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Ulrich Jürgens e Martin Krzywdzinski. New worlds of work: varieties of work in car factories in the bric countries

JÜRGENS, Ulrich; KRZYWDZINSKI, Martin. New worlds of work: varieties of work in car factories in the BRIC countries. Oxford: Oxford University Press, 2016. 368

New worlds of work impressiona não apenas pelo seu título provocativo, mas pela tarefa que Ulrich Jürgens e Martin Krzywdzinski assumiram: estudar a vida nas fábricas instaladas nos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China) e como as novas instalações nesses países podem refletir e transformar o trabalho nos países industrializados. Fruto de pesquisa iniciada em 2008 e finalizada em 2016 com a publicação do livro, os autores justificam a importância do estudo ao colocarem no centro do debate o trabalho industrial sob uma perspectiva que escapa às análises meramente estruturais sobre os impactos da mundialização econômica. Em princípio, pode parecer que a proposta deles seja retomar as discussões sobre a convergência do modelo de produção enxuta, que vigoraram nos anos 1980 e 1990 nos países industrializados, agora aplicadas aos países emergentes (Boyer et al., 1998; Freyssenet et al., 1998). Não se trata apenas de uma retomada dessas teses, mas de relacioná-las às estratégias de gestão de recursos humanos, tema que tem sido negligenciado nos estudos do trabalho e das relações industriais.

Sob essa perspectiva, considero que a originalidade da obra consiste em recuperar uma temática considerada obsoleta nos países industrializados. Se desde o final do século passado o trabalho industrial perdeu espaço e importância para os estudos sobre sociedade pós-industrial, pós-fordista ou de serviços1 1 . Sobre essa discussão, ver Touraine (1970), Rosanvallon (1989) e Bell (1977). , o mesmo não pode ser dito com relação às “economias emergentes”, que têm vivenciado processos diferentes quando comparadas aos países industrializados, como a expansão do setor industrial, a abertura de novas plantas, o crescimento de empregos, o tamanho do mercado doméstico e os baixos custos de produção e de remuneração de mão de obra. Essas são as caraterísticas que conduziram o olhar de grande parte da literatura internacional que, mesmo sendo considerável, tem estabelecido como foco de atenção as condições de trabalho precárias em determinados setores das economias emergentes orientadas para a exportação, como o têxtil.

Movidos por outras motivações, para além da condição de trabalho precária, os autores afirmam que o estudo foca um fenômeno diferente: o impacto das modernas técnicas de gestão de recursos humanos geridas por multinacionais ou por fabricantes locais de carros nos contextos locais. A produção enxuta tem levado à convergência de estratégias de recursos humanos ou o contexto nacional impede a realização de tais modelos? Como os padrões operacionais determinados no plano corporativo foram implementados no contexto local? Quais são as evidências para o desenvolvimento de estratégias low-road ou high-road? Até que ponto as empresas procuram aproveitar os baixos custos salariais e a fraca regulação nacional para desenvolver estratégias de modelo low-road, ou é sua prioridade investir na força de trabalho e criar estruturas socialmente sustentáveis?

Para responder essas questões centrais de pesquisa, Jürgens e Krzywdzinski articulam pesquisa de campo nos BRICs com fontes primárias de pesquisa, todas conduzidas a partir da teoria fundamentada (grounded theory2 2 . Sobre a teoria fundamentada, ver Poupart et al. (2008). ). Como estudos de caso, foram selecionadas duas empresas multinacionais de carros, a Volkswagen e a Toyota3 3 . Os autores justificam a seleção dessas duas empresas por elas serem as maiores empresas do mundo, junto com a General Motors (GM), em termos de volume de produção e de vendas. Na época da pesquisa, devido à crise instalada nos Estados Unidos em 2008, eles decidiram não inserir a GM no estudo de caso. Apontam também que as duas empresas multinacionais selecionadas apresentam características comuns, como os sistemas de produção, o sistema de pessoal, o Caminho Toyota e o Caminho Volkswagen e a relação sindicato-empresa. , as suas joint ventures Faw-Volkswagen e Faw Toyota, e empresas locais como a GAZ na Rússia, a Mahindra e Mahindra na Índia e a Geely na China. Como no Brasil não há fabricantes nacionais de carros, eles focaram apenas nos casos das multinacionais aqui instaladas. O capítulo 3 oferece um ótimo panorama sobre as localidades, com o objetivo de aproximar os leitores dos lugares pesquisados em relação a quais são os atores incluídos no estudo, à descrição das plantas, aos sistemas de produção que operam nesses espaços e à condição de vida dos trabalhadores. Sem sombra de dúvida um dos melhores capítulos do livro.

Em termos metodológicos, embora exista todo um cuidado em explicitar as dificuldades encontradas na execução da pesquisa, como a barreira linguística e a dificuldade de transposição de alguns conceitos, a falta de familiaridade com os contextos nacionais, a forma de seleção dos atores a serem entrevistados e a solicitação de empresas, como a Toyota, para não explorarem determinados temas, é explícito que o livro traz uma riqueza de detalhes muito maior na descrição da Volkswagen quando comparada à Toyota, e a diferença é ainda maior no caso das empresas locais. Isso talvez possa ser explicado em parte pelo fato de a Volkswagen ser uma empresa de capital alemão e, por outro, pelo fato de os pesquisadores serem alemães, o que garante certa familiaridade com a empresa, seja pela tradição de pesquisas e estudos dos pesquisadores no campo das relações industriais, seja pela vinculação institucional deles ao Wissenschaftszentrum Berlin für Sozialforschung (WZB), que conta com um grupo de pesquisas sobre globalização, trabalho e produção. Os estudos de caso também possuem níveis diferentes de detalhamento no tocante às empresas multinacionais, sendo o Brasil, depois da China, o mais explorado. Acredito que essa discrepância ocorre pelo fato de o Brasil e a China possuírem fábricas antigas em seus territórios (Volkswagen Anchieta, desde 1959, e Volkswagen Xangai, de 1985).

A forma de seleção dos entrevistados, na maioria dos casos discutidos com os gerentes locais, e dos representantes selecionados, constitui outro fator que compromete as análises. Apesar das 353 entrevistas conduzidas, a maioria delas são de representantes dos departamentos de recursos humanos e de pessoal vinculado ao administrativo. Mesmo nas que representam os trabalhadores do chão de fábrica (entre dez a 28 por país), como supervisores, líderes de time e operativos, as entrevistas exploradas concentraram-se, sobretudo, nos supervisores e nos líderes de time. O mesmo pode ser dito com relação à representação sindical (de dois a sete por país), que teve um peso muito pequeno em comparação à amostra dos outros representantes. Se a preocupação era conhecer a vida e o trabalho dos trabalhadores nos BRICs, o enquadramento das entrevistas oferece uma visão parcial sobre a complexidade da vida fabril, principalmente quando a maioria das fábricas instaladas em países de capitalismo periférico conta com um contingente de mão de obra nas linhas de montagem muito superior e com pouca automatização em comparação aos países de capitalismo central.

Em termos teóricos, a principal linha de análise é tributária dos debates sobre convergência e divergência do “mundo do trabalho” industrial como consequência da mundialização, como mencionado anteriormente. Dentro dessa perspectiva, pelo menos três tradições teóricas com as quais os autores dialogam são identificadas e apresentadas de forma detalhada no capítulo 2. A primeira é sobre os sistemas de trabalho de alto desempenho – STAD (high performance work systems – HPWS), cujo objetivo é identificar formas de organização do trabalho que possam gerar alta performance, reter a força de trabalho e detectar em que medida a adoção de tais práticas enfraquece o desejo ou a disposição dos trabalhadores a se organizarem em sindicatos. A segunda linha interpretativa está ancorada na teoria dos sistemas de emprego de David Marsden, que diferentemente da primeira abordagem insiste na persistência de características baseadas na diferença como consequência dos sistemas nacionais de emprego, o que, inclusive, limita o comportamento oportunista das empresas. Já a terceira perspectiva foca o aspecto cultural como obstáculo à implementação do STAD e aborda como padrões comuns de pensamento e comportamento desempenham um papel importante em questões de organização de grupos, aceitação de hierarquias, aceitação de incentivos individuais ou coletivos e impacto sobre estilos de liderança, cooperação de grupos e representação de interesses coletivos.

Não satisfeitos com as três abordagens que podem ser complementares e/ou adversárias, os autores incorporaram uma quarta dimensão às discussões em torno dos conceitos de high-road e low-road no desenvolvimento de trajetórias nos BRICs. Nesse sentido, os BRICs são vistos como fonte de uma possível dualização e, mas não necessariamente, de uma deterioração geral das condições de trabalho industrial ao redor do mundo. As políticas adotadas pelo Estado e pelas corporações, assim como a força dos sindicatos, desempenham um papel central nessa abordagem. Trata-se de investigar se as empresas procuram, nesses locais, vantagens competitivas através da mão de obra abundante e dos baixos custos de remuneração ou, ao contrário, se elas estão procurando uma estratégia de upgrade social. Os autores partem da suposição inicial de que as empresas locais estariam mais inclinadas a estratégias low-road devido à posição que ocupam dentro do mercado automobilístico, de onde não poderiam competir com as multinacionais em virtude da qualidade e da reputação superior de que as multinacionais usufruem. Portanto, as multinacionais representariam atores que adotaram estratégias high-road.

Não trazem grandes surpresas as conclusões a que os autores chegaram ao procurar responder as questões colocadas em função dos componentes nucleares do STAD, entendidos como best practices universais, articuladas em torno de práticas como recrutamento, treinamento e seleção (capítulo 4); desenvolvimento de carreiras (capítulo 5); sistemas de pagamento e incentivos – fatores importantes para limitar comportamentos oportunistas de empresas, mas também de empregados (capítulo 6); grupos de trabalho e processos de gerenciamento com foco no chão de fábrica (capítulo 7); e as formas de representação que as companhias procuram instalar nos BRICs, se são adversárias ou complementares aos sindicatos (capítulo 8). Com relação ao tema da convergência e divergência do modelo de produção enxuta – que posteriormente demonstraram a difícil transplantação ou imitação desse modelo de produção, raramente factível ou mesmo desejável, uma vez que os sistemas não podem ser transplantados sem serem significativamente remodelados (por contextos nacionais e por efeitos sociais) –, aplico a mesma crítica à tese da convergência do STAD.

Mesmo que os autores tenham demonstrado por meio dos estudos de caso a variação e a ressignificação que essas práticas podem assumir nos contextos locais, a exemplo dos diferentes significados que a adoção de sistemas de avaliação e de competição (mais aceitos por alguns, como na China, e recusados por outros, como no Brasil) ou das dificuldades de implementação do sistema Andon4 4 . A dificuldade de implementação e operação do sistema Andon é outro exemplo que pode assumir diferentes conotações nos BRICs. A premissa de que se trata de um sistema que conduz ao empoderamento dos trabalhadores em si já é bastante problemática, pois restaria saber em que medida a transferência de responsabilidade aos trabalhadores pela qualidade na linha de produção conduz necessariamente a um empoderamento. Em diversas passagens os estudos de caso colocaram essa tese em xeque, pois na China os trabalhadores eram, inclusive, orientados a não puxar a corda, e na Rússia houve grande dificuldade de viabilizar a implementação desse processo. , ainda assim os autores ressaltam que houve a convergência de elementos comuns do STAD. Isso porque eles encontraram em todos os países e entre as companhias pesquisadas determinadas práticas, como os rigorosos critérios de seleção, seguridade no trabalho, avaliação de competências e organização de times. Em se tratando das estratégias low-road e high-road, concluem que mesmo com um ambiente propício às estratégias de baixo custo, como baixa regulação e sindicatos fracos, o estudo não confirmou a adoção dessas práticas por parte das empresas estudadas, sejam multinacionais ou nacionais. Afirmam que em todos os casos as empresas acabaram adotando estratégias que indicam um processo de atualização econômica dos BRICs, embora tenham conferido peso e positividade em determinados momentos às multinacionais, especialmente à Volkswagen.

Os autores reconhecem que os resultados possam ser distorcidos em virtude das escolhas que fizeram e também que as conclusões possam soar otimistas demais. Tendo a concordar em ambos os casos, pois os resultados talvez apresentariam outras nuances se eles tivessem introduzido uma perspectiva mais detalhada sobre a influência das relações industriais e da cultura corporativa das matrizes em suas subsidiárias. As respostas dos atores locais aos esforços de transferência de práticas das matrizes é um exemplo típico, que pode assumir diferentes conotações devido às distintas identidades sindicais5 5 . Sobre identidades sindicais, ver Hyman (2001). . A parceria social, traço marcante das relações industriais na Alemanha, dificilmente encontrará adesão por parte da Toyota de Indaiatuba, base de um sindicato de orientação político-radical (o que se confirma na recusa desse sindicato aos sistemas de avaliação), mas não encontrará muitas dificuldades no sindicalismo do ABC, visto pela gerência da Volkwagen como um “sindicato cooperativo e de parceria”. Os sindicatos e outras formas de representação de interesse, bem como a ação do Estado, assumiram uma posição bastante marginal ao longo da obra, embora eles tenham ressaltado o tempo inteiro a importância desses atores. Não basta apenas debruçar-se sobre a influência de atores globais sobre os atores locais, é necessário examinar o movimento contrário, compreendendo como práticas transferidas das matrizes são ressignificadas no plano local e depois reaplicadas nas matrizes6 6 . Um exemplo notório é o próprio banco de horas que foi aplicado primeiro em outros países antes de ser introduzido na Volkswagen da Alemanha. , tarefa que eles propõem, mas não problematizam ao longo da obra.

Referências Bibliográficas

  • BELL, Daniel. (1977), O advento da sociedade pós-industrial São Paulo, Cultrix.
  • BOYER, Robert et al. (orgs.). (1998), Between imitation and innovation: the transfer and hybridization of productive models in the international automobile industry Oxford, Oxford University Press.
  • FREYSSENET, Michel et al. (orgs.). (1998), One best way?: trajectories and industrial models of the world’s automobile producers Oxford, Oxford University Press.
  • HYMAN, Richard. (2001), Understanding European trade unionism: between market, class and society. Londres, Sage.
  • POUPART, Jean et al. (2008), A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, Vozes.
  • ROSANVALLON, Pierre. (1989), La question syndicale Paris, Hachette.
  • TOURAINE, Alain. (1970), A sociedade pós-industrial Lisboa, Moraes.
  • 1
    . Sobre essa discussão, ver Touraine (1970)TOURAINE, Alain. (1970), A sociedade pós-industrial. Lisboa, Moraes., Rosanvallon (1989)ROSANVALLON, Pierre. (1989), La question syndicale. Paris, Hachette. e Bell (1977)BELL, Daniel. (1977), O advento da sociedade pós-industrial. São Paulo, Cultrix..
  • 2
    . Sobre a teoria fundamentada, ver Poupart et al. (2008)POUPART, Jean et al. (2008), A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, Vozes..
  • 3
    . Os autores justificam a seleção dessas duas empresas por elas serem as maiores empresas do mundo, junto com a General Motors (GM), em termos de volume de produção e de vendas. Na época da pesquisa, devido à crise instalada nos Estados Unidos em 2008, eles decidiram não inserir a GM no estudo de caso. Apontam também que as duas empresas multinacionais selecionadas apresentam características comuns, como os sistemas de produção, o sistema de pessoal, o Caminho Toyota e o Caminho Volkswagen e a relação sindicato-empresa.
  • 4
    . A dificuldade de implementação e operação do sistema Andon é outro exemplo que pode assumir diferentes conotações nos BRICs. A premissa de que se trata de um sistema que conduz ao empoderamento dos trabalhadores em si já é bastante problemática, pois restaria saber em que medida a transferência de responsabilidade aos trabalhadores pela qualidade na linha de produção conduz necessariamente a um empoderamento. Em diversas passagens os estudos de caso colocaram essa tese em xeque, pois na China os trabalhadores eram, inclusive, orientados a não puxar a corda, e na Rússia houve grande dificuldade de viabilizar a implementação desse processo.
  • 5
    . Sobre identidades sindicais, ver Hyman (2001)HYMAN, Richard. (2001), Understanding European trade unionism: between market, class and society. Londres, Sage..
  • 6
    . Um exemplo notório é o próprio banco de horas que foi aplicado primeiro em outros países antes de ser introduzido na Volkswagen da Alemanha.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2017
  • Aceito
    19 Set 2017
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