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O Santo do Bispo

Resumos

O artigo propõe uma biografia de D. José Antonio de Guadalupe, bispo do Rio de Janeiro entre 1725 e 1740, a partir da análise de diversos documentos, sobretudo os seus escritos pastorais. Estes são considerados não só práticas religiosas, mas um gênero literário adequado a um conjunto de procedimentos e convenções previstos para sua leitura e recepção. Através da reconstrução da trajetória daquele agente, pretende-se destacar como sua ação e memória contribuem para a devoção de São Gonçalo de Amarante e conformação das práticas católicas no Rio de Janeiro e regiões circunvizinhas por diferentes grupos sociais. Objetiva-se, também, pôr em evidência a devoção e festa de São Gonçalo, discutindo a relação entre a hierarquia católica e os devotos pardos do santo, reunidos numa irmandade situada na Vila de São Sebastião, em São Paulo do século XIX. A análise do Compromisso da Irmandade de São Gonçalo aponta para as formas e modalidades da crença católica na sociedade colonial.

santo; escritos pastorais; pardos.


The article suggests a biography of Don José Antonio de Guadalupe, bishop of Rio de Janeiro from 1725 to 1740, based on the analysis of several documents, mainly his pastoral writings. These are not only considered religious practices, but a literary genre, framed by a set of procedures and conventions that pattern its reading and acceptance. Through the reconstruction of that agent's path, it is my aim to highlight how his action and memory contribute to the devotion to São Gonçalo de Amarante, and the character of the catholic practices in Rio de Janeiro and its surroundings by the different social groups. It is also my objective to show the devotion and the feast of São Gonçalo by analyzing the connection between the catholic hierarchy and the pardo devotees of the saint, gathered in a brotherhood located in the village of São Sebastião, in nineteenth century São Paulo. The analysis of the São Gonçalo Brotherhood Pledge (Compromisso da Irmandade de São Gonçalo) evinces the types and modes of the catholic beliefs in the colonial society.

saint; pastoral writings; pardos (free men of color).


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  • SOARES, Marisa de Carvalho. Devotos da Cor; identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.
  • SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista; história da festa de coroação do Rei Congo. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
  • VERNANT, Jean-Pierre. "Formas de crença e racionalidade na Grécia" in: Entre Mito & Política. São Paulo: Edusp, 2002.
  • VIEIRA, Antônio. "Sermão de São Gonçalo". Sermões. Porto: Lello & Irmão, 1959, v-2.
  • 1
    Gonçalves de Guimarães analisa a festa de São Gonçalo de Amarante da atualidade em Vila Nova de Gaia do ponto de vista etnográfico e arqueológico. Para o autor, a festa do santo amarantino é de raiz romana; sucede e é continuidade dos festejos que os homens do mar dedicavam desde longa data a S. Pedro (ou Pero) Gonçalo (ou Gonçalves) Telmo. Para levar adiante a segunda destas hipóteses, apresenta uma série de informações: nos relatos hagiográficos, as vidas dos santos são paralelas e coincidentes e o processo de canonização dos santos é encaminhado conjuntamente, durante o reinado de D. Sebastião. Faz referência aos vários privilégios de mamposteiros pequenos para recolher esmolas para a canonização de S. Gonçalo nas freguesias da Sé do Porto e alhures, de 1577, assim como autorizações, de 1618 e 1610, por parte da Mesa de Consciência e Ordens para que se pescasse aos domingos e dias santos, convertendo este valor para a canonização dos dois santos. Com Felipe II, encaminha-se a canonização de São Pedro, deixando a de São Gonçalo de lado. Os mareantes portugueses, por sua vez, reagiram ao fato reforçando sua devoção ao Amarantino, que ganha conteúdo patriótico (cf. Gonçalves Guimarães.A festa de São Gonçalo em Vila Nova de Gaia, origens e evoluções de um culto de mareantes". Revista de ciências históricas. Universidade Portucalense, v.7, 1993 p.135-160).
  • 2
    Arlindo de Magalhães Ribeiro da Cunha. São Gonçalo de Amarante: um vulto e um culto. Vila Nova de Gaia: Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, 1996.
  • 3
    Idem. ibidem. p. xvi, 120. A leitura dos folcloristas sobre o santo e as celebrações a ele relacionadas em Portugal e no Brasil, também sublinham o seu caráter popular (Entre outros, cf. Luís da Câmara Cascudo. "Gonçalo" in: Dicionário do Folclore Brasileiro. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1972.p.414-418). Para uma crítica a esta leitura que toma o popular como uma evidência a priori, vale fazer uso das reflexões de Nestor Garcia Canclini. (cf. Culturas híbridas, estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 1997). Para o autor, popular é um conceito que deve levar em conta a sua formulação pelos setores subalternos e as diversas ações - entre elas, os estudos folclóricos - que o trazem à cena, que o filtram. É também fundamental investigar sobre os devotos do Santo, que variam conforme a época e lugar.
  • 4
    Arlindo Cunha faz um bom inventário dos documentos, a partir dos quais caracteriza oculto de São Gonçalo após 1671, data do breve Sacrosanti Apostolatus. No corpo do texto, fiz referência aos tipos de documentos mencionados para o século XVII e o XVIII português (cf.Arlindo de Magalhães Ribeiro da Cunha Op.cit. p. 149-160). Gonçalves Guimarães chama atenção para o fato de que, no século XVII, a disputa entre beneditinos lisboetas, que saíam em procissão na cidade com o santo envergando o hábito da ordem que o teria educado, e os dominicanos, em cuja ordem o santo professou, consagrou o santo amarantino em Portugal. A questão foi levada pelos dominicanos ao papa, que decide a seu favor em 1615, tornando-o dominicano (cf.Gonçalves Guimarães. Op.cit. p.147).
  • 5
    (cf.Gonçalves Guimarães. Op. cit. p.137-138). Arlindo de Magalhães Ribeiro da Cunha indica, para o século XVIII, o registro da festa em 28, 10, 9 e 14 de janeiro, em número decrescente de evidências (Op.cit. p. 149-160). No atual calendário litúrgico é a 16 de janeiro. Segundo Gonçalves Guimarães, na época do Concílio de Trento, a festa eminentemente popular é registrada documentalmente e, após ele, ocorre a sua "oficialização, intelectualização e integração à ortodoxia". A meu ver, a questão sobre o processo de exclusão dos elementos populares após Trento é procedente, se bem que Gonçalves Guimarães não discute com vagar o assunto e separe demasiadamente a festa oficial, da popular. Uma perspectiva rica com relação à religião popular, que analisa a devoção de São Gonçalo, é a apresentada por Pierre Sanchis, que combina descrição etnográfica com perspectiva sociológica na análise das romarias portuguesas contemporâneas, antes da Revolução dos Cravos. De acordo com o autor, o "sagrado selvagem" é de certa forma aprisionado pelos especialistas do sagrado desde o século VI. Contudo, as romarias permanecem como um espaço de ambigüidade, de uma dimensão religiosa fundamental, anterior à sua ordenação e regulamentação. Neste sentido, o autor atribui certa autonomia à religião popular na relação com a hierarquia e explica como, em algumas de manifestações do "povo", confluem religião e magia. Este é o caso de São Gonçalo de Amarante, em que "o culto ao diabo não se opõe ao santo, infiltra-se a sua sombra e é somente a ação repressiva ou a recusa de aceitação pelo responsável religioso oficial que faz aparecer a contradição" (cf.Pierre Sanchis. Festa de um povo; as romarias portuguesas. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1983. p.39-96).
  • 6
    cf. Gonçalves Guimarães Op.cit; Pierre Grimal. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro: Bertrand, 1993. p. 258.
  • 7
    cf. Beatriz Catão Cruz Santos."As Capelas de Minas no século XVIII" in: Acervo. v.16, nº 2, p.129-146, jul./dez. de 2003. p.129-146.
  • 8
    Antônio Vieira. "Sermão de São Gonçalo". Sermões. Porto: Lello & Irmão, 1959, v-2. p.327 (grifos meus).
  • 9
    cf. Beatriz Catão Cruz Santos."As Capelas de Minas no século XVIII" in: Acervo. v.16, nº 2, jul./dez. de 2003. p.132; Para uma definição de Sermão, do pregador e do ouvinte a partir do "Sermão da Sexagésima", que é tomado como um discurso da época barroca e da sociedade colonial ____. O Pináculo do Temp(l)o; o Sermão do Padre Antônio Vieira e o Maranhão do século XVII. Brasília: UnB, 1996. p.73-92).
  • 10
    Faço uso dos conceitos de colono, colonizador e colonizado, tal como foram elaborados por Ilmar Rohloff de Mattos. "A moeda colonial". in: O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 1987.p. 18-33.
  • 11
    11Alcir Pécora. Máquina de gêneros. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2001.p. 11-16.
  • 12
    12Constituições primeiras do arcebispado da Bahia feitas e ordenadas pelo ilustrísimo, e reverendíssimo senhor D. Sebastião Monteiro da Vide, 5° arcebispo do dito Arcebispado, e do conselho de Sua Magestade: propostas e aceitas em o Synodo Diocesano, que o dito senhor celebrou em 12 de junho do anno de 1707. Introdução e revisão cônego prebendado Ildelfonso Xavier Ferreira. São Paulo, Typografia 2 de dezembro, 1853. Neste texto, faz-se uso desta edição, disponível no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que contém a cópia da primeira, publicada em 1720.
  • 13
    Francisco José Silva Gomes. Le projet néo-crétienne dans le diocèse de Rio de Janeiro de 1869 à 1915. Tolouse: Universidade de Tolouse Le Mirail (Thèse de Doctorat),1991. 3.v. Especialmente, p.465-480, Parte II, v- 2; 836-840, Parte III, v-3.
  • 14
    Vieira Fazenda. "O Bispo Guadalupe" in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943, tomo 95, v-149. p.288. A qualificação é atribuída pelo autor, que indica serem seus pais o desembargador Jeronymo Sá Cunha e D. Maria Cerqueira.
  • 15
    José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo. Compilação das Memórias dos Prelados, Bis-pos, e Conegos que Nesta Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro tem avido até o prezente ano de 1793. A qual se ajunta A Memória da Origem e Progressos do Cabido de Santa Sé desta cidade, e das Igrejas deste Bispado, Comarcas e Vigários de Vara Com apendices Aos Catalogos dos Prelados, Bispos e Conegos Pelo Reverendo Conego Secretario do Rmo Cabido, in: Memórias do Bispado do Rio de Janeiro, que serviram de base para a composição das Memórias Históricas do Rio de Janeiro, por monsenhor Pizarro, que se publicaram pela Estampa em 10 volumes. IHGB - 1, 3, 13.
  • 16
    No prefácio das Memórias históricas do Rio de Janeiro, Rubem Borba de Morais fornece uma biografia de Pizarro e tece comentários esclarecedores sobre a obra publicada. Pizarro torna-se presbítero em 1780. Foi Bacharel em Cânones por Coimbra e, em 1801, recebe o hábito da Ordem de Cristo e a conezia da Santa Igreja Patriarcal. Foi também conselheiro de D. João VI, tesoureiro e arcipestre da Real Capela. O prefácio reconhece que a obra Memórias históricas, resultante das Memórias do Bispado do Rio de Janeiro, é "um manancial inesgotável de informações e dados" a serem analisados pela crítica do historiador. O próprio Pizarro e Araújo teria advertido que seu objetivo era somente "coligir subsídios que devem servir de base a quem com pena culta e destra, hábil e judiciosa, convier a composição duma História perfeita do continente Brasiliense". (cf. "Prefácio" in: José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo. Memórias históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945. p. x, v-1.
  • 17
    José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo. Memórias do Bispado do Rio de Janeiro.... IHGB - 1, 3, 13. Vale observar que este título não é da época (ver nota 16), mas dado pelo Conselheiro José Paulo Nabuco d'Araújo, que doou este conjunto variado de documentos ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Na parte inicial, Guadalupe expõe os objetivos das Memórias do Bispado, de cuja obra o Bispo é um coordenador, um diretor que conta com a participação de secretários na sua execução. Como expressou na visita de 2 de julho de 1729 "que o Secretário do Cabido fizesse um Livro, no qual estivessem escritas todas as Memórias pertencentes à Sé, como a fundação e criação da mesma Igreja em Catedral, a Declaração das Dignidades, Cônegos, meios Cônegos, Capelães e mais pessoas destinadas ao serviço dela, e das Côngruas que tem, e donde são pagas, e o número das Comarcas que tem este Bispado, onde há Vigários da Vara, e o Catálogo das Igrejas dele com distinção da sua qualidade, e de Coladas, ou não Coladas, com outras mais memórias precisas, sim para o futuro, como para o governo presente da Diocese: não esquecendo as Memórias individuais dos Ilmos Srs Bispos, que têm havido nesta Igreja, com declaração de suas pátrias, do tempo de sua entrada, do seu falecimento, e lugar de sua sepultura (...)"."Considerando uma omissão de já 150 anos, o bispo desejou "ver principiada esta grande obra, novamente a recomendou na Visita [ao Cabido] de 31 de agosto de 1732" (cf.Idem.ibidem).
  • 18
    Idem.ibidem. (grifos meus).
  • 19
    Idem.ibidem.
  • 20
    Capítulos da Visita do ExMo Ilmo Sr. Guadalupe na cidade aos 6 de janeiro de 1736. in: Idem.ibidem.
  • 21
    Luís Gonçalves dos Santos. Memórias para servir à história do reino do Brasil. Lisboa: Imprensa Régia, 1825. v-1.
  • 22
    Vieira Fazenda. "A mãe do bispo".Op. cit. p.33-37.
  • 23
    ____. "O Bispo Guadalupe". Op. cit p.289.
  • 24
    Faço uso da discussão realizada por Martha Abreu a respeito dos historiadores memorialistas. A primeira geração deles era constituída por Joaquim Manuel de Macedo, Moreira de Azevedo e Vieira Fazenda. No século XX, Gastão Cruls e Vivaldo Coroacy seguiriam os passos de Vieira Fazenda. Aliás, em todos estes autores há informações sobre a devoção e/ou templos sob evocação de São Pedro e São Gonçalo. (cf. Martha Abreu. O império do Divino; festas religiosas e cultura popular no Ro de janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fapesp, 1999. p.139). Para a citação apud José Honório Rodrigues. "Historiografia memorialista e o Rio de Janeiro" Idem.ibidem.
  • 25
    Apud.Francisco Silva Gomes. Op.cit. p.478. v- II.
  • 26
    As reflexões de Francisco José Silva Gomes se dirigem à atuação de Dom Lacerda. Contudo, neste ponto, podem ser aplicadas ao caso de Guadalupe. Idem. Ibidem. p. 467 e ss.
  • 27
    Compêndio da Pastoral do Il. Sr. D. Frei Antonio de Guadalupe de 16 de setembro de 1728. in:José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo. Memórias do Bispado.
  • 28
    Capítulos da Visita do Exmo Snr. Guadalupe na cidade aos 2 de setembro de 1732. in: José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo. Memórias do Bispado.
  • 29
    Compêndio da Pastoral do Il. Sr. D. Frei Antonio de Guadalupe de 16 de setembro de 1728.Idem.ibidem.
  • 30
    Idem. ibidem.
  • 31
    cf. item 2.º Idem. ibidem.
  • 32
    "Bando sobre a veneração que há de ter ao senhor Bispo" in: Secretaria do Estado do Brasil. ANRJ, códice 87, v-2.
  • 33
    Compêndio da Pastoral do Il. Sr. D. Frei Antonio de Guadalupe de 16 de setembro de1728. in: José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo. Memórias do Bispado.
  • 34
    Capítulos da Visita do Exmo Snr. Guadalupe na cidade e freguesias dela aos 26 de julho de 1726. Idem. ibidem. (grifos do autor).
  • 35
    Capítulos da Visita do ExMo Ilmo Sr. Guadalupe na cidade aos 6 de janeiro de 1736. Idem. ibidem.
  • 36
    Leila Mezan Algranti em estudo pioneiro sobre a escravidão urbana no Rio de Janeirode 1808 a 1822 assinala a presença expressiva de libertos na cidade. Considerando a incerteza dos dados quantitativos, assinala que entre as razões desta presença está o crescente índice de manumissão e as maiores alternativas de trabalho do meio urbano, comparadas ao rural. Contudo, reconhece que os libertos oscilavam dos empregos para um trabalho provisório, e deste para o grande número de mendigos e prostitutas. Neste trabalho, que efetua um levantamento das prisões ocorridas entre 1810 e 1811, há o registro de três detidos, cujo motivo era ser "dono de casa de quilombo". cf. O feitor ausente; estudos sobre escravidão urbana no Rio de Janeiro - 1808-1822. Petrópolis: Vozes, 1988. p. 121-157; p.210 (anexos).
  • 37
    Capítulos da Visita do Exmo Snr. Guadalupe na cidade e freguesias dela aos 26 de julho de 1726. Idem. ibidem.
  • 38
    Capítulos da Visita do ExMo Ilmo Sr. Guadalupe na cidade aos 6 de janeiro de 1736. Idem. ibidem.
  • 39
    Francisco José Silva Gomes indica a presença destas ordens nos escritos pastorais de D. Lacerda, no século XIX. Op.cit, p.469-70, v. II.
  • 40
    Existem vários títulos que regulamentam a questão, particularmente os títulos XXXII, XXXIII e LXXXIV do Livro Terceiro. As Constituições prescrevem aos párocos que, em caso de ouvintes que desconhecem a língua do pároco, ele deve "verter" a sua fala em benefício da instrução. Cf. Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia. Título LXXXII, §584.
  • 41
    Foram selecionadas partes dos §585, 587 e 588 contidos no Título LXXXIII, há outros sobre o assunto. cf. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia.
  • 42
    Título LXXXIV, § 1313. Idem. ibidem.
  • 43
    Faço uso da reflexão de João Adolfo Hansen, que ao analisar a categoria "representação" nas festas coloniais nos séculos XVII e XVIII, lembra das inúmeras coações que limitam e possibilitam a produção de representações. Entre elas identifica as coações institucionais, como a censura, "que impunham os limites da ortodoxia às representações, tornando-as adequadas à reprodução das verdades da "política católica" portuguesa". João Adolfo Hansen. "A categoria "representação" nas festas coloniais dos séculos XVII e XVIII" in: István Jancsó e Íris Kantor (org). Festa: Cultura e Sociabilidade na América portuguesa. São Paulo: Hucitec/Edusp/Fapesp/ Imprensa Oficial, 2001. p. 753, v-2.
  • 44
    "Compromisso da Irmandade de São Gonçalo erecta na vila de São Sebastião, dacapitania de São Paulo", 1803. in: Projeto Resgate, códices, CD-23.
  • 45
    Idem. ibidem.
  • 46
    Hebe Maria Mattos. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. p. 16-18.
  • 47
    Roberto Guedes Ferreira. Pardos: trabalho, família, aliança e mobilidade social. Porto Feliz, São Paulo, c. 1798- c. 1850. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ (tese de doutoramento), 2005. p. 54-100.
  • 48
    Francisco Vidal Luna; Herbert S.Klein. Slavery and the economy of São Paulo.17501850. Stanford, California: Stanford University Press, 2003. p. 1. Para informações específicas sobre o litoral norte deve-se consultar o texto de Ramón Vicente Garcia Fernandez (cf. Transformações econômicas no litoral norte paulista. 1778-1836. São Paulo: Universidade de São Paulo (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, 1992), que busca analisar as modificações econômicas produzidas a partir da integração da região às atividades exportadoras da cana e do café na organização da produção e na distribuição da riqueza, fazendo uso das listas nominativas, entre os anos de 1778 e 1836.
  • 49
    Francisco Vidal Luna; Herbert S.Klein. Op. cit. Para a história dos indígenas na América portuguesa e, em particular, em São Paulo, entre os séculos XVI e XIX, são indispensáveis os seguintes trabalhos: John Manuel Monteiro. Negros da terra; índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994; ____. "Escravo índio, esse desconhecido" in: CHAUÍ, Marilena de Souza; GRUPIONI, Luís Donizeti. (org) Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 105-120.
  • 50
    Francisco Vidal Luna; Herbert S.Klein. Op. cit.p.16.
  • 51
    Ernani da Silva Bruno. No país dos paulistas; ensaio sobre a ocupação da área vicentina e a formação de sua economia e sua sociedade nos tempos coloniais. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
  • 52
    Francisco Vidal Luna; Herbert S.Klein. Op. cit. p.3.
  • 53
    Ramón Vicente Garcia Fernandez. Op.cit. p.50-69. É interessante observar que, ao analisar as transformações ocorridas no litoral norte, Fernandez compara as vilas de São Sebastião e Ubatuba, considerando que a Ilha Bela separa-se administrativamente de São Sebastião em 1806. Na análise, fica evidente que o impacto do açúcar sobre a Velha São Sebastião é muito maior do que sobre Ubatuba, haja vista o enriquecimento dos senhores de escravos identificado no auge da produção e os efeitos da queda de preço do açúcar posteriormente (Idem. ibidem. p. 85).
  • 54
    O Compromisso, no capítulo 6º, indica as posses da Irmandade: "opas de cor brancas,conforme as suas posses, uma campainha para congregar aos Irmãos, que será tocada pelo que se achar mais pronto debaixo da obediência do R. Pároco, uma cruz (sic) com duas mangas, branca, e um esquife com sua cobertura para nele serem conduzidos à sepultura os nossos Irmãos e filhos menores de quatorze anos, e que gozarão das mesmas graças concedidas a seus pais, e uma caixa para nela se guardarem os Livros e paramentos". Sobre os integrantes desta irmandade, cf. capítulos 1º; 5º "Compromisso da Irmandade de São Gonçalo erecta na vila de São Sebastião, da capitania de São Paulo", 1803. Para a análise do compromisso da Irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia, no Rio de Janeiro do século XVIII. cf. Marisa de Carvalho Soares. Devotos da Cor; identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. p.165-196.
  • 55
    cf.capítulo 5º ,"Compromisso da Irmandade de São Gonçalo erecta na vila de São Sebastião, da capitania de São Paulo", 1803.
  • 56
    Idem. ibidem.
  • 57
    Contudo, este crescimento do século XVIII ao XIX deve ser analisado com cuidado e relacionado a outros dados. Segundo Luna e Klein, na época dos primeiros censos populacionais das vilas, em 1777, haverá um crescimento da população de São Paulo na ordem de 15%, entretanto, o aumento dos escravos é menor, se comparados à população livre. O crescimento dos livres é explicado pela crise do ouro, que produziu um retorno de trabalhadores de Minas, por um maior índice de manumissão e, por uma diminuição de importação dos escravos, ocasionada pelo impacto negativo sobre a economia local do declínio da mineração. Francisco Vidal Luna; Herbert S. Klein. Op. cit. p.26.
  • 58
    "Compromisso da Irmandade de São Gonçalo erecta na vila de São Sebastião, da capitania de São Paulo", 1803. Grifos meus para destacar a citação da Pastoral de 1728, a partir da qual é possível documentar a relação entre a Irmandade e a ação do Bispado. Por ora, não há outros documentos a respeito, mas este constitui um indício importante.
  • 59
    Mariza Soares indica que Guadalupe, à diferença do Bispo da Bahia em processo similar, aprovou a primeira versão do Compromisso da irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia reconhecendo sua importância para a catequese dos negros. No entanto, questionou o capítulo sobre as festas, pois, seguindo a orientação das Constituições, advertiu sobre a necessidade de restringir os gastos realizados como a receita da irmandade, nos seus termos, "as despesas lícitas", de forma que se evitassem os gastos com jantares e outras cousas semelhantes". Mariza de Carvalho Soares. Op. cit. p.173-174.
  • 60
    Apesar de o historiador negar o caráter metodológico acerca dos problemas da crença, sua reflexão atenta às relações entre religião e sociedade, ao lugar do religioso em nossa cultura e as comparações que efetua, ao longo do texto, entre a religião grega e o cristianismo, me levou a utilizar algumas de suas idéias. cf. Jean-Pierre Vernant "Formas de crença e racionalidade na Grécia" in: Entre Mito & Política. São Paulo: Edusp, 2002.
  • 61
    "Compromisso da Irmandade de São Gonçalo erecta na vila de São Sebastião, da capitania de São Paulo", 1803.
  • 62
    Julita Scarano. Devoção e escravidão, a irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos pretos no distrito diamantino no século XVIII. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978; João José Reis. "Identidade e Diversidade Étnicas nas Irmandades Negras no tempo da Escravidão" http://gladiator.historia.uff.br/tempo/textos/artg3-1.pdf. Consultado em 23/05/2003; Marina de Mello e Souza. Reis negros no Brasil escravista; história da festa de coroação do Rei Congo. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
  • 63
    Pode-se indicar, neste sentido, não só o trabalho de Julita Scarano (Op.cit.), como otrabalho de Caio César Boschi. Os leigos e o poder; irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986.
  • 64
    Jean-Pierre Vernant. Op. cit.
  • 65
    "Compromisso da Irmandade de São Gonçalo erecta na vila de São Sebastião, da capitania de São Paulo", 1803.
  • 66
    Beatriz Catão Cruz Santos. O Corpo de Deus na América; a procissão de Corpus Christi nas cidades da América portuguesa - século XVIII. São Paulo: Annablume, 2005.
  • 67
    cf.Capítulo 1º, "Compromisso da Irmandade de São Gonçalo erecta na vila de SãoSebastião, da capitania de São Paulo", 1803.
  • 68
    cf. Capítulo 2º. Idem. ibidem.
  • 69
    Alceu Maynard Araújo. Folclore Nacional. 2ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967, vol. 2; Marciano dos Santos. "A dança de São Gonçalo" in: Revista do Arquivo municipal. São Paulo, 3, 1937, p.85-115.
  • 70
    A festa narrada por La Barbinais se caracteriza sobretudo pela mistura de diferentesgrupos sociais, pela presença de elementos pagãos e pela mescla de traços profanos e sagrados (cf. Le Gentil La Barbinais. Noveau voyage autour du monde. Paris: Chez Briasson 1728.p. 216-7, v-3); Nuno Marques Pereira. Compendio Narrativo do peregrino da América em que se tratam vários discursos espirituais, e morais, com muitas advertências, e documentos contra os abusos, que se acham introduzidos pela melícia diabólica no Estado do Brasil. Lisboa Ocidental, Officina de Manoel Fernandes da Costa, 1731. 3v. O trecho em que se refere à festa pode ser localizado: Compendio Narrativo do peregrino da América. Rio de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1932. p. 114, v-II.
  • 71
    O termo "heterodoxo" é utilizado no sentido empregado por Ricardo Benzaquen de Araújo, que caracteriza catolicismo da Casa Grande, a partir da análise da obra de Gilberto Freyre como uma vertente "semi-herética e heterodoxa", "sensual e mágica" do catolicismo português. Em sua abordagem esta concepção que predomina naquele espaço estaria marcada pela hybris. Entre os diversos argumentos empregados por Araújo para propor esta interpretação estariam a sensibilidade de Gilberto permeável ao "império das paixões"; o destaque dado às "paixões da carne", que adviriam sobretudo da influência do maometanismo e o lugar subordinado da Igreja ao ethos senhorial, gerando um culto eminentemente doméstico. Esta versão se apresenta como um catolicismo da festa, da guerra e do sexo e se distingue de um catolicismo mais racional, disciplinado, ou seja, do catolicismo ortodoxo representado pelos jesuítas. A partir de Araújo, pode-se dizer que estas duas concepções diversas convivem, contrastam sob mais uma forma de "antagonismos em equilíbrio" nos diversos espaços sociais da colonização portuguesa e que a festa de São Gonçalo narrada pelos documentos mais conhecidos, como o texto de La Barbinais, é apenas uma das manifestações daquela primeira vertente (cf. Ricardo Benzaquen de Araújo. "Os anjos da terra" in: Guerra e paz; Casa-Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994). Para se consultar as observações do próprio Freyre sobre este santo e sua festa (Gilberto Freyre. Casa-Grande & Senzala; formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987. 25ª ed. p.272-3.).
  • 72
    A questão aparece nos termos e na fatura do documento. O capítulo 12º é eloqüente a esse respeito, pois constitui um juramento de obediência à própria norma em "atenção ao Exmo. E Rmo. Senhor Bispo, que por serviço de Deus e Glória de São Gonçalo se digne de novo confirmar, e a aprovar para assim permanecer de hoje para sempre". "Compromisso da Irmandade de São Gonçalo erecta na vila de São Sebastião, da capitania de São Paulo", 1803. SCARANO, Julita. Devoção e escravidão, a irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos pretos no distrito diamantino no século XVIII. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2006

Histórico

  • Recebido
    Out 2005
  • Aceito
    Maio 2006
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