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Diálogos de Gilberto Freyre para o luso-tropicalismo

Gilberto Freyre’s diologues for lusotropicalism

Resumo:

Gilberto Freyre foi um dos sociólogos que se inclinou à compreensão do Brasil em sua formação social, cultural e política através de costumes, práticas e identidades, a partir das relações cotidianas, durante os anos 1930. Na década seguinte, processou-se uma ênfase àquilo que chamou de luso-tropicalismo, com o intuito de levar suas análises para um patamar de exames em escala global da maneira de o português se posicionar no mundo e as consequências disso em termos de formação social e cultural. Com o intuito de compreender as bases intelectuais buscadas por Freyre, o artigo examina as confluências deste com as teorias de Angel Ganivet e António Sardinha como instrumentos para habilitar a tradição hispânica como alternativa ao projeto de modernidade hegemônico do qual o imperialismo anglo-saxão era representante.

Palavras-chave:
Luso-tropicalismo; Hispanismo; Apropriação

Abstract:

Gilberto Freyre was one of the sociologists who tended to understand Brazil in its social, cultural and political formation through customs, practices and identities, based on everyday relationships, during the 1930s. There was an emphasis on what he called Lusotropicalism, with the aim of taking his analyzes to a level of analysis on a global scale of the way Portuguese positions itself in the world and its consequences in terms of social and cultural formation. In order to understand the intellectual bases sought by Freyre, the article examines its confluences with the theories of Angel Ganivet and António Sardinha as instruments to enable the Hispanic tradition as an alternative to the hegemonic modernity project of which Anglo-Saxon imperialism was representative.

Keywords:
Lusotropicalism; Hispanism; Appropriation

Os intelectuais e sua inserção política

O conceito contemporâneo de intelectual tem como marco o caso Dreyfus, ocorrido na França em 1898. Trata-se do julgamento do capitão Alfred Dreyfus, acusado de crime de espionagem, cujo inquérito alegava que o oficial havia vendido segredos militares à Alemanha. Subjacente ao caso emergia o antissemitismo, visto que o suspeito possuía ascendência judaica (Sirinelli, 1990SIRINELLI, Jean-François. Intellectuels et passions françaises: manifestes et petitions au XX siècle. Paris: Arthème Fayard, 1990., p. 37). Desse modo, verificava-se a parcialidade do processo, o que comprometia o julgamento em si.

Pensadores como Durkheim e Zola (autor do manifesto J’Accuse) se engajaram politicamente e empenharam esforços pela revisão processual que estava em curso, diante dos vícios apresentados. Diante desse cenário, a mobilização gerou engajamento e polarização política, materializada em dois grupos principais: Ligue de La Patrie Française, composta por católicos, nacionalistas e conservadores, portanto, empenhados em que o julgamento pudesse ser revestido de significado de combate aos estrangeiros, salientando assim os valores e mitos fundadores da França; e a Ligue des Droits de l’Homme, disposta a defender Dreyfus em nome do julgamento integro e revelando os interesses que transcendiam e contaminavam a justiça. Em vista dos argumentos e da forma como eram defendidos, estes últimos, pejorativamente foram alcunhados de intelectuais, principalmente por Maurice Barrès, autor conservador e nacionalista francês (Weber, 1985WEBER, Eugen. L’Action Française. Paris: Arthème Fayard, 1985., p. 34).

Em decorrência do modo como utilizado por Barrès, a definição de intelectual passou a ser compreendida como “uma vanguarda cultural e política que ousava desafiar a razão de Estado” (Silva, 2002SILVA, Helenice Rodrigues. Fragmentos de história intelectual: entre questionamentos e perspectivas. Campinas: Papirus, 2002., p. 16). Como desdobramento, a categoria intelectual deve ser revestida de preocupação com o debate cívico, que transcende os espaços acadêmicos e se irradia para a sociedade de forma abrangente. Assim, tal como sublinham Angela de Castro Gomes e Patrícia Hansen (2016GOMES, George Manuel. António Sardinha, precursor do luso-tropicalismo? Faces da Clio: Revista discente do Programa de Pós-Graduação em História-UFJF, v. 2, n. 4, p. 97-109, 2016., p. 12): “Os intelectuais têm um processo de formação e aprendizado sempre atuando em conexão com outros atores sociais e organizações intelectuais ou não, e tendo intenções e projetos no entrelaçamento entre o cultural e o político”.

As preocupações de Gilberto Freyre transcenderam os interesses inscritos no campo científico, atingindo diretamente a esfera pública ao subverter valores etnocêntricos hegemônicos em seu contexto. Assim, Freyre buscou analisar a formação social do Brasil como projeto bem-sucedido enquanto esforço de desenvolvimento de uma civilização. E este aspecto positivo só foi possível, de acordo com os exames de Freyre, a partir da mestiçagem racial e cultural do português com o negro e o indígena. Nesta perspectiva a teoria luso-tropical valorizou a diversidade racial e cultural, como alternativa às análises eugênicas de branqueamento como aspecto de superioridade, então vigentes como paradigma científico na primeira metade do século XX (Candeas, 2010CANDEAS, Alexandre. Trópico, cultura e desenvolvimento: a reflexão da Unesco e a tropicologia de Gilberto Freyre. Brasília: Unesco; Liber Livro, 2010., p. 52).

Todavia, as ideias não transitam como fantasmas, descarnadas e com surgimento espontâneo, destituídas de um contexto. É necessário integrar tais concepções, buscando associar o texto produzido ao espaço de experiência do autor. Deste modo, Sirinelli (1990SIRINELLI, Jean-François. Intellectuels et passions françaises: manifestes et petitions au XX siècle. Paris: Arthème Fayard, 1990., p. 19) destaca três preocupações cruciais para a análise dos intelectuais e sua produção: o itinerário dos sujeitos; o trânsito e pertencimento geracional; e, por fim, as estruturas de sociabilidade que se convertem em redes nos meios intelectuais, através de estratégias variadas (permuta de obras, publicações de artigos, trocas de correspondência, laços de afinidade).

Desse modo, a história intelectual tem como função a restituição do texto ao seu contexto, lançando luz à circulação de impressos, partilha de leituras e troca de experiências inscritas em rede de sociabilidades e coerentes à identificação geracional correspondente (Dosse, 2007DOSSE, François. La marcha de las ideas: historia de los intelectuales, historia intelectual. València: Universitat de València, 2007., p. 100). Para a compreensão das definições de luso-tropicalismo e suas derivações, portanto, torna-se essencial a vinculação de Freyre ao seu contexto, com o esforço de investigação para compreender suas redes de sociabilidade (através dos contatos, convites e publicações em periódicos etc.), e a qual geração buscava se associar.

Definições de luso-tropicalismo e seus aspectos gerais

Gilberto Freyre (1900-1987) compôs por décadas um dos eixos canônicos da sociologia brasileira, juntamente com Caio Prado Jr. (1907-1990) e Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Suas obras nos anos 1930, conforme dito, destacaram-se, entre outros aspectos, por observarem o negro e a miscigenação como elementos positivos na composição social e cultural para a identidade nacional.

Na década posterior, os trabalhos de Freyre buscaram construir, através do arcabouço sociológico derivado de estudos consagrados (por exemplo, em Casa-grande & senzala), uma teoria que afirmava o processo civilizatório excepcional mantido pelos povos ibéricos, com ênfase no português. Resultado de suposta plasticidade na composição étnica peninsular, Portugal foi responsável por entrecruzamentos transnacionais compostos de miscigenação biológica, cultural e social, segundo Freyre. Lançava-se, desse modo, as bases para o que seria definido como teoria ou doutrina do luso-tropicalismo. Tal proposta estreitou diálogo com o cenário político português, ou seja, com a ditadura de Oliveira Salazar.

Salvo melhor juízo, é consenso na bibliografia referente às obras de Gilberto Freyre insinuações do luso-tropicalismo já em 1933 (Castelo, 1999CASTELO, Cláudia. O modo português de estar no mundo: o luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Porto: Afrontamento, 1999., p. 28-29), com Casa-grande & senzala, devido a abordagens voltadas “ao traço multiétnico de Portugal, dividido entre o mundo ocidental europeu e a presença do mundo árabe” (Lima, 2011LIMA, Matheus Silveira. Portugal e o iberismo na sociologia política brasileira: miscigenação, patriarcalismo e centralização. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, 2011., p. 147). A Península Ibérica, portanto seria marco de transição entre o Oriente e o Ocidente, tal como Portugal seria o espaço de mediação entre a Europa e a África, conforme apresentou Elide Rugai Bastos (2006BASTOS, Elide Rugai. O iberismo e a reflexão sobre a democracia na obra de Gilberto Freyre. Pró-posições, v. 17, n. 3, p. 37-55, 2006., p. 39). Esta característica dotaria Portugal, desde sua formação cultural e composição étnica, de plasticidade.

Em relação aos estudos de Freyre, contudo, há nitidamente um corte em termos de preocupação acadêmica e metodológica que separa as obras dos anos 1930 das décadas seguintes, quando suas obras forneceram instrumentalização política e ideológica ao salazarismo. Neste último recorte, houve a opção da aproximação da ditadura de Salazar com o intuito de habilitar a prática colonial do regime português, em detrimento da preocupação analítica de cunho científico. Tal fronteira é percebida a partir de seu esforço em delinear o conceito de luso-tropicalismo e creditá-lo como abordagem científica.

O esboço de tal proposta é definido pela plasticidade e miscigenação a partir da transnacionalidade promovida pelo português, por inviabilizar assim a compreensão de que esta criação seria unicamente europeia. Desse modo, Portugal não seria responsável por um império colonial, mas sim por desenvolver nacionalidades lusófonas, integrantes de uma civilização com características específicas. Por se desenvolver nos trópicos, tal civilização seria distinta das constituídas na Europa, e não podendo ser compreendida como consequência definitiva da colonização de países europeus, mas sem rivalizar ou rejeitar contribuições decorrentes do Velho Mundo. Tal civilização em processo de formação, para Freyre, “é, sob vários aspectos extraeuropeia. Ou mais que europeia” (Freyre, 1971FREYRE, Gilberto. Novo mundo nos trópicos. São Paulo: Editora Nacional; Editora da Universidade de São Paulo, 1971., p. 130). Tais características se constituíram antes mesmo da experiência das navegações, a partir do contato longo e frequente de portugueses e espanhóis árabes e judeus, o que resultou “antes em integração, equilíbrio de elementos antagônicos do que a segregação ou diferenciação ostensiva de qualquer um deles; ou em choque violento entre eles” (p. 36).

Os pontos ressaltados por Freyre aproximam-se, apesar de veladamente, da polêmica sobre o lugar da Península Ibérica e do mundo latino na modernidade e no mundo, célebre na Espanha do final do século XIX pelos debates entre Miguel de Unamuno e Angel Ganivet. Este último forneceu contribuição para Freyre na construção do luso-tropicalismo, através da proposta de Ganivet de ressaltar a identidade hispânica com colaboração dos hispano-americanos, e em reação ao imperialismo anglo-saxão (Cazetta, 2018CAZETTA, Felipe. História intelectual e projetos políticos nas propostas de hispanismo de António Sardinha, Angel Ganivet e Miguel de Unamuno. Topoi, Rio de Janeiro, v. 19, n. 38, p. 169-189, 2018., p. 185). A definição de luso-tropicalismo, suas competências e áreas de abrangência encontravam-se estabelecidas e evidentes na introdução de O luso e o trópico. Lançando-se como base interdisciplinar apresentava-se:

porventura válido para a sistematização científica de estudos dessa forma e desse processo biossociais de adaptação e de transculturação, em que a interpretação cultural e a miscigenação biológica têm cooperado de modo raro na história dos contatos inter-humanos e interculturais dessa espécie (Freyre, 1961FREYRE, Gilberto. O luso e o trópico: sugestões em torno dos métodos portugueses de integração dos povos autóctones e de culturas diferentes da Europa num complexo novo de civilização - luso tropical. Lisboa: Comissão Executora das Comemorações do V Centenário do Infante D. Henrique, 1961., p. 7).

Diante da manifestação através de elementos culturais e sociais de forma dinâmica, Freyre afirmava que sua tese transcendia os limites acadêmicos, por fornecer instrumentos de reinterpretação e reorientação do comportamento de portugueses e brasileiros nos campos de política e economia internacionais (Freyre, 1961CRUZ, Manuel Braga da. O integralismo lusitano nas origens do salazarismo. Análise Social, v. XVIII, n. 70, p. 137-182, 1982., p. 2). Por romper as fronteiras científicas, o autor pernambucano apontava para configurações políticas organizadas que possibilitassem o estreitamento e a articulação dessa civilização luso-tropical. Para isso Freyre recuperou projeto pensado tanto por Angel Ganivet, como por António Sardinha (um dos mentores do Integralismo Lusitano),1 1 Integralismo Lusitano, em atividade entre os anos de 1914 e início dos anos 1930, foi movimento doutrinário de caráter monárquico corporativista, avesso às concepções liberais e do constitucionalismo. Com forte influência da Encíclica Rerum Novarum, entendia a liberal democracia como forma de corrupção à tradição nacional portuguesa, por constituir-se estrangeira e estranha às raízes nacionais lusitanas, estabelecidas sobre a Coroa e a Igreja. O movimento surgiu através do espaço de sociabilidade criado entre estudantes da Universidade de Coimbra nos primeiros anos do século XX, que inicialmente possuíam concepções políticas distintas. Entretanto, com a proclamação da República em 1910, converteram-se ao monarquismo orgânico (descentralizado administrativamente e centralizado politicamente). Com a experiência do exílio (1913) de alguns dos futuros membros, houve a possibilidade de enriquecimento de aportes ideológicos e doutrinários conservadores e de extrema-direita, a partir da circulação de textos da Ação Francesa. Cf.: Pinto (1994); Martins (2010); Cruz (1982); Barreiras (1982); Cazetta (2019). estabelecido sob “tradições e pendores comuns” (p. 7).

Neste projeto, Freyre explicitou parte de suas referências para elaboração da tese do luso-tropicalismo, assim como seus limites e revestimentos culturais e de identidade. Conforme dito, Freyre entendia a Península Ibérica como região de fronteira entre Ocidente e Oriente, assim como limites da Europa com a África. Ao referir-se à polêmica decorrente da identidade da Península Ibérica:

Ainda que alguns autores modernos, espanhóis e portugueses, como Unamuno, por exemplo, desejem a completa europeização da Espanha e Portugal, outros, como Ganivet, sustentam que é procurando o Sul, a África, que Portugal e Espanha encontram a chave do seu futuro e a explicação de seu éthos (Freyre, 2001FREYRE, Gilberto. Interpretação do Brasil: aspectos de formação social brasileira como processo de amalgamento das raças e culturas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001., p. 58).

Com o intuito de marcar a distinção existente entre a proposta de civilização defendida pelo mundo ibérico, em destaque os portugueses, em detrimento do imperialismo anglo-saxão, Freyre apresentou elementos específicos ao processo de colonização lusitano. Para além do ideal de descobrir rotas comerciais alternativas, os exploradores de novas regiões, segundo Freyre, eram animados “pelo ideal de converter no Portugal cristão - oficialmente cristão - populações pagãs aos cristianismo” (Freyre, 2001FREYRE, Gilberto. Interpretação do Brasil: aspectos de formação social brasileira como processo de amalgamento das raças e culturas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001., p. 76). Portanto, nesta empreitada a intenção era mobilizada pelo ideal religioso e cultural, sempre segundo Freyre, com motivações transcendentes ao preconceito étnico ou racial. Este aspecto animou as interações sexuais e o entrecruzamento cultural de portugueses e nativos das regiões colonizadas, gerando novos registros de identidade, e, assim, se constituindo o luso-tropicalismo. Tal como Freyre, Ganivet (1897GANIVET, Angel. Idearium español. Granada: Viuda e Hijos de Paulino V. Sabatel, 1897., p. 24) entendia ser o cristianismo, em primeiro momento, instrumento para a construção de uma unidade, não racial, mas de ideias, sob o risco de se constituir elo frágil e exterior.

Ganivet se opunha igualmente à modernidade e ao imperialismo por atribuir a esses o golpe mortal na capacidade do poder ibérico em se fazer relevante internacionalmente (Unamuno, Ganivet, 1912UNAMUNO, Miguel de; GANIVET, Angel. El porvenir de España. Madrid: Renacimiento, 1912., p. 75). O contato com o autor espanhol estabelecido por Freyre se deu através de Idearium español (1897), lido no período estudantil em Nova York (González-Velasco, 2021GONZÁLEZ-VELASCO, Pablo. Gilberto Freyre y España: la constante iberista em su vida y obra. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Universidade de Salamanca, Salamanca, 2021., p. 320). As obras de Ganivet exerceram influência na construção do arcabouço teórico freyriano, desde a concepção de miscigenação para a construção social do Brasil, até a formação das teses do luso-tropicalismo. Tais afluentes conduziram para a democracia social e racial como elementos de revestimento dos povos luso-tropicais. Essa postura evidencia descrença de Freyre em relação à democracia enquanto modelo de organização política.

Em suas obras havia o entendimento que a democracia social e étnica foi constituída de forma orgânica e cotidiana, ao longo do processo de interiorização colonial (Freyre, 2001FREYRE, Gilberto. Interpretação do Brasil: aspectos de formação social brasileira como processo de amalgamento das raças e culturas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001., p. 111). Por outro lado afirmava ser a democracia política algo externo:

Na verdade, ler e escrever são meios de comunicação muito úteis para civilizações e para formas de organização democráticas. [...] Em países como a China, a Índia, o México e o Brasil, as massas não têm hoje, provavelmente, a mesma necessidade de saber ler e escrever, como meios de se modernizarem, que tiveram as massas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, durante o século XIX, e mesmo a Rússia soviética no começo desse século (Freyre, 1971FREYRE, Gilberto. Novo mundo nos trópicos. São Paulo: Editora Nacional; Editora da Universidade de São Paulo, 1971., p. 49).

A referência foi retirada de Novo mundo nos trópicos, publicado inicialmente em inglês, em 1945, e surgido novamente, de forma integral, em Interpretação do Brasil ([1947] 2001). Freyre evidenciou o contraste existente entre os países inseridos na modernidade, e sua distinção de necessidades e demandas, sublinhando a existência de civilizações diferentes em mesmo recorte temporal. A democracia política, desse modo, contemplaria reivindicações que não eram coerentes com o contexto brasileiro, assim como ler e escrever não fariam parte das necessidades existentes no Brasil.

A democracia social/racial se sobrepunha e, em certa medida, se opunha à democracia política nessa perspectiva. As formas de governar e de expressar-se politicamente, para Freyre, eram secundárias em relação às maneiras de interação social, convivência e partilha de experiências. Freyre não negava as práticas autoritárias vinculadas à escravidão e ao patriarcalismo, porém, afirmava serem essas fundamentais para a constituição do modelo de civilização que a população brasileira estava integrada, ou seja, a luso-tropical.

A aversão à modernidade e simpatia ao patriarcalismo conduziram as análises de Freyre à interpretação da escravidão no Brasil como uma condição sem a qual a sociedade brasileira não se consolidaria como tal (Lima, 2011LIMA, Matheus Silveira. Portugal e o iberismo na sociologia política brasileira: miscigenação, patriarcalismo e centralização. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, 2011., p. 144). Através da miscigenação, Freyre encontrou elementos positivos na relação de senhor e escravo, sem necessariamente negar a crueldade inerente ao sistema, mas destacando que o ambiente laboral escravista no Brasil seria menos hostil que a exploração praticada pelos capitalistas burgueses ao operariado inglês (Freyre, 2001FREYRE, Gilberto. Interpretação do Brasil: aspectos de formação social brasileira como processo de amalgamento das raças e culturas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001., p. 125-126). Portanto, demarcava-se distinções entre a civilização ocidental e os povos abrangidos no luso-tropicalismo.

Elementos como o individualismo e o capitalismo liberal seriam avessos às características dos espaços de influência luso-tropical. A democracia política, com participação popular e individual, era, nesses termos, incompatível à democracia racial ou social formada com o emprego da escravidão e da exploração do sistema de plantação. Se o sistema de participação eleitoral liberal é incremento típico da sociedade burguesa pós-Revolução Industrial, a democracia racial ou social seria obra de miscigenação promovida a partir do contato entre a casa-grande e a senzala. Definia-se assim que o luso-tropicalismo era tributário da sociedade europeia, mas não sua reprodução ou consequência unilateral.

Elide Rugai Bastos (2006BASTOS, Elide Rugai. O iberismo e a reflexão sobre a democracia na obra de Gilberto Freyre. Pró-posições, v. 17, n. 3, p. 37-55, 2006., p. 38) afirma que tais debates a respeito do não europeísmo das sociedades ibéricas são tributários de vários textos do final do século XIX. Estes foram produzidos pela geração do “Desastre”, sensíveis ao decadentismo espanhol em relação aos anglo-saxões, onde a marca mais evidente foi a derrota na Guerra Hispano-Americana (1898), resultando no encerramento da experiência colonial espanhola e colocando pensadores portugueses em alerta aos assuntos coloniais. Tais textos demarcando a posição específica da Península Ibérica, como região de fronteira entre África e Europa, tiveram como principais mobilizadores Unamuno e Ganivet. Este último, importante para Freyre constituir outra demarcação, existente entre os povos luso-tropicais e as sociedades que aderiram à modernidade.

Ganivet ocupou função importante na organização das análises de Freyre acerca da disposição dos portugueses e dos mecanismos de colonização, no intuito de organizar a doutrina do luso-tropicalismo. Isso é explicitado em Tempo morto e outros tempos, de onde se extrai a confissão: A propósito de Ganivet, ele me ajuda a ver o Brasil mais do que ninguém” (Freyre, 2012, p. 264). A temática do hispanismo não foi monopólio de Ganivet, tampouco sua aversão à modernidade e prestígio à tradição, estando um ou outro desses elementos presentes em Charles Maurras, Ortega y Gasset, António Sardinha, todos conhecidos e referenciados pelo sociólogo pernambucano. Porém, Ganivet teve função estruturante na forma como Freyre percebia a relação dos portugueses e espanhóis em contato com outros povos, em oposição à dominação e imposição de civilização manifesta pelo imperialismo anglo-saxão.

Ganivet: a ponte de Freyre para o luso-tropicalismo

O final do século XIX foi traumático para os países ibéricos, pois passavam por convulsões políticas e econômicas que acarretaram questionamentos a respeito de suas posições e importâncias no globo e, consequentemente, o destino a ser seguido para retirarem-se da situação de crise. A “Geração de 1898”, na Espanha, foi arrebatada pelos questionamentos referentes à encruzilhada de aderir à modernidade ou seguir a tradição hispânica (Gouveia, 2011GOUVEIA, Regiane Cristina. A “Geração de 1898”, o “Desastre” e a retomada das relações entre a Espanha e as repúblicas hispano-americanas. In: Simpósio Nacional de História, 26., 2011, São Paulo. Anais...São Paulo: Anpuh. p. 1-16, 2011., p. 2-3). A Guerra Hispano-Americana culminou com a derrota e encerramento da experiência colonial espanhola. Como meio de se reposicionar diante do “Desastre”, conforme se popularizou o declínio no conflito com os Estados Unidos, intelectuais das duas margens do Atlântico estreitaram diálogo com o intuito de buscar alternativas ao imperialismo anglo-saxão e à modernidade que este representava (Capelato, 2003CAPELATO, Maria Helena Rolim. A data símbolo de 1898: o impacto da independência de Cuba na Espanha e Hispanoamérica. História, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 35-58, 2003., p. 38).

Angel Ganivet participou dos dilemas da “Geração de 1898”, apesar de ter cometido suicídio nesse mesmo ano. Como proposta para retirar a Espanha de tal situação e fornecer instrumentos para reabilitar a tradição cultural ibero-americana, assumia a necessidade de alianças de cunho intelectual entre ex-metrópoles e ex-colônias, sem relações de hierarquias (Ferreira, 2016FERREIRA, Paulo Bruno Rodrigues. Iberismo, hispanismo e seus contrários: Portugal e Espanha (1908-1931). Tese (Doutorado em História Contemporânea), Universidade de Lisboa, Lisboa, 2016., p. 61). Lançava-se, portanto, como cosmopolita com o intuito de propor alternativa ao imperialismo bélico anglo-estadunidense. Em lugar deste, apresentava o projeto de avivamento de intercâmbio intelectual, unido pelos vínculos da identidade transnacional ibero-americana.

Antes de qualquer iniciativa armada, Ganivet desejava estabelecer laços de solidariedade com países que pudessem fazer parte do hispanismo buscado e partilhar laços de identidade comum. A estratégia para fomento de tais conexões entre os vizinhos Espanha e Portugal se faria através da tradição hereditária, mantida historicamente por Aragão e Catalunha, Castela e Aragão e, finalmente, Espanha e Portugal. Estes vínculos não resultariam em submissão ou diluição de territórios e soberanias (Ganivet, 1897GANIVET, Angel. Idearium español. Granada: Viuda e Hijos de Paulino V. Sabatel, 1897., p. 42). Assim, recusava o uso da força e das armas como instrumentos de imposição. A contrapelo, investia na flexibilidade das ideias e daquilo que chamou de “espírito” do país, para consolidar a sua difusão e permanência da influência. Seria este o mecanismo para rivalizar e obter sucesso adiante da modernidade anglo-saxã, maneira buscada de atuação política internacional durável.

Esse conjunto de ideias que Ganivet entendia ser o espírito de um país estava concentrado sob bases artísticas e religiosas (Ganivet, 1897GANIVET, Angel. Idearium español. Granada: Viuda e Hijos de Paulino V. Sabatel, 1897., p. 65). O ímpeto cavalheiresco associado ao cristianismo, não como meio de proselitismo e doutrinação, mas de viés plástico e aberto para receber novos investimentos culturais que revestiriam as bases para a reabilitação da atuação hispânica e preservação da tradição ibérica na modernidade. Portanto, longe de se estabelecer uma confederação política e institucionalizada de Estados hispano-americanos, Ganivet vislumbrou partilha de valores intelectuais e espirituais que seriam responsáveis por tal comunidade de pensamentos e comportamentos, sem sacrificar a soberania e independência de quaisquer membros integrantes (Ganivet, 1897GANIVET, Angel. Idearium español. Granada: Viuda e Hijos de Paulino V. Sabatel, 1897., p. 105).

Freyre foi adepto deste projeto para a construção do luso-tropicalismo. Acreditava, até mais que Ganivet, nos vínculos históricos de Portugal e Espanha, fortalecidos pela posição geográfica destes países, misto de Europa e África (Freyre, 1971FREYRE, Gilberto. Novo mundo nos trópicos. São Paulo: Editora Nacional; Editora da Universidade de São Paulo, 1971., p. 33). Os territórios posicionados como fronteira permitiram circulação de povos e experiências, definindo assim, como uma das qualidades desenvolvidas, o distanciamento da ortodoxia. Freyre entendia, diante disso, a expansão portuguesa estabelecida não pelo viés de hierarquias biológicas respaldadas na questão racial, mas por caminho “sociologicamente cristocêntrico, isto é, empenhado em comunicar os povos não cristãos um conjunto de valores independentes da raça ou mesmo da civilização nacional de quem os propaga” (Freyre, 1961CRUZ, Manuel Braga da. O integralismo lusitano nas origens do salazarismo. Análise Social, v. XVIII, n. 70, p. 137-182, 1982., p. 14). Esse caráter plástico e aberto, que compreende civilização não através do aspecto biológico, mas da partilha de valores, crenças e identidades, aproximou Freyre das influências de Ganivet, como caminhos alternativos para o progresso, porém, abertamente antimodernos.

Tal convicção que se distancia do etnocentrismo, para fortalecer a miscigenação como característica do comportamento colonizador do português, contribuiu para a compreensão de civilização luso-tropical. Apresentado pela primeira vez em inglês, no ano de 1945, Novo mundo nos trópicos é um dos suportes para a teoria luso-tropicalista, que seria:

uma forma particular de comportamento, e também uma forma particular do português vir-se realizando no mundo: sua tendência a preferir os trópicos para sua expansão extraeuropeia, a sua capacidade de permanecer com êxito em espaços e ambientes tropicais e a crescer e multiplicar-se (Freyre, 1971FREYRE, Gilberto. Novo mundo nos trópicos. São Paulo: Editora Nacional; Editora da Universidade de São Paulo, 1971., p. 138).

Este caráter plástico, situado como particularidade do português, era destacado como condição para expansão. O traço do cristianismo praticado pelos espanhóis foi um instrumento importante para a ampliação de seu raio de influências ao longo do globo, segundo Ganivet. Em resposta a Unamuno, repreendia-se qualquer esforço de unidade rígida e, por isso, exterior, na organização da comunidade hispano-americana. Ganivet entendia que o culto e a crença cristãs, para serem compreendidos como instrumentos de evangelização, não somente espiritual, mas igualmente política, deveriam ser assimilados, convertidos em expressão própria e subjetiva daquele coletivo, tal como era praticada sua língua (Unamuno, Ganivet, 1912UNAMUNO, Miguel de; GANIVET, Angel. El porvenir de España. Madrid: Renacimiento, 1912., p. 61). Seguindo estes princípios, Freyre (1961FREYRE, Gilberto. O luso e o trópico: sugestões em torno dos métodos portugueses de integração dos povos autóctones e de culturas diferentes da Europa num complexo novo de civilização - luso tropical. Lisboa: Comissão Executora das Comemorações do V Centenário do Infante D. Henrique, 1961., p. 103) afirmou que os “Portugueses criaram uma ‘federação de cultura’, considerando a língua portuguesa como ‘língua cristã’, salientando o caráter mais cultural que étnico de contato e colonização gerando dessa maneira uma civilização luso-tropical”.

Mais importante que a preservação do patrimônio étnico e de pureza racial no processo de colonização, estaria a conversão de elementos culturais lusitanos em práticas assimiladas pelos nativos e apropriação recíproca, proveniente destes e aplicada pelos portugueses. Neste processo dinâmico de fluxo transnacional se teceriam as redes dessa civilização luso-tropical ao longo do globo. Tal experiência para Freyre, era anterior às Grandes Navegações e ao descobrimento do Brasil. Estabeleceu-se na própria formação de Portugal e Espanha, regiões dotadas de rica troca de experiências entre muçulmanos e cristãos, árabes, judeus e diferentes segmentos étnicos resultando em intenso processo de mestiçagem.

Esta era a resposta e a alternativa ao projeto de civilização anglo-saxão. Alberto Schneider (2012SCHNEIDER, Alberto Luiz. Iberismo e luso-tropicalismo na obra de Gilberto Freyre. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 10, dez. p.75-93, 2012., p. 85-86) apresenta em suas análises a interpretação que Gilberto Freyre fazia deste tipo de dominação. Para Freyre, ingleses e estadunidenses compreendiam civilização como sinônimo de pureza racial, desconsiderando qualquer possibilidade de progresso oriunda de povos não brancos. Os ibéricos, por outro lado, compreendiam a civilização como elemento culturalmente transmissível pela troca de experiências. Dessa forma, negros, índios, nativos de modo geral integrariam a comunidade luso-tropical, uma vez miscigenados em termos de costumes, valores, e interações sexuais.

O processo de consolidação da civilização luso-tropical, conforme apresentado por Gilberto Freyre, apesar de não desprezar traços de violência, ocorre como constante harmoniosa de intercâmbios e miscigenações biológicas e de identidade, que remetem à própria formação social e política da Península Ibérica. Neste viés analítico, o contato com o árabe fez do português um amante do padrão de beleza e do desejo pela pele escura. A harmonia e a confraternização constituintes dessa visão idílica se sobrepõem aos conflitos, enfretamentos e resistências que pudessem existir (Araújo, 1994ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz: “Casa-grande e senzala” e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994., p. 47). Portanto, nesse projeto de expansão de influências não haveria a incidência de mobilizações militares, de caráter imperialista, para a consolidação da civilização luso-tropical.

Tal como Ganivet indicava o árabe como elemento cocolonizador, na empreitada de difusão do espírito hispânico para a África, Freyre atribuía papel similar aos nativos e, em destaque, ao negro (González-Velasco, 2021GONZÁLEZ-VELASCO, Pablo. Gilberto Freyre y España: la constante iberista em su vida y obra. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Universidade de Salamanca, Salamanca, 2021., p. 331). Assim se colocava em curso o desdobramento de projeto similar ao chamado hispanismo ou hispano-americanismo, que emergiu como plano teórico. Este esforço buscou a integração do mundo ibérico e os países ex-colônias. Mais complexo que o iberismo do século XIX (que consistia na associação dos países da península em âmbitos territorial, político e econômico), seja a partir de fórmulas monárquicas unitárias ou pactos federativos, o hispanismo surgiu com ambições que abrangiam o Atlântico e possuíam conotações similares ao luso-tropicalismo de Freyre. Entre os defensores do hispanismo esteve António Sardinha, intelectual com quem Freyre estabeleceu contato por correspondência e troca de manuscritos teóricos.

O contato de Gilberto Freyre com António Sardinha

Freyre informou no início da obra O mundo que o português criou que esta foi resultado de um ciclo de conferências realizadas em 1937, lidas no King’s College e em universidades portuguesas. Freyre se viu impedido de ministrá-las diante da necessidade de retorno ao Brasil, porém, em Portugal foram apresentadas em Lisboa, Coimbra e Porto por Manuel Múrias, então diretor do Arquivo Histórico Colonial de Lisboa (Freyre, 2010, p. 17). Antes de integrar a ditadura salazarista, Múrias participou do Integralismo Lusitano em sua segunda geração,2 2 Conforme apresentado por Fernando Martins (2010), as gerações do Integralismo Lusitano se distribuíam da seguinte forma: a primeira geração (1921-1925), definida pelo retorno do exílio de Alberto Monsaraz, António Sardinha e Pequito Rebelo (três dos principais nomes do movimento), consolidou-se pela doutrinação, porém sem muita projeção política em termos efetivos. Demarcaram posições no campo monárquico, após o Pacto de Paris (1922), que pacificou os ramos da casa dinástica dos Bragança e organizou a política sucessória, fechando questão em torno da definição de um possível retorno da Coroa de Portugal sob formato de governo monárquico constitucional. O documento celebrado descontentou os integralistas, desejosos do projeto de monarquia orgânico-corporativa, resultando no fechamento de sua Junta Central (polo de organização e doutrinação) no mesmo ano. O marco final dessa geração é definido pela morte de António Sardinha. A Segunda Geração (1925-1933) buscou maior atuação em relação à ação política, envolvendo-se em golpe frustrado em 1925 e na criação da revista Ordem Nova. Além disso, os membros buscaram aproximar-se de setores que, no ano seguinte, foram responsáveis pelo golpe que suspendeu a República de 1910 e instaurou a ditadura. Tal adesão significou um processo de rupturas e tensões internas, após a ascensão de Salazar ao poder, com parte do movimento aderindo ao salazarismo, e outra desejosa de maior radicalização aos moldes fascistas. Esta última ala, representada por Rolão Preto e Alberto Monsaraz, foi progressivamente posta na clandestinidade, e seus líderes, exilados. durante os anos 1920. Este não foi o primeiro contato de Freyre com o grupo monarquista orgânico.

Em viagem à Europa, Gilberto Freyre visitou Portugal em 1923 e estabeleceu diálogo com grupos de diversas concepções ideológicas, daqueles do Seara Nova aos monarquistas como António Sardinha (Freyre, 2012, p. 243). Tais contatos estenderam-se por correspondências e envio de obras de Sardinha (Ao princípio era o verbo e Aliança peninsular) (Castelo, 2000CASTELO, Cláudia. Leituras das correspondências de portugueses para Gilberto Freyre. VI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Porto: Centro Leonardo Coimbra, 2000., p. 424), além de resultarem em contribuições de Freyre no periódico integralista Nação Portuguesa. Tratava-se do artigo “O Sr. Oliveira Lima em Portugal” (Freyre, 1922-1923, p. 523-525).

A troca de mensagens foi estabelecida por iniciativa de Freyre, quando retornou ao Brasil, e correspondida por António Sardinha pela primeira vez em dezembro de 1923. Houve mais duas trocas de correspondência até o falecimento de Sardinha, no início de 1925 (Gomes, 2016GOMES, George Manuel. António Sardinha, precursor do luso-tropicalismo? Faces da Clio: Revista discente do Programa de Pós-Graduação em História-UFJF, v. 2, n. 4, p. 97-109, 2016., p. 100).

Apesar do contato efêmero, assim como Ganivet, Sardinha deixou influências referentes ao “iberismo metodológico” (González-Velasco, 2021GONZÁLEZ-VELASCO, Pablo. Gilberto Freyre y España: la constante iberista em su vida y obra. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Universidade de Salamanca, Salamanca, 2021., p. 297) na constituição do luso-tropicalismo, manifestas na percepção da narrativa histórica e das posições geopolíticas da região. Freyre observou traços comuns entre Portugal e Espanha capazes de constituir vínculos transnacionais, compartilhados para além dos limites do continente europeu.

Assim como Ganivet, Sardinha compreendia a tradição e a religião como instrumentos para a comunhão dos povos hispano-americanos. “Sólo los españoles y los portugueses supieron verdaderamente colonizar, elevando a las razas inferiores a uma sociabilidad mayor, esmaltado con los preceptos de la fe Cristiana” (Sardinha, 1930, p. 71). Para além de similaridades, Sardinha apontava, em “A agonia de Agatão Tinoco” de 1919, de forma explícita e nominalmente, sua simpatia, ou seja, “não se enganava Ganivet, quando atribuía a decadência peninsular à falta de fraternidade de nosso espírito” (Sardinha, 1943SARDINHA, António. À lareira de Castela: estudos peninsulares. Vila Franca de Famalicão: Minerva, 1943.).

Nesse artigo, Sardinha remonta uma passagem da história contada por Ganivet, síntese do hispanismo proposto. Agatão Tinoco era um moribundo que necessitava, portanto, de cuidados especiais, pois adoecera no Congo. Por falar o espanhol onde estava, Ganivet era o único que poderia ser seu intérprete. Nessa conversa, o doente fez a correção que não era espanhol, apesar da língua, mas “nascera na América Central, e vinha de costela [família] portuguesa” (Sardinha, 1943SARDINHA, António. À lareira de Castela: estudos peninsulares. Vila Franca de Famalicão: Minerva, 1943., p. 25-26). De forma conclusiva à narrativa apresentada, Ganivet corrigiu o enfermo, dizendo-o, portanto, ser espanhol, independente do lugar onde nascera, mas pelos vínculos mantidos pela tradição.

Na narrativa, há elementos valiosos para estabelecer conexão entre o hispanismo desejado por Ganivet, o anseio de fazer do oceano Atlântico um mare nostrum (Sardinha, 1930SARDINHA, António. La Alianza Peninsular. Traducción del marqués de Quintanar, conde de Santibañez Del Rio. Madrid: Junta de Propaganda Patriótica y Ciudadana, 1930., p. 48), e, posteriormente, o luso-tropicalismo de Gilberto Freyre. Ganivet insistiu na identidade hispânica de Tinoco, independentemente de sua ascendência portuguesa, haja vista Espanha e Portugal partilharem de mesmo “espírito”, segundo o autor espanhol. Do mesmo modo, Sardinha entendia que ambos os países tinham dever histórico em salvaguardar o patrimônio cultural ibérico, diante das investidas imperialistas vindas da Europa e da América. De maneira consonante, Freyre entendia o luso-tropicalismo estabelecido, não através de um padrão biológico ou racial, mas das formas de interação culturais, de sociabilidade e comportamento, dentro de um ambiente e clima similares, a zona tropical (Freyre, 1961CRUZ, Manuel Braga da. O integralismo lusitano nas origens do salazarismo. Análise Social, v. XVIII, n. 70, p. 137-182, 1982., p. 45).

António Sardinha entendia a iniciativa colonizadora de portugueses e espanhóis de forma distinta da praticada pelas demais potências. Se os anglo-saxões formavam impérios, a Península Ibérica se comprometia, segundo Sardinha, em semear civilizações. Salientava-se com esta distinção o materialismo impregnado na modernidade, onde tudo era convertido em bens materiais e consumo, em detrimento do humanismo de tradição ibérica, vislumbrado na narrativa histórica de Sardinha e assimilado por Freyre. Sardinha deixou explícita sua interpretação acerca dos comportamentos dissonantes entre hispânicos e anglo-saxões em “Madre Hispania”:

Se recorremos [...] à distinção que o tomismo nos forneceu entre “pessoa” e “individuo”, abrangeremos sem dificuldade como o nacionalismo dos hispanos, - centrípeto, acumulador por excelência, teria de ser universalista - aditivo, portanto, ao passo que o nacionalismo dos ingleses e alemães, - individualista por pecado original, seria centrífugo, atómico, substrativo, como consequência. Eis aqui o motivo bem palpável porque nós fundamos ‘nacionalidades’, não conseguindo outros povos que enfática e empavonadamente se intitulam de colonizadores, ir além de colónias e quando muito de ‘Estados’, cujos fundamentos assentaram no extermínio sistemático das populações indígenas (Sardinha, 1924SARDINHA, António. Madre Hispania. Nação Portuguesa: revista de cultura nacionalista, Lisboa, n.1, 3ª série, 1924., p. 104).

O posto de “fundadores de nacionalidades” não foi suficiente para que Sardinha se desvencilhasse de algumas concepções racistas, salpicadas em suas obras. O antissemitismo era uma característica que por vezes era ressaltada. Ao fazer comentários positivos sobre a república francesa, escreveu: “temos que contar com a energia desbravadora3 3 Na primeira edição, “depravadora”. O editor alega “gralha evidente”. do republicanismo ideológico dos homens de 91. Houve neles uma intensa flama nacionalista, que jamais se conciliaria com o regimen de Judeus e de Mulatos em que o constitucionalismo conclui entre nós” (Sardinha, 1978SARDINHA, António. Ao ritmo da ampulheta. 2. ed.Lisboa: Qp, 1978., p. 20-21). Portanto, Sardinha se distanciava de Freyre em relação ao entendimento pejorativo ao “mulato”. Como já apontado, o sociólogo brasileiro sustentava perspectiva perante a mestiçagem como ponto positivo na civilização luso-tropical.

Outro aspecto a ser destacado, foi que, para a apresentação de um contato de portugueses e espanhóis, comprometidos com a função de semeadores de nações, Sardinha amenizou os choques entre indígenas e portugueses no processo de interiorização da colônia na América portuguesa, assim como ignorou a política de extermínio sistemático das civilizações asteca e inca na dominação espanhola. Freyre adotou a mesma estratégia para a consolidação de sua democracia social/racial. Não negou a existência da escravidão no Brasil, mas atenuou suas práticas de violência, suspensão da liberdade e do estatuto de humanidade imposto pelo regime. Por outro lado, ofereceu críticas à exploração praticada nas indústrias europeias, com ênfase nos primeiros cinquenta anos da Revolução Industrial consonante à prática do liberalismo econômico (Freyre, 2001FREYRE, Gilberto. Interpretação do Brasil: aspectos de formação social brasileira como processo de amalgamento das raças e culturas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001., p. 125-126).

Ana Isabel Desvignes afirma que, para Sardinha, existiam diferenças importantes entre Portugal e Espanha, em termos de características geográficas e étnicas. Entretanto, estas não forneciam obstáculos para a aliança vislumbrada. O pensamento de Sardinha era nacionalista em sua essência, respaldado pelo passado monárquico e cristão de Portugal, porém, não era impedimento para a afirmação de projetos transnacionais. Desvignes analisa que “Sardinha inventara aqui um curioso nacionalismo ‘universalista’ próprio dos hispanos e que se traduzia na própria vocação apostólica dos povos peninsulares” (Desvignes, 2016DESVIGNES, Ana Isabel Sardinha. Hispanismo e relações luso-brasileiras: a última cruzada contrarrevolucionária de António Sardinha. Estudos Ibero-Americanos, v. 42, n. 1, p. 75-104, 2016., p. 87). Desse modo, a pesquisadora apontou para a consonância de contornos entre essas teorias e as anunciadas posteriormente em Gilberto Freyre nas práticas dos portugueses no mundo.

Conforme ressaltado por Desvignes, a Igreja católica ocupou função importante na consolidação do projeto de hispanismo de Sardinha. Visto que a religiosidade seria componente central da construção da nação portuguesa, este elemento encontraria ressonância nos antigos territórios de colonização lusitana. Foi através da fé, segundo o mentor integralista, que Portugal e Espanha expandiram territórios além-mar. “Portugal-Restaurado é ainda Portugal católico e monárquico, cuja a vocação no mundo foi dilatar a fé e o Império. Da dilatação [...] da Fé e do Império nasceram para a marcha dos séculos mais de vinte nacionalidades” (Sardinha, 1943SARDINHA, António. À lareira de Castela: estudos peninsulares. Vila Franca de Famalicão: Minerva, 1943., p. 132). Freyre entendia o catolicismo, tal como praticado pelos portugueses e irradiado pelos territórios colonizados, como elemento integrante da cultura, assim como língua. As relações de assimilação para a construção da civilização luso-tropical não se faziam, então, pelo mecanismo coercitivo e violento presenciado no imperialismo de outras potências da Europa, mas pelo entrecruzamento étnico e cultural, para a formação dessa identidade original e, portanto, inédita.

Evidentemente, a ênfase de Sardinha concentrava-se em Portugal, sem desconsiderar suas preocupações em afirmar alianças com vínculos de solidariedade através da tradição histórica estabelecida pelos países hispano-americanos. Por outro, lado, o interesse de Freyre, apesar de atribuir ao português sujeito ativo na construção da civilização lusotropical, parece fixar-se em organizar esteira temporal e evolutiva onde o Brasil se posicionava como protagonista.

Analistas e intérpretes dessa cultura geral, pan-brasileira, e que consideram combinação particularmente feliz de um tipo plástico de civilização europeia e cristã com culturas tropicais, como as ameríndias e as africanas, sem pretenderem que a mesma deva ser exclusivamente ou quase exclusivamente portuguesa e cristã, não deixam de reconhecer como a nação brasileira pode beneficiar-se de uma participação mais livre, no seu desenvolvimento cultural, de brasileiros de origens não lusitanas e mesmo de brasileiros não cristãos, isto é, budistas, maometanos, judeus (Freyre, 1971FREYRE, Gilberto. Novo mundo nos trópicos. São Paulo: Editora Nacional; Editora da Universidade de São Paulo, 1971., p. 143-144).

Havia o enaltecimento da atuação do português na construção de estrutura transnacional de partilha de valores, tradições, costumes, identidades e afetos. Entretanto, Freyre entendia que todo o processo se beneficiou da consolidação de um tipo novo, composto de miscigenação plural de culturas, decorrente de sucessivas interações sexuais de povos de diferentes regiões do globo. Sem deixar de ser tributário aos costumes e práticas europeias, nem por isso foi cópia ou reprodução destas, diante da contribuição indígena, negra e de migrações recentes.

Neste trajeto, o hispanismo de Sardinha também oferecia tributos ao Brasil como continuador da tradição ibérica e possibilidade oportuna de reflorescimento, do outro lado do Atlântico, de valores portugueses e espanhóis (Lemos, 2017LEMOS, Clarice Caldini. O intercâmbio cultural luso-brasileiro através das revistas “América Brasileira”, “Lusitania” e “Nação Portuguesa” (1921-1927). Tese (Doutorado em História), Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2017., p. 190). Torna-se explícito que, apesar de elogiarem países distintos, os projetos de Sardinha e Freyre direcionavam propósitos ora em restaurar a grandeza do patrimônio deteriorado pela modernidade, ora em projetar-se como país do presente e do futuro. As ideias de fato transcendem fronteiras nacionais, porém, suas influências não se despem de interesses nacionalistas.

Através das influências de Ganivet, Freyre se inscreveu em uma geração de pensadores antimodernos, imbuídos em construir formas alternativas de progresso, por divergirem das propostas apresentadas pelo modelo francês e/ou anglo-saxão - entendidas tanto por Ganivet como por Freyre como concorrentes ao patrimônio cultural defendido por Portugal e Espanha. Com Sardinha, pode-se dizer que Freyre estabeleceu vínculos afetivos e construiu um espaço de sociabilidade, apesar da efemeridade do contato em decorrência da morte do integralista.

Este elo é apresentado quando Freyre escreve: “Vou à quinta em que morou meu amigo António Sardinha. Visito a viúva tão portuguesa no seu modo um tanto triste, mas discreto - discretamente triste - de ser viúva” (Freyre, 1953FREYRE, Gilberto. Aventura e rotina: sugestões de uma viagem à procura das constantes de caráter e ação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953., p. 113). O trecho é retirado de Aventura e rotina, obra resultante de uma série de viagens entre Portugal e algumas de suas possessões além-mar entre 1951 e 1952, a partir do convite da ditadura de Salazar, 26 anos após a morte de Sardinha. A distância temporal da morte de Sardinha e a necessidade de Freyre prestar-lhe homenagem são marcadores da solidez dos laços estabelecidos entre ambos.

Considerações finais

O luso-tropicalismo foi constituído a partir da interpretação de usos de instrumentos excepcionais, pelos portugueses, no trânsito de formação de uma comunidade transnacional. O mecanismo lançado divergia dos empregados pelos anglo-saxões por desprestigiar o uso da força e da violência como instrumento central. Para Gilberto Freyre, a colonização no Brasil e em outras partes do mundo lusófono se fez por sucessivas miscigenações, interações sexuais e assimilações culturais recíprocas entre portugueses e povos com que mantiveram contato (Freyre, 2001, p. 88). A partir desta plasticidade é que constituiria uma civilização original, que partilhava de patrimônio comum, sem, no entanto, ser tomada pela ortodoxia da dominação europeia. Assim, Freyre também fomentou a teoria da democracia social ou racial, que deveria ser predominante nestas regiões, em detrimento da democracia liberal.

No intuito de habilitar a lusofonia em momento bastante conturbado para o colonialismo, o imediato pós-Segunda Guerra Mundial, Freyre deu ênfase a traços teóricos esboçados em obras de sua autoria da década anterior. Em Casa-grande & senzala transpareciam o caráter plástico do contato e da troca de experiência, relações que prestigiavam o afeto em detrimento dos usos da violência como elemento central de organização e formação social, apresentados ainda no processo de consolidação do Estado português e que se manifestavam no Brasil escravista. Esses elementos se desdobram em metodologia de análise do comportamento do português no mundo (com ênfase aos trópicos) e suas consequências, a partir do luso-tropicalismo. Para tanto, buscou em Ganivet e Sardinha bases teóricas que corroborassem os aspectos salientados. Encontrou nos projetos de hispanismo, na valorização da tradição e da religiosidade, porém, manifestos de forma flexível e não ortodoxa para a confirmação da retomada da influência do mundo hispânico.

Os elementos estruturantes do luso-tropicalismo se fizeram por meio da miscigenação cultural e biológica, porém, sob as práticas de dominação patriarcal e aristocrática, típica do latifúndio escravocrata. Como consequência, segundo Freyre, se originaria uma sociedade plural, sem estruturas sociais rigorosas, pois “não se deve esquecer, contudo, que nem o sistema de plantação nem o sistema monárquico implicaria jamais no Brasil, em ríspidas gradações sociais” (Freyre, 2001FREYRE, Gilberto. Interpretação do Brasil: aspectos de formação social brasileira como processo de amalgamento das raças e culturas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001., p. 128). E, para explicar a ditadura de que o país saía, em 1947 (data da primeira edição de Intepretação do Brasil), afirmou não encontrar estes elementos no cerne da monarquia ou naquele sistema rural, mas nas tradições desenvolvidas à sombra destes (p. 129). Desse modo, a democracia social ou racial seria original e formadora do Brasil, a partir do modelo patriarcal. Por outro lado, a democracia política seria composta por elementos estrangeiros diante da participação individual, exótica às formas de comportamento lusotropicais.

O obra de Freyre, durante os anos 1940 e seguintes, inscreve-o como intelectual vinculado ao Estado salazarista, em vista do esforço aplicado em reconhecer a forma de dominação portuguesa como sui generis, quando posta em comparação com as demais práticas imperialistas. Apesar de não se limitar a mera propaganda política salazarista, diante do esforço de habilitar a luso-tropicologia enquanto ciência interdisciplinar (com campos da antropologia, psicologia, ecologia entre outros), Freyre esteve associado ao regime de Salazar, ocupando a função de intelectual, não apenas restrito ao campo acadêmico, mas atuando em áreas sociais e, inevitavelmente, no campo político.

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  • WEBER, Eugen. L’Action Française Paris: Arthème Fayard, 1985.
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    Integralismo Lusitano, em atividade entre os anos de 1914 e início dos anos 1930, foi movimento doutrinário de caráter monárquico corporativista, avesso às concepções liberais e do constitucionalismo. Com forte influência da Encíclica Rerum Novarum, entendia a liberal democracia como forma de corrupção à tradição nacional portuguesa, por constituir-se estrangeira e estranha às raízes nacionais lusitanas, estabelecidas sobre a Coroa e a Igreja. O movimento surgiu através do espaço de sociabilidade criado entre estudantes da Universidade de Coimbra nos primeiros anos do século XX, que inicialmente possuíam concepções políticas distintas. Entretanto, com a proclamação da República em 1910, converteram-se ao monarquismo orgânico (descentralizado administrativamente e centralizado politicamente). Com a experiência do exílio (1913) de alguns dos futuros membros, houve a possibilidade de enriquecimento de aportes ideológicos e doutrinários conservadores e de extrema-direita, a partir da circulação de textos da Ação Francesa. Cf.: Pinto (1994); Martins (2010); Cruz (1982); Barreiras (1982); Cazetta (2019).
  • 2
    Conforme apresentado por Fernando Martins (2010), as gerações do Integralismo Lusitano se distribuíam da seguinte forma: a primeira geração (1921-1925), definida pelo retorno do exílio de Alberto Monsaraz, António Sardinha e Pequito Rebelo (três dos principais nomes do movimento), consolidou-se pela doutrinação, porém sem muita projeção política em termos efetivos. Demarcaram posições no campo monárquico, após o Pacto de Paris (1922), que pacificou os ramos da casa dinástica dos Bragança e organizou a política sucessória, fechando questão em torno da definição de um possível retorno da Coroa de Portugal sob formato de governo monárquico constitucional. O documento celebrado descontentou os integralistas, desejosos do projeto de monarquia orgânico-corporativa, resultando no fechamento de sua Junta Central (polo de organização e doutrinação) no mesmo ano. O marco final dessa geração é definido pela morte de António Sardinha. A Segunda Geração (1925-1933) buscou maior atuação em relação à ação política, envolvendo-se em golpe frustrado em 1925 e na criação da revista Ordem Nova. Além disso, os membros buscaram aproximar-se de setores que, no ano seguinte, foram responsáveis pelo golpe que suspendeu a República de 1910 e instaurou a ditadura. Tal adesão significou um processo de rupturas e tensões internas, após a ascensão de Salazar ao poder, com parte do movimento aderindo ao salazarismo, e outra desejosa de maior radicalização aos moldes fascistas. Esta última ala, representada por Rolão Preto e Alberto Monsaraz, foi progressivamente posta na clandestinidade, e seus líderes, exilados.
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    Na primeira edição, “depravadora”. O editor alega “gralha evidente”.
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    Este artigo faz parte do projeto “Sob o signo da diversidade: o protagonismo latino-americano nos debates da Unesco” - Edital Universal n. 18/2021, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2022
  • Aceito
    13 Dez 2022
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