) [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 20];28(3):e13011. Available from: https://doi.org/10.1111/ecc.13011
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possivelmente, do sofrimento.

Neste estudo, à QTA também foi atribuída a percepção de “algo a ser suportado/aturado”, pois os adoecidos compreendem a necessidade do tratamento para o controle da doença e a prevenção de consequências fatais. A possibilidade de progressão local e metástases a distância foi percebida como um mal mais avassalador e corrosivo que os próprios efeitos adversos da terapia antineoplásica. Assim, ao mesmo tempo que sofrem com tais efeitos, os pacientes ressaltam sua importância diante de uma busca maior, que é novamente um ser sem a doença.2727. Wakiuchi J, Marcon SS, Oliveira DC, Sales CA. Chemotherapy under the perspective of the person with cancer: a structural analysis. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2019 [cited 2019 Aug 30];28:e20180025. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0025
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-2828. Vianna D, Claro LL, Mendes AA, Silva AN, Bucci DA, Sá PT, et al. Infusion of Life: Patient perceptions of expressive therapy during chemotherapy sessions. Eur J Cancer Care (Engl) [Internet]. 2013 [cited 2018 Aug 22];22(3):377-88. Available from: https://doi.org/10.1111/ecc.12041
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Conquanto se sentissem abalados e emocionalmente fragilizados por não verem outro caminho para se manterem vivos, suas crenças religiosas também permitiram transitar pela experiência de tratamento com mais fé e esperança, aumentando a convicção de que dias melhores se sucederiam. Assim sendo, a experiência subjetiva de sofrimento com a doença envolve não apenas uma construção de interpretações e atribuições de significados, bem como é acompanhada de diferentes mecanismos de enfrentamento para lidar e adaptar-se ao novo contexto a fim de regular as emoções e fazer com que pacientes se mantenham ativos para a preservação da vida. Não obstante aos aspectos negativos da experiência, a literatura realça o potencial positivo e criativo que pode surgir em face do sofrimento, que, dependendo da forma como é percepcionado e enfrentado, pode promover a procura por novos significados ante a vida e a morte, conduzindo a novas formas de encarar a vida e o viver.2929. Gaston-Johansson A, Reddick B. The relationship among coping strategies, religious coping, and spirituality in African American women with breast cancer receiving chemotherapy. Oncol Nurse Forum [Internet]. 2013 [cited 2018 Aug 22];40(2):120-31. Available from: https://doi.org/10.1188/13.ONF.120-131
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Nessa perspectiva, evidenciou-se que a QTA amedrontou, porém foi capaz de renovar a espiritualidade e a esperança dos depoentes deste estudo. Embora a doença fosse causa de uma revolução na vida deles e de seus familiares, foi possível perceber que, ao longo da jornada de tratamento, ela possibilitou a reconstrução do seu sentido de “existir”. A forma particular de interpretar acontecimentos que desafiaram suas crenças levou alguns pacientes a desenvolverem uma força intrínseca pela vontade de viver.3030. Ramírez-Perdomo CA, Rodríguez-Velez ME, Perdomo-Romero AY. Uncertainty in the face of the cancer diagnosis. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Aug 30];27(4):1-9. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072018005040017
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A espiritualidade, nesse sentido, é uma dimensão humana, pluridimensional e complexa, capaz de proporcionar ao homem conforto e paz interior. Tal qual o sofrimento, é uma experiência universal, subjetiva e única11. Chapman CR, Gavrin J. Suffering: the contributions of persistent pain. Lancet [Internet]. 1999 [cited 2018 Aug 25]; 353(9171):2233-7. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(99)01308-2
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,44. Han D-Y, Lin Y-Y, Liao S-C, Lee M-B, Thornicroft G, Wu C-Y. Analysis of the barriers of mental distress disclosure in medical inpatients in Taiwan. Int J Soc Psychiatry [Internet]. 2015 [cited 2018 Aug 28];61(5):446-55. Available from: https://doi.org/10.1177/0020764014552865
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,2020. Caldeira S, Carvalho EC, Vieira M. Between spiritual wellbeing and spiritual distress: possible related factors in elderly patients with cancer. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2014 [cited 2018 Aug 24];22(1):28-34. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-1169.3073.2382
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influenciada pela cultura e história de vida de cada um. As necessidades e a busca pelo sagrado dos participantes deste estudo foram variáveis, motivando a procura por um sentido de vida tanto quanto pôde auxiliar na transcendência do sofrimento. A presença de Deus, a fé em seus poderes e a súplica pela cura permearam as falas dos participantes com vívida comoção ao discorrerem sobre os sentimentos que surgiram a partir da experiência de realizar QTA.

Religião e espiritualidade podem fornecer, nesse aspecto, uma lente interpretativa por meio da qual pacientes percebem e ressignificam o sofrimento. Assim como nesta investigação, a espiritualidade - expressa pela oração e intercessão divina ‒ apresentou resultados positivos em outros estudos, desencadeando alívio das tensões, aumento da esperança e redução da ansiedade perante a incerteza do prognóstico.2020. Caldeira S, Carvalho EC, Vieira M. Between spiritual wellbeing and spiritual distress: possible related factors in elderly patients with cancer. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2014 [cited 2018 Aug 24];22(1):28-34. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-1169.3073.2382
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,3030. Ramírez-Perdomo CA, Rodríguez-Velez ME, Perdomo-Romero AY. Uncertainty in the face of the cancer diagnosis. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Aug 30];27(4):1-9. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072018005040017
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Sob tal paradigma, sofrimento e esperança não são ambíguos nem excludentes. Uma análise fenomenológica descortina que a essência do fenômeno é a coexistência de suas partes; e a fronteira entre sofrimento, fé, esperança e gratidão constitui-se no núcleo da experiência (contorno preto da Figura 2).

O modelo capta a percepção do conteúdo fenomenal, desvelando como elementos distintos se combinam em um todo unificado.

Figura 2 -
Núcleo da experiência

O modo como a imagem (Figura 1) é interpretada depende de como se olha para a figura; ora percebendo a cor mais clara como pano de fundo, ora a cor mais escura. O vaso de Rubin projeta para o observador que a escolha entre a silhueta do vaso ou o perfil de faces pode impedir uma ou outra interpretação à primeira vista. Entretanto, quando se olha apenas para o limite entre elas, a imagem permanece única. Nesta ótica, sofrimento e esperança não são ambíguos nem excludentes. A soma de suas partes representa mais que o todo, revelando que estas emoções são contínuas e mantêm um intercâmbio no fenômeno investigado, constituindo-se na essência da experiência. A transição de imagens na Figura 2 traduz o trabalho de uma investigação fenomenológica. Pouco a pouco as características individuais de um fenômeno são reduzidas para alcançar a sua essência ou estrutura invariante (realce da forma em preto). Este processo é designado variação eidética do objeto em estudo, e destaca a intencionalidade da consciência enquanto estrutura total do ser.1313. Sadala MA, Ferreira RC. Phenomenology as a method to investigate the experience lived: a perspective from Husserl and Merleau Ponty’s thought. J Adv Nurs [Internet]. 2002 [cited 2019 Aug 30];37(3):282-93. Available from: https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2002.02071.x
https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2002...
,1717. Giorgi A. Difficulties encountered in the application of the phenomenological method in the social sciences. Indo-Pacific J Phenomenology [Internet]. 2008 [cited 2019 Aug 30]; 8(1):1-9. Available from: https://doi.org/10.1080/20797222.2008.11433956
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A neuropatia periférica, considerada, a priori, uma dimensão física do sofrimento, pode incitar um estado de estresse psicológico devido às incapacidades e limitações funcionais percebidas, evoluindo, em alguns casos, para dor crônica e fadiga.3131. Bonhof CS, van de Poll-Franse LV, Vissers PAJ, Wasowicz DK, Wegdam JA, Révész D, et al. Anxiety and depression mediate the association between chemotherapy-induced peripheral neuropathy and fatigue: Results from the population-based profiles registry. Psychooncology [Internet]. 2019 [cited 2019 Aug 30];28(9):1926-33. Available from: https://doi.org/10.1002/pon.5176
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Este achado foi encontrado em diversas investigações recentes, situando a dor, a fadiga e as alterações psíquicas em um mesmo agrupamento de sintomas.1111. Hsu SY, Huang WS, Lee SH, Chu TP, Lin YC, Lu CH, et al. Incidence, severity, longitudinal trends and predictors of acute and chronic oxaliplatin-induced peripheral neuropathy in Taiwanese patients with colorectal cancer. Eur J Cancer Care (Engl) [Internet]. 2019 [cited 2019 Aug 30]; 28(2):e12976. Available from: https://doi.org/10.1111/ecc.12976
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,3232. Ulas S, Eyigor S, Caramat I. Quality of Life and Neuropathic Pain in Hospitalized Cancer Patients: A Comparative Analysis of Patients in Palliative Care Wards Versus Those in General Wards. Indian J Palliat Care. [Internet]. 2018 [cited 2018 Aug 24];24(3):325-33. Available from: https://doi.org/10.4103/IJPC.IJPC_12_18
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A esse respeito, a literatura mostra que sintomas físicos e psicológicos de sofrimento são observados mais frequentemente em pacientes com dor neuropática quando comparados a pacientes com dor nociceptiva.3232. Ulas S, Eyigor S, Caramat I. Quality of Life and Neuropathic Pain in Hospitalized Cancer Patients: A Comparative Analysis of Patients in Palliative Care Wards Versus Those in General Wards. Indian J Palliat Care. [Internet]. 2018 [cited 2018 Aug 24];24(3):325-33. Available from: https://doi.org/10.4103/IJPC.IJPC_12_18
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Esta, diferente da neuropática, pode não ser considerada uma ameaça.

O fato de o indivíduo reconhecer um controle sobre ela pode fazer com que sinta dor, porém sem ter sofrimento. Isso elucida fortes correlações identificadas entre o sofrimento psíquico e a gravidade da neuropatia em pacientes com câncer colorretal.1111. Hsu SY, Huang WS, Lee SH, Chu TP, Lin YC, Lu CH, et al. Incidence, severity, longitudinal trends and predictors of acute and chronic oxaliplatin-induced peripheral neuropathy in Taiwanese patients with colorectal cancer. Eur J Cancer Care (Engl) [Internet]. 2019 [cited 2019 Aug 30]; 28(2):e12976. Available from: https://doi.org/10.1111/ecc.12976
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Os resultados evidenciam como o domínio existencial afetado é capaz de interferir na experiência dolorosa, desse modo, causando ansiedade e depressão quando as pessoas não compreendem por que estão sofrendo ou não vislumbram uma expectativa de melhora, haja vista a persistência dos sintomas mesmo depois de cessado o estímulo causal.

A categoria “Sozinho em um deserto, ouvi o grito do meu silêncio” expressou a necessidade de se ver no olhar do outro e as fortes consequências da solidão social, experienciada como um sofrimento emocional maior que o provocado por restrições de convivência em função da QTA. Os discursos revelam que a solidão também esteve presente como uma vivência ôntica, própria do ser enquanto ser, mesmo o depoente estando cercado de familiares e de amigos. É o instante em que o indivíduo se liberta de tudo que lhe é alheio para se confrontar consigo mesmo. Para esta solidão acompanhada, o aumento na densidade de relacionamentos não promove a cura.3333. Tiilikainen E, Seppänen M. Lost and unfulfilled relationships behind emotional loneliness in old age. Ageing and Society [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 09];37(5):1068-78. Available from: https://doi.org/10.1017/S0144686X16000040
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No que tange às conexões estabelecidas entre a dimensão física e espiritual de sofrimento, ao experienciar a fadiga no domínio psicossomático, os pacientes relataram não apenas falta de energia e coragem, como também desânimo e desesperança, com isso, ofuscando o encontro de novas perspectivas e oportunidades. O sofrimento desta categoria transcendeu, portanto, os limites físicos e as incapacidades geradas como consequência. Também, minou a energia que uma espiritualidade vivida de forma plena e saudável é capaz de proporcionar, ajudando as pessoas a sentirem-se bem e orientadas em suas escolhas.

A análise empírico-compreensiva permitiu perceber a estrutura central da experiência que perpassa o sofrimento de realizar QTA neurotóxica, assim, desvelando que o tratamento e a enfermidade provocam sentimentos de limitação, abandono e inutilidade, quando os adoecidos se veem impedidos de realizar as atividades mais simples da vida diária e interagir com o meio social, suportando um efeito adverso inevitável e pouco responsivo aos medicamentos convencionais. Contudo, o mesmo tratamento que aprisiona, causando impactos na qualidade de vida e funcionalidade dos pacientes, é capaz de transformar atitudes e irromper novos potenciais em face da necessidade de transcender o sofrimento físico. A espiritualidade emergiu, neste ponto, como um caminho para superar a dor, interconectando a esperança com sentimentos de gratidão e fé.

Por fim, as altas taxas de morbidade física e psíquica em pacientes recebendo agentes neurotóxicos confirmam que os enfermeiros provavelmente lidarão com esse problema em alguma fase do tratamento, o que torna este trabalho oportuno e relevante. Necessitam, para tanto, desenvolver competências éticas e técnicas no seu reconhecimento, por meio de programas de treinamento e educação permanente. Entre os desafios interpostos na avaliação do sofrimento, estão o engajamento de pacientes com baixo nível de escolaridade, com capacidades verbais e não verbais prejudicadas para seu relato. Os diferentes significados atribuídos a esta experiência sugerem que abordagens individualizadas devam ser implementadas, levando-se em conta contextos culturais, religiosos, espirituais e clínicos.

Destarte, o estudo revela que narrativas de dor e sofrimento não devem ser desencorajadas, podendo ser convertidas em recurso terapêutico valioso quando conduzidas de maneira empática. As notas de campo, fruto de observações e diálogo enquanto os pacientes recebiam QTA, sugerem efeitos curativos e um empoderamento identitário que podem ocorrer durante narrativas de sofrimento. Entende-se que, a partir do diálogo, é possível dar sentido aos acontecimentos e evocar vivências positivas perante o sofrimento, até então inconscientes para a pessoa. Nesse sentido, ajudar os pacientes a integrarem o sofrimento às suas histórias de vida é o primeiro passo para que possam assimilar a experiência, conferindo-lhe um sentido válido. Nessa perspectiva, enfermeiros se encontram numa posição única para a identificação e primeira abordagem, pois, frequentemente, estão ao lado dos pacientes durante as crises de angústia. Compreender suas causas até onde for possível, remover, ou transmutar os elementos que as vitalizam e mantêm-nas devem ser metas vislumbradas pela enfermagem contemporânea.

Como principal limitação deste estudo, aponta-se a exclusão de indivíduos gravemente enfermos e experimentando efeitos adversos agudos e impeditivos de dar entrevista. Dessa forma, os resultados não refletem a experiência de sofrimento de pacientes com extremos de toxicidade, bem como não podem ser transferidos para a população de pacientes tratados em instituições particulares, pois reflete a realidade de uma instituição pública que atende majoritariamente os pacientes de baixa renda. Não obstante, os resultados retratam a importância de uma avaliação sistemática do sofrimento em pacientes com câncer. Mais ainda, despertam a atenção sobre os fatores que afetam sua comunicação durante a QTA, pois o seu relato, em grande parte vinculado às queixas físicas, pode expressar uma tendência de busca por ajuda apenas quando associado aos efeitos tóxicos da QTA, negligenciando ou desconhecendo seu potencial para causar danos psíquicos e espirituais

CONCLUSÕES

O estudo revelou que o câncer e a terapia neurotóxica podem levar a estados de sofrimento físico, psicológico, espiritual e experiências positivas, ressaltando-se o fato de que há uma continuidade evidente nessas dimensões, sendo impossível dissociá-las. Foi desvelado que, com a QTA, vislumbra-se a possibilidade de recondução otimista da experiência de viver com câncer mediante a mobilização de diferentes recursos psicossociais e espirituais. A análise fenomenológica revelou que, mesmo nas situações de sofrimento intenso, o tratamento pôde produzir significados positivos.

As estratégias de enfrentamento encontradas sugerem métodos de coping que podem funcionar como reguladores de sofrimento em tempos de incerteza ou angústia extrema. Nesse aspecto, não obstante a doença e o seu tratamento trazerem uma carga de sofrimento multidimensional, por confrontarem os pacientes com a solidão, dependência e medo da morte; também, promovem uma consciência plena que gera autoconhecimento e capacidade de reorganizar as próprias emoções. Assim, vivenciar a quimioterapia e lutar contra o câncer fizeram com que muitos pacientes se sentissem desafiados a desvendar um novo sentido de vida; e a compreender que o viver e o adoecer oncológico não são assíncronos, visto que a enfermidade é um estado inseparável da condição de viver.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da dissertação - O sofrimento e espiritualidade de pacientes com câncer em tratamento quimioterápico: sistematização da assistência de enfermagem na dimensão espiritual, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Profissional, da Universidade Federal Fluminense, em 2019.
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Cooordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de financiamento 001.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Fluminense, parecer n. 2.592.770/2018, CAAE: 85411817.2.0000.5243; e Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes Da Silva, parecer n. 2.657.077/2018, CAAE 85411817.2.3001.5274.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    27 Set 2019
  • Aceito
    05 Mar 2020
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