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O que é justo? "dar a cada um o que é seu": Tramas jurídicas no final do século XVIII em Pernambuco

What is Just? "Giving Each What is Theirs": Legal Plots at the End of the 18th Century

Resumo

O objetivo do texto é analisar os atos legais, que levaram ao afastamento do poder do último governador Setecentista de Pernambuco. O artigo evidencia o papel da comunicação política e o trâmite jurídico escolhido pelos denunciantes para que a Coroa portuguesa aceitasse punir D. Tomás José de Melo do governo da capitania, e julgá-lo na Corte, em um dos seus tribunais. A pesquisa explora a documentação colonial do Arquivo Histórico Ultramarino, buscando compreender o trâmite jurídico e o processo instaurado contra o governador, concluindo que a aplicação da justiça, mesmo no final do século XVIII, continuava sendo uma prerrogativa do monarca e ainda cabia ao rei dar a cada um o que era seu de direito.

Palavras-chave:
comunicação política; administração; justiça

Abstract

The purpose of the text is to analyze the legal acts that led to the removal of the power of the last governor of eighteenth century Pernambuco. The article highlights the role of political communication and the legal process chosen by his accusers so that the Portuguese Crown agreed to punish D. Tomás José de Melo by removing him from his role in the captaincy and trying him in court in Lisbon. The article explores the colonial documentation of the Overseas Historical Archive, seeking to understand the legal process and the case taken against the governor, concluding that, even at the end of the eighteenth century, justice was still a prerogative of the monarch who was responsible for giving each one what was theirs by right.

Keywords:
political communication; administration; justice

O estudo da comunicação política entre o centro e as periferias na monarquia portuguesa é ferramenta essencial para o entendimento do funcionamento político do império Ultramarino e das etapas do processo decisório que influíram em tal dinâmica. Entendemos a comunicação política como meio preferencial para a circulação da informação, tendo em vista que um dos aspectos centrais na construção dos impérios Ultramarinos na época moderna tem a ver com o que Hespanha chamou de oceano de papéis: escritos recebidos, produzidos e armazenados nos diversos tribunais e secretarias de Estado (Hespanha, 1994HESPANHA, António Manuel. A constelação originária dos poderes. In: As Vésperas do Leviathan: Instituições e poder político: Portugal, séc. XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994. p. 295-323.). Mas a informação política, presente nas cartas, ofícios, requerimentos, avisos e consultas, emitidos dos dois lados do Atlântico, usava canais específicos, e, no âmbito deste texto, interessa-nos a comunicação realizada por meio da correspondência produzida ou recebida pelos Conselhos - mais especificamente o Ultramarino -, e pelas Secretarias de Estado - nomeadamente a da Marinha e Ultramar.

Também queremos realçar neste texto que, para além da circulação da informação política, da prestação de contas e do cumprimento de ordens, a comunicação política tinha também objetivos particulares, como o ato de solicitar mercês, pedir remuneração por serviços prestados, negociar um acordo mais vantajoso para o vassalo (em particular, para uma instituição ou para um grupo social), ou mesmo denunciar um agente régio que, na ótica dos vassalos, não estivesse prestando um bom serviço à Coroa (Dias, 2014DIAS, Érika Simone de Almeida Carlos. As pessoas mais distintas em qualidade e negócio: a Companhia de Comércio e as relações políticas entre Pernambuco e a Coroa na segunda metade de Setecentos. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa: 2014., p.443).

O objeto do artigo são as denúncias feitas contra o último governador Setecentista de Pernambuco e seu afastamento do governo. Desta feita, não nos ateremos à toda sua trajetória administrativa na capitania, nem à história de Pernambuco no período. Ao nosso ver, estudos mais rigorosos sobre a história de Pernambuco no final do século XVIII precisam ser feitos. Escrever sobre o período não é simples, porque não há teses nem dissertações sobre o tema. Há poucos artigos e poucos livros que, não sendo especificamente sobre o assunto, abordam aspectos dessa época. Um bom exemplo é a obra de Guillermo Palacios, que trata dos agricultores livres e pobres em Pernambuco no período de 1700 a 1817. Por isso, D. Tomás José de Melo e seu governo são analisados em dois capítulos. Mas o objetivo do livro de Palacios é, na realidade, o campesinato. A governação de D. Tomás só é analisada no que diz respeito ao tema central da obra (Palacios, 2004PALACIOS, Guillermo. Campesinato e escravidão no Brasil: agricultores livres e pobres na capitania geral de Pernambuco (1700-1817). Brasília: Editora UNB, 2004.).

Sobre o abuso de poder ou de má gestão por parte de servidores da Coroa, podemos referir que denúncias contra esses agentes não foram incomuns no período colonial. Quanto a isso, pode-se dar dois exemplos: em 1709, o governador do Rio de Janeiro, D. Fernando Martins Mascarenhas de Lancastre, denunciou o ouvidor-geral de São Paulo, João de Carvalho, por sua má administração da praça de Santos. O governador solicitava ao rei, via Conselho Ultramarino, uma devassa das queixas feitas pelos moradores, e a nomeação de um novo ouvidor. Sua denúncia foi aceita pelo Conselho.1 1 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU -Lisboa). AHU_ACL_CU_017, Cx. 8, D. 847.

Outro caso de denúncia - talvez o mais famoso - foi contra o governador carioca Luís Vahia Monteiro, que governou o Rio de Janeiro de 1725 até 1732. A partir de 1729, Vahia Monteiro passou a acusar os servidores da Coroa ligados à fiscalização de metais preciosos, procurando mostrar rigor na administração da região. Vahia Monteiro desencadeou a animosidade de muitos grupos poderosos locais, dentre eles, os beneditinos, os camaristas e os magistrados. Além destes, se desentendeu com os homens de negócio ao confiscar a correspondência desses indivíduos, mandando prender diversos comerciantes na busca para evitar os descaminhos de metais preciosos. Esses homens de negócio recorreram ao Conselho Ultramarino e ao procurador da Fazenda. Em 1731, eles emitiram pareceres declarando que Vahia Monteiro estava violando cartas particulares, prejudicando o comércio, além de outros atos que configuravam abuso de poder. O governador ficou cada vez mais isolado, perdendo aliados e as disputas contra os grupos locais, com os quais entrou em atritos. Esses grupos faziam parte de importantes redes de poder, que muitas vezes chegavam até a Corte. Em decorrência desses vários desentendimentos, o governador acabou sendo deposto pela Câmara no ano de 1732, com o aval do Conselho Ultramarino.2 2 AHU_ACL_CU_017, Cx. 22, D. 2454 e AHU_ACL_CU_017, Cx. 25, D. 2634. Rio de Janeiro. Documentação avulsa.

Citamos apenas dois casos de denúncias, dentre as centenas ocorridas no período colonial, a fim de demonstrar que a comunicação política foi uma ferramenta muito usada pelos vassalos. Foi um meio de integração dentro da monarquia pluricontinental portuguesa, pois qualquer súdito poderia escrever ao rei através dos Conselhos e das Secretarias, fosse para elogiar ou para limitar os poderes dos servidores da Coroa, que, na ótica dos vassalos, estavam abusando do poder.

Passemos, então, ao caso do governador de Pernambuco, homem de família nobre, denunciado por atos não tão nobres, nem tão lícitos. O governador em questão é D. Tomás José de Melo, administrador de Pernambuco de 1787 a 1798, e um "ativo" servidor da Coroa, inserido no contexto reformista do final do século XVIII e de mudanças na administração pública. Tal contexto exigia que os agentes da governação espalhados pelo império cumprissem as ordens das Secretarias de Estado no que respeitava às mudanças de foro econômico e comercial, e resolvessem também os problemas com o abastecimento de gêneros alimentícios, com a saúde pública e com a reorganização dos espaços públicos (Lisboa, 2011LISBOA, Raphael. Volvendo sobre vós os céus propícios, derramam por Tomás mil benefícios: O Recife sob o governo de Thomaz José de Melo (1787-1798). Relatório CNPq. Recife: Universidade Federal Rural de Pernambuco, 2011., p.18-19). Obrigações cumpridas com desvelo pelo governador, segundo os órgãos da administração central da Coroa.3 3 AHU_ACL_CU_Ordens e Avisos para Pernambuco, Cod. 584; AHU_ACL_CU_Cod. 267.

Sobre o governador Setecentista de Pernambuco, sabemos que foi um fidalgo com ampla carreira militar, confirmando a tese de Nuno Gonçalo Monteiro de que havia uma prevalência de fidalgos para o governo da capitania de Pernambuco (Monteiro; Cunha, 2005MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CUNHA, Mafalda Soares da. Governadores e capitães-mores. In: MONTEIRO, Nuno, CUNHA, Mafalda Soares da; CARDIM, Pedro (orgs.). Optima pars: elites ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa: ICS, 2005, p.191-252., p.224). D. Tomás José de Melo era descendente dos marqueses de Alegrete - ou seja, primeira nobreza da Corte -, seguiu carreira militar e assentou praça de soldado com 13 anos de idade, em 1755 (Costa, 1985COSTA, Francisco Augusto Pereira da.Anais Pernambucanos, 1795-1817. Vol. VI. Recife: Governo do Estado de Pernambuco: 1985., p.467). Em 1761, passou ao posto de guarda-marinha, sendo o primeiro de sua classe. No mesmo ano, foi nomeado capitão-tenente, função que exerceu por 20 anos, sete deles na Índia. Em 1780, foi promovido a capitão-de-mar-e-guerra e participou no ataque a Argel, capitaneando a fragata "Golfinho". Em 1784, foi elevado à função de coronel-do-mar. Em 11 de agosto de 1786, foi nomeado governador e capitão-general da capitania de Pernambuco, da qual veio a tomar posse a 11 de dezembro de 1787. 10 anos depois, recebeu a sua última mercê: foi agraciado pelo regente D. João, com o posto de chefe-de-esquadra graduado.4 4 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 205, D. 14003.

A sua trajetória na capitania foi longa, tal como a de seu antecessor: foi o responsável pela administração da capitania de dezembro 1787 até 29 de dezembro de 1798, quando foi afastado do governo. Pereira da Costa, ao analisar os 11 anos de sua administração, referiu que D. Tomás J. de Melo era "homem altivo, de grande orientação, empreendedor, enérgico e laborioso…" considerou-o como tendo sido um dos bons governadores do período colonial (Costa, 1985COSTA, Francisco Augusto Pereira da.Anais Pernambucanos, 1795-1817. Vol. VI. Recife: Governo do Estado de Pernambuco: 1985., p.467). Não se casou, mas teve dois filhos em Pernambuco, enquanto era governador: D. Mariana Joaquina Rosa do Carmo e D. António José de Melo.

Contudo, e como não poderia deixar de ser, o contexto histórico e político do final do século XVIII influenciou a atividade governativa de D. Tomás José de Melo. As instruções de Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado, demonstraram que aquele foi um período de consolidação de mudanças, com novas ideias sobre a ciência, a economia e a política, sobretudo no que respeita ao papel que a Coroa deveria ter no governo do império.

No reinado de D. Maria I e no início da regência de D. João, a monarquia portuguesa recebeu a influência das correntes doutrinais que construíram a moldura política jurídica da Europa moderna. As condições gerais do ambiente político, social e econômico fomentaram uma necessidade de reformas. Contudo, condicionaram a atuação das mesmas. Os novos "modos de governar" que vinham se inserindo na cena política Setecentista baseavam-se na reorganização política, social, cultural, econômica e até religiosa que buscava reformar a sociedade. Por muitas variações que essa ideia tenha tido, imperava um espírito laico e antitradicionalista, uma crença no poder da razão, uma atitude políticopedagógica e uma fé na capacidade da lei para reformar a sociedade (Schwartz , 2009SCHWARTZ, Stuart B. Cada um na sua lei: tolerância religiosa e salvação no mundo atlântico ibérico. São Paulo: Companhia das Letras; Bauru: Edusc, 2009.).

No final do século XVIII, procurava-se um processo de modernização sem rejeitar completamente a tradição, continuando a monarquia a ser um centro de recrutamento e de remuneração. É de se destacar que a obra modernizadora - expandida com rigor durante o pombalismo -, foi seguida nas suas bases mais fundamentais pelos ministros de D. Maria I e de D. João, acabando por ter expressão emblemática na política, no direito, na justiça e na economia (Hespanha, 2000HESPANHA, António Manuel. Portugal e a cultura política europeia no século XVIII. Lisboa: Janus (1999-2000), p.1-6. [Consultado em 8 de nov. 2011]. Disponível em: http://www.janusonline.pt/arquivo/1999_2000/1999_2000_1_19.html.
http://www.janusonline.pt/arquivo/1999_2...
).

No campo econômico, as referências mercantilistas continuaram fortes. No aspecto político, houve uma acomodação de interesses tradicionais e reformistas, visíveis na composição ministerial das Secretarias de Estado e nos principais lugares públicos. Ao lado de um conjunto de agentes régios considerados pombalistas - caso de José de Seabra e Silva e de Luís Pinto de Sousa Coutinho -, a rainha nomeou D. Tomás Xavier de Lima, da primeira nobreza da Corte, para uma das Secretarias de Estado, antes administrada pelo marquês de Pombal. A "viradeira" possuía uma aparentemente paradoxal faceta, pois, junto com uma reação aristocrática, boa parte das entidades políticas, relacionadas ao pombalismo, foram mantidas (Monteiro, 2009MONTEIRO, Nuno Gonçalo. A viragem do século (1777-1807). In: MONTEIRO, Nuno Gonçalo; SOUSA, Bernardo Vasconcelos; RAMOS, Rui (coords.). História de Portugal. Lisboa: Esfera dos Livros, 2009, p.409-435).

No período final da Época Moderna, ocorreu um aumento das atividades da Coroa. Não apenas um acréscimo no número das tarefas que os poderes centrais passaram a desempenhar, mas uma mudança no que se relaciona à qualidade das atribuições e objetivos de tais tarefas. Nascia uma nova teoria e prática de governar, que encontrava a sua representação no conceito de polícia - termo que, na literatura jurídica e política da época, significava civilizar, administrar, fomentar, reformar. Embora a atividade de polícia incidisse sobretudo no campo econômico, seu objetivo era predominantemente político (Astuti, 1984ASTUTI, Guido. O absolutismo esclarecido em Itália e o Estado de Polícia. In: HESPANHA, António Manuel (org.). Poder e instituições na Europa do antigo regime: colectânea de textos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.). Na mesma linha conceitual do historiador italiano Astuti, Hespanha e Subtil retomaram a discussão sobre o termo polícia no campo político e entenderam que ele correspondia à administração interna da Coroa e compreendia as atividades do governo, a ponto de ser definido como a regulamentação prudente de todo o poder público do governo (Hespanha; Subtil, 2015).

Não era portanto de surpreender a ação reformadora de D. Tomás J. de Melo na capitania que governava. Como servidor da Coroa, inserido nesse contexto reformista e de mudanças na administração pública, o governador, para além de procurar cumprir as ordens da Secretaria de Estado, procurou resolver problemas relacionados ao fornecimento de gêneros alimentícios na capitania, à saúde e à organização dos espaços públicos. Administrar a res pública era uma das principais obrigações do seu cargo. D. Tomás precisou lidar com a alta do cultivo de algodão - que desmantelou o abastecimento de gêneros de primeira necessidade na capitania - e enfrentou um período de 3 anos de seca grave, reduzindo a produção de farinha. Passada a seca, o cultivo do algodão para o rentável mercado externo também não contribuía para a produção de alimentos para a população: era melhor e mais fácil vender algodão para Europa do que cultivar farinha. Assim, a produção de algodão duplicou em 6 anos: 9 mil sacas exportadas em 1792 e 18 mil em 1798 (Palacios, 2004PALACIOS, Guillermo. Campesinato e escravidão no Brasil: agricultores livres e pobres na capitania geral de Pernambuco (1700-1817). Brasília: Editora UNB, 2004., p.269). Além do comércio e do abastecimento, o governador precisou lidar com a nova conjuntura internacional de "guerra declarada": as constantes incursões de navios franceses na costa nordestina reinstalaram o recrutamento forçado e, com isso, voltaram as tensões e os conflitos com os pobres e com os homens livres em Pernambuco (Palacios, 2004PALACIOS, Guillermo. Campesinato e escravidão no Brasil: agricultores livres e pobres na capitania geral de Pernambuco (1700-1817). Brasília: Editora UNB, 2004., p.209).

O governador saiu-se relativamente bem com cada um desses problemas. Porém, nem o seu labor administrativo, nem o seu rigor no cumprimento das ordens do centro político, o preservaram de sofrer contestações. Passada a primeira fase da governação de D. Tomás José de Melo na capitania de Pernambuco, bastante elogiada pelas câmaras, não tardou a ter opositores em virtude das ações político-administrativas que tomou enquanto principal representante da Coroa na capitania.5 5 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 165, D. 11795. Ofício da Câmara do Recife ao secretário de Estado. As relações entre os poderes no império português sempre foram marcadas por tensões, ora entre o centro político e seus agentes, ora entre os agentes da Coroa e as resistências dos poderes locais, que envolviam a interferência dos vassalos na execução das ações administrativas, visando a interesses próprios (Dias, 2014DIAS, Érika Simone de Almeida Carlos. As pessoas mais distintas em qualidade e negócio: a Companhia de Comércio e as relações políticas entre Pernambuco e a Coroa na segunda metade de Setecentos. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa: 2014., p.395).

Ao nosso ver, um longo período no governo fez o governador agir de forma arbitrária, não necessariamente corrupta, mas suspeita, a ponto de o Conselho Ultramarino aceitar as denúncias que vinham da capitania e que não deixam de ser uma forma de resistência às ações governativas de D. Tomás J. de Melo.

No final da década de 1790, seu governo foi posto em causa por duas denúncias que deram entrada na Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar. Não foram denúncias de moradores nem de elementos das elites da terra, composta em sua maioria por senhores de engenho e homens de negócios. Foram denúncias de servidores da Coroa. Talvez por isso, tiveram uma resposta rápida dos órgãos centrais. Elas levaram às primeiras investigações, ainda em Lisboa, e depois à devassa em Pernambuco. Conforme Bluteau, auto de devassa "é um ato jurídico no qual se inquirem testemunhas acerca de algum crime" (Bluteau, 1789BLUTEAU, Raphael. Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro (Volume 1: A - K). Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, p.432. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/view/45000008422&bbm/5412#page/452/mode/2up Acesso em 31 jun. 2019.
https://digital.bbm.usp.br/view/45000008...
, p.432). São os atos anteriores à devassa que vamos analisar nas páginas que se seguem.

Destacamos aqui que a cronologia dos fatos é relevante para que se possa perceber a importância que as denúncias tiveram para os dois órgãos da administração central, bem como a urgência com que se iniciou o processo que as averiguou. Um ato administrativo deu azo a que dezenas de outras decisões fossem tomadas, gerando um processo que maculou os serviços de D. Tomás José de Melo enquanto governador.

Dois servidores da Coroa - o juiz ordinário e o solicitador e contador da Fazenda Real da capitania de Pernambuco -, sentindo-se preteridos nas escolhas do governador D. Tomás José de Melo, quando solicitaram o apoio aos seus pedidos, não se inibiram e fizeram oposição à administração do governador D. Tomás. Nas suas acusações, apontavam irregularidades cometidas por ele e que não puderam ser ignoradas pela Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar. Não era incomum agentes régios serem denunciados. Acreditamos que, por serem servidores da Coroa denunciando o governador, a Secretaria de Estado se viu compelida a averiguar.

A Coroa estimulava uma "vivência compartimentada" entre as várias capitanias, em benefício de uma relação direta com Lisboa. Desta feita, o vice-rei do Brasil tinha pouco controle sobre os governadores das outras capitanias, estimulados que eram a se comunicar diretamente com Lisboa. Da mesma forma, a Coroa incentivava os vassalos a enviarem seus pedidos diretamente ao Conselho Ultramarino, tornando a Relação da Bahia uma instituição secundária, responsável pelas apelações. A comunicação política com o centro era uma ferramenta de integração, pois qualquer vassalo poderia escrever ao rei através dos Conselhos e das Secretarias.6 6 As centenas de milhares de requerimentos existentes no Conselho Ultramarino comprovam esta comunicação direta entre os vassalos e o centro político. Conforme a documentação colonial tratada pelo Projeto Resgate no Arquivo Histórico Ultramarino em Lisboa, são requerimentos de homens de negócio, servidores, agentes da Coroa, senhores de engenho, câmaras, contratadores, autoridades da igreja, dentre outros que, durante os séculos XVI ao XIX, escreveram diretamente ao rei para que o monarca atendesse às suas demandas. Catálogos disponíveis em: https://digitarq.ahu.arquivos.pt/details?id=1119329 Acesso em 31/05/19. Por isso, não era incomum que os vassalos escrevessem diretamente ao rei. Foi justamente um pedido feito ao monarca pelo solicitador e contador da Fazenda Real de Pernambuco que deu início ao processo que deporia D. Tomás J. de Melo.

O solicitador, Antônio de Deus da Paz, pediu ao príncipe regente a propriedade do ofício de escrivão da Mesa Grande da Alfândega de Pernambuco, no final do ano de 1798. Neste ofício, servia Anacleto José Lopes, criado do governador, e, no requerimento, A. de Deus da Paz demonstrava as incorreções no provimento que D. Tomás José de Melo fizera ao seu criado. O governador deu parecer desfavorável ao requerimento quando o Conselho Ultramarino pediu informações.7 7 AHU_ACL_CU_015, Cx. 204, D. 13942. Pernambuco.

As cartas, requerimentos e ofícios dirigidos diretamente à Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar e ao Conselho Ultramarino eram a principal forma de comunicação política dos vassalos das diferentes partes do Império com os poderes centrais. A comunicação era uma forma de integração dos vassalos dentro do império.

Os vassalos canalizavam as suas queixas ao centro político esperando serem ouvidos e terem uma resolução para os seus pedidos (Conceição, 2011CONCEIÇÃO, Adriana Angelita da. Sentir, escrever e governar: a prática epistolar e as cartas de D. Luís de Almeida, 2º marquês do Lavradio (1768-1779). Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo. São Paulo: 2011., p.247). Os denunciantes fizeram valer estes direitos e informaram aos órgãos da administração central os atos praticados pelo governador que, para os denunciantes, configuravam um abuso de poder.

A gênese do processo, que culminou com o afastamento do governador da capitania de Pernambuco, se deu com um aviso do secretário de Estado, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ao presidente do Conselho Ultramarino, o conde de Resende, datado de 16 de março de 1798. No aviso, D. Rodrigo de Sousa Coutinho informava que, por sua Secretaria, haviam dado entrada duas denúncias contra o governador de Pernambuco. A primeira delas, do solicitador e contador da Fazenda Real, Antônio de Deus da Paz, dirigida à Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar.8 8 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732. Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino. A segunda denúncia, do juiz ordinário da Câmara do Recife, Jerônimo José Gomes, endereçada à rainha, e datada de 5 de fevereiro de 1798.9 9 Juiz ordinário é o juiz leigo da terra que administra a justiça e executa as leis, conforme Bluteau. A denúncia referia-se à venda de patentes militares. BLUTEAU, 1789, p.746. Para que se cumprissem todos os procedimentos legais adequados, o secretário de Estado ordenava, por aviso de março de 1798, que o Conselho Ultramarino mandasse averiguar as acusações contra o governador, o que foi feito em 30 de julho de 1799.10 10 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14187. Consulta do Conselho Ultramarino.

Em cumprimento ao aviso da Secretaria de Estado, o Conselho Ultramarino expediu em 7 de abril de 1798 - portanto, poucos dias após o aviso - uma portaria para que o desembargador da Casa da Suplicação da Corte, José da Costa Dias, em segredo de justiça, investigasse tais denúncias. Os trâmites exigiam que o desembargador elaborasse um auto de inquirições às testemunhas que vivessem em Lisboa, mas que houvessem residido em Pernambuco no tempo do governo de D. Tomás José de Melo, e que fossem consideradas fidedignas, a fim de confirmar se as acusações eram ou não credíveis.11 11 AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838. Consulta do Conselho Ultramarino de 1798, julho, 19. AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. As denúncias eram graves, porque apontavam irregularidades administrativas e excessos cometidos pelo representante da Coroa que extrapolavam o seu poder enquanto governador.

O desembargador da Casa da Suplicação, escolhido pelo Conselho para fazer a primeira investigação, remeteu à rainha, em 23 de junho de 1798, uma missiva com o resultado da inquirição de testemunhas. Com a realização dos interrogatórios, o desembargador chegou a uma conclusão sobre as ações governativas de D. Tomás José de Melo. Por meio das respostas obtidas, sistematizou uma série de acusações ao governador de Pernambuco.12 12 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732. Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino.

A partir das acusações e do primeiro processo de inquirição de testemunhas, foi possível compreender a dinâmica política da capitania no final de Setecentos. Descreveremos as acusações mais relevantes, assinaladas pelo ministro da Casa da Suplicação, que deram origem à primeira consulta do Conselho Ultramarino, datada de 13 de julho de 1798, e da qual resultou um decreto do príncipe que afastou D. Tomás José de Melo do governo da capitania.13 13 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732. Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino.

O processo teve início na Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar, que repassou as denúncias ao Conselho Ultramarino. A partir daí, todo o processo passou a tramitar no tribunal, pois cabia a tal órgão tratar de todas as matérias e negócios de qualquer qualidade relativos à Índia, Brasil, Guiné, ilhas de São Tomé e Cabo Verde, e a todas as outras partes ultramarinas portuguesas, aconselhando o rei.

O governador era acusado de: favorecimento ilícito a uma rede clientelar composta pelos seus criados e elementos oriundos das elites da terra; contrabando; negócios fraudulentos em nome da Fazenda Real; e por último, de vender patentes militares.

É de destacar que, para além das testemunhas inquiridas, o desembargador que fez esta primeira investigação, antes de ser da Casa da Suplicação, prestara serviço à Coroa em partes distantes do império (serviu como ouvidor em Moçambique e no Ceará). Por ter servido no Ceará, confirmou o que foi dito pelas testemunhas ouvidas. Para o ministro, da inquirição não resultara uma prova plena dos fatos relatados, mas o teor das respostas confirmava aquilo que ele observara quando servira no Ceará e quando fora, por três vezes, a Pernambuco: as ações de D. Tomás J. de Melo extrapolavam os poderes que os governadores usufruíam.14 14 AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838. Consulta do Conselho Ultramarino de 1798, julho, 19. AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco.

No que diz respeito ao favorecimento de "amigos" e "criados" nos negócios públicos, entre as principais evidências que corroboram as acusações assinaladas pelo desembargador da Casa da Suplicação, destacamos a proteção que o governador deu aos seus empregados pessoais.15 15 AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838, fl.2. Consulta do Conselho Ultramarino de 1798, julho, 19. AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. D. Tomás J. de Melo concedeu a serventia de ofícios da Fazenda a dois criados. A irregularidade nas concessões dos ofícios dizia respeito aos rendimentos cobrados pela Fazenda Real às duas serventias e ao fato de serem ofícios que poderiam ser postos em arrematação e renderem muito mais.

O governador concedeu, por um ano, a serventia do ofício de escrivão do despacho e a abertura da Alfândega do Recife a Anacleto José Lopes, natural de Lisboa, e a de escrivão da descarga da Alfândega a João Carneiro da Cunha.16 16 AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838, fl.2. Consulta do Conselho Ultramarino de 1798, julho, 19. AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. O primeiro, pouco depois desta consulta de 1798, no mês de agosto, obteve ainda a patente de capitão de Cavalaria do Terço de Auxiliares de Pernambuco (passada por D. Tomás José de Melo e confirmada pela rainha) e foi destacado para a guarda pessoal do governador.17 17 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT - Lisboa): Registro Geral de Mercês/ D. Maria I, Livro 29, fl. 48v.

O ofício concedido em serventia a João Carneiro da Cunha, aquando do segundo provimento, em 1794, gerou dúvidas no Conselho Ultramarino. O procurador da Fazenda da repartição do Conselho estranhou que um ofício "daqueles que se arrematam" fosse posto em serventia e o tribunal pediu explicações a D. Tomás José de Melo. D. Tomás afirmou que o primeiro provimento fora legítimo, estava no âmbito do alargamento dos privilégios dos governadores de capitanias publicados na provisão de D. José I, de 13 de setembro de 1753. Ela determinava que os governadores de capitanias do Brasil poderiam prover ofícios de justiça e fazenda por um ano, no máximo. Apenas o vice-rei e o próprio Conselho Ultramarino poderiam por mais tempo.18 18 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 187, D. 12967. Carta do governador à rainha. Após a explicação, o ofício acabou por ser confirmado ao empregado de D. Tomás. Contudo, em março de 1798, confirmou-se que o rendimento pago por João Carneiro da Cunha estava abaixo do valor real do ofício.19 19 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. [Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino]. AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732. Outros três criados são citados na denúncia: Domingos José Fidélis, José Inocêncio Poje e Atanásio José Lopes.

O governador também foi acusado pelo desembargador da Casa da Suplicação de negócios fraudulentos em nome da Fazenda Real. A averiguação feita pelo desembargador assinalava que a irregularidade estava relacionada com o corte de madeiras, especialmente o pau-brasil. Mas não apenas no que se refere àquela madeira. A carta do desembargador, que deu origem à consulta, afirma que o criado do governador, Domingos José Fidélis, ao fiscalizar a cobrança do imposto que as embarcações tinham de pagar das mercadorias que traziam do sertão, informava ao ministro que recolhia o imposto em um valor sempre inferior ao valor real de mercadorias transportadas. Mas cobrava o valor correto dos donos das embarcações. A diferença era recebida e guardada por Domingos J. Fidélis a mando do seu amo, o governador.20 20 Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino. AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732, fl. 3v. Fidélis aparece na documentação avulsa da capitania de Pernambuco como secretário particular do governo da capitania de Pernambuco.21 21 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14221.

O cuidado com o corte e o envio de madeiras para Lisboa constavam nas instruções de Martinho de Melo e Castro ao representante da Coroa e nos avisos enviados aos seus antecessores.22 22 AHU_ACL_CU_Ordens e Avisos para Pernambuco, Cod. 583, fls. 168s e 169. E para D. Tomás José de Melo: AHU_ACL_CU_Ordens e Avisos para Pernambuco, Cod. 584, fl. 70v.

Segundo as testemunhas, D. Tomás José de Melo controlava a compra das madeiras por parte da Junta da Fazenda Real, pois era o seu presidente. A fraude dava-se da seguinte forma: primeiramente, a junta da Fazenda Real arbitrava um preço para a madeira cortada, os particulares que concordavam com o valor, mandavam proceder ao corte, e após uma considerável quantidade haver sido cortada, o governador enviava os seus agentes informando que a Junta suspendera a compra, e para não perderem o montante já cortado - pois o armazenamento de gêneros por tempo indefinido era irrealizável -, os particulares vendiam-no aos mesmos agentes, mas por um preço sempre abaixo do estipulado pela junta.23 23 AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732.

Concluindo o leque das principais acusações, D. Tomás J. de Melo era suspeito de vender patentes militares para "ricos paisanos", a quem cobrava um donativo de alto valor. As testemunhas afirmavam que, cada um dos providos que não eram militares - mas até mesmo os militares pagos e do terço de Auxiliares -, eram obrigados a pagar uma tarifa extra à secretaria do governo da capitania, valor que se destinaria, segundo o governador, ao hospital dos Lázaros.24 24 AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838, fl. 4.

O Conselho Ultramarino, apesar de reconhecer que da inquirição de testemunhas não resultara uma prova plena, deu o seu parecer à rainha indicando que, levada em conta "a notória ambição do governador e os excessos cometidos por seu criado Domingos José Fidélis, bem como a razão e a justiça da denúncia", o representante da Coroa deveria deixar o cargo.25 25 AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838, fls. 6-7.

Para o tribunal, um auto de devassa para averiguação dos fatos precisava ser tirado por um ministro competente. De igual modo, era necessário que se negasse a D. Tomás J. de Melo o direito de participar de cerimônias da Corte. Recomendou-se que, ao retornar da sua comissão, não pudesse participar da cerimônia do beija-mão nem de outras em que a monarca estivesse presente. O parecer foi aceito pelo regente D. João que, em menos de um mês, emitiu um decreto mandando retirar o governador do cargo e nomeou o bacharel José de Melo Freire da Fonseca para realizar um auto de devassa.26 26 AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838.

As repercussões do parecer do Conselho Ultramarino e das ordens régias foram efetivadas no início de 1799. Em 9 de fevereiro, o bispo de Pernambuco, D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, escreveu a D. Rodrigo de Sousa Coutinho informando ter cumprido a ordem para D. Tomás José de Melo deixar o Governo da capitania, dando conta que - por mandado do desembargador que procedia à devassa -, enviava o ex-governador e o seu criado Domingos Fidélis presos para a Bahia.27 27 AHU_ACL_CU_015, Cx. 205, D. 14025. Ofício do Bispo. AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco.

Ressaltamos que após a prisão do governador e sua consequente chegada em Lisboa, ocorreu um "adensar da trama" já na Corte. Novos atos, permeados de disputas políticas, quase interferiram no processo de D. Tomás J. de Melo, beneficiando-o, se o Conselho não apelasse para o regente para que exercesse sua principal prerrogativa: a de administrar a justiça (Melo, 2010MELO, Isabele de Matos Pereira de. Poder, administração e justiça: os ouvidores gerais no Rio de Janeiro (1624-1696). Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura/Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2010., p.49).

Ainda antes de a devassa ser concluída na capitania de Pernambuco, e cerca de um ano após a primeira consulta do Conselho Ultramarino, o tribunal fez uma segunda consulta sobre o ex-governador de Pernambuco. Datada de 30 de julho de 1799, ela foi elaborada a partir de um outro aviso do secretário de Estado, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, de 27 de julho do mesmo ano. Ressaltamos esta consulta pelo pedido inadequado do secretário de Estado, tão inapropriado que o Conselho questionou a legalidade da ordem.

Na consulta, elaborada em cumprimento do aviso, determinava-se que o tribunal informasse ao ex-governador quais eram as acusações que pendiam sobre D. Tomás J. de Melo, a fim de que pudesse elaborar defesa.28 28 AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14187, fl. 1.

O aviso da Secretaria levantou dúvidas sobre a legalidade do pedido e fez o tribunal questionar os motivos da ordem do secretário. O Conselho esclarecia que qualquer delito que se convertesse num processo de devassa - como sucedeu com D. Tomás José de Melo -, até que os interrogatórios se transformassem numa acusação que obrigasse o réu a uma defesa ou a um pedido de livramento, não era pertinente informar ao ex-governador o teor das acusações. O parecer do Conselho declarava que a ordem do secretário carecia de legitimidade juridicamente, "Parece ao Conselho que […] jamais permite o Direito que um denunciado [...] deva ou possa ser ouvido em defesa preparatória ou efectiva, sobre uns fatos ainda não inquiridos e justificados [...]29 29 AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14187, fl. 2.

O Conselho assegurava que a ordem de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, emitida em nome do príncipe regente, era, no mínimo, invulgar, um meio extraordinário do qual não constava exemplo naquele tribunal por ser estranho ao "direito e à práxis judicial".30 30 AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14187, fl. 2. Entendemos o aviso do secretário de Estado e a consulta do Conselho Ultramarino como mais uma disputa política de dois órgãos dos poderes centrais. Mas, analisando todo o processo desde a primeira denúncia, é possível perceber o apadrinhamento do secretário de Estado com o ex-governador da capitania.

Conselho Ultramarino e Secretaria de Estado atuavam no mesmo campo político no espaço da monarquia pluricontinental. As duas instituições disputavam a precedência nas decisões das questões ultramarinas. Ao longo da chamada época pombalina, a Secretaria veio a tomar a precedência da cena política que, até então, pertencia ao Conselho. Contudo, no final do século XVIII, o Conselho voltou a ser uma instituição com prestígio no que respeita à governação do ultramar. O regente D. João recorreu às consultas do Conselho Ultramarino e concordou com todos os pareceres do tribunal nas 23 consultas elaboradas por este entre os anos de 1793 e 1807. Algo relevante, visto que no período anterior, de 1777 a 1792, não existe uma única consulta que houvesse sido resolvida por D. Maria I, isto é, que tivesse tido alguma decisão. O Conselho produzia a consulta, mas a rainha não levava nenhuma delas em consideração.31 31 AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco, Cod. 267.

Nesta segunda consulta, de 1799, o tribunal finalizava o seu parecer afirmando que a ordem de D. Rodrigo de Sousa Coutinho não deveria ser cumprida, a não ser que "Vossa Alteza real se digne permiti-la". Ora, sabe-se que a autoridade suprema da justiça era o rei. Governando em lugar de sua mãe, D. Maria I, caberia ao regente D. João zelar pela boa administração da justiça, garantir o equilíbrio e atribuir a cada um o que lhe fosse próprio e de direito (Xavier; Hespanha, 1993XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, António Manuel. A representação da sociedade e do poder. In: HESPANHA, António Manuel (Coord.). História de Portugal. Vol. 4: O Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p.121-156., p.123). Nesta situação, o príncipe regente, D. João, aceitou e acatou o parecer do Conselho Ultramarino e no seu decreto, um dia após a consulta, deu precedência à opinião do Conselho, desequilibrando a disputa política entre tribunal e Secretaria de Estado para aquele caso.32 32 AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14187, fl. 2v.

O aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho indica que, apesar de destituído do seu posto, restava a D. Tomás José de Melo algum prestígio na Corte. Afinal, o secretário, já saindo da pasta do Ultramar, prestes a assumir o Erário Régio, se utilizou de um aviso para ordenar ao Conselho que - em outras palavras - auxiliasse o ex-governador na sua defesa.

Sobre a influência que o ex-governador ainda possuía na Corte, ressalta-se uma outra ocorrência que confirma que o seu prestígio não fora complementamente dissipado com as denúncias sofridas. É possível confirmar a influência do ex-governador quando analisamos um segundo ofício, uma missiva escrita por Antônio de Deus da Paz à Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar. Nesta correspondência, queixava-se dos procedimentos do desembargador que tirava a devassa dos atos administrativos do ex-governador de Pernambuco. Antônio de Deus da Paz afirmava que muitos - considerados como testemunhas fidedignas, porque serviam a Coroa em ofícios de Justiça e Fazenda, porque eram militares ou por serem ‘abastados’ senhores de terras ou homens de "grosso trato" -, se sentiam atemorizados a responder com a ‘verdade’ às perguntas do desembargador, devido à relação de forte amizade que sabiam existir entre o ex-governador e o secretário de Estado do Reino, José de Seabra da Silva.33 33 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 208, D. 14141. Ofício 1799, junho, 18, Recife.

O temor nada mais era do que a constatação das ligações existentes entre o ex-governador de Pernambuco e o secretário de Estado do Reino e Mercês. As possíveis testemunhas antecipavam as consequências que poderiam advir caso revelassem em juízo algo contra o governador. E embora saibamos que, a partir de D. João V, uma nova evolução da configuração do poder central começou a surgir, bem como um novo padrão de relacionamento entre este e os poderes periféricos, não é de admirar que os valores do Antigo Regime ainda estivessem presentes e arraigados nesta sociedade colonial no fim do século XVIII. Na documentação investigada, há indícios de que os laços que ligavam o ex-governador e o secretário de Estado eram fortes, embora não fossem familiares.

O primeiro deles encontra-se no livro da Chancelaria de D. Maria I, na Torre do Tombo, e data do ano de 1782. Neste ano, D. Tomás José de Melo foi agraciado com uma tença efetiva de 220 mil réis para "cada ano em sua vida com que foi deferido pelos seus serviços e ordenados de 220 mil réis de tenças que lhes serão assentados em um dos Almoxarifados do Reino" pelos serviços prestados como capitão-de-mar-e-guerra nas armadas que iam à Índia e ao Brasil, principalmente.34 34 ANTT/CHANCELARIA D. Maria I, Livro 17, fl. 243. Na mercê registrada na Chancelaria, há uma nota sobre uma portaria de José de Seabra da Silva, ao lado da mercê concedida, que aprovava a renúncia do padrão de juros da Alfândega do Porto feita por D. Tomás José de Melo a uma familiar, que cremos ser a sua irmã, D. Mariana Josefa de Melo.35 35 ANTT/CHANCELARIA D. Maria I, Livro 17, fl. 243.

Não apenas a portaria do secretário na mercê de D. Maria I o relacionava com o ex-governador. Em 1797, por aviso de sua Secretaria, e não pela do Ultramar como seria esperado, José Seabra da Silva ordenou ao presidente do Conselho Ultramarino, o conde de Resende, que mandasse consultar sem demora o requerimento de João Carneiro da Cunha, criado do governador, que era escrivão da descarga da Alfândega de Pernambuco. O requerimento fora enviado em anexo a uma carta de D. Tomás José de Melo ao secretário de estado do Reino. Por isso, o aviso para que o Conselho consultasse o pedido não partiu de D. Rodrigo de S. Coutinho mas de Seabra da Silva.36 36 AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 198, D. 13621. Aviso de 1797, Outubro, 7.

Costumes e valores do Antigo Regime, como afeto, lealdade, pacto político, estavam presentes na sociedade portuguesa, no centro da monarquia e também nas suas colónias até o final do século XVIII. Épocas houve em que a família foi considerada a matriz da sociedade, o corpo social. Em textos jurídico-políticos, este corpo era retratado como uma "grande família":

[...] O laço afetivo "cimentava" igualmente a relação entre pessoas que não possuíam qualquer vínculo familiar. E as relações afetivas dessa sociedade organicamente estruturada podiam assumir formas diversas, como o apadrinhamento, o clientelismo, o compadrio, o companheirismo militar, etc., podendo até, em alguns casos, gerar laços mais poderosos do que os laços familiares (Cardim, 2000CARDIM, Pedro. O poder dos Afectos: ordem amorosa e dinâmica política no Portugal do Antigo Regime. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa: 2000., p.40).

A falta de interesse do desembargador que tirava a devassa - no que se referia a averiguar os pagamentos ilícitos de taxas à Fazenda Real cobrados pelo governador, a morte de testemunhas e o receio de Antônio de Deus da Paz em ser perseguido -, é outro ponto assinalado na sua correspondência com a Secretaria de Estado.

Numa carta, que deu entrada pela Secretaria de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o solicitador Antônio de Deus da Paz, fornece nomes e dados demonstrando que a devassa estava manchada pelo assassinato de testemunhas, pela divulgação do nome do denunciante - até então anônimo - e pela parcialidade do desembargador em proteger a reputação do governador:

[...] receio, que até cheguem a mandar tirar-me a vida, como já fizeram ao negociante José Faustino Nunes administrador dos dízimos reais assassinado à facadas a sua mesma porta sem se descobrir outra coisa, que ser o mais instruído na história da conduta do governador, e o mais disposto para depor a verdade […]37 37 AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732.

Este aparente desinteresse do sindicante foi entendido pela Coroa como sendo fruto da imparcialidade na condução do inquérito. Imparcialidade esta que lhe rendeu - ainda antes de concluir a devassa - uma carta de padrão, uma tença e um hábito de Cristo.38 38 ANTT, Registro Geral de Mercês/RGM/ de D. Maria I, Livro 30, fl. 84v.

Contudo, o temor do solicitador era tanto que concluiu as informações enviadas a D. Rodrigo de Sousa Coutinho pedindo a proteção do secretário. Este pedido foi atendido, pois encontramos um aviso do secretário de Estado ao governador D. Tomás J. de Melo, ordenando que o representante da Coroa não perseguisse, nem mandasse perseguir, o autor da denúncia: "vossa senhoria deixe servir em paz o suplicante os lugares que exercita e não proceda contra ele sem os mais justos motivos e sem primeiro dar conta a Sua Majestade".39 39 AHU_ACL_CU_Ordens e Avisos para Pernambuco, Cod. 584, fl. 220. Mas, ao analisarmos a documentação do final da década de 1790, todos os outros pedidos elaborados por Antônio de Deus da Paz, feitos após a denúncia, foram negados, pois, segundo D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o solicitante não era considerado pessoa honesta e honrada.40 40 AHU_ACL_CU_015, Cx. 204, D. 13942. Sobre o solicitador Antônio de Deus da Paz, sabe-se que ele e o filho, Francisco Ludgero da Paz, acabaram presos por extravios à Fazenda Real ainda antes do resultado do processo do governador D. Tomás José de Melo.41 41 AHU_ACL_CU_ 015, Cx. 214, D. 14522.

A título de encerramento, referimos que a consulta final, que analisou a governação de D. Tomás José de Melo, e a devassa que foi tirada, não serão aqui discutidas porque o objetivo do artigo foi o de demonstrar os trâmites legais que levaram o governador a sofrer um processo judicial. Processo que difere dos atuais, pois inicia com uma inquirição de testemunhas, seu afastamento do cargo antes da conclusão ou não de suas culpas, e termina com o distribuir do prêmio ou do castigo por parte do príncipe. Contudo, o discurso político do Conselho, que concordou com a inquirição do desembargador da casa da Suplicação e discordou, em todos os pontos, da devassa do desembargador, que foi a Pernambuco ouvir as testemunhas, será brevemente analisado nas linhas que se seguem. Afinal, a consulta foi o instrumento utilizado pelo príncipe regente para tomar sua decisão acerca da punição ou perdão do ex-governador.

Na nossa análise da consulta, acreditamos que o Conselho demonstrou que a concessão de "mercês" e indultos por parte do governador "ofenderam o justo equilíbrio com que se devia regular a justiça das promoções dos postos militares". Isto devido a acusação de que o governador vendia postos militares para pagar a reforma no hospital dos lázaros, um de seus projetos pessoais. E, por isso, o Conselho Ultramarino sugeria ao príncipe que os governadores coloniais, por todo o império, só passassem promoções milicianas e de ordenanças - que tinham a autorização de passar - se estas fossem reguladas por ordens régias (Hespanha, 1982HESPANHA, António Manuel. História das Instituições: Épocas Medieval e Moderna. Coimbra: Almedina, 1982., p.312).

O discurso político do Conselho Ultramarino enfatizava a importância que conceitos como "dar e receber", e "justo ou injusto" ainda tinham na época. O Conselho confirmava uma das prerrogativas medievais que perdurou durante todo o Antigo Regime: o ato de dar pertencia, em primeiro lugar, ao monarca e devia obedecer a determinadas normas e preceitos. O ex-governador poderia conceder algumas benesses, porém precisava do aval das instituições do poder central ou da legitimação régia. O papel que cabia ao monarca ainda não fora destituído de significados. A forma como a monarquia portuguesa era compreendida pelos súditos na colônia e defendida pelos tribunais que compunham esta monarquia diferia, por exemplo, da forma como o monarca espanhol era compreendido pelos súditos na América Espanhola, compreendido de uma forma vazia, conforme o estudo de Serulnikov (Serulnikov, 2019SERULNIKOV, Sergio. Lo que invoca a figura do Rei e a justiça regia significaba (y lo que não): Monarquismo popular en charcas retardocolonial. Belo Horizonte: Varia historia, v. 35, n. 67, p.37-82, 2019. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/0104-87752019000100003. Acesso em 06 fev. 2019.
http://dx.doi.org/10.1590/0104-877520190...
, p.39). Dentro das redes políticas, mercantis, afetivas e de poder que compunham o império, os tribunais, as secretarias e o monarca tinham um papel relevante na administração e no governo dos povos dos dois lados do Atlântico.

Ao desaprovar as ações de D. Tomás José de Melo, o Conselho afirmava que, contrariamente ao que narravam às denúncias, este não havia vendido patentes. Mas, ao doá-las mediante um donativo, o ex-governador ignorou a contribuição de semelhantes dádivas, não sendo "justo" que seus criados pessoais as recebessem. A discussão no Conselho Ultramarino acerca das ações do governador demonstrava que a definição do que era ou não justo relacionava-se com o próprio conceito de justiça. Conceito que "correspondia ao princípio de dar a cada um o que é seu, quer no repartir do prémio e do castigo, quer no cumprimento dos contratos" (Dias, 2017DIAS, Érika Simone de Almeida Carlos. Práticas administrativas em julgamento no Conselho Ultramarino. In: ASSIS, Virgínia Maria Almoêdo de; BICALHO, Maria Fernanda; MELLO, Isabelle de Matos Pereira (orgs.). Justiça no Brasil colonial: agentes e práticas. São Paulo: Alameda, 2017, p.281-307., p.281) . Afinal o ato de "dar" se inseria numa corrente de obrigações recíprocas, que formavam um todo, e não era, de forma alguma, um ato gratuito e despojado de interesses (López-Salazar; Olival; Figueirôa-Rego, 2013LÓPEZ-SALAZAR, Ana Isabel; OLIVAL, Fernanda; FIGUEIRÔA-REGO, João. Honra e sociedade no mundo ibérico Ultramarino, inquisição e ordens militares, séculos XVI-XIX. Lisboa: Évora: CHAM/CIDEHUS, 2013., p.9-13).

D. Tomás José de Melo não levou em conta a complexidade destes atos - dar e receber, a justiça no compensar -, e foi precisamente por isso que o Conselho reprovou o seu modo de governar. O governador poderia ter cobrado doações - um antigo governador já tinha feito isso, Manuel da Cunha Meneses, que instituiu um pagamento de mil réis em cada patente expedida na secretaria de governo aos oficiais de Milícias e de Ordenanças, a fim de angariar recursos para o hospital dos Lázaros. Esta portaria foi descontinuada no governo de José César de Meneses. D. Tomás José de Melo, por sua vez, além de confirmar a portaria da década de 1770, ampliou o imposto e expandiu-o para os oficiais da tropa de linha. O procurador da Fazenda da repartição do Conselho Ultramarino declarava que nenhum governador poderia tomar tal providência desde que houvesse comunicado a um dos órgãos da administração central - Conselho Ultramarino ou Secretaria de Estado -, afinal, a sua intenção em cobrar tributos, estabelecendo valores e taxas anuais para o sustento do hospital dos Lázaros, não era má. O tribunal admitia a conveniência do tributo, mas somente se fosse feito um formulário que o regulasse - a fim de se evitarem descaminhos -, ficando registrado na secretaria as quantias, o posto e o nome dos providos, para que o tesoureiro pudesse prestar contas à Junta da Fazenda Real e esta ao Real Erário, algo que até então não havia ocorrido.42 42 AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco, Cod. 267, fl. 161v-162.

Conforme o Conselho Ultramarino, o governador praticara atos dignos de elogio e outros dignos de condenação. O caráter virtuoso do ex-governador, a boa administração do serviço real - sua preocupação com a economia, com a defesa e com o cumprimento das ordens da Secretaria de Estado -, bem como o cuidado com que sempre procurou a "paz, o sossego e o crescimento da capitania" eram provas de que teria agido tendo em vista o bem-público. E, caso tivesse consultado o poder central, procurando a aprovação da Coroa para constituir os impostos e os donativos, as suas ações não teriam sido alvo de críticas. Concorda-se com António Manuel Hespanha e José Subtil (2015, p.127)HESPANHA, António Manuel; SUBTIL, José Manuel. Corporativismo e Estado de Polícia como modelos de governo das sociedades euro-americanas do Antigo Regime. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs). O Brasil Colonial: vol. 1, (ca. 1443 - ca. 1580). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p.127-166, quando afirmam que a última fase da época Moderna assistiu a um grande crescimento das atividades da Coroa. Para Astuti (1984, p.265)ASTUTI, Guido. O absolutismo esclarecido em Itália e o Estado de Polícia. In: HESPANHA, António Manuel (org.). Poder e instituições na Europa do antigo regime: colectânea de textos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. e para Hespanha e Subtil (2015) as atividades de polícia passaram a representar o novo desígnio ordenador do poder da Coroa. A Consulta do tribunal reflete este novo propósito administrador, isto é, o ex-governador poderia ter tido as mesmas práticas administrativas desde que tivesse informado e esperado o consentimento da Coroa para as suas ações (Hespanha, 1984HESPANHA, António Manuel. Para uma teoria da história institucional do Antigo Regime. In: HESPANHA, António Manuel (org.). Poder e instituições na Europa do antigo regime: colectânea de textos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian , 1984, p.7-89., p.67-69).

Para o Conselho Ultramarino, algumas das providências que D. Tomás José de Melo tomou eram justas, outras eram merecedoras de sanção. No cômputo geral, o Conselho Ultramarino sentiu a pressão feita pelos dois secretários de Estado, D. Rodrigo de Sousa Coutinho e José de Seabra, que durante o processo procuraram livrar o governador de uma punição mais severa. A recomendação do Conselho ao princípe foi que o ex-representante da Coroa merecia ser perdoado das acusações, mas não merecia retornar ao governo da capitania, nem merecia a prisão.

D. Tomás José de Melo foi absolvido, mas sem usufruir do direito de solicitar a remuneração dos serviços prestados à Coroa. O regente, em consulta anterior, já aceitara a sugestão do Conselho: que D. Tomás José de Melo não participaria mais nas cerimônias da Corte e não teria qualquer tipo de audiências com o príncipe.

Neste texto, procuramos mostrar de que forma a monarquia pluricontinental portuguesa estava fundamentada numa constelação de poderes concorrentes em cuja posição cimeira, e não centralista, estava a Coroa (Fragoso, 2017FRAGOSO, João. Poderes e Mercês nas conquistas americanas de Portugal (séculos XVII e XVIII): apontamentos sobre as relações entre centro e periferia na Monarquia pluricontinental lusa. In: FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nunco Gonçalo (orgs.). Um reino e suas repúblicas no Atlântico: comunicação política entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2017, p.49-53., p.49). Interessou-nos também analisar como a comunicação política foi feita e como interligou esta rede de poderes políticos, mercantis, afetivos e tantos outros, movimentados por uma economia de mercês.

Para além da relevante questão jurídica e do desfecho do julgamento do governador de Pernambuco, com este caso foi possível observar o fluxo da informação entre as diversas partes do império, as redes de poderes e as instituições que organizavam e administravam a sociedade colonial, percebido pelas diferentes formas de clientelismo, apadrinhamento e compadrio, como, por exemplo, os mandos e desmandos dos "criados" de D. Tomás José de Melo. Viu-se que o governador estava inserido em redes políticas no centro da monarquia, tendo em vista a quantidade de entidades que tentavam protegê-lo e/ou julgá-lo, e que o apadrinhamento - não por um secretário de Estado, mas por dois chefes das mais importantes Secretarias que administravam a monarquia pluricontinental portuguesa - não o resgatou do julgamento nem da sentença, mas o livrou da prisão.

É possível afirmar que, no final do século XVIII, ainda valiam as proposições de Marcel Mauss (1988, p.68)MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70, 1988. sobre a cadeia de obrigações - dar, receber, retribuir - presentes nas relações sociais envolvendo vassalos e monarcas. Contudo, na visão do Conselho Ultramarino, as práticas administrativas do ex-governador acabaram por dispensar o regente D. João da obrigatoriedade de retribuir os serviços prestados por Tomás José de Melo. O fato de não ter continuado preso e de não ter os seus bens confiscados serviu de restituição suficiente.

Como premiar e punir eram dois atributos essenciais do domínio e da capacidade para governar os vassalos, ao lado do poder para ordenar, proibir, autorizar e decidir, a resolução do príncipe concordava com o parecer do Conselho Ultramarino, inclusive com a brecha de que, no futuro, o desembargador procurador da Fazenda poderia agir civilmente contra o ex-governador para recuperar os danos e as perdas causados à Fazenda Real.

Foi desta forma, sem mérito, que o ‘esforçado’ D. Tomás José de Melo, já recolhido à Corte, viu a sua governação denegrida, pois embora tenha sido absolvido pelo Conselho Ultramarino após a devassa sofrida, não obteve as remunerações de serviço que esperava. E conforme o parecer do Conselho Ultramarino, que deu fundamentação ao julgamento do príncipe regente, isto já havia sido castigo suficiente (Olival, 2001OLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar editora, 2001., p.26-28).

  • 1
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU -Lisboa). AHU_ACL_CU_017, Cx. 8, D. 847.
  • 2
    AHU_ACL_CU_017, Cx. 22, D. 2454 e AHU_ACL_CU_017, Cx. 25, D. 2634. Rio de Janeiro. Documentação avulsa.
  • 3
    AHU_ACL_CU_Ordens e Avisos para Pernambuco, Cod. 584; AHU_ACL_CU_Cod. 267.
  • 4
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 205, D. 14003.
  • 5
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 165, D. 11795. Ofício da Câmara do Recife ao secretário de Estado.
  • 6
    As centenas de milhares de requerimentos existentes no Conselho Ultramarino comprovam esta comunicação direta entre os vassalos e o centro político. Conforme a documentação colonial tratada pelo Projeto Resgate no Arquivo Histórico Ultramarino em Lisboa, são requerimentos de homens de negócio, servidores, agentes da Coroa, senhores de engenho, câmaras, contratadores, autoridades da igreja, dentre outros que, durante os séculos XVI ao XIX, escreveram diretamente ao rei para que o monarca atendesse às suas demandas. Catálogos disponíveis em: https://digitarq.ahu.arquivos.pt/details?id=1119329 Acesso em 31/05/19.
  • 7
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 204, D. 13942. Pernambuco.
  • 8
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732. Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino.
  • 9
    Juiz ordinário é o juiz leigo da terra que administra a justiça e executa as leis, conforme Bluteau. A denúncia referia-se à venda de patentes militares. BLUTEAU, 1789, p.746.
  • 10
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14187. Consulta do Conselho Ultramarino.
  • 11
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838. Consulta do Conselho Ultramarino de 1798, julho, 19. AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco.
  • 12
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732. Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino.
  • 13
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732. Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino.
  • 14
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838. Consulta do Conselho Ultramarino de 1798, julho, 19. AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco.
  • 15
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838, fl.2. Consulta do Conselho Ultramarino de 1798, julho, 19. AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco.
  • 16
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838, fl.2. Consulta do Conselho Ultramarino de 1798, julho, 19. AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco.
  • 17
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT - Lisboa): Registro Geral de Mercês/ D. Maria I, Livro 29, fl. 48v.
  • 18
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 187, D. 12967. Carta do governador à rainha.
  • 19
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. [Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino]. AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732. Outros três criados são citados na denúncia: Domingos José Fidélis, José Inocêncio Poje e Atanásio José Lopes.
  • 20
    Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino. AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732, fl. 3v.
  • 21
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14221.
  • 22
    AHU_ACL_CU_Ordens e Avisos para Pernambuco, Cod. 583, fls. 168s e 169. E para D. Tomás José de Melo: AHU_ACL_CU_Ordens e Avisos para Pernambuco, Cod. 584, fl. 70v.
  • 23
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732.
  • 24
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838, fl. 4.
  • 25
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838, fls. 6-7.
  • 26
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, D. 13838.
  • 27
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 205, D. 14025. Ofício do Bispo. AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco.
  • 28
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14187, fl. 1.
  • 29
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14187, fl. 2.
  • 30
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14187, fl. 2.
  • 31
    AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco, Cod. 267.
  • 32
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 209, D. 14187, fl. 2v.
  • 33
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 208, D. 14141. Ofício 1799, junho, 18, Recife.
  • 34
    ANTT/CHANCELARIA D. Maria I, Livro 17, fl. 243.
  • 35
    ANTT/CHANCELARIA D. Maria I, Livro 17, fl. 243.
  • 36
    AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 198, D. 13621. Aviso de 1797, Outubro, 7.
  • 37
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 200, D. 13732.
  • 38
    ANTT, Registro Geral de Mercês/RGM/ de D. Maria I, Livro 30, fl. 84v.
  • 39
    AHU_ACL_CU_Ordens e Avisos para Pernambuco, Cod. 584, fl. 220.
  • 40
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 204, D. 13942.
  • 41
    AHU_ACL_CU_ 015, Cx. 214, D. 14522.
  • 42
    AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco, Cod. 267, fl. 161v-162.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2019
  • Revisado
    12 Jul 2019
  • Aceito
    28 Set 2019
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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