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ENFERMEIROS E O PROCESSO DE TRABALHO DE UM HOSPITAL DE ENSINO: IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE1 1 Esta pesquisa é parte da dissertação - O processo de trabalho dos enfermeiros de um hospital de ensino: transformações a partir da implantação do SUS, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no ano de 2013.

Resumos

Estudo guiado pelo referencial teórico-metodológico de Norbert Elias cujo objetivo foi analisar as transformações no processo de trabalho dos enfermeiros de um Hospital de Ensino a partir da implantação do Sistema Único de Saúde. Os dados foram obtidos por meio de entrevista aplicada a 12 enfermeiros atuantes no cenário do estudo desde 1990, com posterior análise dos discursos. Como resultados emergiram oito temas (universalidade, integralidade, descentralização, hierarquização, regionalização, processo de trabalho, financiamento da saúde e controle social) e 35 frases temáticas, categorizadas a partir dos conceitos de figuração, interdependência e equilíbrio de tensões, o que permitiu discussões sobre a dinâmica relacional entre sociedade e indivíduos para aplicabilidade dos princípios do Sistema Único de Saúde e produção de tensões na realização do processo de trabalho. Concluímos que as transformações induzidas pela implantação do Sistema Único de Saúde refletiram no processo de trabalho destes profissionais, ainda que indiretamente.

Enfermagem; Políticas públicas de saúde; Sistema único de saúde


Study guided by Norberto Elias's theoretical, methodological background, which objectified to analyze the changes in nurses' work process at a Teaching Hospital since the implementation of the Unified Health System. Data were gathered by means of an interview applied to 12 nurses working in the studied setting since 1990, with further discourse analysis. Eight themes emerged as results (integrality, decentralization, hierarchization, regionalization, work process, health funding and social control), and 35 thematic statements, categorized from concepts of figuration, interdependence and tension balance, which enabled discussions on relational dynamics between society and individuals in order to apply Unified Health System principles, and tension production to carry out the work process. We concluded that Unified Health System implementation-ridden changes reflected on such professionals' work process even indirectly.

Nursing; Health public policy; Unified Health System


Estudio guiado por el referencial teórico-metodológico de Norbert Elias, cuyo objetivo ha sido analizar las transformaciones en el proceso laboral de los enfermeros de un Hospital de Enseñanza, a partir de la implantación del Sistema único de salud. Los datos fueron obtenidos por medio de uma entrevista realizada con 12 enfermeros actuantes, desde 1990, en el escenario del estudio y por un posterior análisis de los discursos. En cuanto a los resultados, surgieron ocho temas: universalidad, integralidad, descentralización, jerarquización, regionalización, proceso de trabajo, financiación de la salud y control social) y 35 frases temáticas, categorizadas a partir de los conceptos de figuración, interdependencia y equilibrio de tensiones, lo que permitió discusiones sobre la dinámica relacional entre la sociedad y los individuos para la aplicabilidad de los principios del Sistema único de salud y la producción de tensiones en la realización del proceso de trabajo. Concluimos que las transformaciones inducidas por la implantación del Sistema único de salud se reflejaran en el proceso de trabajo de estos profesionales, aunque indirectamente.

Enfermería; Políticas públicas de salud; Sistema único de salud


INTRODUÇÃO

A formação da sociedade não se trata apenas de uma somatória de indivíduos, já que as identidades individuais e coletivas estão sujeitas a mudanças contextuais e estruturais ocorridas nesta mesma sociedade. Destaca-se, portanto, que indivíduos em sociedade desenvolvem funções interdependentes, cujas estruturas e padrões conferem especificidade a determinados grupos sociais.

No Brasil, a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990, pode ser compreendida como um dos marcos paradigmáticos das mudanças sociais, com reflexos diretos e marcantes na formação e na atuação dos enfermeiros. O sociólogo Norbert Elias refere-se a esse tipo de mudança como sendo um processo civilizador, e apresenta elementos para a compreensão das transformações ocorridas no comportamento humano em sociedade, representado, neste estudo, pela implantação do SUS num hospital público de ensino do Estado do Paraná.11. Elias N. On the process of civilisation: revised edition: collected works of Norbert Elias. Dublin (IE): University College Dublin Press; 2012.

É sabido que, por meio do processo de trabalho, os sujeitos são responsáveis por transformações sociais no espaço onde vivem, assim como o ambiente gera modificações nas subjetividades dos indivíduos, e assim é imprescindível desvendar as redes de interdependência existente entre eles, as quais são passíveis de interferir no habitus dos enfermeiros, maneira como o indivíduo comporta-se dentro de sua teia de interdependência, gerada a partir de dois fenômenos: o controle social e o autocontrole.22. Veiga CG. Cuestiones teóricas y conceptuales para la investigación de la psicogénesis y sociogénesis de los procesos escolarizadores. Univ Humaníst. 2011 Ene-Jun; 71: 85-100.

Para compreender as mudanças geradas no processo de trabalho do enfermeiro, e destacando a importância dos Hospitais Públicos de Ensino para a categoria profissional, seja como espaço de atuação e formação ou de produção de conhecimento, utilizou-se o recorte histórico da promulgação do Sistema de Saúde Brasileiro como base legal e a perspectiva teórica proposta por Elias para compreender tal dever.

A escolha deste recorte temporal se fez devido às discussões elencadas após 25 anos de implantação do SUS. Embora estudos destaquem os avanços ocorridos no setor de saúde brasileiro, relacionados à implantação do SUS e à extinção do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência social (Inamps), à expansão do Programa Saúde da Família (PSF) e ao crescimento da produção e da produtividade em assistência à saúde, as promessas não compridas também são destacadas e exemplificadas pelo subfinanciamento do programa e pela luta por uma cobertura universal e equitativa.33. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011; 377(9779):1778-97.-44. Macinko J, Oliveira VB, Turci MA, Guanais FC, Bonolo PF, Lima-Costa MF. The influence of primary care and hospital supply on ambulatory care-sensitive hospitalizations among adults in Brazil, 1999-2007. Am J Public Health. 2011 Oct; 101(10):1963-70.

A formação social configurada no processo da implantação do SUS apresenta dimensões variáveis, categorizadas por uma determinada instituição, território, cidade, nação, entre outros aspectos. Em todas essas formações, são perceptíveis as redes de interdependência entre os vários atores sociais, as quais são geradoras de uma produção histórica nas sociedades.

Diante do exposto, esta pesquisa teve como objetivo analisar as transformações no processo de trabalho dos enfermeiros de um Hospital Público de Ensino a partir da implantação do SUS.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, cujo referencial teórico-metodológico se pautou nos estudos do sociólogo Norbert Elias, com destaque para a formação das identidades individuais e coletivas e para a ideia de sociedade como uma figuração de funções interdependentes (configuração, interdependência e equilíbrio de tensões) que se interliga às histórias dos indivíduos que a compõem.11. Elias N. On the process of civilisation: revised edition: collected works of Norbert Elias. Dublin (IE): University College Dublin Press; 2012.

O conceito de configuração representa a dinâmica relacional entre a sociedade e os indivíduos, ou ainda entre a sociedade e os enfermeiros, evidenciando rotinas, normas, leis e implicitamente os laços invisíveis do trabalho. Neste estudo, a dimensão que permeia a formação social dos sujeitos foi o Hospital de Ensino.11. Elias N. On the process of civilisation: revised edition: collected works of Norbert Elias. Dublin (IE): University College Dublin Press; 2012.

A configuração exposta pelo sociólogo pressupõe a existência de uma rede, a partir do conceito de interdependência, a qual representa a ligação dos indivíduos por um fenômeno de dependência recíproca.11. Elias N. On the process of civilisation: revised edition: collected works of Norbert Elias. Dublin (IE): University College Dublin Press; 2012. São considerados, neste estudo, as relações de dependência estabelecidas entre os profissionais enfermeiros, a equipe de trabalhadores da instituição e os usuários do Sistema Único de Saúde.

Participaram do estudo 12 enfermeiros (11 do sexo feminino e um do sexo masculino) que preencheram os requisitos apresentados como critérios de inclusão: enfermeiros atuantes no ano de 1990 no Hospital de Ensino localizado no município de Curitiba, independentemente do sexo e idade.

Os enfermeiros oficializaram sua participação voluntária, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o anonimato dos participantes da pesquisa foi garantido pela substituição de seus nomes pela abreviatura ENF seguida de algarismos arábios em ordem crescente segundo a realização das entrevistas, de ENF01 a ENF12.

Os dados para a pesquisa foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas nos meses de maio a junho de 2013. A entrevista consistiu em duas perguntas e em um roteiro elaborado conforme as categorias analíticas estabelecidas pelo referencial teórico de Norbert Elias - configuração, interdependência e equilíbrio de tensões.

Utilizou-se a análise de discurso, em três etapas, por permitir uma compreensão mais ampla do contexto exposto pelos atores sociais e por incluir aspectos sócio-histórico-ideológicos.55. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12ª edição. São Paulo (SP): Hucite; 2010.

Cada ideologia referida correspondeu a uma formação discursiva com um conjunto de temas e figuras. As figuras estavam relacionadas a um elemento do mundo natural, percebido no discurso como uma simulação deste mundo - por exemplo, substantivos concretos ou verbos que indicam atividades físicas. Já o tema fez parte da semântica discursiva e não pode ser considerado algo do mundo natural, pois faz parte de categorias que ordenam a realidade, por exemplo, solidariedade, honra e exploração.66. Fiorin JL, Savioli FP. Para entender o texto: leitura e redação. 17ª edição. São Paulo (SP): Ática, 2007.

A decomposição dos discursos consistiu na leitura exaustiva do texto, objetivando a identificação dos temas e figuras, os quais permitiram desvendar os sentidos das falas, conforme a figura 1.66. Fiorin JL, Savioli FP. Para entender o texto: leitura e redação. 17ª edição. São Paulo (SP): Ática, 2007.

Figura 1
- Etapas da análise de discurso aplicadas no estudo. Curitiba, 2013

No segundo momento da análise, realizou-se o encadeamento/articulação entre os temas e as figuras, de modo a identificar suas coerências e divergências nos discursos dos sujeitos. O resultado foi a elaboração de frases temáticas que definiram os temas e subtemas do discurso em sua totalidade. No terceiro passo, houve o agrupamento das frases temáticas para a categorização do material empírico. Conforme os temas identificados, as categorias que emergiram desta pesquisa foram: configuração, interdependência e equilíbrio de tensões.66. Fiorin JL, Savioli FP. Para entender o texto: leitura e redação. 17ª edição. São Paulo (SP): Ática, 2007.

Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do HC/UFPR pelo Parecer n. 249.407/2013.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As tensões existentes no cotidiano dos indivíduos são responsáveis por mudanças no equilíbrio de força (equilíbrio de tensões), com consequente alteração estrutural da sociedade.11. Elias N. On the process of civilisation: revised edition: collected works of Norbert Elias. Dublin (IE): University College Dublin Press; 2012. As mudanças no processo de trabalho do enfermeiro pela implantação do SUS derivam de tensões e são possíveis de serem observadas nesta pesquisa.

Foram reconhecidos oito temas a partir da aplicação da análise de discurso: universalidade, integralidade, descentralização, hierarquização, regionalização, processo de trabalho, financiamento da saúde e controle social. Na etapa elaboração das frases temáticas, foram construídas 35 frases. Na última etapa, fase de categorização, as frases temáticas foram classificadas conforme os três conceitos de Elias (configuração, interdependência e equilíbrio de tensões). Neste artigo, apresentaremos apenas 14 frases temáticas, além da relação delas com os conceitos do referencial teórico que estão inseridos nas discussões dos temas eleitos.

Tema integralidade

O elevado número de frases nesta temática, especificamente com relação ao conceito de configuração, reforça a existência da dinâmica relacional entre sociedade e indivíduos. Isto remete ao sistema de saúde brasileiro, que propõe a existência de interligações entre os graus de complexidade da assistência por meio do princípio da integralidade.

Para este estudo, considerou-se a apresentação da integralidade proposta pela Lei nº 8.080/90, que, em seu artigo 7º, dispõe como "conjunto articulado e contínuo das ações e dos serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema".77. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 20 Set. 1990.

Os discursos trouxeram este princípio quando os sujeitos se referiram às mudanças a partir da implantação do SUS.

Antigamente os pacientes vinham para o HC em busca de diagnósticos simples, hoje chegam os pacientes mais graves (Enf 01; Enf 02; Enf 08; Enf 12).

A mudança perceptível foi a atenção à família, programa de humanização, atenção à criança e saúde da mulher (Enf 10; Enf 05).

Os sistemas de atenção à saúde devem estar articulados pelas necessidades de saúde dos usuários. Essa forma organizacional dos serviços é denominada de Rede de Atenção à Saúde e definida como uma integração de pontos de atenção à saúde, vinculados por uma missão única, que culmina na prestação de assistência contínua e integral, havendo a comunicação entre os diferentes níveis de serviços.88. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 Aug; 15(5):2297-305.

A Atenção Básica à Saúde (ABS) é apontada como a inserção do usuário nesta rede, e as estratégias citadas pelos enfermeiros fazem parte da ABS e comprovam o impacto nas instituições de assistência de alta complexidade.

Ainda hoje não é claro para os usuários o papel da "Rede", os quais acreditam que numa assistência de alta complexidade [hospitalar] haverá uma resolutividade maior em comparação à de uma Unidade de Saúde (Enf 05).

A formação das Redes de Atenção a Saúde vem frequentemente sendo questionada devido à sua organização hierárquica, que tem como base a atenção básica, seguida pela atenção de média e alta complexidade. Por essa, definição é possível compreender a imagem equivocada de que a ABS seja uma atividade de baixa complexidade. Essa visão distorcida leva a população, os políticos, os gestores e os profissionais da área a uma sobrevalorização dos níveis secundários e terciários de atenção à saúde.99. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Brasília (DF): OPAS; 2011.

Redes organizadas de maneira poliárquicas da atenção à saúde deverão substituir este modelo piramidal, principalmente pela condição epidemiológica de hegemonia das doenças crônicas. A partir disso, as densidades tecnológicas, e não os níveis de complexidade, serão valorizadas, de modo a romper relações verticalizadas e implantar redes policêntricas horizontais.99. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Brasília (DF): OPAS; 2011.

Porém, apesar da dificuldade de organização das Redes de Atenção à Saúde, existem causas concretas que podem interferir diretamente na não efetividade da ABS, e que estão implícitas no discurso do enfermeiro. Como exemplo, temos a precariedade de estruturas físicas dos serviços, o processo e a gestão do trabalho, a capacitação dos profissionais e os insuficientes recursos para apoio diagnóstico e referência para atenção especializada.1010. Spedo SM, Pinto NRS, Tanaka OY. O difícil acesso a serviços de média complexidade do SUS: o caso da cidade de São Paulo, Brasil. Physis. 2010; 20(3):953-72.

As falhas apresentadas na implantação do princípio da integralidade geram tensões na sociedade e também apareceram nos discursos dos sujeitos entrevistados.

Ainda há falhas no sistema de contrarreferência (Enf 02).

Esta fala do enfermeiro corrobora com estudo realizado no estado da Paraíba no ano de 2012 e primeiro semestre de 2013. Esse estudo, cujo objetivo foi descrever as características da organização, da articulação e da assistência, acerca do sistema de referência e contrarreferência, obteve dados a partir da avaliação de profissionais de 625 unidades de saúde. A constatação foi de que neste estado há fragilidade do sistema de referência e contrarreferência, explicitada na pesquisa pelo desconhecimento dos profissionais sobre o fluxo do serviço, por indefinição de fluxos, ou por uma fragmentação do sistema de referência e contrarreferência no estado em questão. 1111. Protasio APL, Silva PB, Lima EC, Gomes LB, Machado LS, Valença AMG. Avaliação do sistema de referência e contrarreferência do estado da Paraíba segundo os profissionais da Atenção Básica no contexto do 1º ciclo de Avaliação Externa do PMAQ-AB. Saúde Debate. 2014 Out; 38(esp):209-20.

Os problemas gerados pela ineficácia do sistema de referência e contrarreferência são inúmeros. O reflexo dessa fragilidade é exemplificado pelos longos períodos de espera dos usuários para acessar determinados serviços, o que impede a continuação de seu tratamento.1212. Brito-Silva K, Bezerra AFB, Tanaka OY. Direito à saúde e integralidade: uma discussão sobre os desafios e caminhos para sua efetivação. Interface. 2012 Abr; 16(40):249-60.

Tema financiamento

Historicamente, os hospitais de ensino passaram por diversas mudanças na tentativa de superar crises financeiras e de gestão, objetivando melhorias da qualidade dos serviços de atenção à saúde. O hospital no qual realizamos esta pesquisa também participou destas mudanças, as quais foram referidas pelos sujeitos da pesquisa.

As transformações que interferem diretamente na dinâmica relacional entre sociedade e indivíduos, considerada neste estudo como a voz da sociedade por meio das portarias estabelecidas em relação aos enfermeiros do Hospital de Ensino, foram classificadas no conceito de configuração. Os cinco sujeitos que incorporaram este tema em seu discurso comprovam que os laços invisíveis do trabalho são relevantes, trazendo interferências positivas ou negativas para seu cotidiano.

Os entrevistados referiram diversas passagens de mudanças: antigamente, havia leitos de não contribuinte, FUNRURAL e INPS (Enf 02; Enf 12).

A verba para financiamento dos procedimentos que antes era encaminhada pelo MEC atualmente vem do MS (Enf 01; Enf 02).

Na década de 1980, as mudanças expostas pelos enfermeiros em seus discursos se evidenciaram, e os hospitais de ensino passaram a ser regulamentados pela autorização de internação hospitalar (AIH).1313. Coser C, Machado-da-Silva CL. Práticas de Assistência no HC-UFPR: a Dinâmica do Processo no Período 1961-2008. In: Anais do Encontro da ANPAD, XXXIV, 2010, p.1-17, Rio de Janeiro, Brasil. Rio de Janeiro (RJ). 2010 [acesso 2013 Out 01]. Disponível em: http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnANPAD/enanpad_2010/EOR/2010_EOR2489.pdf
http://www.anpad.org.br/diversos/trabalh...

A transição dos antigos modelos de financiamento para as novas perspectivas na implantação do SUS se fazia necessária. No início dos anos de 1990, 11 hospitais do estado fecharam e outros reduziram consideravelmente o atendimento por causa da impossibilidade de custear a saúde com os valores pagos nas relações estabelecidas com a Previdência Social.1313. Coser C, Machado-da-Silva CL. Práticas de Assistência no HC-UFPR: a Dinâmica do Processo no Período 1961-2008. In: Anais do Encontro da ANPAD, XXXIV, 2010, p.1-17, Rio de Janeiro, Brasil. Rio de Janeiro (RJ). 2010 [acesso 2013 Out 01]. Disponível em: http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnANPAD/enanpad_2010/EOR/2010_EOR2489.pdf
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Contemporaneamente, após assinatura do Convênio de Gestão com a Secretaria Municipal de Saúde em 2004, os recursos financeiros despendidos no hospital que foi cenário deste estudo passaram a ser fixos e disponibilizados pelo Ministério da Saúde (MS).1313. Coser C, Machado-da-Silva CL. Práticas de Assistência no HC-UFPR: a Dinâmica do Processo no Período 1961-2008. In: Anais do Encontro da ANPAD, XXXIV, 2010, p.1-17, Rio de Janeiro, Brasil. Rio de Janeiro (RJ). 2010 [acesso 2013 Out 01]. Disponível em: http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnANPAD/enanpad_2010/EOR/2010_EOR2489.pdf
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Apesar das diversas mudanças que acompanharam a Reforma Sanitária até a implantação do SUS, são apontadas pelos sujeitos entrevistados dificuldades no financiamento da saúde no Brasil. Estes déficits são geradores de tensões no equilíbrio de força da sociedade.

O financiamento do SUS não acompanha os gastos do hospital, e a tabela utilizada para parâmetros está defasada (Enf 05).

A partir da implantação do SUS, foi promovida uma organização tripartite de financiamento federalista da saúde. Por meio desta organização, a União, os estados e municípios teriam competência comum do financiamento do novo sistema de saúde, ancorado no Orçamento da Seguridade Social (OSS). Apesar de inovadora, devido a irregularidades das contribuições financeiras e à fragmentação dos recursos da saúde, essa opção orçamentária levou a uma diminuição dos recursos. Desse modo, surge como solução temporária a criação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direito de Natureza Financeira (CPMF) e a Emenda Constitucional n. 29 (EC 29/2000).1414. Silva C.L da, Rotta CV. O dilema da universalidade e financiamento público do Sistema Único de Saúde no Brasil. Textos & Contextos. 2012 Ago-Dez; 11(2):333-345.

A aprovação dessa Emenda foi apresentada como grande avanço do financiamento do sistema de saúde brasileiro, pois assegurava recursos mínimos para a saúde brasileira. Porém, conflitos foram evidenciados e colocados como barreiras para o seu cumprimento. A exemplificar, não houve definições sobre quais despesas deveriam ser consideradas como ações e serviços de saúde. Há ainda conflitos no cálculo para aplicação dos recursos da União.1515. Mendes A. A longa batalha pelo financiamento do SUS. Saúde Soc. 2013; 22(4):987-93.-1616. Esteves RJ. The quest for equity in Latin America: a comparative analysis of the health care reforms in Brazil and Colombia. Int J Equity Health. 2012 Feb 2;11:6.

Grandes problemas quanto ao financiamento da saúde permanecem até os dias atuais. No ano de 2012, a proporção de gastos do governo federal com ações e serviços de saúde praticamente se manteve igual ao do ano de 1995, quando este percentual chegava a apenas 1,75% do Produto Interno Bruno (PIB).1515. Mendes A. A longa batalha pelo financiamento do SUS. Saúde Soc. 2013; 22(4):987-93. Esses dados ainda são alarmantes, quando se verifica que, do gasto total de saúde no Brasil, 47% corresponde a gasto público. A partir disso, é possível compreender a dificuldade dos gestores públicos do SUS, pois esse sistema deve atender 75% da população, parcela que não dispõe de planos privados de saúde, e essa assistência se dá com menos da metade dos recursos destinados à saúde no Brasil.1717. Mendes JDV, Bittar OJNV. Perspectivas e desafios da gestão pública no SUS. Rev Fac Cienc Med Sorocaba [online]. 2014 [acesso 2015 abr 27]; 16(1):35-9. Disponível em http://pesquisa.bvs.br/brasil/resource/pt/ses-27426.
http://pesquisa.bvs.br/brasil/resource/p...
-1818. Montekio VB, Medina G, Aquino R. Sistema de salud de Brasil. Salud Pública Méx. 2011 Jan; 53(Suppl 2):120-31.

É notável que o subfinanciamento do SUS não é um problema apenas da época atual: tal situação foi gerada historicamente pelas políticas de ajuste macroeconômico, as quais destinam metade do gasto público ao pagamento de despesas com juros, encargos e amortização de dívidas do país. Há, ainda, o jogo de interesse político, a falta de governança e as irregularidades do sistema político, que refletem na precariedade da assistência à saúde do cidadão, com destaque para a falta de financiamento, conforme explicitado nos discursos dos participantes do estudo.1414. Silva C.L da, Rotta CV. O dilema da universalidade e financiamento público do Sistema Único de Saúde no Brasil. Textos & Contextos. 2012 Ago-Dez; 11(2):333-345.

Tema processo de trabalho

Durante a pesquisa, ficaram perceptíveis certas contradições nas experiências dos enfermeiros participantes no que tange às políticas públicas brasileiras, enfaticamente com relação ao SUS, suas diretrizes, princípios, organização e intencionalidade.

As frases relacionadas ao processo de trabalho do enfermeiro puderam ser categorizadas em dois conceitos de Norbert Elias: interdependência e equilíbrio de tensões. Quanto ao primeiro conceito, surgem falas referentes à dependência recíproca, ou seja, ao trabalho do enfermeiro e às Políticas Públicas de Saúde. Já no segundo conceito, são evidenciadas as tensões de execução do trabalho em enfermagem, relacionadas aos percalços da implantação do SUS.

Há a correlação do SUS com a assistência à saúde gratuita (Enf 03).

Não houve diferença no sistema de saúde brasileiro após a implantação do SUS. (Enf 03; Enf 06; Enf 07; Enf 10; Enf 11).

Estes discursos podem ser compreendidos quando se busca indícios da participação dos enfermeiros na Reforma Sanitária. Desde 1986, há provas de que essa classe não era numericamente expressiva no período - os profissionais de nível superior ocupavam 30% do total de trabalhadores da saúde, e desses 17% correspondiam a médicos e apenas 2% eram enfermeiros.1919. Almeida MCP. A formação do enfermeiro frente à reforma sanitária. Cad Saúde Pública. 1986 Out-Dez; 2(4):505-10. O percentual de enfermeiros neste período não ultrapassava 8,5% do total da força de trabalho em enfermagem: ou seja, aproximadamente 25.863 profissionais. No ano de 2010, o Conselho Federal de Enfermagem divulgou que o número de enfermeiros era de 287.119.2020. Barreto IS, Krempel MC, Humerez DC. O Cofen e a Enfermagem na América Latina. Enferm Foco. 2011; 2(4):251-4.

O não envolvimento nas questões relativas às políticas de saúde do Brasil pode ter contribuído para a correlação feita pelos enfermeiros do SUS de que se trata de um sistema que engloba apenas a assistência à saúde gratuita. A Lei n. 8.080/90 descreve a complementaridade com os serviços ofertados pela iniciativa privada quando suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura da assistência, corroborando a participação de instituições privadas no SUS.77. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 20 Set. 1990.

Outro fato a ser analisado refere-se à formação acadêmica dos enfermeiros. A trajetória histórica dos cursos de graduação desta profissão é marcada por inúmeras mudanças relacionadas à situação social, política e econômica do período.

Atualmente o ensino da enfermagem tem uma pauta muito próxima das necessidades de saúde e de uma assistência integral. O grande foco, a atenção hospitalar, foi redimensionado a partir da inserção das práticas de saúde coletiva no processo de formação. A intenção de adequar o processo de formação às novas políticas de saúde, pautadas na Reforma Sanitária e nos princípios e diretrizes do SUS, ficou explicitada em pesquisa realizada no Paraná com projetos político-pedagógicos de nove escolas de graduação em enfermagem.2121. Silva RPG, Rodrigues RM. Sistema Único de Saúde e a graduação em enfermagem no Paraná. Rev Bras Enferm. 2010; 63(1):66-72.

As frases temáticas relacionadas ao processo de trabalho foram categorizadas, em sua maioria, a partir dos conceitos de Norbert Elias: interdependência e equilíbrio de tensões. Isto se deve ao não reconhecimento, por parte dos sujeitos entrevistados, de mudanças induzidas pela implantação do SUS no seu processo de trabalho, como na frase a seguir: Não houve diferença nos cuidados de Enfermagem ao longo desses anos (Enf 01).

Em estudo realizado em 1995, no Hospital de Clínicas da cidade de Rio Preto, localizada no estado de São Paulo, houve corroboração à ideia do não reconhecimento de mudanças no processo de trabalho do enfermeiro. Nessa pesquisa, entretanto, dos 31 enfermeiros entrevistados, apenas uma parte da amostra, 17 enfermeiros (54,84%), negam mudanças em suas ações diárias após a adesão da instituição ao SUS. Os 14 sujeitos que referiram mudanças colocam o trabalho, naquele tempo, como mais próximo do paciente. No período da pesquisa, a assistência passou a ser mais tumultuada, exigindo mais específico um direcionamento desta categoria profissional ao paciente grave.2222. Melo MRAC, Fávero N, Évora YDM, Nakao JRS. Modificações no atendimento de enfermagem hospitalar decorrentes do Sistema Único de Saúde (SUS). Rev Latino-Am Enfermagem. 1998 Out; 6(4):5-14.

Tema universalidade

A dinâmica relacional, ou ainda a configuração, existente no sistema de saúde brasileiro, fica evidente por meio dos discursos referenciados pela temática universalidade. A representação das frases temáticas desta categoria permite observar a relação de dependência entre a integralidade e a universalidade, as quais só se farão possíveis e plenas à toda população quando estiverem em sintonia com o financiamento do SUS.

As frases referidas pelos sujeitos da pesquisa refletem esta dependência.

Houve uma diminuição do número de leitos no hospital devido a adequações às novas legislações, bem como à diminuição de recursos humanos. (Enf 01; Enf 03; Enf 05; Enf 07; Enf 10; Enf 12).

Dados apontam que o acesso aos serviços de saúde no Brasil tem melhorado. Anteriormente à implantação do SUS, 8% da população afirmava ter usado serviço de saúde nos últimos 30 dias. Já em 2008, houve um aumento de 174% neste índice: 14,2% da população havia usado serviços de saúde nos últimos 15 dias.33. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011; 377(9779):1778-97.

Realizando uma análise de financiamento, que impacta diretamente na universalidade, alcançamos o número de internações financiadas pelo setor público. Em 1982, o sistema de previdência social financiou 13,1 milhões de internações/ano, enquanto que no ano de 2009 o SUS financiou 11,1 milhões de internações/ano. A redução no acesso ao cuidado hospitalar pode ser justificada tanto pela restrição das despesas hospitalares por estado (segundo o tamanho da população), limitando o pagamento de internações pelo MS, quanto pela diminuição das internações potencialmente evitáveis após a criação de determinados serviços, como, por exemplo, a Estratégia de Saúde da Família.33. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011; 377(9779):1778-97.

Tema controle social

Neste estudo, foram referendadas frases da categoria interdependência quando os participantes da pesquisa reforçaram as relações entre os usuários para a efetivação do controle social. Há ainda outra categoria, quando os enfermeiros referem-se às tensões existentes como a dificuldade de colocar em prática tal princípio pela inexistência de um Conselho Local de Saúde atuante no cenário estudado.

Implantado pela Lei n. 8.142/90 e, posteriormente, reformulado pela Resolução n. 333/03, o controle social da população na gestão das políticas públicas de saúde se efetiva mediante participação do Conselho de Saúde. Hoje, ele é definido como um órgão colegiado, deliberativo e permanente do SUS, o qual, a princípio, compõe a estrutura básica do MS, Secretaria de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.2323. Brasil. Resolução n. 333, de 04 de novembro de 2003: aprova as diretrizes para criação, reformulação, estruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 4 Dez. 2003.

O objetivo dos Conselhos de Saúde é atuar na formulação e proposição de estratégias e no controle da execução das Políticas de Saúde, inclusive em seus aspectos econômicos e financeiros.2323. Brasil. Resolução n. 333, de 04 de novembro de 2003: aprova as diretrizes para criação, reformulação, estruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 4 Dez. 2003.

Assim, para os enfermeiros entrevistados, essas discussões têm trazido conhecimento e benefícios aos usuários do SUS, permitindo uma maior participação com a consequente exigência de seus direitos.

O usuário exerce o controle social quando questiona sobre o investimento na área da saúde e conhece seus direito. (Enf 04; Enf 05).

Porém, apesar do processo de democratização, permeado pela participação social, ainda é necessário avançar no que tange à legitimidade, à coletividade das decisões e ao fortalecimento dos espaços decisórios.2424. Soratto J, Witt RR. Participação e controle social: percepção dos trabalhadores da saúde da família. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 [acesso 2015 Apr 21]; 22(1):89-96. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000100011&lng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...

Não é colocado em prática o princípio do SUS a respeito do controle social, visto que não há Conselho Local de Saúde atuante (Enf 06).

Em estudo realizado em Minas Gerais, para avaliação da efetiva participação dos cidadãos no Conselho Municipal de Saúde, houve a percepção de que não está consolidada a gestão participativa no SUS. O não respeito aos princípios da paridade e a influência política como critérios de escolha dos membros do Conselho dificultam o importante processo de gestão das políticas públicas de saúde no Brasil.2525. Cotta RMM, Martins PC, Batista RS, Franceschinni SCC, Priore SE, Mendes FF. O controle social em cena: refletindo sobre a participação popular no contexto dos Conselhos de Saúde. Physis. 2011; 21(3):1121-37.

Temas descentralização e regionalização

Os dois temas - descentralização e regionalização - serão abordados em conjunto, uma vez que há uma complementariedade entre seus conceitos.

As frases do tema abordado permaneceram na categoria de configuração, por representarem a dinâmica entre sujeitos no sistema de saúde. Neste momento, podem ser exemplificadas pelas relações intergovernamentais.

A partir da implantação do SUS, o Estado diminuiu sua responsabilidade na área da saúde. Em contrapartida, há um aumento da atuação do município (Enf 06; Enf 02).

A ideia de descentralização, com direção única em cada esfera de governo, surge numa tentativa de mudança de conceitos relativos à gestão da saúde, com ênfase para a municipalização da assistência. A gestão municipal se justificaria porque o Brasil é um país de dimensões continentais, no qual só haveria qualidade na assistência caso houvesse serviços essenciais em cada canto do país.2626. Organização Pan-Americana da Saúde. Redes e regionalização em saúde no Brasil e na Itália: lições aprendidas e contribuições para o debate. Brasília (DF); 2011.-2727. Fleury S. Brazil's health-care reform: social movements and civil society. Lancet. 2011 May; 377(9779):1724-25.

Um marco para esse processo foi a Constituição Nacional de 1988, que definiu o papel da União, dos estados e municípios no sistema de saúde, com foco na descentralização. Ela traria uma formulação e a implementação da política de saúde, dos recursos financeiros e dos serviços e ações de saúde nos estados e municípios.2626. Organização Pan-Americana da Saúde. Redes e regionalização em saúde no Brasil e na Itália: lições aprendidas e contribuições para o debate. Brasília (DF); 2011.

Com a promulgação da Constituição de 1988, foi ofertada grande autonomia aos municípios, transformando-os em entes federativos. Esse modelo trouxe consequências não necessariamente benéficas ao sistema: o aumento da competição entre estados e municípios por recursos cada vez mais escassos e as dificuldades históricas do modelo centrado nas práticas curativas e de alto custo, com baixo foco na promoção da saúde.2626. Organização Pan-Americana da Saúde. Redes e regionalização em saúde no Brasil e na Itália: lições aprendidas e contribuições para o debate. Brasília (DF); 2011.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No processo de trabalho desenvolvido pelos enfermeiros no cenário estudado, as tensões e relações - analisadas pelo viés da implantação dos pressupostos, durante a década de 1990, da Reforma Sanitária Brasileira - permitiram identificar que os princípios do Sistema Único de Saúde fazem parte das rotinas dos enfermeiros entrevistados e permeiam as relações estabelecidas pelos profissionais, sejam elas entre enfermeiro-enfermeiro, enfermeiro-usuário ou enfermeiro-sistema de saúde.

O conceito de configuração foi o mais utilizado para a classificação das frases. Isto corrobora com a afirmação de que as relações estabelecidas entre enfermeiros e sistema de saúde são muito utilizadas em seu cotidiano. As imposições do sistema, as facilidades implantadas e as dificuldades geradas são, por muitas vezes, relatadas nos discursos, o que demonstra a dinâmica relacional entre eles.

Da mesma forma, as tensões geradas também são frequentemente apontadas. Por serem tidas como barreiras para atingir o objeto de trabalho do enfermeiro, seja a assistência, a gerência, o ensino ou a pesquisa, elas determinam alterações no equilíbrio de forças da sociedade, e por isso têm grande relevância.

A percepção de que a implantação do SUS modificou o processo de trabalho do enfermeiro não foi identificada por estes sujeitos. Pondera-se que a pouca participação desta classe profissional no período da Reforma Sanitária e, ainda hoje, nos espaços de decisões políticas, bem como a formação acadêmica de tais profissionais, levam a um déficit no conhecimento aprofundado das políticas públicas de saúde do Brasil e de seu decorrente impacto no processo de trabalho em saúde.

Contudo, o enfermeiro reconhece que a Lei n. 8080/90 trouxe, por meio de seus princípios e diretrizes, alterações no cenário estudado, com destaque aos temas integralidade e universalidade e às peculiaridades do financiamento das ações em saúde. Desse modo, consideramos que as transformações induzidas pela implantação do SUS refletem no processo de trabalho deste profissional, ainda que indiretamente percebido.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2015
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2014
  • Aceito
    17 Ago 2015
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