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Família, maternidade, escravidão e resgate forçado na Martinica (1845-1847)

Family, motherhood, slavery, and contentious redemption in Martinique (1845-1847)

Resumo:

Nos anos finais da escravidão no mundo Atlântico francês, a política colonial passou por mudanças que afetaram o domínio senhorial. Sob a Lei Mackau, regulamentaram-se os direitos das pessoas escravizadas ao pecúlio e à compra de sua alforria e de seus familiares, por meio do resgate amigável ou forçado. A partir da investigação de um conjunto documental sobre a Martinica, este artigo explora evidências que apontam a preponderância de mães escravizadas e seus filhos entre os sujeitos que conquistaram a liberdade no Caribe francês por meio do resgate forçado parcialmente indenizado por um fundo estatal. Esta investigação busca analisar tanto as visões da classe senhorial e dos governos colonial e metropolitano, quanto a agência das mulheres e de suas famílias nos processos de resgate forçado. O objetivo deste estudo é compreender, em perspectiva interseccional, as imbricações entre maternidade, escravidão e conquista da liberdade.

Palavras-chave:
Alforria; Gênero; Caribe francês (Martinica)

Abstract:

In the final years of slavery in the French Atlantic world, colonial policy underwent changes that affected masters’ control over slaves. Under the Mackau Law, enslaved people now have the right to savings and buy their freedom and that of their families, through cordial or contentious redemption. Based on the investigation of a historical sources’ collection on Martinique, this article explores evidence that points to the preponderance of enslaved mothers and their children among the individuals who became freed in the French Caribbean through contentious redemption partially compensated by a governmental fund. This investigation proposes to examine both the views of the slave-holding class and the colonial and metropolitan governments, as well as the agency of women and their families in the contentious redemption’s processes. The objective of this study is to understand, in an intersectional perspective, the entanglement involving motherhood, slavery and the conquest of freedom.

Keywords:
Manumission; Gender; French Caribbean (Martinique)

A alforria por resgate no mundo atlântico francês

Embora fosse uma concessão senhorial, a alforria era fruto de negociações privadas entre proprietários e escravos, e o costume de alforriar pessoas escravizadas que apresentassem seu valor, ou que pagassem com a prestação de serviços por anos, era largamente praticada em todas as sociedades escravistas das Américas (Grinberg, Peabody, 2014GRINBERG, Keila; PEABODY, Sue. Escravidão e liberdade nas Américas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014., p. 15-16). Um relatório feito pelo Ministério da Marinha e das Colônias da França evidencia este fenômeno em relação às possessões francesas: “em direito, eles não podem possuir nada; mas, de fato, aqueles que conseguem adquirir alguns valores mobiliários ou algum dinheiro, dispõem destes ao seu bel-prazer, e frequentemente os empregam na compra de sua liberdade”.1 1 Bibliothèque Nationale de France (BNF) - Gallica. Notices statistiques sur les colonies françaises. France, Ministère de la Marine et des Colonies. Paris: Imprimerie Royale, 1837. p. 4-5.

Nos anos finais da escravidão nas possessões francesas, as medidas legislativas que regulamentaram o direito da pessoa escravizada comprar sua própria liberdade, ou de familiares, usaram o termo rachat (resgate) para se referir a esta forma específica de aquisição da alforria oficial2 2 Desde a promulgação de um decreto do Conselho de Estado do Rei de outubro de 1713, a manumissão de uma pessoa escravizada deveria necessariamente ser aprovada e chancelada pelos administradores coloniais, independentemente da vontade senhorial, para que a pessoa fosse considerada oficialmente liberta ( Canelas, 2018, p. 47). (Flory, 2011FLORY, Céline. Alforriar sem libertar: a prática do “resgate” de cativos africanos no espaço colonial francês no século XIX. Revista Mundos do Trabalho, v. 3, n. 6, p. 93-104, 2011., p. 95-96). No entanto, assim como em outras sociedades escravistas das Américas (Cunha, 1984CUNHA, Manuela Carneiro da. Sobre os silêncios da lei: lei costumeira e positiva nas alforrias de escravos no Brasil do século XIX. Revista Mexicana de Sociologia, v. XLVI, n. 2, p. 45-60, 1984.), ao longo de parte substancial do período de escravidão, o resgate ocorreu à revelia do Estado e da lei, pois a classe senhorial não permitiu que aquela prática se tornasse um direito legislado. Nas décadas de 1830-1840, as propostas de legalização do resgate no mundo Atlântico francês foram rechaçadas pelos proprietários de escravos, pois consideravam que se a compra da alforria pelos escravizados se tornasse um direito, interferiria no domínio privado dos senhores sobre os cativos, podendo levar as colônias à “desordem e até mesmo à ruína”.3 3 Archives Nationales d’Outre-Mer (ANOM), GEN/161/1322, Rapport fait au nom de la Commission chargée de l’examen de la proposition de M. Passy sur le sort des esclaves dans les Colonies françaises. Séance 12 juin 1838. Chambre des Députés (France).

Durante a Monarquia de Julho (1830-1848), entretanto, ocorreram alterações na política francesa nos dois lados do mundo Atlântico que afetaram o domínio senhorial nas últimas décadas da escravidão nas colônias. Essa conjuntura somada a questões internacionais, sobretudo a partir da promulgação do Abolition Act nas possessões britânicas do Caribe,4 4 Em 28 de agosto de 1833 o parlamento britânico promulgou o Abolition Act (Lei de Emancipação), o qual determinava que a partir de agosto de 1834 os mais de 800 mil escravos das colônias britânicas se tornariam “aprendizes”, e não mais escravos, sendo completamente livres em 1840, depois do período de “aprendizagem”; contudo, devido às pressões abolicionistas e dos próprios aprendizes, a emancipação definitiva foi instaurada em 1º de agosto de 1838, antes da data prevista (Drescher, 2011, p. 371-375). tornaram impreterível o aprofundamento do debate sobre abolição da escravidão nas possessões ultramarinas francesas e propostas legislativas emancipacionistas despontaram na metrópole (Canelas, 2021CANELAS, Letícia G. O ventre entre a escravidão e a emancipação: Projeto Passy e a abolição gradual no mundo atlântico francês. In: MACHADO, Maria Helena; BRITO, Luciana; VIANA, Iamara; GOMES, Flávio (orgs.). Ventres livres? Gênero, maternidade e legislação. São Paulo: Editora Unesp, 2021. p. 233-254.). Apesar da forte resistência dos senhores de escravos, e até mesmo de ministros da Monarquia orleanista, o governo francês promulgou, em julho de 1845 - apenas três anos antes da abolição da escravidão (abril de 1848) -, a “Lei Relativa ao regime escravista nas colônias francesas”, conhecida como Lei Mackau,5 5 O barão de Mackau era casado com uma mulher branca nascida nas colônias e tinha ocupado o cargo de governador da Martinica entre 1836 e 1837. Foi membro da Comissão presidida por Broglie (1840-1843), a qual debateu propostas emancipacionistas, e em 1843 assumiu o Ministério da Marinha e das Colônias, quando propôs o projeto da lei de 1845, apelidada com seu nome. que finalmente regulamentou o pecúlio e definiu as possibilidades de resgate amigável (rachat amiable) ou forçado (rachat forcé). A Lei Mackau conferiu aos escravos certos direitos, tornando-os “pessoas não livres”, mas indivíduos ainda ligados e sob a incapacidade civil da servidão. Sendo “pessoas não livres”, poderiam resgatar a sua própria liberdade e também de seus familiares, como pais, mães, avós, esposas e filhos, legítimos ou naturais.6 6 ANOM, BIB-AOM/50089, “Loi relative au régime des Esclaves dans les colonies françaises, 18 juillet 1845”, Bulletin Officiel de la Martinique (BOM), 1846, p. 385-393.

O valor do resgate, se não fosse acordado amigavelmente entre o senhor e o escravo (resgate amigável), seria determinado pela Commission de Rachat (Comissão de Resgate), da qual faziam parte membros da Corte Real e do Conselho Colonial, colegiados formados pela elite colonial.7 7 A elite colonial nas possessões francesas era formada por famílias de senhores brancos, grandes proprietários de terras e escravos, referidos nas fontes e na bibliografia ainda como “colonos” (colons) (Schloss, 2009, p. 2-15). Também me refiro à classe de colonos brancos como “classe senhorial”, em diálogo com a historiografia brasileira que estuda a história da escravidão no Brasil no século XIX (Chalhoub, 2012). Na Martinica, o processo era tortuoso e burocrático, especialmente quando envolvia o subsídio do fundo estatal para complementar o valor da alforria. Os Procuradores do Rei das duas grandes regiões administrativas da Martinica (de Saint-Pierre e de Fort-Royal) receberiam as demandas de avaliação e intermediação dos resgates forçados, recolhidas pelos prefeitos ou juízes de paz de cada município. As fontes demonstram que, em geral, as solicitações de aferição do resgate forçado eram feitas pelos próprios escravizados ou seus parentes libertos e, em alguns casos, até mesmo pelos proprietários. Todas as informações sobre os sujeitos envolvidos seriam, então, enviadas ao procurador-geral da colônia, que as analisaria juntamente à Comissão de Resgate. A comissão poderia ainda convocar as partes envolvidas (escravos e senhores) para lhes consultar separadamente ou mesmo frente a frente, e solicitar todas as informações necessárias para sua decisão final. Após este processo, a comissão deliberava sobre o valor total que a pessoa escravizada deveria pagar ao proprietário por sua alforria, e também sobre a quantia que seria subsidiada pelo fundo estatal.8 8 ANOM, BIB-AOM/50089, “Arrêté du 1er décembre 1845, qui fixe le mode de procéder de la commission de rachat”, BOM, 1846, p. 534-535.

A Lei Mackau autorizava que as “pessoas não livres” tivessem propriedades mobiliárias, exceto barcos e armas, recebessem heranças de bens mobiliários e imobiliários de pessoas livres ou não livres, e adquirissem bens imóveis por compra ou troca. Desse modo, a legislação possibilitava que as pessoas escravizadas das colônias pudessem declarar e justificar seus pecúlios - embora exercendo sobre seus bens apenas os direitos atribuídos a menores emancipados - e aplicá-los na compra de suas liberdades. Segundo um relatório otimista do ministro da Marinha e das Colônias ao rei, a lei de 1845, “sem abordar diretamente a questão da abolição da escravidão”, tinha “modificado de maneira sensível o estado da população escrava, melhorando sua condição material, conferindo-lhe o direito de propriedade e aquele da alforria por resgate”.9 9 BNF - Gallica. Ministère de la Marine et des Colonies. Compte Rendu au Roi de l’exécution des lois 18 et 19 juillet 1845 sur le régime des esclaves, la création d’établissements agricoles par le travail libre, etc. Paris: Imprimerie Royale, mars 1847, p. 1-2. A referência a esta fonte será feita adiante como: BNF - Gallica. Compte Rendu au Roi de l’exécution des lois 18 et 19 juillet 1845.

Todavia, essa ordenação que facilitava a autorresgate pelos trabalhadores escravizados procurava também controlar a organização do trabalho agrícola e coagia os libertos a permanecerem nas lavouras de cana-de-açúcar. A lei determinava que o escravo alforriado deveria comprovar seu engajamento com o trabalho prestado a uma pessoa livre por pelo menos cinco anos. Este engajamento deveria ser feito em uma propriedade rural se o forro, antes de conquistar sua liberdade, trabalhasse em uma propriedade rural. Se durante o período de cinco anos o liberto recusasse ou negligenciasse o trabalho determinado pela lei, poderia ser condenado a trabalhos forçados.

Tendo em vista que as pesquisas sobre alforria no Caribe francês são muito escassas, sobretudo se compararmos com a produção acadêmica que investiga o tema na história de outras sociedades escravistas das Américas e do Caribe (Brana-Shute, Sparks, 2009BRANA-SHUTE, Rosemary. Sex and gender in Surinamese manumissions. In: SPARKS, R. J.; BRANA-SHUTE, R. (orgs.). Paths to freedom: Manumission in the Atlantic World. Columbia: University of South Carolina Press, 2009. p. 175-196.), as alforrias por resgate forçado raramente foram analisadas pela historiografia.10 10 Destaca-se, excepcionalmente, a obra de Céline Flory sobre a questão do “resgate” da liberdade no mundo Atlântico francês. Ela trata a história de trabalhadores africanos resgatados do tráfico ilegal de escravos depois de 1848; analisa a ideia de “resgate” da alforria, colocada em prática nas possessões francesas no século XIX, e expõe críticas importantes sobre o discurso que procurou legitimar o resgate dos africanos no pós-abolição, como uma obra “humanitária, civilizadora e abolicionista” (Flory, 2015, p. 105-107). Mais comumente, encontram-se estudos sobre os efeitos que a Lei Mackau teria causado acerca de outras questões que regulamentou, como o direito dos escravizados ao tempo e terreno para cultivo próprio (Savage, 2006SAVAGE, John. Unwanted slaves: The punishment of transportation and the making of legal subjects in early nineteenth-century Martinique. Citizenship Studies, v. 10, n. 1, p. 35-53, 2006.; Tomich, 2011TOMICH, Dale W. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Edusp, 2011., p. 185-228). Excetuando alguns trabalhos de Bernard Moitt, nos quais foram abordadas genericamente as experiências das mulheres com as alforrias por resgate forçado no Caribe francês (Moitt, 2001MOITT, Bernard. Women and slavery in the French Antilles, 1635-1848. Bloomington, IN: Indiana University Press, 2001., p. 167-172; 2005MOITT, Bernard. Freedom from bondage at a price: Women and redemption from slavery in the French Caribbean in the nineteenth century. Slavery & Abolition, v. 26, n. 2, p. 247-256, 2005.), sem investigar em profundidade questões relacionadas à família e à maternidade, talvez a escassez de análises sobre este fenômeno se deva ao seu curto período de existência, entre 1845 e 1847, praticamente às vésperas da abolição da escravidão nas colônias francesas (1848).

Juliana Farias, em sua pesquisa sobre o Senegal, destaca que, embora o resgate forçado tenha sido regulamentado naquela localidade desde 1836, as experiências dessa forma de alforria na colônia francesa da costa africana não são comparadas, ou nem mesmo mencionadas, em análises similares sobre as possessões no Caribe. Farias busca compreender em que medida as mulheres escravizadas em Gorée e Saint-Louis tinham acesso à alforria por resgate forçado. Além disso, questiona algo que se revelou importante também em minha pesquisa sobre a Martinica: considerando que a lei de resgate forçado no Senegal - assim como a Lei Mackau - regulamenta o resgate de familiares escravizados, a conquista da liberdade ocorria de fato como um “projeto familiar, que envolvia mães, filhas, filhos, pais e outros parentes?” (Farias, 2021FARIAS, Juliana Barreto. Resgates em família? Escravidão, gênero e liberdade (Senegal - século XIX). In: MACHADO, Maria Helena; BRITO, Luciana; VIANA, Iamara; GOMES, Flávio (orgs.). Ventres livres? Gênero, maternidade e legislação. São Paulo: Editora Unesp, 2021. p. 209-231., p. 212).

A partir da investigação de um conjunto documental sobre a Martinica, este artigo explora evidências que apontam a preponderância de mães escravizadas e seus filhos entre os sujeitos que conquistaram a liberdade no Caribe francês por meio do resgate forçado parcialmente indenizado por um fundo estatal, entre 1846 e 1847. Embora questões sobre raça e classe demonstrem serem fundamentais nos dados analisados, observaremos que gênero, sobretudo as imbricações entre maternidade e emancipação, se revela um elemento central nos resgates forçados investigados. As fontes induzem à necessária observação tanto das visões da classe senhorial, quanto dos governos colonial e metropolitano sobre as concessões de alforria. No entanto, embora produzidas por homens brancos das elites francesas e coloniais, as fontes também revelam indícios sobre a percepção das pessoas escravizadas acerca da conjuntura que vivenciavam. A partir de análises quantitativas e qualitativas dos dados apurados na documentação, procuro compreender a agência das mulheres e de suas famílias nos processos de resgate forçado. Além disso, busco entender como e por que a experiência da maternidade escravizada influenciou a conquista da alforria por meio do resgate forçado subsidiado pelo governo.

Maternidade, família e resgate forçado na Martinica

Nos anos de 1846-1847, o governo francês destinou um fundo de 400 mil francos para subsidiar as alforrias por resgate forçado nas quatro colonies à esclaves (colônias de escravos), que produziam e exportavam açúcar, ou seja, Martinica, Guadalupe, Guiana Francesa e Bourbon (atual ilha de Reunião). Embora existissem cativos nas colônias da costa ocidental africana, e apesar da lei de resgate forçado promulgada em 1836 no Senegal (Farias, 2021FARIAS, Juliana Barreto. Resgates em família? Escravidão, gênero e liberdade (Senegal - século XIX). In: MACHADO, Maria Helena; BRITO, Luciana; VIANA, Iamara; GOMES, Flávio (orgs.). Ventres livres? Gênero, maternidade e legislação. São Paulo: Editora Unesp, 2021. p. 209-231.), tais possessões não receberam nenhum aporte para o subsídio de alforrias. Uma quantia de 205 mil francos foi destinada à Martinica, metade do valor total do crédito reservado às quatro colônias de escravos.11 11 ANOM, BIB-AOM/50089, “Loi 19 juillet 1845”, BOM, 1845, p. 394-397. Até a abolição da escravidão não haveria mais liberações de fundos do governo metropolitano para a subvenção dos resgates forçados.

Na análise qualitativa e quantitativa dos resgates forçados concedidos na Martinica entre 1846 e 1847, utilizei três grupos de fontes: as listagens de alforrias outorgadas pelo governo colonial, publicadas no Bulletin Officiel de la Martinique (BOM); os relatórios individuais produzidos pela Comissão de Resgate; e as correspondências trocadas entre administração colonial e governo metropolitano. Primeiramente, foi possível constatar que 26 pessoas escravizadas que solicitaram a intermediação do governo pagaram com seus pecúlios o valor total definido pela Comissão de Resgate. Embora tenham ocorrido em pequena quantidade, é importante notar que as mulheres se destacam nessa situação de conquista da alforria: 12 mulheres pagaram a quantia integral do resgate, sete homens e sete crianças abaixo de 14 anos.

O número de alforrias por resgate forçado com subsídio do governo foi bem maior, alcançando um total de 474. A quantidade de mulheres (144, em torno de 30,4%) foi novamente maior que a dos homens (121, aproximadamente 25,5%), mas as crianças escravizadas abaixo de 14 anos foram alforriadas em um número mais expressivo, 209 alforrias (em torno de 44,1%). Entre os 474 resgates subsidiados em toda a ilha da Martinica entre 1846-1847, em uma primeira análise, observei mais pormenorizadamente apenas aqueles outorgados para os municípios da região de Saint-Pierre, totalizando uma amostra de 265 pessoas alforriadas. Este recorte foi feito com o intuito de tratar com mais acuidade os relatórios individuais e tentar compreender quem eram os sujeitos envolvidos nestes processos de alforria por resgate forçado, sobretudo as relações de parentesco entre eles, pois estes dados já prenunciavam indícios da preponderância de famílias formadas por mães e filhos impúberes alforriados conjuntamente.

Na análise dessa amostra, primeiramente constatei que as proporções dos grupos por sexo e faixa etária eram similares aos números observados anteriormente: as crianças com idade abaixo de 14 anos representaram em torno de 45% do total de alforrias analisadas, as mulheres 32% e os homens 23%. Entre as 265 pessoas libertas nos municípios da região de Saint-Pierre, 196 foram alforriadas com a família, ou seja, 74% do total de indivíduos, formando 62 conjuntos familiares, considerando-se “família” quando o registro de alforria era coletivo e enunciava as relações de parentesco. Desse modo, 54 famílias eram formadas por mães escravizadas com seus filhos; duas famílias formadas pelo casal (um homem e uma mulher); duas famílias formadas pelo marido, a mulher e os filhos; quatro famílias apenas com os irmãos, em geral, crianças impúberes. Quase todas as crianças abaixo de 14 anos foram alforriadas com suas famílias, majoritariamente com suas mães. As mulheres foram alforriadas mais com família do que os homens, observando-se uma situação inversa entre as pessoas que conquistaram o resgate forçado individualmente: 128 indivíduos do sexo feminino e 68 do sexo masculino foram alforriados com família; 17 pessoas do sexo feminino e 52 do sexo masculino foram alforriados individualmente.

Para a concessão dessas alforrias por resgate forçado com o subsídio do governo, o procurador-geral da Martinica estabeleceu, em seus relatórios à Comissão de Resgate e ao Ministério da Marinha e das Colônias, duas grandes “categorias” de motivos pelos quais os solicitantes mereciam o auxílio do Estado.12 12 ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47: Adminsitration de la Justice, n. 62, Martinique. Proposition d’affranchissement en faveur de 70 personnes par suite de rachat forcé et moyennant subvention sur les fonds de l’état, 2 nov. 1846”. A primeira categoria concernia às pessoas escravizadas que possuíam um pecúlio significativo e antecedentes que oferecessem “todas as garantias para o futuro” em liberdade, considerando os indivíduos que tivessem condições de se manter na liberdade, saudáveis e exercendo uma profissão. Os “motivos” mais comuns observados caracterizam os escravos de ambos os sexos com uma “boa conduta moral” ou “laboriosa”.13 13 ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47: Administration de la Justice, Fort-Royal, 7 ago. 1846”.

A segunda categoria concernia às pessoas escravizadas cuja “posição de família” as colocava “em primeira linha para sair dos laços da escravidão”. Nesse sentido, foram consideradas famílias “que contam com vários indivíduos válidos” e que “encontram na profissão que exercem todos os recursos necessários para viver no estado de liberdade e sustentar aqueles que têm direto aos seus cuidados”; e “mães com filhos pequenos que poderão ser criados nos sentimentos e com os cuidados que orientam a via do progresso”.14 14 ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47”. Nos relatórios da comissão, as famílias listadas sob essas definições eram caracterizadas como “famille très-digne d’intérêt, très-laborieuse” (família muito digna de interesse, muito laboriosa) ou apenas “famille digne d’intérêt”. Essa segunda categoria explica, em parte, a alta porcentagem de indivíduos alforriados em família entre os resgates forçados subsidiados. Além disso, é um indício fundamental para compreendermos as concepções e imbricações entre família, maternidade e o resgate forçado na Martinica.

Desde a década de 1830, discussões baseadas em noções emergentes de maternidade (Ariza, 2017ARIZA, Marília. B. de A. Mães infames, rebentos venturosos: mulheres e crianças, trabalho e emancipação em São Paulo (século XIX). Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2017.; Cowling, 2013COWLING, Camillia. Conceiving freedom: Women of color, gender, and the abolition of slavery in Havana and Rio de Janeiro. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2013.; Turner, 2017TURNER, Sasha. Contested bodies: Pregnancy, childrearing, and slavery in Jamaica. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2017.) inundaram os debates sobre projetos emancipacionistas no mundo Atlântico francês, especialmente aqueles que abarcavam propostas de emancipação dos nascituros de mulheres escravizadas. Essas propostas foram continuamente rejeitadas, não apenas pelos representantes dos senhores de escravos, mas também por alguns legisladores na metrópole (Canelas, 2021CANELAS, Letícia G. O ventre entre a escravidão e a emancipação: Projeto Passy e a abolição gradual no mundo atlântico francês. In: MACHADO, Maria Helena; BRITO, Luciana; VIANA, Iamara; GOMES, Flávio (orgs.). Ventres livres? Gênero, maternidade e legislação. São Paulo: Editora Unesp, 2021. p. 233-254.). Nem mesmo alguns abolicionistas franceses estavam convencidos de que a emancipação das crianças de mulheres que permaneceriam na escravidão era um caminho sensato para a abolição. Em uma ação de liberdade envolvendo a mãe e os filhos, o advogado abolicionista Adolphe Gatine (1844GATINE, Adolphe. Procès Virginie, de la Guadaloupe: plaidoirie et arrêt de cassation, 22 novembre 1844. Paris: Imprimerie de Ph. Cordier, 1844.), baseando-se em concepções burguesas em ascensão, afirmou que o “direito natural” e “sagrado” da maternidade determinava que a mãe deveria amamentar suas crianças, criá-las, protegê-las, velar sobre elas a todo momento.15 15 BNF - Gallica, GATINE, Adolphe. Procès Virginie, de la Guadaloupe: plaidoirie et arrêt de cassation, 22 novembre 1844. Paris: Imprimerie de Ph. Cordier, 1844. p. 8-9. Por isso, deveriam sempre conquistar a liberdade juntos, ou seja, nem a mãe nem o rebento poderiam permanecer no cativeiro enquanto o outro era alforriado.

Foi comum figuras metropolitanas afirmarem que a mãe era a referência do núcleo familiar, sendo o pai das crianças frequentemente um escravo desconhecido. O relatório da comissão da Câmara dos Deputados liderada por Alexis de Tocqueville, responsável por avaliar uma das propostas baseada no princípio do ventre livre, revela que os legisladores franceses na metrópole acreditavam que o casamento era algo raro entre os escravos e que a única conexão “natural” que frequentemente existia era entre mãe e filho.16 16 BNF - Gallica, TOCQUEVILLE, Alexis de (Député de la Manche). Rapport fait au nom de la Commission chargée d’examiner la proposition de M. de Tracy, relative aux esclaves des colonies. Séance du 23 juillet 1839. Paris: Imprimeur de la Chambre des Députés. p. 18. Segundo Gourdon e Ruggiu, os observadores no período colonial, frequentemente europeus, tenderam a considerar a “família” apenas em relação a um único modelo, ou seja, aquele da família nuclear, na qual o pai e a mãe seriam unidos por laços de matrimônio legítimo, consagrado pela Igreja ou certificado pelo Estado (Gourdon, Ruggiu, 2011-2012GOURDON, Vincent; RUGGIU, François-Joseph. Familles en situation coloniale. Annales de Démographie Historique, n. 122, p. 5-39, 2011-2012.). De acordo com Myriam Cottias, os abolicionistas franceses - e acrescentaria também os legisladores que apoiavam medidas emancipacionistas - fundaram suas críticas ao sistema escravista em parte na crença de que não havia famílias no seio da população escrava, isto é, “uma família estruturada em torno de um homem e registrada oficialmente por meio de uma certidão de casamento”. O matrimônio oficial era visto como uma aspiração cidadã que funda a família, torna o trabalho possível e eficaz, e estabiliza a propriedade (Cottias, 2008COTTIAS, Myriam. Um gênero colonial? Casamento e cidadania nas Antilhas francesas (séculos XVII-XX). Clio, v. 26, n 2, p. 37-58, 2008., p. 37-58). De fato, figuras públicas como o advogado Gatine afirmavam que era necessário “sobretudo constituir a família, para iniciar o escravo na liberdade”, para que o novo liberto pudesse dizer “minha mulher é minha, meus filhos são meus”, e, assim, “se moralizar, cuidar dos seus e do futuro, se libertar enfim da longa degradação”.17 17 BNF - Gallica, GATINE, Adolphe, Procès Virginie, p. 20.

Entretanto, cabe salientar que não foi exatamente o matrimônio, mas as crianças escravizadas que se tornaram o foco das reformas implementadas nas colônias francesas quando a questão da emancipação se revelava cada vez mais inevitável.18 18 ANOM, BIB-AOM/50089, “Ordennance du Roi sur l’instruction morale et religieuse et pour le patronage des esclaves”, 5 jan. 1840, in BOM, 1841, p. 106-108. A princípio priorizando a ideia de moralização da família escrava, o governo sob a Monarquia de Julho se voltou para a situação dos filhos das pessoas escravizadas, sobretudo na década de 1840, buscando executar medidas educacionais com o apoio de instituições católicas, no sentido de prepará-los para a liberdade, a disciplina do trabalho e a cidadania (Rivière, 2020RIVIÈRE, Alix. “Directing the upcoming generation’s mind in the right direction”: Enslaved children in the French emancipation project in Martinique, 1835-1848. Histoire Sociale/Social History, v. 53, n. 107, p. 91-112, 2020., p. 96). Por um lado, o governo da Martinica indica corroborar essa política, em parte, ao priorizar a aprovação de resgates forçados com auxílio do fundo estatal para “mães com filhos pequenos que poderão ser criados nos sentimentos e com os cuidados que orientam a via do progresso”.19 19 ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47”. Por outro lado, considerando que a Comissão de Resgate era formada por homens de uma sociedade patriarcal que reputava à figura masculina (marido/pai) o papel de pilar fundamental e provedor da família, o fato de destacar apenas os vínculos entre mães e filhos nos grupos familiares que seriam beneficiados com a alforria subsidiada nos leva a questionar as noções de família e maternidade manipuladas nas orientações da administração colonial.

Embora pareça considerar o papel de famílias negras com configurações distintas do modelo tradicional, a documentação do governo da Martinica sobre os resgates forçados revela que outros interesses estavam em jogo na arena de disputas em torno da liberdade de mulheres escravizadas e de suas crianças nos anos finais da escravidão na colônia. Entre as famílias escravas que foram contempladas com os resgates forçados subsidiados pelo governo, estavam incluídos também os casos de “mães de filhos impúberes libertos que poderiam reivindicar suas alforrias nos tribunais”, apoiando-se na “jurisprudência adotada pela Corte de Cassação relativa à interpretação dada ao artigo 47 do édito de 1685”.20 20 ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47, Administration de la Justice, Fort-Royal, 7 ago. 1846”. Aqui, o relatório do procurador-geral da Martinica se refere ao Affaire Virginie, caso que impulsionou a criação de uma nova jurisprudência que favoreceu o acesso à alforria, recorrendo ao artigo 47 do Código Negro.

Virginie se tornou liberta em Guadalupe em 1834 e lutou durante sete anos (1837-1844) nos tribunais coloniais e metropolitanos pela liberdade e tutela de seus dois filhos, evocando o artigo 47. Em sociedades escravistas como Brasil e Cuba, a separação de famílias escravizadas, principalmente de mães e seus filhos impúberes, foi proibida em legislações instituídas tardiamente, nos processos de abolição gradual na segunda metade do século XIX. Nas colônias francesas, a fragmentação de famílias escravizadas em transações entre proprietários foi interditada desde a promulgação do édito de 1685, cujo artigo 47 tinha o objetivo de incentivar a união canônica entre os escravos e evitar que as famílias fossem desmembradas.21 21 Código Negro, 1685, Art. 47: Não poderão ser confiscados e vendidos separadamente, o marido e a mulher, e seus filhos impúberes, se estiverem sob o poder do mesmo senhor. Declaramos nulas as confiscações e vendas que assim forem feitas; (...) que ocorra nas alienações voluntárias, sob pena, contra aqueles que as fazem, de serem privados daquele ou daqueles que eles tenham mantido, que serão adjudicados aos compradores, sem que sejam obrigados a pagar qualquer valor suplementar. BNF - Gallica, DURAND-MOLARD. Code de la Martinique. Tomo premier: contenant les Actes Législatifs de la Colonie depuis 1642 jusqu’en 1754 inclusivement. Saint-Pierre (Martinique): L’Imprimerie de Jean-Baptiste Thounens, 1807, p. 52. Contudo, essa disposição era frequentemente desrespeitada pelos senhores de escravos nas possessões francesas.

O advogado abolicionista Adolphe Gatine representou os interesses de Virginie na Corte de Cassação em Paris, depois que ela perdeu a ação judicial realizada nos tribunais coloniais de Guadalupe. Em suas alegações no tribunal superior na França, Gatine demonstraria que o artigo 47 do Código Negro era aplicável à situação vivida pela mãe liberta separada de seus filhos impúberes, que permaneceram escravos dos herdeiros de sua ex-senhora. Acatando a argumentação do advogado abolicionista, a Corte de Cassação em Paris deliberou que a interdição promulgada na legislação antiga poderia ser aplicada tanto se a separação da família escrava fosse provocada pela venda quanto pela alforria, sobretudo se a transação envolvesse a mãe ou seus rebentos, considerando a alforria uma forma de alienação de propriedade assim como a venda, doação ou herança. A nova interpretação do artigo 47 do Código Negro foi sentenciada, criando uma jurisprudência histórica, que influenciou outras ações de liberdade nos anos finais de escravidão nas colônias francesas (Canelas, 2022CANELAS, Letícia G. Maternidade, alforria e direitos no Caribe Francês (século XIX). In: CARULA, Karoline; ARIZA, Marília B. A (orgs.). Escravidão e maternidade no mundo atlântico: corpo, saúde, trabalho, família e liberdade nos séculos XVIII e XIX. Niterói: Eduff, 2022. p. 225-262.).

Embora o resultado do affaire Virginie tenha sido considerado subversivo e contrário ao direito colonial pela classe senhorial, depois da árdua vitória de Virginie, mulheres escravizadas e libertas nas colônias procuraram aproveitar a conjuntura favorável para conseguir suas alforrias e/ou de seus filhos, recorrendo às arenas judiciárias ou negociando “resgates facilitados”. Como podemos observar, na Martinica, algumas famílias escravas nessa situação conseguiram negociar suas alforrias por intermédio do resgate regulamentado pela Lei Mackau. De acordo com o relatório do procurador-geral da ilha, os resgates aprovados com subsídio estatal para mães escravizadas e seus filhos, que estavam em situação de “liberté litigieuse” (liberdade litigiosa), as levavam à liberdade sem lhes “deixar expostas à sorte e à lentidão dos processos” judiciários e “sem lesar os interesses dos senhores”, os quais se encontravam como “vítimas” dos benefícios que haviam concedido anteriormente aos escravos. Além disso, garantir a alforria dessas famílias por meio do resgate subsidiado evitava “a agitação e a desordem inerentes à discussão pública de semelhante questão diante dos tribunais”.22 22 ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47: Administration de la Justice, 7 Août 1846”.

Depreende-se dessas explanações que a maior preocupação do governo colonial era evitar que os senhores de escravos fossem arrastados aos tribunais por suas escravas, resultando provavelmente na alforria sem nenhuma indenização, mas também esquivar-se da visibilidade política que esta situação ganharia na colônia. Segundo o relatório do procurador, os resgates daquelas famílias contemplavam os “interesses” e as “susceptibilidades” dos proprietários, que até aquele momento não compreendiam que “um benefício” concedido por eles poderia “servir de base à aplicação de uma disposição penal”. Além disso, afirma que a maioria das pessoas escravizadas que poderiam invocar a jurisprudência criada pela Corte de Cassação demostravam “sentimentos de justiça” e de “repugnância” sobre a possibilidade de processar seus senhores. Relata, ainda, que muitas dessas mães escravizadas não hesitaram em oferecer o pecúlio que haviam reunido, e concorrer, assim, a um ato que lhes parecia “cheio de justiça”.23 23 ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47: Conseil Privé - Extrait des Procès-verbaux de la session extraordinaire du mois d’Août 1846, Libération de 107 esclaves au moyen de subventions sur les fonds de rachat”.

A aprovação desses resgates forçados de mães e filhos escravizados que tinham direito à liberdade, por conta do affaire Virginie, ilustra os interesses de diferentes sujeitos, justapostos em um mesmo resultado. Por um lado, o governo da Martinica estava manipulando os fundos estatais para contemplar proprietários que mantinham ilegalmente suas escravas ou os filhos delas. Ainda que os processos fossem lentos, as decisões dos tribunais franceses metropolitanos estavam tendendo amplamente a garantir a liberdade das mães e filhos impúberes separados pela alforria. Desse modo, ao final, os senhores dessas escravas perderiam sua propriedade sem qualquer remuneração, e provavelmente ainda teriam que pagar as custas dos processos.24 24 SCHOELCHER, Victor. Histoire de l’esclavage pendant les deux dernières années. Deuxième partie. Paris: Pagnerre, 1847. p. 51-53. Contudo, com o resgate forçado, além da família escrava aplicar seu pecúlio, o governo ainda complementava o valor necessário para remunerar o proprietário pela alforria de indivíduos ilegalmente mantidos em cativeiro. Embora o resgate fosse “forçado”, os senhores e senhoras certamente faziam seus cálculos no sentido de facilitar a aprovação da alforria de escravos sob seu domínio em situação de “liberdade litigiosa”.

Por outro lado, as mães escravizadas (ou libertas) que sabiam de seu direito ou de seus rebentos à alforria, decerto consideravam os obstáculos enfrentados em um processo judiciário, tais como a lentidão, apelações em diferentes tribunais, dinheiro investido, risco de serem maltratadas ou verem seus filhos maltratados enquanto o processo não findava. Se conseguiam juntar algum pecúlio, considerando ainda a oportunidade de obter um subsídio do governo, certamente preferiam a opção de resgatar a alforria do que enfrentar as arenas do direito. Ademais, evitar o processo e pagar uma parte do valor definido pela comissão de resgate provavelmente lhes dava um “valor social”, uma garantia de respeitabilidade, de manutenção das relações quase que inevitáveis, principalmente às classes subalternas, numa sociedade escravista, racializada e hierarquizada.

Embora seja um fenômeno mais difícil de averiguar nas fontes, quanto à enunciação de sentimentos de justiça e de gratidão das famílias escravizadas em relação aos seus proprietários, possivelmente a ideologia senhorial dominante as compelia a fazer este tipo de declaração diante da Comissão de Resgate. Afinal, essas famílias escravas sabiam que estavam em uma situação de escravização ilegal e tiveram que buscar a intermediação do Estado para conquistar a liberdade por meio do resgate que forçava seu senhor a conceder a alforria, mediante uma indenização. Em situações como essas, seria possível que as famílias ilegalmente escravizadas realmente nutrissem sentimentos de justiça e de gratidão em relação a seus senhores?

Durante o ano de 1846, entre as 284 alforrias concedidas por resgate forçado com auxílio estatal em toda a ilha de Martinica, 62 pessoas - 21 mulheres acima de 16 anos, um rapaz de 19 anos e 40 crianças abaixo de 14 anos -, quase 22% do total, conseguiram suas liberdades porque seus senhores tinham “direitos litigiosos” de propriedade sobre elas. Embora vivessem circunstâncias que lhes permitiam demandar diante dos tribunais seu direito à liberdade, os preços estimados pela comissão do resgate, por cada família ou indivíduo nesta situação, que prefiro denominar de “escravização litigiosa”, eram bastante elevados; seguindo o padrão de valores designados normalmente para outros resgates forçados, em média, 1.200 francos por pessoa adulta.

Daquele conjunto de 62 pessoas, as mulheres alforriadas, que estavam à frente dessas famílias em situação de escravização litigiosa, exerciam as seguintes profissões: cinco eram trabalhadoras domésticas, cinco eram lavradoras (cultivatrices), quatro eram journalières (do ganho), três lavadeiras e três costureiras. As quinze mulheres que exerciam profissões supostamente urbanas, trabalhando como lavadeiras, domésticas, costureiras e no ganho possuíam pecúlios entre 300 e 700 francos. Cabe destacar que essas mães tinham apenas um ou dois filhos pequenos sendo libertados com eles, enquanto uma de suas crianças havia sido alforriada anteriormente, fato que caracterizava a escravização litigiosa de acordo com a jurisprudência do caso Virginie.

A historiografia que estuda a alforria nas sociedades escravistas frequentemente observa que os escravos urbanos conseguiam mais acesso à liberdade, entre outros motivos, porque tinham mais condições de prestar serviços diversos nas cidades e, assim, acumular mais rapidamente o pecúlio necessário para a compra de suas alforrias. Ao descrever algumas atividades realizadas por escravos do meio urbano nas colônias francesas, Moreau de Jonnès, militar responsável pelo Bureau de la Statistique Générale de la France entre 1840 e 1851, acaba por destacar o quanto as mulheres escravizadas eram laboriosas e engenhosas para fazer comércio e formar seus ganhos: “os mais laboriosos entre eles realizam pequenos comércios, alugam-se a estrangeiros para lhes servir, ou se engajam em obras públicas. As mulheres têm bodegas ou fazem comércios ambulantes, levando, nas fazendas distantes das cidades, objetos de moda, tecidos indianos, que elas vendem com um ganho de 50%, e às vezes o dobro. Quase todos estes escravos podem acumular em pouco tempo o valor de sua alforria”.25 25 BNF - Gallica, MOREAU DE JONNÈS, Alexandre. Recherches statistiques sur l’esclavage colonial et sur les moyens de le supprimer. Paris: Bourgogne et Martinet, 1842. p. 126-128.

No entanto, entre as famílias em situação de escravização litigiosa na Martinica, foi possível observar que, embora em menor número, aquelas mulheres que trabalhavam na lavoura (cultivatrices) possuíam as maiores quantias de pecúlio. Uma explicação plausível para essa situação pode ser fundamentada na existência e relevância das roças de pessoas escravizadas na economia de plantation de cana-de-açúcar da colônia, que permitiam às famílias cativas do campo, além de produzir suas provisões, também comercializar o excedente de sua produção tanto com seus senhores quanto nas feiras dos centros urbanos coloniais (Tomich, 2011TOMICH, Dale W. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Edusp, 2011., p. 185-207).

Entre as cinco lavradoras das famílias escravizadas ilegalmente, três tinham pecúlios acima de 1.500 francos. Os relatórios de duas delas silenciam sobre a origem e possível fonte da renda poupada, se o pai das crianças estava envolvido ou se havia apoio da família estendida e/ou de amigos. Francillete, 37 anos, tinha um pecúlio de 1.600 francos para resgatar sua alforria e de seus dois filhos (idades de 3 e 13 anos), e conseguiu um subsídio de 1.200 francos para pagar o valor determinado pela Comissão.26 26 ANOM, BIB-AOM/50089, “État des esclaves compris dans la distribution des fonds alloués par la loi du 19 juillet 1845, pour le rachat”, decisão de 1 set. 1846, in BOM, 1846, p. 481-486. Mizérine, 36 anos, e seus quatro filhos (idades entre 1 e 9 anos) possuíam um pecúlio de 1.500 francos e conseguiram um subsídio de 1.400 francos para a alforria coletiva. Seu relatório individual ressalta que ela era ainda mãe de uma outra criança impúbere, “libéralement affranchi” (generosamente alforriada) por seu senhor, ou seja, separada dela pela alforria.27 27 ANOM, GEN/139/1188, “État des notices individuelles”, n. 48-52, decisão de 2 nov. 1846.

Finalmente, Adelaïde, 56 anos, cultivadora, e seus quatro filhos - Adolphe, 19 anos, carpinteiro; Céphise, 16 anos, lavadeira; Gustave Montout, 12 anos, aprendiz; e Marius, 3 anos -, que possuíam um pecúlio de 2.000 francos. A listagem de alforrias por resgate forçado publicada no periódico oficial da Martinica informa que o preço total dessa família foi avaliado em 5.050 francos,28 28 ANOM, BIB-AOM/50089,“État des esclaves compris dans la distribution des fonds alloués par la loi du 19 juillet 1845, pour le rachat”, decisão de 24 dez. 1846, in BOM, 1846, p. 671-676. ou seja, em torno de 1.000 francos por indivíduo, observando que o pequeno Marius tinha apenas 3 anos. Entretanto, o relatório produzido pela Comissão de Resgate revela que o preço indicado inicialmente para o resgate desta família de escravos rurais fora muito mais elevado. Ademais, expõe uma história que evidencia outros detalhes importantes acerca das “liberdades litigiosas” dessas mães escravas e seus rebentos.

Adélaïde e seus filhos eram escravos do senhor Berthet, de Saint-Pierre, engenheiro assistente da colônia (sous-ingénier colonial), função exercida ao menos desde 1837.29 29 Almanach de la Martinique, anné commune 1837. Fort-Royal: Thoureau, 1837. p. 116. Ao ser liberta, essa família registrou como sobrenome o patronímico Thérbert, uma forma anagramática do sobrenome de seu ex-senhor. Tal circunstância, sem outras referências, poderia levar a deduções precipitadas. Por exemplo, que o senhor Berthet era pai dos filhos de Adélaïde, a qual teria, então, uma relação de concubinagem com seu senhor, e que por isso ela havia conseguido sua alforria e de seus filhos. No entanto, o relatório feito pelo procurador-geral, aprovando o subsídio para o resgate dessa família, apresenta informações que demonstram como este tipo de conclusão é, em geral, inconsistente, se observamos apenas a superfície das fontes mais acessíveis.

Na verdade, Adélaïde era mãe de sete filhos, todos propriedade do senhor Berthet. Dos sete filhos de Adélaïde, três não foram incluídos no conjunto de alforrias por resgate forçado mencionado anteriormente. Segundo os costumes coloniais e legislações do século XVIII, tal fecundidade teria por recompensa uma “liberdade de savana”. Uma Ordenação Real outorgada na França em 1786 regulamentou que as escravas que tivessem seis filhos deveriam ser gratificadas com um dia livre do trabalho na lavoura, e a cada ano que apresentassem sua meia dúzia de filhos saudáveis ao gerente da fazenda ganhariam mais um dia, até que fossem completamente liberadas do trabalho na plantação de cana.30 30 BNF - Gallica, DURAND-MOLARD. Code de la Martinique. Tome troisième: contenant les Actes Législatifs de la Colonie depuis 1769 jusqu’en 1786 inclusivement. Saint-Pierre (Martinique): L’Imprimerie de Jean-Baptiste Thounens, 1810. p. 699. Nas décadas de 1830 e 1840, liberdades irregulares como aquelas “de savana” deveriam ser regularizadas como uma alforria oficial, de acordo com a ordenação de junho de 1832.31 31 ANOM, BIB-AOM/50089, “Ordennance Royale relative aux affranchissements des esclaves” (assinada em 12 jun. 1832), BOM, 1832, p. 318-321. No entanto, se Adélaïde usufruía uma “liberdade de savana”, sua alforria não havia sido oficializada pelo senhor Berthet. O pai dos sete filhos era o senhor Pécou, homem liberto há muitos anos - não informam há quanto tempo - e, naquele momento, proprietário de um pequeno sítio nos arredores da cidade de Saint-Pierre. Adélaïde era casada canonicamente com Pécou, mas a data do casamento também não foi informada no relatório. Este fato era apresentado por Pécou como base de sua solicitação para a alforria de sua esposa e de seus filhos, os quais ele afirmava “nunca ter perdido de vista”.32 32 ANOM/GEN/139/1188, “État des notices individuelles”, n. 38-42, referente à decisão de 24 dez. 1846.

Diferentemente dos outros resgates forçados concedidos a mães e filhos que viviam uma situação de escravização litigiosa segundo a nova jurisprudência do artigo 47 do Código Negro, a circunstância vivida por essa família possibilitava que recorressem a uma ordenação coetânea, promulgada em 11 de junho de 1839, a qual determinava que era “liberto de direito” (affranchis de droit) o “escravo que, com o consentimento de seu senhor, contrair casamento com pessoa livre”. Nesse caso, os filhos naturais dos dois cônjuges, mesmo nascidos anteriormente ao matrimônio, também seriam “libertos de direito”.33 33 ANOM, BIB-AOM/50089, “Ordonnance royale du 11 juin 1839 sur les affranchissements”, in BOM, 1840, p. 288-294. No entanto, provavelmente para evitar os percalços de um processo judiciário, a família buscava por meio do resgate forçado conquistar sem demora a alforria daqueles que permaneciam na escravidão. O valor da estimativa inicial feita pela Comissão de Resgate para a alforria de Adélaïde e seus sete filhos foi o montante absurdo de 11.850 francos, uma média de 1.480 francos por pessoa. Eles possuíam um pecúlio considerável para uma família de pessoas escravizadas, mas ainda muito abaixo do valor apreciado para a alforria coletiva.

A comissão do resgate aprovou uma subvenção de 3.050 francos, soma significativa, mas ainda não quitava o preço solicitado, por isso, um acordo foi intermediado entre o senhor Pécou e o senhor Berthet. Com o pecúlio de 2.000 francos que Pécou havia depositado na caixa colonial, mais o subsídio do governo, Adélaïde e quatro dos seus sete filhos seriam alforriados, o que ocorreu na decisão do governo publicada em dezembro de 1846.34 34 ANOM, BIB-AOM/50089, BOM, 1846, p. 671-676. Os outros três filhos de Adélaïde e de Pécou - Laurencin, Elie e Léopold, cujas idades e profissões não foram informadas - seriam alforriados por um “resgate amigável” feito diretamente pelo senhor Berthet, sob a “promessa de trabalhos” que o senhor Pécou se engajaria a realizar, representando um valor de 3.000 francos, acordo que, segundo o relatório da comissão, já estava em execução.35 35 ANOM/GEN/139/1188, “État des notices individuelles”, n. 38-42, decisão de 24 dez. 1846. Desse modo, ao final, além dos 5.050 francos, Berthet receberia mais 3.000 francos em serviços prestados por Pécou, Adélaïde e seus filhos.

Este fragmento de história evidencia como a conquista da liberdade era um processo repleto de dificuldades, contradições e injustiças. No caso de Adélaïde e Pécou, tinham direito à liberdade dela e dos filhos de acordo com a legislação vigente, embora tivessem que enfrentar as arenas da administração colonial e, provavelmente, do judiciário para conquistá-la. Apesar disso, essa família de libertos teve que ressarcir com seu pecúlio e seus serviços o senhor Berthet, que “generosamente”, segundo o relatório do governo, havia feito um “desconto” sobre o valor abusivo estimado pela comissão de resgate. Por outro lado, esse processo demonstra como a conquista da liberdade poderia envolver em uma mesma circunstância escravos e libertos, mães e pais casados (ou não) oficialmente, famílias inteiras, dedicando-se à compra da alforria para unir seus parentes na liberdade.

A maioria dos indivíduos ou famílias apresentaram, em média, montantes de até 1.300 francos, e as diferenças entre os pecúlios declarados por homens e mulheres não são expressivas. Foi possível observar que os recursos aplicados pelas pessoas escravizadas individualmente ou por famílias resultavam não apenas das poupanças dos indivíduos beneficiados pelo resgate forçado. Em seu relatório ao Conselho Privado da Martinica, o procurador-geral comenta sobre as “economias feitas pelos escravos” resgatados, informando que “as ajudas que encontraram, fosse entre seus companheiros de infortúnio, fosse entre os homens de sua raça” - referindo-se, com esta expressão, provavelmente a pessoas livres de cor -, “contribuíram poderosamente para aquele resultado”.36 36 ANOM, GEN/139/1188, “Gouvernement de la Martinique, n. 755 - Administration du Procureur Général - direction des colonies - Bureau du régime politique: l’envoi d’un extrait du conseil privé (séance du 2 novembre) relatif à 70 affranchissements prononcés par suite de rachat forcée et avec concours des fonds de l’état”. O artigo 5 da Lei Mackau regulamentava que “as pessoas não livres” poderiam resgatar sua liberdade ou de seus familiares. Contudo, segundo a Comissão de Resgate da Martinica, foi entendido, “a fortiori, que este direito poderia ser exercido pelos parentes livres em relação aos seus parentes escravos”. Desse modo, pessoas libertas frequentemente contribuíam com o pecúlio depositado na caixa colonial em benefício daqueles indivíduos que pretendiam auxiliar na conquista da alforria.37 37 ANOM, GEN/139/1191, “Rachat des esclaves sur les fonds de l’État: Dossier commun, et Martinique (1845-1847)”.

Embora seja raro encontrar na documentação referência a pais e esposos (ou companheiros) libertos, como no caso de Pécou - no resgate de Adélaïde e seus filhos -, não significa que não estivessem presentes no processo de solicitação do resgate forçado, inclusive com auxílio financeiro. As mulheres libertas (mães e irmãs) foram visivelmente ativas na contribuição monetária para complementar o preço estipulado, sobretudo em resgates individuais. Mas também encontrei casos de poupanças formadas com a contribuição de familiares que permaneciam na escravidão. O montante mais alto observado nas listagens de resgate forçado aprovados entre 1846-1847 foi de 4.000 francos, e pertencia a uma família constituída pelo pai, a mãe e seus filhos. Não era um caso de escravização litigiosa e todos conquistaram conjuntamente suas alforrias por resgate forçado, em uma decisão publicada em maio de 1847. Théodore Reinette, 49 anos, era casado canonicamente com Rosillette Babet, 38 anos, e tinham quatro filhos: Théodorie, 13 anos, Lucien-Anselme Petit-Frère, 10 anos, Marius, 7 anos, e Ruffin, 1 ano. Talvez tivessem filhos mais velhos, mas apenas estes foram alforriados com eles. Eram escravos lavradores de um importante engenho de açúcar, na vizinhança da cidade de Saint Pierre, pertencente aos Perrinelle, uma das famílias mais ricas de proprietários brancos da Martinica naquela época.

A comissão do resgate estimou o preço da família de Théodore e Rosillette em 5.900 francos e aprovou um subsídio de 1.900 francos. Contudo, um dos elementos mais interessantes nas informações fornecidas sobre esta família concerne à composição de seu pecúlio. O montante expressivo de 4.000 francos foi formado por uma soma que envolvia 1.000 francos que Théodore e sua família haviam economizado, provavelmente vendendo o excedente de seu roçado na cidade de Saint-Pierre; um valor de 1.500 francos que conseguiram reunir com a venda de joias de Rosillette, das camas de seu casebre e de empréstimos de pessoas de Saint-Pierre, onde Théodore era “conhecido e estimado”; e, por último, um montante significativo de 1.500 francos que havia sido doado pela mãe de Rosillette Babet, escrava enfermeira de longa data da habitation Perrinelle, e que permanecia na escravidão.38 38 ANOM/GEN/139/1188, “État des notices individuelles”, n. 77-82, decisão de 4 maio 1847.

É raro encontrar nos relatórios individuais este tipo de descrição minuciosa sobre a composição do pecúlio dos indivíduos ou das famílias. Contudo, o detalhamento dos valores poupados e adquiridos por Théodore e Rosillette Babet é uma evidência preciosa sobre os meios utilizados e sacrifícios feitos para a formação dos montantes aplicados pelas pessoas escravizadas na compra de suas alforrias, além de revelar a importância da família e o envolvimento de amigos, toda uma rede de solidariedade empenhada na conquista da liberdade. Sobretudo, a atuação da mãe de Babet salta aos olhos, ao doar um pecúlio tão alto - com o qual poderia comprar sua própria liberdade - para a alforria de sua filha, genro e netos, enquanto ela permaneceria como escrava da fazenda. Contudo, apesar disso, seu nome nem foi mencionado no relatório, ainda que fosse enfermeira da habitation Perrinelle. Por ser uma mulher certamente idosa, além de desejar afetivamente auxiliar na alforria da filha, genro e netos, provavelmente também considerava que essa sua família um dia poderia cuidar dela.

A historiografia que aborda a luta pela liberdade, especialmente a partir do estudo de ações de liberdade, demonstra que as mulheres eram mais propensas que os homens a buscarem as alforrias para seus parentes, particularmente para seus rebentos, como uma parte fundamental de suas lutas judiciárias. Essa predominância ocorria, em parte, devido ao princípio do partus sequitur ventrem, que garantia o registro escrito da relação de parentesco entre mães e filhos, documentação que pôde ser acionada quando as legislações das sociedades escravistas e os discursos abolicionistas sobre maternidade começaram a oferecer alguma proteção teórica contra a separação das famílias. Essas ferramentas jurídicas e discursivas foram manipuladas por mulheres escravizadas e libertas quando recorriam ao sistema judiciário para unir as famílias na liberdade mais frequentemente do que pelos homens. Segundo Camilia Cowling, os homens, cativos ou libertos, apareciam menos que as mulheres como principal reclamante da liberdade de seus filhos por várias razões, mas principalmente porque eram separados de suas crianças pela venda de escravos mais frequentemente que as mães (Cowling, 2013COWLING, Camillia. Conceiving freedom: Women of color, gender, and the abolition of slavery in Havana and Rio de Janeiro. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2013., p. 138-142). Entretanto, como podemos observar em relação aos resgates forçados na Martinica, as mães escravizadas não agiam sozinhas, pois suas redes de relações, especialmente com familiares, foram fundamentais para que conseguissem acionar a intermediação do Estado. E um importante suporte era dado pelos pais dos rebentos. Mas mulheres libertas e até mesmo escravizadas, principalmente mães, também tiveram uma atuação fundamental no auxílio às solicitações dos resgates forçados de seus familiares.

Considerações Finais

Os números foram importantes para observarmos o quadro geral das alforrias por resgate forçado na Martinica, mas os fragmentos de histórias narrados nos relatórios individuais forneceram indícios essenciais para compreendermos a conquista da liberdade, sobretudo sob uma abordagem atenta à agência das mulheres escravizadas e de suas famílias. Em todas as sociedades escravistas atlânticas, incluindo as colônias francesas caribenhas, as mulheres foram mais alforriadas que os homens (Brana-Shute, 2009BRANA-SHUTE, Rosemary; SPARKS, Randy J. Paths to freedom: Manumission in the Atlantic World. Columbia: University of South Carolina Press, 2009.; Candioti, 2018CANDIOTI, Magdalena. Manumisiones negociadas y libertades frágiles en el Río de la Plata. Santa Fe, 1810-1853. In: FREIRE, J.; SECRETO, M. V. (eds.). Formas de liberdade: gratidão, condicionalidade e incertezas no mundo escravista nas Américas. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2018. p. 129-155.; Canelas, 2017CANELAS, Letícia G. Escravidão e liberdade no Caribe Francês: a alforria na Martinica sob uma perspectiva de gênero, raça e classe (1830-1848). Tese (Doutorado em História), Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2017., p. 317-419; Eisenberg, 1987EISENBERG, Peter L. Ficando livre: as alforrias em Campinas no século XIX. Estudos Econômicos, v. 17, n. 2, p. 175-216, 1987.; Slenes, 1976SLENES, Robert W. The demography and economics of Brazilian slavery, 1850-1888. Tese (Doutorado em História), Stanford University. Stanford, EUA 1976. ), com exceção dos Estados Unidos, onde os números de homens e mulheres manumitidos eram equivalentes ou as alforrias masculinas eram mais numerosas (Wolf, 2009WOLF, Eva Sheppard. Manumission and the two-race system in early national Virginia. In: BRANA-SHUTE, R.; SPARKS, R. J. (orgs.). Paths to freedom: Manumission in the Atlantic World. Columbia: University of South Carolina Press, 2009. p. 309-336.). Por muito tempo, foram comuns análises historiográficas que afirmavam que as mulheres tinham mais acesso à liberdade devido às suas relações afetivas, embora desiguais, com seus senhores brancos. Essa historiografia, afetada pela visão escravista dominante nas fontes primárias, foi induzida a valorizar mais os laços sexuais e afetivos, do que os esforços de trabalho e poupança das mulheres escravizadas (Machado, Ariza, 2019MACHADO, Maria Helena P. T.; ARIZA, Marília B. de A. Escravas e libertas na cidade: experiências de trabalho, maternidade e emancipação em São Paulo (1870-1888). In: BARONE, Ana C. C.; RIOS, Flávia(orgs.). Negros nas cidades brasileiras (1890-1950). São Paulo: Intermeios; Casa de Artes e Livros, 2019. p. 117-142.).

Não faltam evidências para demonstrar que, em todo mundo Atlântico, as mulheres escravizadas desenvolviam estratégias no mundo do trabalho para amealhar um pecúlio. Elas foram agentes importantes nas lutas e negociações por suas liberdades e de suas crianças, mas cabe considerar que a atuação e apoio da família nuclear, estendida ou espiritual, e outras redes de solidariedade geralmente não aparecem nas fontes mais acessíveis, assim como as relações com homens negros (escravizados ou libertos), como esposos, companheiros ou pais de seus rebentos. Por isso, é fundamental prescrutar e inferir, mesmo que a partir de indícios fragmentados, a agência e percepção das mulheres e de suas famílias nos processos de liberdade. É importante considerar que o fato de as escravizadas adultas serem mais frequentemente alforriadas provavelmente expressava a importância do papel das mulheres nas famílias como mães - sobretudo para garantir a liberdade dos futuros descendentes -, na organização dos lares, na atuação no mundo do trabalho, tanto rural quanto urbano, para formar as poupanças familiares, além da tentativa individual e familiar de escapar da violência de gênero que sofriam no cotidiano de escravidão.

Embora estivesse longe de uma emancipação geral, a Lei Mackau e os subsídios públicos para a compra da alforria representaram uma nova relação entre indivíduos escravizados e o Estado nas colônias francesas, interferindo definitivamente no domínio senhorial. De acordo com John Savage, a estatística paternalista do Novo Imperialismo, que substituiria a autoridade privada e paternal dos senhores de escravos nos pós-abolição, já estava implícita nas políticas coloniais da década de 1840 (Savage, 2006SAVAGE, John. Unwanted slaves: The punishment of transportation and the making of legal subjects in early nineteenth-century Martinique. Citizenship Studies, v. 10, n. 1, p. 35-53, 2006., p. 49). Para as alforrias por resgate forçado, o governo colonial procurou definir quais eram os sujeitos “merecedores” do duplo benefício concedido pelo Estado - o subsídio e a outorga da alforria oficial -, e estabelecer, assim, parâmetros baseados no trabalho e na família, sob uma ordem social tutelada e orientada pelo Estado francês. Ao mesmo tempo, nas colônias, procuraram divulgar estas alforrias por resgate forçado também como um ato de benevolência dos senhores e, ainda, protegê-los de possíveis ações de liberdade que os espoliariam de suas propriedades sem nenhuma indenização.

Contudo, as famílias escravas e libertas utilizaram como puderam os recursos disponíveis e recorreram a redes de solidariedade para unirem seus membros na liberdade, a despeito da vontade de seus senhores e da tutela do Estado. Apesar das fontes consultadas não possibilitarem observarmos exatamente as visões que as mulheres negras, escravizadas e libertas, tinham sobre suas experiências como mães, é evidente que perceberam e utilizaram as disputas sociais, políticas e jurídicas em torno das noções emergentes de maternidade para conquistarem suas alforrias juntamente às de seus filhos. A análise apresentada neste artigo demonstra como, em uma conjuntura (política e legislativa) um pouco mais favorável, as pessoas escravizadas recorreram às arenas do direito e do Estado, para além das negociações privadas com senhores, no sentido de garantir seu direito à liberdade. A maternidade, as relações familiares (nucleares e estendidas), a conquista e o reconhecimento da liberdade se revelam experiências fundamentais para aquelas pessoas que viviam sob o jugo da escravidão.

Referências

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  • 1
    Bibliothèque Nationale de France (BNF) - Gallica. Notices statistiques sur les colonies françaises. France, Ministère de la Marine et des Colonies. Paris: Imprimerie Royale, 1837. p. 4-5.
  • 2
    Desde a promulgação de um decreto do Conselho de Estado do Rei de outubro de 1713, a manumissão de uma pessoa escravizada deveria necessariamente ser aprovada e chancelada pelos administradores coloniais, independentemente da vontade senhorial, para que a pessoa fosse considerada oficialmente liberta ( Canelas, 2018, p. 47).
  • 3
    Archives Nationales d’Outre-Mer (ANOM), GEN/161/1322, Rapport fait au nom de la Commission chargée de l’examen de la proposition de M. Passy sur le sort des esclaves dans les Colonies françaises. Séance 12 juin 1838. Chambre des Députés (France).
  • 4
    Em 28 de agosto de 1833 o parlamento britânico promulgou o Abolition Act (Lei de Emancipação), o qual determinava que a partir de agosto de 1834 os mais de 800 mil escravos das colônias britânicas se tornariam “aprendizes”, e não mais escravos, sendo completamente livres em 1840, depois do período de “aprendizagem”; contudo, devido às pressões abolicionistas e dos próprios aprendizes, a emancipação definitiva foi instaurada em 1º de agosto de 1838, antes da data prevista (Drescher, 2011, p. 371-375).
  • 5
    O barão de Mackau era casado com uma mulher branca nascida nas colônias e tinha ocupado o cargo de governador da Martinica entre 1836 e 1837. Foi membro da Comissão presidida por Broglie (1840-1843), a qual debateu propostas emancipacionistas, e em 1843 assumiu o Ministério da Marinha e das Colônias, quando propôs o projeto da lei de 1845, apelidada com seu nome.
  • 6
    ANOM, BIB-AOM/50089, “Loi relative au régime des Esclaves dans les colonies françaises, 18 juillet 1845”, Bulletin Officiel de la Martinique (BOM), 1846, p. 385-393.
  • 7
    A elite colonial nas possessões francesas era formada por famílias de senhores brancos, grandes proprietários de terras e escravos, referidos nas fontes e na bibliografia ainda como “colonos” (colons) (Schloss, 2009, p. 2-15). Também me refiro à classe de colonos brancos como “classe senhorial”, em diálogo com a historiografia brasileira que estuda a história da escravidão no Brasil no século XIX (Chalhoub, 2012).
  • 8
    ANOM, BIB-AOM/50089, “Arrêté du 1er décembre 1845, qui fixe le mode de procéder de la commission de rachat”, BOM, 1846, p. 534-535.
  • 9
    BNF - Gallica. Ministère de la Marine et des Colonies. Compte Rendu au Roi de l’exécution des lois 18 et 19 juillet 1845 sur le régime des esclaves, la création d’établissements agricoles par le travail libre, etc. Paris: Imprimerie Royale, mars 1847, p. 1-2. A referência a esta fonte será feita adiante como: BNF - Gallica. Compte Rendu au Roi de l’exécution des lois 18 et 19 juillet 1845.
  • 10
    Destaca-se, excepcionalmente, a obra de Céline Flory sobre a questão do “resgate” da liberdade no mundo Atlântico francês. Ela trata a história de trabalhadores africanos resgatados do tráfico ilegal de escravos depois de 1848; analisa a ideia de “resgate” da alforria, colocada em prática nas possessões francesas no século XIX, e expõe críticas importantes sobre o discurso que procurou legitimar o resgate dos africanos no pós-abolição, como uma obra “humanitária, civilizadora e abolicionista” (Flory, 2015, p. 105-107).
  • 11
    ANOM, BIB-AOM/50089, “Loi 19 juillet 1845”, BOM, 1845, p. 394-397.
  • 12
    ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47: Adminsitration de la Justice, n. 62, Martinique. Proposition d’affranchissement en faveur de 70 personnes par suite de rachat forcé et moyennant subvention sur les fonds de l’état, 2 nov. 1846”.
  • 13
    ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47: Administration de la Justice, Fort-Royal, 7 ago. 1846”.
  • 14
    ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47”.
  • 15
    BNF - Gallica, GATINE, Adolphe. Procès Virginie, de la Guadaloupe: plaidoirie et arrêt de cassation, 22 novembre 1844. Paris: Imprimerie de Ph. Cordier, 1844. p. 8-9.
  • 16
    BNF - Gallica, TOCQUEVILLE, Alexis de (Député de la Manche). Rapport fait au nom de la Commission chargée d’examiner la proposition de M. de Tracy, relative aux esclaves des colonies. Séance du 23 juillet 1839. Paris: Imprimeur de la Chambre des Députés. p. 18.
  • 17
    BNF - Gallica, GATINE, Adolphe, Procès Virginie, p. 20.
  • 18
    ANOM, BIB-AOM/50089, “Ordennance du Roi sur l’instruction morale et religieuse et pour le patronage des esclaves”, 5 jan. 1840, in BOM, 1841, p. 106-108.
  • 19
    ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47”.
  • 20
    ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47, Administration de la Justice, Fort-Royal, 7 ago. 1846”.
  • 21
    Código Negro, 1685, Art. 47: Não poderão ser confiscados e vendidos separadamente, o marido e a mulher, e seus filhos impúberes, se estiverem sob o poder do mesmo senhor. Declaramos nulas as confiscações e vendas que assim forem feitas; (...) que ocorra nas alienações voluntárias, sob pena, contra aqueles que as fazem, de serem privados daquele ou daqueles que eles tenham mantido, que serão adjudicados aos compradores, sem que sejam obrigados a pagar qualquer valor suplementar. BNF - Gallica, DURAND-MOLARD. Code de la Martinique. Tomo premier: contenant les Actes Législatifs de la Colonie depuis 1642 jusqu’en 1754 inclusivement. Saint-Pierre (Martinique): L’Imprimerie de Jean-Baptiste Thounens, 1807, p. 52.
  • 22
    ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47: Administration de la Justice, 7 Août 1846”.
  • 23
    ANOM, GEN/139/1188, “Correspondance et rapport relatifs à des affranchissements à la Martinique 1846-47: Conseil Privé - Extrait des Procès-verbaux de la session extraordinaire du mois d’Août 1846, Libération de 107 esclaves au moyen de subventions sur les fonds de rachat”.
  • 24
    SCHOELCHER, Victor. Histoire de l’esclavage pendant les deux dernières années. Deuxième partie. Paris: Pagnerre, 1847. p. 51-53.
  • 25
    BNF - Gallica, MOREAU DE JONNÈS, Alexandre. Recherches statistiques sur l’esclavage colonial et sur les moyens de le supprimer. Paris: Bourgogne et Martinet, 1842. p. 126-128.
  • 26
    ANOM, BIB-AOM/50089, “État des esclaves compris dans la distribution des fonds alloués par la loi du 19 juillet 1845, pour le rachat”, decisão de 1 set. 1846, in BOM, 1846, p. 481-486.
  • 27
    ANOM, GEN/139/1188, “État des notices individuelles”, n. 48-52, decisão de 2 nov. 1846.
  • 28
    ANOM, BIB-AOM/50089,“État des esclaves compris dans la distribution des fonds alloués par la loi du 19 juillet 1845, pour le rachat”, decisão de 24 dez. 1846, in BOM, 1846, p. 671-676.
  • 29
    Almanach de la Martinique, anné commune 1837. Fort-Royal: Thoureau, 1837. p. 116.
  • 30
    BNF - Gallica, DURAND-MOLARD. Code de la Martinique. Tome troisième: contenant les Actes Législatifs de la Colonie depuis 1769 jusqu’en 1786 inclusivement. Saint-Pierre (Martinique): L’Imprimerie de Jean-Baptiste Thounens, 1810. p. 699.
  • 31
    ANOM, BIB-AOM/50089, “Ordennance Royale relative aux affranchissements des esclaves” (assinada em 12 jun. 1832), BOM, 1832, p. 318-321.
  • 32
    ANOM/GEN/139/1188, “État des notices individuelles”, n. 38-42, referente à decisão de 24 dez. 1846.
  • 33
    ANOM, BIB-AOM/50089, “Ordonnance royale du 11 juin 1839 sur les affranchissements”, in BOM, 1840, p. 288-294.
  • 34
    ANOM, BIB-AOM/50089, BOM, 1846, p. 671-676.
  • 35
    ANOM/GEN/139/1188, “État des notices individuelles”, n. 38-42, decisão de 24 dez. 1846.
  • 36
    ANOM, GEN/139/1188, “Gouvernement de la Martinique, n. 755 - Administration du Procureur Général - direction des colonies - Bureau du régime politique: l’envoi d’un extrait du conseil privé (séance du 2 novembre) relatif à 70 affranchissements prononcés par suite de rachat forcée et avec concours des fonds de l’état”.
  • 37
    ANOM, GEN/139/1191, “Rachat des esclaves sur les fonds de l’État: Dossier commun, et Martinique (1845-1847)”.
  • 38
    ANOM/GEN/139/1188, “État des notices individuelles”, n. 77-82, decisão de 4 maio 1847.
  • 39
    Este artigo utiliza material pesquisado durante o doutoramento em História na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp (Canelas, 2017), com bolsa de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e bolsa de estágio no exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); as análises apresentadas foram atualizadas a partir da pesquisa de pós-doutorado (Departamento de História/Universidade de São Paulo).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2022
  • Aceito
    08 Nov 2022
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