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O cotidiano do adolescente que tem HIV/AIDS: impessoalidade e disposição ao temor

El cotidiano del adolescente con VIH/SIDA: impersonalidad y disposición al temor

Resumos

Investigação fenomenológica com objetivo de compreender o cotidiano terapêutico do adolescente que tem HIV/aids. Foram entrevistados 16 adolescentes de 13 a 19 anos, assistidos pelo serviço de saúde, conhecedores de seu diagnóstico, de dezembro/2009 a maio/2010, no Hospital Universitário de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Os depoimentos, analisados à luz de Heidegger, revelaram que o ser-adolescente se mostra no modo de ser-com-no-mundo pela impessoalidade das características da adolescência e pela ocupação com as atividades cotidianas. Diante da facticidade de ter HIV/aids, temem que, além de sua família, outras pessoas saibam da doença, devido ao preconceito. A partir deste olhar compreensivo, emergiu a possibilidade do cuidado de enfermagem pautado em uma abordagem atentiva às pluralidades e singularidade(s) no cotidiano, e mediado pela dialogicidade com o ser-adolescente e família, a fim torná-lo protagonista de seu cuidado permanente.

Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Saúde do adolescente; Enfermagem pediátrica; Cuidados de enfermagem


Se trata de una investigación fenomenológica con el objetivo de comprender el cotidiano terapéutico del adolescente enfermo de VIH/SIDA. Desde diciembre 2009 hasta mayo 2010, en el Hospital Universitario de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Fueron entrevistados 16 adolescentes de 13 a 19 años, asistidos por el servicio de salud y que conocían su diagnóstico. Los testimonios fueron analizados a la luz del Heidegger, revelaron que el ser-adolescente se muestra, en la condición de ser-con-el-mundo, de modo impersonal considerándose las características de la adolescencia y la ocupación de actividades cotidianas. Ante el hecho de estar enfermo de VIH/SIDA y debido al prejuicio general sobre la enfermedad, él teme que, además de su familia, otras personas sepan de su enfermedad. A partir de esta mirada comprensiva, emergió la posibilidad del cuidado de Enfermería pautado en un abordaje atento a las pluralidades y singularidad(es) en el cotidiano y mediado por la dialógica con el ser-adolescente y la familia, a fin de tornarlo protagonista de su cuidado permanente.

Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Salud del adolescente; Enfermería pediátrica; Cuidados de enfermería


This phenomenological investigation aimed to understand the therapeutic routine of adolescents with HIV/AIDS. Sixteen adolescents between 13 and 19 years of age, assisted by the health service and aware of their diagnosis were interviewed, between December of 2009 and May of 2010, in the University Hospital of Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brazil. Their statements, which were analyzed in the light of Heidegger, revealed that the being-adolescent is presented as a being-with-in-the-world through the impersonality of the characteristics of adolescence and the occupation with activities of the daily living. In face of having HIV/AIDS, they fear that, besides their family, other people might learn about their disease, due to prejudice. This comprehensive perspective allowed the possibility of a nursing care based on an attentive approach to the pluralities and singularities in the daily living, and mediated by the dialogue with the being-adolescent and its family, in order to make this being the leading figure in its permanent care.

Acquired Immunodeficiency Syndrome; Adolescent health; Pediatric nursing; Nursing care


ARTIGO ORIGINAL

O cotidiano do adolescente que tem HIV/AIDS: impessoalidade e disposição ao temor

El cotidiano del adolescente con VIH/SIDA: impersonalidad y disposición al temor

Aline Cammarano RibeiroI; Stela Maris de Mello PadoinII; Cristiane Cardoso de PaulaIII; Marlene Gomes TerraIV

IDoutoranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: lilicammarano@yahoo.com.br

IIDoutora em Enfermagem. Docente Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: stelamaris_padoin@hotmail.com

IIIDoutora em Enfermagem. Docente Adjunto do Departamento de Enfermagem da UFSM. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: cris_depaula1@hotmail.com

IVDoutora em Enfermagem. Docente Adjunto do Departamento de Enfermagem da UFSM. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: martesm@hotmail.com.br

Correspondência Correspondência: Aline Cammarano Ribeiro Rua Ramiro Barcelos, 1920, ap. 54 90035-002 - Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: lilicammarano@yahoo.com.br

RESUMO

Investigação fenomenológica com objetivo de compreender o cotidiano terapêutico do adolescente que tem HIV/aids. Foram entrevistados 16 adolescentes de 13 a 19 anos, assistidos pelo serviço de saúde, conhecedores de seu diagnóstico, de dezembro/2009 a maio/2010, no Hospital Universitário de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Os depoimentos, analisados à luz de Heidegger, revelaram que o ser-adolescente se mostra no modo de ser-com-no-mundo pela impessoalidade das características da adolescência e pela ocupação com as atividades cotidianas. Diante da facticidade de ter HIV/aids, temem que, além de sua família, outras pessoas saibam da doença, devido ao preconceito. A partir deste olhar compreensivo, emergiu a possibilidade do cuidado de enfermagem pautado em uma abordagem atentiva às pluralidades e singularidade(s) no cotidiano, e mediado pela dialogicidade com o ser-adolescente e família, a fim torná-lo protagonista de seu cuidado permanente.

Descritores: Síndrome de Imunodeficiência Adquirida. Saúde do adolescente. Enfermagem pediátrica. Cuidados de enfermagem.

RESUMEN

Se trata de una investigación fenomenológica con el objetivo de comprender el cotidiano terapéutico del adolescente enfermo de VIH/SIDA. Desde diciembre 2009 hasta mayo 2010, en el Hospital Universitario de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Fueron entrevistados 16 adolescentes de 13 a 19 años, asistidos por el servicio de salud y que conocían su diagnóstico. Los testimonios fueron analizados a la luz del Heidegger, revelaron que el ser-adolescente se muestra, en la condición de ser-con-el-mundo, de modo impersonal considerándose las características de la adolescencia y la ocupación de actividades cotidianas. Ante el hecho de estar enfermo de VIH/SIDA y debido al prejuicio general sobre la enfermedad, él teme que, además de su familia, otras personas sepan de su enfermedad. A partir de esta mirada comprensiva, emergió la posibilidad del cuidado de Enfermería pautado en un abordaje atento a las pluralidades y singularidad(es) en el cotidiano y mediado por la dialógica con el ser-adolescente y la familia, a fin de tornarlo protagonista de su cuidado permanente.

Descriptores: Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida. Salud del adolescente. Enfermería pediátrica. Cuidados de enfermería.

INTRODUÇÃO

Os adolescentes que têm o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e o adoecimento pela Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (aids) necessitam de atenção especializada às suas necessidades de saúde referentes à fase de crescimento e desenvolvimento e à condição sorológica de infecção pelo HIV; precisam de um acompanhamento permanente, vão às consultas ambulatoriais com regularidade, fazem exames laboratoriais e clínicos de rotina e cumprem as condutas do tratamento. Sua condição sorológica e clínica de viver com uma doença sem cura determinam a necessidade especial de saúde associada à dependência de tecnologia medicamentosa.1-5

Ressalta-se a fragilidade clínica do adolescente que tem HIV/aids, devido ao comprometimento imunológico e à vulnerabilidade às doenças oportunistas, o que indica a necessidade de acompanhamento clínico e laboratorial permanentes, em que a adesão ao tratamento, os efeitos adversos e as falhas terapêuticas configuram seu cotidiano terapêutico.1

As vivências do adolescente que tem HIV/ aids mostram que ele transita por essa fase do desenvolvimento com características comuns aos adolescentes que não têm a infecção. Às transformações físicas e psicossociais somam-se às necessidades específicas da condição sorológica -a descoberta do diagnóstico, as repercussões da doença no seu dia-a-dia devido ao cotidiano terapêutico e às situações de preconceito e discriminação. 6-11

Reforça-se, portanto, a relevância da produção desse conhecimento acerca do cotidiano terapêutico do adolescente que tem HIV/aids, pois, o fato de possuir o vírus lhe provoca situações peculiares na vida -o tratamento clínico contínuo que perpassa as questões de preconceito e discriminação, as quais fragilizam, de alguma forma, o tratamento e suas relações sociais.1-2,7 Em consonância com a temática buscou-se lançar um olhar existencial sobre as demandas vivenciadas pelo adolescente que tem HIV/aids e sobre outras possibilidades de interpretar o seu cotidiano, na intenção de des-cobrir algumas facetas do que está encoberto no seu cotidiano terapêutico. Pretende- se produzir, assim, certo conhecimento que implique contribuições nas práticas de intervenção mediadas por ações de cuidado, centradas na promoção e na educação em saúde para o desenvolvimento do cuidado de si.

Assim, o adolescente que tem HIV/aids se relaciona com familiares e amigos e mantém atividades do dia-a-dia e lazer, atitude normal mesmo para quem é portador do vírus. Cuidar de si é algo que ele tem de fazer e precisa querer fazer.2 No entanto, há algumas dificuldades em fazer o tratamento, relacionadas ao estigma e à discriminação da doença, o que, muitas vezes, pode fragilizar a sua condição de saúde. Assim, este estudo teve por objetivo compreender o cotidiano terapêutico do adolescente que tem HIV/aids.

MÉTODO

Trata-se de uma investigação de natureza qualitativa, com abordagem fenomenológica e referencial teórico-filosófico,12 a qual busca desvelar no objeto de estudo, a maneira como ele é em si mesmo -o cotidiano terapêutico e seu significado -ou seja, um saber do fenômeno e não somente sobre ele. Para tanto, suspende o conhecimento factual -o que já se sabe sobre os fatos -em busca da compreensão existencial do fenômeno. Desse modo, possibilita lançar um olhar ao adolescente que tem HIV/aids em seu mundo próprio existencial, mediante a intersubjetividade entre pesquisador e sujeito da pesquisa, na busca dos significados que os próprios adolescentes atribuem à sua vivência, expressos em suas próprias palavras, a partir do mundo da vida cotidiana, de sua bagagem de conhecimentos e de sua historicidade.

A etapa de campo da pesquisa foi desenvolvida no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), localizado na região Centro-oeste do Rio Grande do Sul/Brasil. Este é um serviço de referência em atendimento de média e alta complexidade para a macrorregião e a especialidade de HIV/aids. Quanto ao atendimento no serviço, alguns adolescentes que têm HIV/aids fazem o acompanhamento no ambulatório pediátrico, no qual mantêm vínculo com a equipe do serviço desde a infância. Os demais adolescentes são atendidos no ambulatório dos adultos. Quando as adolescentes estão grávidas são atendidas no ambulatório obstétrico. A etapa de campo desta pesquisa foi desenvolvida nesses três ambulatórios, no período de dezembro de 2009 a maio de 2010.

Os participantes do estudo foram: adolescentes que têm HIV/aids, na faixa etária de 13 a 19 anos, que faziam acompanhamento no serviço de saúde e conheciam o seu diagnóstico de infecção. Os critérios de exclusão foram: o adolescente não ter conhecimento do seu diagnóstico, pois haveria risco de rompimento de sigilo do diagnóstico, o que poderia resultar em danos aos participantes. Para selecionar os adolescentes que poderiam participar da pesquisa, inicialmente foram acessados os profissionais no serviço, a fim de esclarecer sobre o critério de revelação do diagnóstico, e, posteriormente, a confirmação com os familiares/ cuidadores responsáveis pelos adolescentes. Por fim, foram acessados àqueles que conheciam seu diagnóstico de infecção pelo HIV ou aids.

O número de participantes não foi predeterminado, pois a etapa de campo desenvolvida em concomitância com a análise, mostrou o quantitativo de entrevistas necessário para responder ao objetivo da pesquisa, ao apontar a suficiência de significados expressos nas falas dos adolescentes. 13 Para a realização da produção de dados foi desenvolvida entrevista fenomenológica com os adolescentes, localizados a partir da agenda de consultas dos setores e prontuários, totalizando 16 participantes. Essa modalidade de acesso aos participantes possibilitou dar conta do vivido do ser humano, tal como se apresenta na sua vivência, por meio de um movimento de compreensão. Como modo de acesso ao ser, a entrevista é desenvolvida como um encontro, singularmente estabelecido entre o pesquisador e cada participante. O encontro foi mediado pela empatia e pela intersubjetividade, a partir da redução de pressupostos,14 o que exigiu do pesquisador um posicionamento de descentramento de si, para se direcionar, intencionalmente, à compreensão dos adolescentes.

Durante o encontro, o pesquisador precisou: estar atento aos modos de se mostrar do adolescente entrevistado; captar o dito e o não dito; observar as outras formas de discurso -o silenciado, os gestos, as reticências e as pausas; e respeitar o espaço e tempo do outro. Essa posição de abertura do pesquisador ao outro possibilita aprimorar, progressivamente, a condução da entrevista. A entrevista iniciou pela questão orientadora: como é o seu dia-a-dia de cuidados com a sua saúde? Para manter o sigilo do entrevistado, os nomes foram codificados com a letra a de adolescente, seguida dos números de 1 a 16.

A análise, pelo método heideggeriano, foi desenvolvida em dois momentos: análise compreensiva e análise interpretativa.12 A compreensão vaga e mediana -primeiro momento -constou da suspensão de pressupostos da pesquisadora, ao desenvolver a escuta e a leitura atentas das entrevistas, no intuito de compreender o significado do cotidiano terapêutico do adolescente que tem HIV/aids, sem impor-lhe categorias predeterminadas pelo conhecimento teórico/prático. Foram grifadas, nas transcrições, as estruturas essenciais, formando-se um quadro de análise, a partir do qual foram constituídas as unidades de significação e o discurso fenomenológico, de modo a construir o conceito vivido que é o fio condutor da hermenêutica -segundo momento metódico.12

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP-UFSM/RS), mediante Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n. 0213.0.243.000-09. Diante das diretrizes preconizadas pela Resolução 196/96,15 do Conselho Nacional de Saúde, para as pesquisas com seres humanos, foram desenvolvidos dois Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, um para o responsável legal, e outro para o próprio adolescente, com 18 anos ou mais, emancipado ou gestante.

Apresentam-se, nesse momento, duas Unidades de Significado (US), que mostram a vivência do cotidiano terapêutico do adolescente que tem HIV/aids: 1) em seu dia a dia vai à escola, a festas, joga vídeo game, conversa com os amigos; e 2) só a família sabe de sua doença, mais ninguém, devido ao preconceito.

RESULTADOS

Os adolescentes da pesquisa apresentam idade entre 13 e 19 anos, são gestantes, adolescentes que possuem filhos, adolescentes órfãos, adotados ou com pais separados. Os adolescentes moram com companheiros, pais biológicos, avós, mãe, irmãos. Fazem uso do TARV e contam com a ajuda de familiares no tratamento. A maioria está cursando o ensino fundamental.

Os resultados da investigação apontaram que o adolescente que tem HIV/aids vive o seu dia-a-dia permeado de atividades: ir à escola, brincar, ir a festas, conversar com os amigos, usar o computador, falar de namoro e de sua imagem corporal.

[...] brinco, jogo bola [...] vou pro colégio, brinco com os colegas (a2).

[...] tenho a oportunidade de vive, sai, i a festa, coisa, aí me sinto bem [...] (a5).

[...] eu gosto de joga bola [...] mexer no computador (a6).

[...] até meus quilinho aumento um pouquinho mais, né? [...] eu desejo cresce um pouquinho mais que eu to um pouquinho mais baixinha (a8).

[...] todo mundo tem um namorado, uma pessoa no lado, e a gente não tem. Será que eu so tão feio? Aí não sei (a15).

Devido ao preconceito com a aids o adolescente não quer que ninguém saiba que tem HIV. Somente sua família sabe, na qual pode falar sobre o diagnóstico com o pai, a mãe, os tios, o/a(s) avô/ó(s), às vezes com o namorado. Os amigos não sabem, pois não têm noção do que é a doença. Relatam que são olhados de modo diferente, são questionados sobre sua magreza, mas sabem que se contarem sobre sua doença serão rejeitados pelas pessoas, e cuidam para ninguém veja os remédios que tomam.

[...] cuida pra ninguém ver [os remédios] [...]é porque lá são tudo preconceituoso, né? À aids (a1).

[...] só a família sabe [...] ninguém sabe, ninguém comenta com ninguém, porque eu não quero que ninguém saiba (a11).

[...] pai a mãe, os meus tios, avôs, sabem. Meus amigos, assim, não sabem [...] (a12).

[...] aí a gente conversa [amigos], mas eles não sabem o que eu tenho, só os da família mesmo e o namorado (a14).

[...] as pessoas te olham [...]. Têm pessoas que chegam pra mim e falam, me olham assim, como tu tá magro, tu tá diferente, tá estranho, eu fico assim, é difícil. Eu sei que no momento que eu falar [...] ninguém vai fica do meu lado, ficando sabendo [silêncio] [...] mas eu não digo nada pra meus amigos (a15).

DISCUSSÃO

No presente estudo, o adolescente que tem HIV/aids descreveu seu cotidiano no mundo da família e da escola. Portanto, o modo pelo qual ele se mostra no cotidiano acontece em uma espacialidade - no mundo, a qual indica o "[...] contexto em que de fato uma pré-sença vive",12:105 sendo que essa pré-sença "[...]não apenas é e está num mundo, mas também se relaciona com o mundo".12:164 Esse cotidiano configura-se nas relações do adolescente com seus pares, que se manifestam nas trocas e no compartilhamento com o mundo.

O relacionar-se é imprescindível para a constituição do mundo, pois este não corresponde a uma estrutura geométrica já dada, na qual o ser se localiza. O mundo existe somente em um sistema de relações. Produz-se, somente, no estar-junto, movimento da pré-sença (dis-tanciando/aproximando) em direção àquilo (outros ou coisas) que vem ao encontro do ser. Assim, denota uma "[...] estrutura fundamental da pre-sença: ser-no-mundo",12:52 que designa uma totalidade articulada, pois "[...] não há mundo sem ser, como também não há ser sem mundo".12:52 Destaca-se, portanto, o adolescente e suas relações com o mundo, as quais são indissociáveis, e, independente de estar próximo do outro geograficamente, essas relações são constituídas de significados e sentidos em suas vivências.

No mundo, o ser-adolescente estabelece convivências e constrói vínculos, mostrando-se na relação com as pessoas: família, namorado(a), amigos e colegas. Essa relação aponta para o sentido de ser-com, pois o ser-com indica a natureza relacional do humano, demonstrando que "[...] todo ser é sempre ser-com mesmo na solidão e isolamento. A pre-sença é sempre co-pre-sença, o mundo é sempre mundo-com-partilhado, o viver é sempre con-vivência".12:319

O ser-adolescente re-vela-se como ser-no -mundo-com-os-outros porque ele fala de si, relacionando o seu estar junto-aos-outros. O serno-mundo-com ocorre em conjunto com as coisas no mundo circundante, se move no modo da cotidianidade com os outros, em que lhe é conveniente um nivelamento, no qual o ser se mostra como os outros, em um a gente.12 O a gente são as maneiras de o adolescente estar no mundo, ou seja, a partir de suas relações com os seus pares se mostra igual aos outros, o que, muitas vezes, é interessante, pois ele se fortalece no grupo.

Assim, o cotidiano do ser-adolescente é marcado por características próprias da fase da adolescência: festas, escola, conversas, brincadeiras, namoro. Mostrando-se como seus pares aponta para o modo de ser da impessoalidade, em que o ser se empenha na com-vivência do serjunto-aos-outros, mostrando como todos são e não como ele mesmo é.

Na convivência cotidiana, tanto o que é acessível a todo mundo quanto aquilo de que todo mundo pode dizer qualquer coisa vem igualmente ao encontro do ser, então, já não mais se poderá distinguir, na compreensão autêntica, o que se abre do que não se abre.12 A partir das relações, as práticas do cotidiano generalizam-se, em um movimento de autenticidade e inautenticidade, em que, por vezes, o adolescente se mostra em sua essência autêntica, porém, na maioria da vezes, se constrói e se manifesta em suas convivências.

Portanto, o ser se desenvolve-com-os-outros no modo como se relaciona-no-mundo, "[...] do qual resultam diversas possibilidades: mundo indica ora o público do nós, ora o circundante mais próximo e próprio".12:105 Diante dessas possibilidades, "[...] a pre-sença pode se comportar dessa ou daquela maneira [...] a partir de uma possibilidade própria de ser ou não ser ela mesma".12:39 Sendo ela mesma, assume-se na singularidade do modo de ser da autenticidade; e não sendo ela mesma, perde-se na impessoalidade do modo de ser da inautenticidade.

O ser-adolescente exprime uma impessoalidade na maneira que se apresenta no dia-a-dia: como a gente e não como seu próprio eu. Ocorre, assim, uma "[...] despersonalização de pessoas". 12:319 Portanto, no cotidiano "[...]a pre-sença se relaciona com o mundo segundo um modo de ser predominante: o impessoal".12:164 Este é, na maioria das vezes, o modo de ser da pre-sença, segundo o qual "[...]todo mundo é outro e ninguém é si próprio".12:181 Assim, o ser-adolescente, no serjunto- aos-outros no mundo público, assume essa identidade impessoal. A impessoalidade permite que ele não se diferencie dos outros, pois ser considerado diferente dificulta a con-vivência. Portanto, nivela-se naquilo que é comum e esperado por todos. Enquanto ser-com, a pre-sença ocorre, essencialmente, em função dos outros.12

Muitas vezes, o ser se perde nesse caráter público do impessoal, em que se constitui em um modo de ser-no-mundo que é totalmente absorvido por esse e pela co-presença dos outros, pois o mundo é repleto de questões absolutas e associa-se às influências das pessoas no cotidiano do adolescente. Não ser ele mesmo é uma possibilidade, pois aproxima os entes das ocupações no mundo,12 pois há o predomínio da interpretação pública, o que torna "todos nós ninguém",16 em que cada um é como o outro.

O modo de ser da cotidianidade determina o impessoal, que não é determinado, embora todos se mantenham nesse modo de ser. Afastamento, medianidade e nivelamento, constituídos como caráter público, são modos de ser do impessoal. O impessoal tira todas as responsabilidades da presença, o que permite que se sustente nele. Pode-se dizer que o impessoal foi quem, mas, no entanto, não foi ninguém12.

Destaca-se que o ser-adolescente vive a facticidade de ter HIV ou aids, ou seja, sua condição de saúde está posta, situação da qual não pode escapar. Portanto, a pre-sença está-lançada naquilo que já está determinado e do qual não se pode escapar. "A expressão estar-lançado deve indicar a facticidade de ser entregue à responsabilidade".12:189 O adolescente tem que desenvolver continuamente cuidados com a sua saúde, pois necessita manter sua condição estável, em decorrência de uma doença sem cura até o momento, o que remete ao viver com o vírus, ao tratamento e a situações estigmatizantes de maneira permanente.

Diante da facticidade de ter HIV/aids, o ser-adolescente é envolvido em circunstâncias de preconceito, discriminação, avaliações sobre a sua aparência física, que despertam modos de disposição. Os modos de disposição são as maneiras como estabelecemos relações com o mundo, os diferentes modos de ser e de sentir-se humano. "O humor revela como alguém está e se torna".12:193 O humor ocorre nas situações de vida, nas relações com as pessoas, e nesse movimento ocorrem situações de vida que determinam como as pessoas sentem-se e se constroem. O humor são disposições latentes, despertadas pelas circunstâncias da cotidianidade. O adolescente que tem HIV/aids se mostra em modos de disposição do humor, que deve ser visto como um existencial fundamental, e por mais que esses fenômenos passem despercebidos, a presença estará sempre sintonizada e afinada num humor.12 O humor são modos de ser do adolescente, que existem em maior ou menor intensidade, e o que vai determinar essa intensidade são os significados das situações na vida dele.

O ser-adolescente tem medo de que descubram sua doença, e tem medo que a descoberta desencadeie um conjunto de situações em sua vida, como o preconceito e a discriminação. Assim, o temor está instituído em seu cotidiano, dado pela facticidade de ter o vírus.

Um dos modos de disposição do humor é o temor que "[...] possui caráter de ameaça".12:200 O ser-adolescente tem como ameaça a descoberta da doença pelas pessoas, portanto só sua família sabe, pois teme que mudem de comportamento, o rejeitem, espalhem a informação a outras pessoas, o apontem publicamente, podendo se sentir sozinho diante do fato.

O fenômeno do temor pode ser considerado sob três perspectivas: o que se teme; o que temer e o pelo que se teme. "O que se teme, o 'temível', é sempre um ente que vem ao encontro dentro do mundo"12:200 e que está simplesmente dado. O que o ser-adolescente teme é que descubram sua doença, por isso toma remédios escondido ou fala que é devido à outra doença.

O que temer está associado à discriminação, ou seja, às situações que podem ser desencadeadas caso a doença seja descoberta. O ter medo abre esse ente no conjunto de seus perigos, no abandono a si mesmo, é a concretização do que a doença desencadeia na vida do adolescente. O ter medo não se trata de sentimentos, mas de modos de disposições existenciais.

Assim, o temor está instituído no cotidiano do ser-adolescente, ocultando o seu existir, e, muitas vezes, obscurecendo suas possíveis maneiras de tornar-se e construir-se no mundo, o que poderá repercutir na manutenção de sua saúde, no seu desenvolvimento e em suas relações afetivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O adolescente vive na facticidade de ter o vírus ou a doença, e mostra-se, em seu existir, por meio de suas relações no mundo e características próprias da adolescência, ocupado com o que é comum aos adolescentes, independente de sua condição sorológica. A impessoalidade de se mostrar como todos, e não como ele mesmo é, marca o modo de ser do cotidiano do ser-adolescente, em que ele não se diferencia dos demais para manterse na convivência do mundo público.

Ele teme que a qualquer momento seja descoberta a sua doença. Assim, é amedrontado pelo preconceito, que reforça o silêncio do diagnóstico. Somente a família sabe e participa de seu cotidiano terapêutico. Diante dessa situação vivida, a doença se fecha na rede primária, pois o ser-adolescente teme que, se sua doença for descoberta, seu ciclo social e sua aceitação pelo outro sejam modificados. Portanto, sua rede de apoio é restrita à família, o que o afasta cada vez mais de poder se abrir para o mundo de possibilidades, em que possa, por alguns momentos, poder-ser-si-mesmo.

A partir desse olhar compreensivo sobre o cotidiano terapêutico do ser-adolescente que tem HIV/aids emergiu a necessidade do cuidado de enfermagem pautado em uma abordagem atenta às pluralidades da facticidade da adolescência e da condição sorológica, mas especialmente à(s) singularidade(s) do vivido de cada ser. Esse cuidado pode ser mediado pela dialogicidade com o ser-adolescente e com sua família, a fim de escutá-lo, orientá-lo e compartilhar estratégias e decisões para a promoção da saúde pautada em seu cotidiano.

Por meio dessa interação -adolescente, família e profissional de saúde -é possível tornar o adolescente protagonista de seu cuidado permanente. Aponta-se a possibilidade de que, por meio dessa formação de vínculo(s), o adolescente tenha a possibilidade de transitar do impessoal para mostrar-se em sua singularidade de ser-si-mesmo. Busca-se, assim, que o cuidado potencialize um movimento existencial da inautenticidade para a autenticidade de compreender a facticidade na qual está lançado, voltado às suas possibilidades de vir-a-ser-no-mundo.

Destaca-se que o estudo apresenta as limitações de um estudo qualitativo, em relação ao local e ao tempo em que se desenvolveu. No entanto, o objetivo da pesquisa não é generalizar os resultados, mas aprofundar a análise sobre o tema. Recomendam-se novas pesquisas sobre a temática adolescente que tem HIV/aids, contemplando outras regiões do país. Nesse sentido, é importante desenvolver estudos que se aproximem das vivências dos adolescentes, subsidiados por referenciais que propiciem lançar sobre esses sujeitos um olhar existencial.

Recebido: 17 de Maio de 2012

Aprovação: 01 de Novembro de 2012

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  • Correspondência:
    Aline Cammarano Ribeiro
    Rua Ramiro Barcelos, 1920, ap. 54
    90035-002 - Porto Alegre, RS, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      17 Maio 2012
    • Aceito
      01 Nov 2012
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