Acessibilidade / Reportar erro

Do outro lado dos canaviais. Circulação de saberes e estações experimentais agrícolas, Brasil e Argentina, século XX

The Other Side of the Sugarcane Fields. Circulation of Knowledge and Agricultural Experimental Stations, Brazil and Argentina, 20th Century

RESUMO

Este artigo se propõe a discutir a influência das estações experimentais agronômicas no Brasil e na Argentina, no que diz respeito às adoções de novas tecnologias e políticas voltadas para o setor açucareiro. Privilegia-se uma perspectiva teórica fundada na História da Ciência, levando em conta igualmente o papel desempenhado pela circulação de saberes e tecnologias entre ambos os países. No presente estudo, utiliza-se uma documentação que versa sobre duas estações experimentais que ocuparam um espaço de destaque na primeira metade do século XX: a Estação Experimental Agrícola de Tucumán e a Estação Experimental de Cana de Piracicaba. Assim, como a contribuição de alguns dos seus diretores, como José Vizioli e William Ernest Cross. Nesse sentido, pretende-se investigar o fortalecimento das estações experimentais e questões que marcaram a indústria açucareira tanto no Brasil quanto na Argentina, tais como: a superação do vírus do mosaico, as crises de superprodução açucareira, os estudos sobre o álcool e a difusão de novos saberes e tecnologias na lavoura canavieira.

estações experimentais; circulação de saberes; indústria açucareira

ABSTRACT

This article aims to discuss the influence of agricultural experimental stations in Brazil and Argentina, with regard to the adoption of new technologies and policies for the sugar sector. The focus is a theoretical perspective based on the History of Science, taking into account also the role of the circulation of knowledge and technologies between the two countries. In this study, we study two experimental stations that occupied a prominent space in the first half of the twentieth century, the Agricultural Experiment Station of Tucumán and the Experimental Station of Cana de Piracicaba, as well as the contribution of some of its directors such as José Vizioli and William Ernest Cross. In this sense, we intend to investigate the strengthening of experimental stations and issues that marked the sugar industry in Brazil and Argentina, such as overcoming mosaic virus, crises of sugar overproduction, studies on alcohol and dissemination of new knowledge and technologies in the sugarcane plantations.

experimental stations; circulation of knowledge; sugar industry

Introdução

O avanço da produção açucareira por áreas agrárias maiores, as clivagens tecnológicas entre os diversos países produtores que acompanharam uma luta cada vez mais acirrada pelo mercado mundial, e ainda, uma maior preocupação com a parte agrícola do processo de fabricação do açúcar engendraram um apoio maior à criação de estações agronômicas. A afirmação de uma agricultura científica foi constituída, em grande parte, pela relação cada vez mais próxima com a agronomia e não mais pelos conhecimentos tradicionais do campo.1 1 A questão da definição de categorias no campo de conhecimento é um debate que não foi ou é, até o presente, unanimidade entre os seus diversos atores. No seu trabalho de Livre Docência, SANTOS FILHO, 2004, p.40-53, dá a dimensão dos numerosos tipos de posicionamento que podemos encontrar. No caso da modernização agrícola em particular podemos destacar: a divisão que estabelece que existem ciências “puras”. Ou seja, aquelas que não se preocupam com aplicações práticas, ao contrário das ciências “aplicadas”. Destaca-se, igualmente, a distinção entre conhecimento científico e conhecimento popular. Por outro lado, e como será discutido no texto, ocorreu o fortalecimento da defesa que categorias profissionais que se associam a campos de conhecimento tivessem um estatuto de reconhecimento de que são “ciências” separadas. Nesse contexto, as estações experimentais tiveram uma atuação importante. Como lembra MENDONÇA, 1990, p.20, havia a necessidade de a agronomia “fazer escola” como forma de propagandear racionalmente seus pressupostos. Nesse sentido, parece-nos fundamental enveredar sobre o lugar de peças-chave que as estações experimentais no Brasil e na Argentina ocupariam nas principais questões açucareiras. Outro aspecto a ser destacado é o seu papel na transformação de áreas marcadas até então como consumidores em grandes zonas produtoras de açúcar.

O contato com os avanços tecnológicos através do fortalecimento da indústria de maquinário, os modelos de proteção alfandegária açucareira, a troca de pesquisas entre as estações agronômicas foi dilatando as fronteiras dos países produtores de açúcar. A circulação de livros, folhetos, revistas especializadas e variedades de cana esteve diretamente relacionada à fundação de escolas e estações experimentais de natureza agroindustrial. A atuação dessas diversas estações agronômicas teve como resultado a constituição de uma rede transnacional de técnicos que trocavam de maneira constante informações sobre diversos tópicos concernentes ao cultivo da cana, o seu processamento industrial e a sua comercialização.

Ora, isso significou que a circulação de saberes tomou parte da modernização da indústria açucareira da Argentina e do Brasil.2 2 GINZBURG, 2004, deu ao conceito de circulação de saberes nova tintura ao relacionar as estratégias de transformação da Inglaterra em um ideal de país civilizado às conexões com outros lugares e tempos que a sustentam. Segundo ele, é de aceitar-se que nenhuma ilha é uma ilha. Por outro lado, o artigo apoia-se, igualmente, na contribuição de VALDÉS, 2004, p.337-366, que procura indicar a produção de mutações e hibridações como fatores importantes no processo de emissão e recepção de saberes de uma região para a outra. Se trata, portanto, a nosso ver, de pensar as medidas e políticas que se implementaram para a modernização da indústria açucareira como parte de uma dinâmica de circulação de tecnologias e saberes que se foi tecendo entre seus diversos atores e imposta progressivamente entre os produtores de açúcar. Esse tipo de interações pode envolver os governos, atores privados ou para-governamentais.3 3 A esse respeito ver, NYE; KEOHANE, 1971, p.329-349. No caso que aqui nos interessa, a relação entre a História das Técnicas, a História Econômica e a História da Ciência ressaltada por Ruy Gama (1985GAMA, Ruy. História da Técnica e da Tecnologia. São Paulo: Edusp, 1985., p.01-19) deve ser considerada em uma perspectiva transnacional (Iriye, 2013IRIYE, Akira. Global and Transnational History: The Past, Present, and Future. Londom/New York: Palgrave Macmillan, 2013., p.15). Será também objeto de preocupação desse trabalho pensar a ampliação da circulação de saberes em um movimento que passa a transitar mais facilmente entre países como o Brasil e a Argentina, sobrepujando as disputas econômicas.

Mas, foi em parte por força da lógica do comércio internacional que a presença da agricultura científica foi assumindo a influência que a caracterizaria nesse e nos períodos subsequentes. Ou seja, essa mobilização impressionante que resultou na criação de instituições de pesquisa e ensino agrícola foi em grande medida fruto da competição exacerbada nos mercados internacionais (Mendonça, 1990MENDONÇA, Sonia Regina. Ruralismo: Agricultura, Poder e Estado na Primeira República. Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 1990.). Como nos esclarece o diretor da Estação Experimental de Tucumán, William Cross,4 4 CROSS, William E.. La caña de azúcar. Buenos Aires: Universidade de Buenos Aires, 1939, p.03. no caso do açúcar de cana, a competição estabelecida com a indústria de açúcar de beterraba, produziu o despertar dos produtores. Como consequência desse quadro de competição, revestiu-se de importância fundamental a tarefa de reduzir o custo de produção e aperfeiçoar a qualidade do açúcar, adotando métodos mais racionais e científicos. Isso não quer dizer, no entanto, que as áreas de produção açucareira secundárias ou voltadas para o mercado interno não investiram na criação de estações agronômicas direcionadas para os estudos sobre o açúcar. A realidade na qual se inseriam propiciou atuações e políticas de auxílio agrícola diferenciadas, igualmente atreladas aos ideais da chamada agricultura científica.

De qualquer maneira, ressalta-se, de fato, uma historiografia sobre o açúcar no Brasil e na Argentina bastante consolidada. Embora, alguns temas permaneçam em parte intocados. Como apontam Campi e Bravo (1999CAMPI, Daniel; BRAVO, Maria Celia. La agroindustria azucarera argentina. Resumen historiográfico y fuentes. América Latina en la Historia Económica, n. 1, p.73-93, 1999., p.80-82), o estado do debate na Argentina possui debilidades e vazios, sendo, na verdade, que as insuficiências mais sobressalentes são relativas à evolução e às transformações tecnológicas. Na interpretação de Donna Guy e Leandro Wolfson (1988, p.353), a Argentina seria um dos menos conhecidos países produtores de açúcar, principalmente pela indústria ser relativamente pequena e estar destinada a satisfazer as necessidades do mercado interno.

Por certo, Sonia Regina de Mendonça (1998MENDONÇA, Sonia Regina. Agronomia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998., p.17) afirma, igualmente, para o Brasil, a existência de um grande silêncio em alguns temas da História agrária. Podemos observar que São Paulo também estava voltado para o mercado interno e ainda era considerado uma área secundária da produção açucareira. Mas, é bastante interessante a constatação de que a parte fabril repercutiu no conjunto da produção açucareira de forma mais chamativa nas discussões sobre a indústria açucareira no Brasil e na Argentina. Como nota Peter Eisenberg (1977EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco: 1840-1910. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1977., p.79), o progresso técnico foi mais impressionante na manufatura e no transporte do açúcar do que na lavoura canavieira.

Não obstante, a indústria açucareira contém em si algo diferente. Szmrecsányi (1979)SZMRECSÁNYI, Tamás. O planejamento da Agroindústria canavieira do Brasil (1930-1975). São Paulo: Hucitec; Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1979. aclara que a classificação da produção açucareira como agrícola ocorre talvez pelo fato do açúcar na realidade ser feito no campo, e não na indústria.5 5 No entanto, o próprio autor reconhece que o açúcar constitui na realidade um artigo manufaturado, cuja fabricação requer uma infraestrutura industrial bastante complexa. As medidas aqui seriam outras, uma vez que se fazia presente a necessidade de minimizar o gap tecnológico entre a lavoura e a fábrica pela demanda crescente de matéria-prima pelos novos maquinários e a racionalização da produção na busca de enfrentar a crescente concorrência no mercado externo e interno. As metamorfoses da produção açucareira afetaram não somente a indústria, mas também as práticas ligadas puramente ao cultivo da cana. Neste momento, as estações experimentais tratavam justamente da parte que começaria a se destacar na concorrência açucareira. Ou seja, a parte agrícola.

O tempo das estações experimentais: o começo da circulação de um modelo

Podemos perceber que a criação da Estação Experimental de Canas em Piracicaba, em 1927, e a Estação Experimental de Tucumán, em 1910, marcaram profundamente o alcance de atuação da circulação de saberes entre ambos os países. Isto não significa que essa lenta construção de uma rede de intelectuais começasse nesse momento ou se restringisse a esses países. Ela assenta suas raízes em um passado mais remoto, sofrendo influência dos projetos de modernização da agricultura postos em marcha principalmente na Europa. O principal responsável pela implantação da Estação Experimental de Canas, José Vizioli,6 6 VIZIOLI, José. A Indústria açucareira na República Argentina. São Paulo: Diretória de Publicidade da Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas de São Paulo, 1927, p.05. aclarava que um dos passos iniciais foi a fundação da Estação Experimental de Rothamsted na Inglaterra, em 1843. Ele notava que seriam as pesquisas desenvolvidas por homens como o diretor John Bennet Lawes e pelo químico Joseph Henry Gilbert sobre o tratamento científico do solo para o cultivo de plantas que iriam influenciar a expansão das estações pelo Europa e, posteriormente, para outros continentes.

O resultado foi a concepção de discursos em prol da propagação do modelo das estações como agentes de difusão de uma agricultura mais científica. Exemplo disso seria a aprovação da Lei Hatch nos Estados Unidos e a fundação da primeira estação experimental do país em Connecticut em 1887. Essa lei que criava as estações experimentais norte-americanas seria acompanhada por uma forte defesa de termos como ciência, progresso e educação (Motoyama, 1995MOTOYAMA, Shozo. Educação Técnica e tecnológica em questão. Os caminhos do passado, presente e futuro. À guisa de introdução. In: MOTOYAMA, Shozo (org.). Educação técnica e tecnológica em questão: 25 anos do CEETEPS: história vivida. São Paulo: Editora da Unesp, 1995. p.11-80., p.11). Na Argentina, a primeira escola prática de agricultura foi criada em Santa Catalina em 1869. Em 1881, foi transformada no Instituto de Agronomía y Veterinaria. Em 1870, foram criados os departamentos agronômicos anexos aos colégios nacionais de Salta, Tucumán e Mendoza.

No Brasil, merece destaque a lei nº. 3.324, de 16 de outubro de 1886, que aprovava os recursos necessários para a criação de escolas práticas de agricultura e para a fundação de estações agronômicas.7 7 BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1886. Em São Paulo, a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas solicitaria ao Governo Imperial que autorizasse a organização de tais instituições na província em 1887.8 8 BRASIL. Relatório apresentado à Assembleia Geral na 2ª sessão da 20ª legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas Rodrigo Augusto da Silva. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887. Já no final do ano seguinte, a Imperial Estação Agronômica de Campinas seria inaugurada (Meloni, 1999MELONI, Reginaldo Alberto. Ciência e produção agrícola. A Imperial Estação Agronômica de Campinas 1887/1897. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999.). Progressivamente, as estações passaram a funcionar como polos redistribuidores de pesquisas graças, em parte, à ascensão dos técnicos agrícolas no espaço açucareiro.

A agroindústria açucareira argentina e brasileira conseguiu transplantar e adaptar com sucesso o modelo de estações já vigente em outros países, apesar de outros produtos agrícolas terem uma relevância maior na balança comercial externa. À medida que o açúcar passava à alçada da ciência foi preciso aumentar o contato e a transferência dos fluxos de informação entre as estações em uma perspectiva que englobasse os diferentes mundos açucareiros da cana-de-açúcar e da beterraba. Nesse sentido, a institucionalização das ciências agronômicas foi o reconhecimento da sua importância como instrumento de desenvolvimento técnico e organizativo da agricultura (Graciano, 2001GRACIANO, Osvaldo Fábian. Estado, universidad y economía agroexportadora en Argentina: el desarrollo de las faculdades de agronomía y veterinaria de Buenos Aires y La Plata, 1904-1930. In: VALENCIA, Marta; MENDONÇA, Sonia Regina de (orgs.). Brasil e Argentina: Estado, Agricultura e empresários. Rio de Janeiro: Vício de Leitura; La Plata: Universidad Nacional de la Plata, 2001. p.233-266., p.235). Moyano (2001MOYANO, Daniel Moyano. La escuela de arboricultura y sacarotecnia de Tucumán y su papel en el desarrollo agroindustrial de la província, 1880-1920. Travesía, n. 13, p.229-246, 2001., p.229-246) lembra que no final do século XIX, houve, de fato, na Argentina, e em outros centros açucareiros, o problema fundamental de contar com estabelecimentos de ensino e experimentação para atender a produção açucareira.

As inovações técnicas na produção do açúcar de beterraba talvez se constituam mesmo num dos aspectos chaves dessa lenta construção de saberes e tecnologias em movimento. Esta indústria nascida no início do século XIX conquistou a proteção governamental contra o açúcar de cana e desenvolveu-se para satisfazer a demanda europeia. Com o crescimento da produção, o açúcar de beterraba passou a procurar mercados estrangeiros, o que ocasionaria a rápida quebra dos preços mundiais. Em 1900, os produtores de açúcar mascavo estavam ganhando menos da quarta parte dos preços obtidos há sessenta anos (Eisenberg, 1977EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco: 1840-1910. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1977., p.44).

Além da concorrência, o desenvolvimento tecnológico da indústria de açúcar de beterraba também contribuiu para fazer sobressair as deficiências na produção e no cultivo do açúcar de cana. Ou seja, passou a ser um modelo. O resultado dessas mudanças na produção mundial de açúcar é notável, tanto na quantidade como nas formas de produção açucareira. Na complexidade de acordos e disputas possíveis no mercado açucareiro, a parte agrícola passava a ser um fator importante na remodelação da indústria açucareira e os conhecimentos agronômicos uma peça-chave nessa disputa. Vigorava de forma quase unânime entre os produtores de açúcar de cana que as bases sobre o que se sustentou o crescimento da produção do açúcar na Europa foram as inovações técnicas calcadas na “ciência moderna”.9 9 Como coloca HAMBURGER, 1996, a ciência moderna era usualmente identificada com a Europa. Ao tratar da elaboração do açúcar na Argentina, Pablo Lavenir10 10 LAVENIR, Pablo. El cultivo de la caña y la elaboración del azúcar en las províncias de Tucumán, Salta y Jujuy. Buenos Ayres: Imp. Y Enc. de P. Gadola, 1901. Lavenir era químico da Dirección de Agricultura y Ganaderia. defenderia a aplicação dos métodos utilizados nas plantações de beterraba no cultivo da cana. Exemplo disso seriam as experiências para determinar as variedades mais aptas para acumular sacarose, a modificação dos métodos de cultivo, o estudo dos solos, dos melhores adubos etc.

Como num círculo vicioso, produzia-se cada vez mais açúcar para compensar a queda nos preços e estes, decaiam com o acerbamento contínuo da crise de superprodução do açúcar mundial. Patricia Juarez-Dappe (2010JUAREZ-DAPPE, Patricia. When sugar ruled: economy and society in Northwestern Argentina, Tucumán, 1876-1916. Ohio: Ohio University Press, 2010., p.45) já havia notado que o resultado da incorporação de modernas tecnologias na Argentina no pós-1895 foi um considerável incremento da produção. Em um artigo publicado na Revista Industrial y agrícola de Tucumán, William Cross, trataria do grave problema da superprodução de açúcar e dos grandes estoques deste produto existentes na Argentina. O resultado eram enormes quantidades de cana deixadas em pé, a limitação da moagem pela lei reguladora da produção em vigor e a queda dos preços do açúcar.11 11 CROSS, William. El problema de la sobreproducción de caña y de azúcar. Revista Industrial y Agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.22-26, sep./oct. 1932, p.25.

Se na Argentina, os planos de contingenciamento da produção começaram a ser colocados em prática no início do século XIX,12 12 Em 1895, já começaram a aparecer os primeiros sintomas do que iria ser a primeira grande crise da indústria açucareira argentina. LENIS, 2012, p.181-206, aclara que a Argentina deixou de importar açúcar e enfrentava os limites do mercado interno. uma ideia bem marcante seria defendida pelos homens ligados ao açúcar paulista. Isto é, eles buscavam alcançar a sua autossuficiência frente o açúcar nordestino. O curioso disso tudo é que a retomada açucareira em São Paulo13 13 O trabalha de PETRONE, 1968, traz vários elementos indicativos que a relação entre o café e o açúcar em São Paulo começou bem antes do que alguns possam supor. Segundo ela, o ano em que mais se exportou açúcar (1846-1847) coincidiu com a plantação dos grandes cafezais, cuja frutificação ocorreu em 1850-1851, quando a exportação do café pelo porto de Santos superou a do açúcar. estaria em parte ligada a superprodução cafeeira. Embora, a área açucareira já viesse se expandindo, as crises cafeeiras de 1913 e 1921 tiveram um peso importante. Nesse momento, muitos fazendeiros e pequenos produtores de café substituíram-no pelas lavouras de cana, o que fez a produção quase dobrar entre 1910 e 1921 (Gnaccarini, 1972GNACCARINI, José César. Estado, ideologia e ação empresarial na agroindústria açucareira do Estado de São Paulo. Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 1972., p.66).

Mas, há que se ter em conta que a articulação entre o açúcar e o café desempenhou, cada vez mais, um papel importante na indústria açucareira paulista, possibilitando um sistema produtivo em expansão. Tessari (2010TESSARI, Cláudia Alessandra. Braços para colheita: sazonalidade e permanência do trabalho temporário na agricultura paulista (1890-1915). Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2010., p.03) afirma que a expansão cafeeira e açucareira foi possibilitada pelo desenvolvimento das linhas ferroviárias que permitiram o barateamento dos transportes e a livre movimentação de mercadorias e mão de obra. De mais a mais, possibilitou uma grande imigração estrangeira em massa subsidiada pelo Estado de São Paulo. Mas, havia, igualmente, uma afinidade entre os dois produtos no que tange aos discursos sobre rotina e atraso versus uma “mentalidade científica” ou o “espírito moderno” (Sá, 1996SÁ, Dominichi Miranda de. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1996.). Essas ideias tiveram como os seus baluartes os agrônomos e os chamados agricultores progressistas ligados tanto ao café como ao açúcar. A realidade do mercado mundial apontava para uma agricultura nova, vez por ora, lenta, transitiva, mas que fez parte de um movimento contínuo de fortalecimento dos espaços da ciência agronômica.

O que chama mais atenção, nesse momento, é o fato dos países produtores de cana ocuparem uma parcela significativa no quadro das investigações científicas voltadas para as demandas dos seus produtores. Em algumas décadas, a produção de açúcar-de-cana passou por importantes transformações, que culminaram no fortalecimento da figura do agrônomo, na defesa de métodos mais racionais de produção e de uma maior importância dada as estações experimentais. Se a tecnologia açucareira começava a pesar na balança na disputa pelos mercados internacionais, as estações experimentais destacaram-se na consolidação dessa rede de estudos. Ademais, a importância das estações experimentais, como a de Tucumán, aumentava à medida que elas começaram a se responsabilizar por uma ampla gama de funções, como destaca o seu diretor, William Cross,

La Estación Experimental Agrícola de Tucumán ha sido no solamente una institución de investigación científica, sino también una organización de enseñanza y defensa agrícola, una oficina de consultas, un empório de semillas y plantas selecionadas, un tribunal de arbitraje, una agencia de colocaciones de técnicos agrícolas y azucareros y hasta una agencia de compras de semillas y diversos artículos y materiales, generalmente del extranjero y difíciles de conseguir (Cross, 1939, p.VII).

Em termos gerais, o aumento das atividades desenvolvidas pelos técnicos e pelas próprias estações agronômicas destacam os pontos centrais de um projeto custoso que envolveria não só técnicos, mas estadistas e produtores. Como se pode perceber na mensagem do Governador da Província, Ernesto E. Padilla,14 14 PADILLA, Ernesto. Extracto del mensaje del Gobernador de la Provincia Dr. Ernesto E. Padilla, a la H. Legislatura, 02 abr. 1917. In: Revista Industrial y agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.421-426, mar. 1917, p.421. em 2 de abril de 1917, as estações agronômicas tomariam para si a responsabilidade de atuarem como centros de produção científica e tecnológica. Essas instituições de pesquisa agronômicas criadas aos moldes de outros países seriam utilizadas como um verdadeiro material de guerra para enfrentar a concorrência crescente que se travava tanto no mercado mundial como no mercado interno. É o que fica demonstrado com a importância dada aos investimentos de grandes capitais na fundação e manutenção de estações experimentais em Java, Luisiana, Havaí, Austrália, Cuba, Porto Rico, dentre outros. Soma-se a isso, a existência em quase todos os países produtores de açúcar de sociedades de técnicos açucareiros e de uma Sociedade Internacional de Tecnólogos Açucareiros (Cross, 1939, p.05). As trocas científicas e a formação de redes transnacionais seriam estimuladas principalmente pelos estudos e comparações feitas em grande parte pelo corpo técnico das estações experimentais. Esta prática resultou em diversos projetos que buscavam alcançar o mesmo desenvolvimento dos países rivais, ora imitando ora adaptando os sistemas produtivos vistos como bem-sucedidos. As constantes comparações entre a produtividade dos países não foram incomuns neste período e as observações resultantes destes estudos levavam frequentemente à percepção por partes desses homens de um sentimento de atraso. Como defende Margaret Jacob (2011JACOB, Margaret C.. French Education in Science and the Puzzle of Retardation, 1790-1840. Revista História e Economia, vol. 8, p.13-38, 2011., p.13-38), o atraso na produtividade só pode ser entendido quando se fazia uma comparação com um país ou algo considerado mais avançado.

A prática das expedições de pesquisa feitas por diversos países figurava como um importante recurso que foi incentivado tanto pelos agricultores quanto pelo Estado. O depoimento de Júlio Brandão Sobrinho15 15 BRANDÃO SOBRINHO, Júlio. A lavoura da cana e a indústria açucareira dos Estados paulista e fluminense. Campos e Macaé em confronto com São Paulo. São Paulo: Tip. Brasil de Rothchild & Co, 1912, p.126. Júlio Brandão Sobrinho era técnico da Secretária da Agricultura, Comércio e Obras Públicas de São Paulo. talvez seja um dos mais ilustrativos do que esses homens pretendiam demonstrar. Segundo ele, os canaviais em Java e no Havaí eram tão impressionantes que pareciam verdadeiros jardins. Uma observação a se fazer acerca de ambos seria o fato de contarem com comissões de engenheiros que percorriam as melhores fábricas estrangeiras com o intuito de observar os processos empregados. Isto é, verificavam os melhoramentos recentes adotados na lavoura e na fábrica ou descrevendo os defeitos existentes, de modo que não se cometesse erros já vivenciados por outros. Um outro bom exemplo seria a fala de Pedro Marotta, decano da Faculdad de Agronomía y Veterinaria. Ele argumentava que a Argentina como um todo deveria copiar o exemplo da Estação Experimental de Tucumán. A estação de Tucumán seria, nesse caso, a que tinha maior peso na consolidação de um modelo próximo ao norte-americano. A crença no papel das estações experimentais na constituição e divulgação dos saberes científicos era incisiva: “Tucumán dá o exemplo” e “Imitemos a Tucumán”.16 16 MAROTTA, F. Pedro. La obra del Dr Cross y la Estación Experimental de Tucumán. In: CROSS, William E. La caña de azúcar. Buenos Aires: Universidade de Buenos Aires, 1939. p.VII-XI.

Rapidamente, as comissões de engenheiros passaram a englobar as estações experimentais renomadas. Pode-se citar, por exemplo, a visita feita por José Vizioli a Estação Experimental de Tucumán. Aliás, essa Estação seria o principal modelo para a criação em Piracicaba de uma estação experimental voltada especificamente para a produção açucareira (Szmrecsányi; Veiga Filho, 1999, p.67-81). É preciso notar que no relatório feito para a Diretoria de Agricultura de São Paulo, Vizioli17 17 Nessa época, Vizioli era chefe do Serviço de Defesa da Cana. (1927, p.05) destacava o fato da Estação de Tucumán ter conquistado extraordinária fama, incentivando usineiros e poderes governativos de outros países a criarem estabelecimentos congêneres com o objetivo principal de promover a defesa e melhoramentos da cana-de-açúcar.

Nesse caso, o olhar para outros países açucareiros manteve um significado fortemente atrelado as questões econômicas, como a concorrência pelos mercados internos e externos. Em 1903, Amandio Sobral, inspetor da Secretaria de Agricultura de São Paulo, deixava entrever que a saída estava em se imitar os bons exemplos dos povos que possuíssem uma agricultura mais avançada.18 18 SOBRAL, José Amândio. Assuntos Agrícolas. Boletim de Agricultura (São Paulo), Typ da Indústria de São Paulo, p.529-531, nov. 1903, p.531. Não se pode considerar que a incorporação de novas tecnologias tenha sido algo espontâneo ou natural. Esse movimento encobre a atuação de diversos atores e da dinâmica de mudanças tecnológicas impostas pela circulação de saberes que perpassava os vários espaços açucareiros. A modernização de áreas até então secundárias teria, forçosamente, que lidar com as dificuldades de adaptações de diversos modelos, as falhas e a resistência de muitos produtores açucareiros.

Maria Yedda Linhares (1997, p.166) destaca que na maior parte da história, a agricultura foi a “atividade que agregou homens e mulheres, constituindo-se na principal fonte de vida e trabalho”. Um ponto a frisar nessa história rural ainda pouco estudada seriam as relações entre a agricultura e a História das Ciências. E, no caso da circulação de saberes em particular, a organização de uma rede transnacional de técnicos responsável pela adaptação, propagação e prática de tecnologias agrícolas em movimento criou um eixo dinâmico apartado dos engenhos e usinas de açúcar. Nesse sentido, as estações experimentais agrícolas seriam, então, responsáveis por uma transformação radical da realidade brasileira e argentina — tanto na sua relação com o meio ambiente, a superfície cultivada, a população rural e a complexificação dos espaços de atuação dos diversos atores ligados ao açúcar.

As estações agronômicas e a talentosa solução da crise do mosaico

Dentro do universo das questões vitais que marcaram as políticas agrícolas na primeira metade do século XX, as estações experimentais selaram a cooperação do Estado com os produtores de açúcar para a promoção do conhecimento científico passível de ser transferido para a lavoura e a fábrica. Foram elas que permitiram formar equipes de técnicos especializados e o desenvolvimento de maneira sistemática de linhas de trabalho que perseguiam a obtenção de variedades resistentes às doenças, mais adaptáveis ao clima e com maior rendimento sacarino. Assim, como melhorar e fazer mais eficientes diferentes aspectos do processo industrial. A memória anual do ano de 1935 dirigida ao presidente do diretório da Estação Experimental de Tucumán, o engenheiro José María Paz,19 19 PAZ, José María. Memoría anual del año 1935. Revista Industrial y agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.05-08, ene./mar. 1936, p.05. deixava entrever o que chamaria de a “talentosa previsão de seus criadores” e a “ação inteligente e laboriosa dos técnicos” frente à ameaça do mosaico, além de um amplo painel das atuações realizadas pelas estações.

Essa intenção de obter colaboração técnica que se mostrava aberta a circulação de saberes foi exacerbada em alguns momentos específicos, como durante a moléstia do mosaico20 20 O mosaico foi uma moléstia de caráter hereditário, resistente aos microbicidas e inseticidas conhecidos na época. O principal indício da contaminação dos canaviais eram as canas se tornarem raquíticas, os nós tomavam um aspecto anormal, as folhas ficavam estriadas e o canavial mirrava. VIZIOLI, José. Medidas aconselháveis aos lavradores contra o mosaico da cana. Progresso (Catanduva), p.02-32, 17 abr. 1926b, p.02. ou na valorização da produção alcooleira devido às crises de superprodução. Na Argentina, a Estação experimental de Tucumán foi um importante ponto de apoio para os produtores na crise de 1915/1916, provocada pela degeneração das canas criollas (Cross, 1939, p.16). Por outro lado, a Estação de Tucumán não apenas recebeu novas variedades de cana javanesas resistentes ao mosaico, mas, igualmente, enviaria mudas, técnicos e pesquisas sobre as melhoras formas de conter a doença para diversos países, como no caso do Brasil, Porto Rico, Estados Unidos, dentre outros.

As vias de difusão dos saberes científicos funcionavam de modo independente às disputas comerciais entre esses países. Isso foi fundamental para a construção do que estamos chamando de “agricultura científica” nos centros mais representativos de difusão de conhecimento. A criação desses centros em regiões específicas, como São Paulo e Tucumán, que não tinham necessariamente uma tradição ou um legado açucareiro, como definiria De Carli,21 21 DÉ CARLI, Gileno. Gênese e evolução da indústria Açucareira de São Paulo. Rio de Janeiro: Editores Irmãos PONGETTI, 1943. representam a continuidade do avanço das áreas açucareiras. Mas, igualmente, integram-se ao conjunto de transferência técnica entre regiões estratégicas e os novos espaços açucareiros.

Naturalmente, o mosaico não foi a primeira doença a afetar os canaviais. Nem foi a primeira a mobilizar forças para o seu controle. No Brasil, Vizioli22 22 VIZIOLI, José. A presente situação da Indústria açucareira no Estado de São Paulo. Boletim da Agricultura (São Paulo), p.320-331, out. 1926a, p.322. verificava a existência mais ou menos generalizada nos canaviais paulistas de moléstias graves da cana, como o sereh, o iliau, a gummose, além das pragas, como a broca e a cochonilha da cana. É o que se percebe na fala de Cross (1939) quando ele destacava que em muitas ocasiões, a indústria açucareira esteve ameaçada e em perigo de extinguir-se por graves epifitias da cana, como no caso da enfermidade do sereh em Java em 1880-1890. Aliás, o sereh seria a causa da visita de Jan Kobus, diretor da Estação Experimental de Java, à Índia no ano de 1890 e da introdução de novas variedades de cana em 1896. Dos cruzamentos efetuados por Kobus resultaram canas resistentes ao sereh e com alta riqueza sacarina.23 23 AGUIR E FILHO, J. M. de. Criação de novas variedades de cana de açúcar no Estado de São Paulo. Brasil Açucareiro, Instituto do Açúcar e do Álcool, p.93-109, abr. 1938, p.100.

Pode-se mesmo dizer que o mosaico pela sua rápida expansão e alta queda na produtividade forçou uma mobilização mais rápida e melhor estruturada. Tudo isso é muito possível. Mas, a profunda re-hierarquização ocorrida na agricultura, com o fortalecimento dos técnicos, as novas formas de cultivo da cana e fabricação do açúcar, a maior facilidade de circulação de saberes, a atuação do Estados e dos produtores na defesa do ensino e pesquisa agrícola, presentes em instituições como as estações agronômicas , propiciaram em grande parte essa mobilização que se estabeleceu à medida que o mosaico atingia os diversos países produtores de açúcar. As experiências adquiridas e compartilhadas foram um dado fundamental na dinâmica da própria reação ao mosaico.

É possível perceber a importância das pesquisas realizadas na Proefstation Oost Java (Estação Experimental do Oeste de Java), cujas iniciais P. O. J. serviram para designar as novas variedades de cana resistentes ao mosaico, provenientes de repetidos cruzamentos, artificialmente realizados por Kobus24 24 Kobus identificaria a doença do mosaico já em 1903. AZZI, Ricardo. A cultura e a indústria canavieira no estado do Rio de Janeiro: algumas notas e observações. Boletim de Agricultura (São Paulo), Typ da Indústria de São Paulo, p.459-573, jul./ago. 1928, p.572. e seus sucessores.25 25 Logo depois, na década de 1910, a “Proefstation Oost Java” passou a fazer cruzamentos inter-especies entre canas nobres (Saccharum Officinarum) e canas selvagens (Saccharum Spontaneum), obtendo, por exemplo, a variedade POJ 2878, com a finalidade de criar canas resistentes às doenças e com altos rendimentos. E dez anos após aqueles primeiros cruzamentos, deu-se a disseminação dessas variedades POJ, representando um terceiro estágio do processo de difusão de tecnologia, OLIVER, 2001, p, p.39. Como notava o Ministro da Agricultura da Argentina, Ezequiel Ramos Mexia,26 26 MEXIA, Ezequiel Ramos. Veinte meses de administración en el Ministerio de Agricultura. Buenos Aires: Imprenta de la Agricultura Nacional, 1908, p.240. Java era o mais adiantado de todos os países no cultivo da cana e na fabricação do açúcar, podendo competir vantajosamente com qualquer dos produtores, seja de açúcar de cana ou de beterraba, devido ao uso científico dos adubos e a seleção das espécies utilizadas.

Impressionava a Cross (1939, p.27-29), o fato de que em quase todos os países do mundo, a indústria açucareira passasse a ter por base principalmente diferentes tipos de cana de semente.27 27 As sementes da cana foram consideradas estéreis por muito tempo. Nesse sentido, o sucesso das pesquisas realizadas pelas estações experimentais foi fundamental para o desenvolvimento de novas variedades. Alguns discursos proferidos durante o Primeiro Congresso Nacional de Agricultura, em 1901, já ressaltavam o sucesso dessas experiências: “Desconhecida até bem pouco tempo, a possibilidade de obter das minúsculas sementes de flecha a reprodução da cana não é mais sujeita a dúvidas, e nesta metade última do século XIX, as ilhas Barbados, Guadalupe e Martinica têm presenciado tentames deste gênero seguidos o mais favorável êxito”. SNA. Anais do Congresso Nacional de Agricultura instalado a 20 de setembro de 1901 no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1907, p.02. Vê-se, pois que a medida que o mosaico iria avançando, as antigas variedades de cana davam lugar aos chamados híbridos. Naturalmente, a circulação de variedades de cana era um fato antigo (Sampaio, 2015SAMPAIO, Mateus de Almeida Prado. A macro-região canavieira do Centro-Sul brasileiro - Das múltiplas regiões historicamente constituídas a formação de um único território?. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.). No entanto, a generalização das novas condições de produção açucareira e as transformações oriundas de uma agricultura que se tornava cada vez mais próxima da ciência colocavam as instituições de pesquisa e ensino na base do tão aclamado “progresso” da indústria açucareira.

A fácil adaptação das canas javanesas em centros produtores distintos como Tucumán e São Paulo serviu de orientação para um plano geral para debelar o mosaico. Não seria por acaso que Adrião Caminha Filho,28 28 CAMINHA FILHO, Adrião. A experimentação agrícola nas Índias Neerlandesas e a cultura da cana-de-açúcar e a indústria açucareira na Ilha de Java. Rio de Janeiro: Tip. do Serviço de Informações do MAIC, 1930, p.08. Diretor da Estação Geral de Experimentação de Campos, deixava muito nítido este pensamento ao afirmar que essa era “incontestavelmente a maior conquista mundial da experimentação agrícola com a cana de açúcar”. A revista do Centro Açucareiro Argentino, “La indústria azucarera”29 29 La Industria azucarera (Buenos Aires), Centro Azucarero Argentino, n. 379, p.435-441, 1925, p.439. apontava que embora Kobus não tivesse ido a Argentina, enviou uma valiosa coleção de canas. Sendo que as canas enviadas por Kobus, em 1910, foram a base para fundar a coleção da Estação Experimental de Tucumán. Além disso, as estações experimentais como a de Java seriam pródigas igualmente na formação de técnicos para outras estações ou para as usinas. Exemplo disso seria a contratação do discípulo de Kobus, o químico Carlos Hamakers pelo engenho “El Paraíso” (Moyano; Campi; Lenis, 2011).

Nesse particular, Java não seria uma exceção. Outros países começaram a dedicar especial cuidado à criação de variedades. Como aclarava a Revista Brasil Açucareiro alguns anos depois, todo o centro açucareiro de alguma importância possuiria uma ou mais estações experimentais que incluíam nos seus programas de serviço a criação de novas variedades (Brasil Açucareiro, 1938, p.100). Dizia Cross (1939, p.27-29), que a H 109 acusou rendimentos antes desconhecidos no Havaí. Na Argentina, a POJ 36 e a POJ 213 que substituíram a velha crioula degenerada, por sua vez, seriam substituídas nas distintas zonas pelas canas de semente de Tucumán, Tuc. 472, Tuc. 1376 y Tuc. 1406, as da Índia Britânica Co. 270, Co 290, e as de Java POJ 2878. Vê-se que a criação e a transferência de novas variedades estavam baseadas na rede de relacionamento que se formou entre os técnicos, tendo como ponto de contato principal as estações experimentais.

Merece destaque o fato de alguns diretores das estações experimentais, como William Cross, terem sido convidados a prestar os seus serviços a vários países, inclusive o Brasil.30 30 A cana de açúcar na América do Sul: na Argentina. Brasil Açucareiro, Instituto do Açúcar e do Álcool, p.272-273, mar. 1934, p.272. E, acompanhando esse processo, percebe-se que a trajetória de alguns técnicos se mostrou em especial na luta em que desempenharam na criação dessas estações experimentais e na superação da crise do mosaico. O espraiamento do seu trabalho em outros países fez parte de um movimento contínuo de circulação de práticas científicas. Exemplo disso seriam as constantes referências aos fins da Estação Experimental de Tucumán feitas por José Vizioli ao justificar a criação de uma estação congênere em São Paulo e como forma de provar a sua competência científica para dirigi-la (Oliver; Szmrecsányi, 2003OLIVER, Graciela de Souza; SZMRECSÁNYI, Tamás. A estação Experimental de Piracicaba e a modernização tecnológica da agroindústria canavieira (1920 a 1940). Revista Brasileira de História, vol. 23, n. 46, p.37-60, 2003.).

estabelecer as melhores variedades de plantas já cultivadas e introduzir novos cultivos; tratar de aumentar os rendimentos por hectare, melhorar e baratear os processos de cultura, concorrer por meio de pesquisas à solução dos problemas que afetam as indústrias agrícolas da Província; encontrar novas indústrias e adaptá-las à Província e fomentá-las; estudar as pragas e moléstias das plantas afim de poder exterminá-las ou reprimi-las (Vizioli, 1926b, p.32).

Nesse sentido, em São Paulo, a ação governamental seria firmada principalmente através da Estação Experimental de Piracicaba. No relatório do Presidente do estado de São Paulo, Antônio da Costa Bueno, a função primordial da Estação era enfatizada. Releva notar a referência a importação de mudas resistentes ao mosaico e sua circulação pelos países atingidos por essa doença.31 31 SÃO PAULO. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 jul. 1927, pelo Dr. Antônio da Costa Bueno, Presidente do Estado de São Paulo, 1927, p.91. As próprias medidas seguidas por Vizioli, antes da descoberta de que o agente patológico era um vírus, não seriam seguidas somente no Brasil. Seria o caso da escolha cuidadosa das canas que forneceriam as sementes, a necessidade de arrancar as plantas suspeitas de estarem contaminadas e enterrá-las ou queimá-las e a escolha de variedades resistentes ao mosaico (Oliver, 2001OLIVER, Graciela de Souza. José Vizioli e o início da modernização tecnológica da agroindústria canavieira paulista, 1919-1949. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2001., p.43). Fato que pode indicar uma certa troca de informações sobre medidas que minimizassem o avanço do mosaico pelos canaviais. Neste caso, não deve passar desapercebido que assim como Cross, o próprio Vizioli já tinha estudado o mosaico na sua especialização nos Estados Unidos, que também sofreu uma drástica queda da produção na Louisiana poucos anos antes de São Paulo.32 32 MITCHEL, Jean. Irrigação dos canaviais: Campos de demonstração de Piracicaba. São Paulo: Diretória de Publicidade, 1929.

Tanto no Brasil quanto na Argentina, a atuação das estações experimentais favoreceu a substituição rápida das canas susceptíveis ao mosaico. Pedro Marotta (1939) mencionaria a ação providencial da Estação de Tucumán frente a grande crise de 1915/16 pela degeneração das canas criollas, oferecendo o remédio com as canas de Java 36 e 213, que em 1929 ocupariam já 85% da superfície total consagrada a este cultivo. No Brasil, segundo De Carli33 33 Gileno Dé Carli foi funcionário da Secretaria de Agricultura de Pernambuco e presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool (1951-1954), deputado federal por Pernambuco e um importante pesquisador da história do açúcar, OLIVEIRA, 1975. (1943, p.81-82), em 1923, o Estado de São Paulo praticamente não adotara o plantio das canas javanesas, em 1924, o avanço seria diminuto, apenas 1%; passando em 1926 a 12%, em 1928 a 75%; e em 1935 a 99%. Ainda mais, há que se considerar que nesse momento o abastecimento interno passaria a fazer parte do circuito mundial de circulação de saberes e tecnologia, passando a receber um forte apoio estatal. Como lembra Ramos (1999RAMOS, Pedro. Agroindústria canavieira e propriedade fundiária no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1999., p.85), o resultado da superação do mosaico seria evidenciar o processo de valorização da produção açucareira voltada para o mercado interno, tornando-se rapidamente uma cultura alternativa ao café. Por ser uma doença que pode ser controlada pelo plantio de variedades imunes e resistentes, foi-se paulatinamente alcançando um estágio de construção de uma rede de trocas internas e externas nos centros produtores. Não se deve esquecer que havia um estímulo indireto pelo fato das novas variedades terem um teor de sacarose mais elevado e serem mais resistentes às geadas. Antônio Correa Meyer que foi o braço direito de Vizioli e atuou junto à Secretaria e à Associação de Usineiros Paulistas, destacava que em 1925, o rendimento era de 14.200kg por hectare. Ao passo que em 1929 quando as novas variedades já representavam 85%, o rendimento médio já apresentava o valor de 38.600kg por hectare.34 34 MEYER, Antônio Corrêa. Algumas notas sobre os trabalhos de restauração dos canaviais paulistas. Revista de Agricultura (Piracicaba), Esalq, p.03-12, set./out. 1930.

No âmbito interno, a Estação Experimental de Piracicaba agiria como um centro de irradiação de tecnologia e novas variedades de cana para outros estados atingidos pelo mosaico. Em 1928, o engenheiro Ricardo Azzi relatava que foram introduzidas no Rio de Janeiro canas das variedades javanesas POJ importadas de São Paulo numa quantidade próxima de 1000t.35 35 AZZI, Ricardo. A cultura e a indústria canavieira no estado do Rio de Janeiro: algumas notas e observações. Boletim de Agricultura (São Paulo), Typ da Indústria de São Paulo, p.459-573, jul./ago. 1928, p.459. Assim como a Estação Experimental de Tucumán serviria como modelo para as outras estações experimentais argentinas.36 36 CROSS, William. La obra de la Estación Experimental Agrícola de Tucumán desde su fundación. Revista Industrial y Agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.20-30, jun./jul. 1929, p.20. Será nesse colar de núcleos que passavam pelo global, o nacional e o local igualmente responsáveis pela transmissão das inovações em ciência e tecnologia que as estações experimentais atuariam como linhas mestras.

Os novos usos industriais para o açúcar: a crise de superprodução e o álcool

Coube também as estações experimentais tentar racionalizar o quadro de superprodução gerado em parte pela superação da crise do mosaico. Dessa feita, a substituição dos antigos canaviais por variedades mais produtivas gerou uma tendência de incremento do açúcar mesmo nas áreas voltadas para o mercado interno. Seria difícil, nesse momento, direcionar toda essa nova produção para o consumo nacional. O álcool surgiria como a nova menina dos olhos das estações experimentais. Seria, por outro lado, bastante esclarecedor avaliar o desenvolvimento de pesquisas e a sua circulação entre as estações experimentais de vários países. Formava-se um conjunto de ramos donde emergiam interesses e soluções em comum para uma crise de superprodução que se dava em uma perspectiva global.

A questão que se coloca para Szmrecsányi e Veiga Filho (1999) para além da doença do mosaico é que a utilização do álcool como combustível e como matéria-prima industrial já estava em discussão. Tanto quando se pensava na necessidade de diminuir os gastos de divisas com as importações de derivados de petróleo quanto para a defesa dos interesses da indústria açucareira em desenvolvimento. A aproximação das estações com a temática faz-se presente na própria fala de José Vizioli, que, já advogava medidas concretas em favor do álcool mesmo antes da criação do Instituto do Açúcar e do Álcool, em 1933. Ademais, as próprias pesquisas sobre o álcool seriam um foco de atuação da Estação Experimental de Cana de Piracicaba.37 37 José Vizioli, nesse período, ocupava o cargo de diretor da Divisão de Inspetoria e Fomento Agrícola da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, OLIVER, 2001, p, p.62-63.

No caso que aqui nos interessa, releva notar que no final do relatório feito por Vizioli (1927, p.37-38) sobre a organização da Estação Experimental Agrícola de Tucumán, a presença do álcool aparecia como ponto estratégico para justificar a defesa da criação de uma estação congênere em Piracicaba. Certo é que, como notava Vizioli, a produção açucareira crescia em uma escala ascendente, favorecendo as tão malfadas crises do preço do açúcar. Além disso, eram constantes os prognósticos positivos para a produção alcooleira. Segundo ele, em São Paulo, o consumo de álcool e aguardente estava na casa de 85.000.000 de litros por ano, tendendo a aumentar pelo crescimento da população como também com os progressos da civilização.

Neste particular, ressalta-se que a influência da Estação Experimental de Tucumán fortaleceu-se pelo desempenho dos seus agrônomos e químicos nas políticas alcooleiras. Esses técnicos ocuparam um lugar fundamental nos debates sobre a produção alcooleira e a sua relação com os problemas gerados pelos excessos de açúcar. Os folhetos produzidos pela Estação de Tucumán foram importantes objetos de divulgação. Abordando temas, como: “El empleo del alcohol como combustible para automóviles” e “Notas sobre la cultura agronómica de Tucumán en su regimen y desenvolvimiento en los últimos cincuenta años”, “El problema de la sobreproducción de cana y de azúcar”, dentre outros (Brasil Açucareiro, 1934, p.272). Essa literatura especializada produzida pelas estações experimentais acabava por circular entre elas, principalmente os trabalhos que se ocupavam da produção do açúcar e do álcool.38 38 Embora, é importante que se diga, que os trabalhos até então realizados não permitiram traçar os meios pela qual se davam exatamente essas trocas bibliográficas. Se sabe que em muitos casos eram feitos por permuta entre os institutos de pesquisa.

Nesse momento, a maior parte das pesquisas voltou-se para as misturas. Um exemplo seria a autolina, mistura inventada por P. M. Uhlmann39 39 Uhlmann era um industrial alemão domiciliado em São Paulo. e bastante utilizada no Brasil e na Argentina.40 40 UHLMAM, P. M.. Relatório sobre um novo combustível para automóveis. A Lavoura: Boletim da SNA (Rio de Janeiro), Imprensa Nacional, p.38-37, fev./mar. 1922. As misturas seriam geralmente denominadas em todos os países de “carburante nacional”, embora houvesse uma variedade grande de composições. Comentando o crescimento da indústria alcooleira, Hernán Palacio Llames41 41 LLAMES, Hernán Palacio. Fabricacion del alcohol. Barcelona: Salvat Editores, 1956, p.11. ressaltava que as misturas foram empregadas correntemente nos países que possuíam pequenas reservas petrolíferas pela economia e pela melhora na qualidade da gasolina.

Por um lado, a utilização cada vez maior do álcool como combustível de automóveis e máquinas de combustão interna contribuiria, para a decisão das estações experimentais de desenvolverem pesquisas sobre o álcool. Por outro lado, Matheus Sampaio (2012SAMPAIO, Mateus de Almeida Prado. El caso de la producción de etanol en Brasil: ¿un ejemplo para los países de América Latina?. Cuadernos de Geografía, vol. 21, n. 1, p.147-161, 2012., p.158) considera que a produção do álcool seria vista por esses homens mais como uma alternativa para a superprodução açucareira do que para a dependência em relação à gasolina. De fato, observam-se e alguns artigos da Revista Industrial y Agrícola de Tucumán uma forte insistência na importância do álcool fabricado com o melaço, a cana de superprodução ou danificada.42 42 Revista Industrial y Agrícola de Tucumán, 1915, 1922, 1926, 1929, 1936. In: CROSS, William. La introducción de mejoras en la fabricación del alcohol y el aprovechamiento de los subproductos de esta industria. Revista Industrial y Agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, n. 9-10, p.81-88, oct./nov. 1929; CROSS, William. El problema del alcohol industrial en la República Argentina. Revista Industrial y Agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.90-98, mayo/jun. 1936. O autor tem razão, e o relevo deste fato seria já reconhecido por Barbosa Lima Sobrinho43 43 LIMA SOBRINHO, Barbosa. Álcool-motor: A ação do Instituto doAçúcar e do Álcool na defesa do carburante nacional. Rio de Janeiro: Americ Ed., 1943, p.12-20. Alexandre Barbosa Lima Sobrinho foi governador e deputado federal por Pernambuco. Além disso, foi presidente do IAA entre 1938 e1946, OLIVEIRA, 1975. no seu trabalho sobre o álcool. Ele entendia que não havia o pensamento entre os técnicos de que o álcool pudesse suprir as necessidades totais de carburantes de um país. O ponto de vista de William Cross foi colocado em destaque para justificar esse posicionamento.

O diretor da Estação Experimental de Tucumán, na Argentina, sr. William Cross, só admite o uso, como carburante, do álcool proveniente do melaço produzido pelas usinas, mas frisando que somente da parte que agora não se aproveita de maneira nenhuma, pois a outra não ficaria ao alcance dos preços de concorrência com a gasolina (Lima Sobrinho, 1943, p.14).

À medida que as experiências se acumulavam nos centros de produção açucareiros, a circulação de saberes passava a ter uma relativa importância nas políticas de incentivo ao açúcar que se ancoraram principalmente nas experiências bem-sucedidas em outros países. Ora, em todo o mundo, os olhos dos homens ligados ao açúcar se voltavam para o lugar notável ocupado pelo açúcar de beterraba. Isto se reflete, igualmente, no álcool. Em momento como esses, as ideias, as políticas e a tecnologia iriam com igual presteza circular pelos espaços alcooleiros. É preciso reconhecer que a realidade criada pela superprodução do açúcar de beterraba fortaleceu soluções como os prêmios de exportação também no caso do açúcar de cana (Meira, 2015MEIRA, Roberta Barros. Um caminho repleto de espinhos: visão e revisão das políticas de valorização artificial do açúcar argentino pelo Brasil: 1895-1930. Tempos Históricos, vol. 19, p.511-535, 2015., p.519). Mas, ao mesmo tempo, incluiu o álcool como uma alternativa, que encontrou fácil abrigo nas atividades das estações agronômicas.

Cross chamava a atenção em um artigo intitulado “El problema de la superproducción de caña y de azúcar”, para o fato que uma das aplicações mais indicadas ao excesso de cana era a que se dava ao excesso de produção da beterraba açucareira em vários países da Europa. Ou seja, a produção do álcool para empregar-se na mescla com a nafta como combustíveis para os automóveis. Segundo ele, os governos europeus fomentavam esta indústria de tal forma que apesar da limitação da produção do açúcar, não se desperdiçava um só quilo de matéria-prima (Revista Industrial y Agrícola de Tucumán, 1932, p.254).

Em 1943, a Revista Industrial y Agrícola de Tucumán enfatizava que há mais de 30 anos, a Estação Experimental vinha estudando as possibilidades de empregar o álcool como combustível para os automóveis.44 44 La estacion experimental agrícola de Tucuman: antecedentes, leyes y decretos, organizacion y trabajo. Revista Industrial y Agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.31-33, dic. 1943. Nesse momento, as investigações sobre as possibilidades de maior utilização dos subprodutos da cana estariam invariavelmente mediatizadas pelo desenvolvimento de pesquisas científicas. Como diria Cross:

Tenemos razón, pues, en aseverar que la industria azucarera representa una empresa altamente científica, cuyos enormes progresos registrados se deben a la ciencia, y cuyo funcionamento diario se realiza constantemente con la intervención de ingenieros agrónomos, químicos y mecánicos de alta especialización, porque solo así se pude mantener el elevado nível de eficiencia de esta industria, que ya es tradicional (Cross, 1939, p.56).

No Brasil, convém observar que os debates realizados pela historiografia, ressaltam, principalmente, o boom alcooleiro que tomou forma com o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) na década de 1970. Sintomático disto seria a visão de que somente com o Programa se colocaria em prática uma ambiciosa política alcooleira como alternativa ao uso da gasolina.45 45 Como exemplo, podemos citar o trabalho de ROGERS, 2015; CORTEZ, 2016, d, dentre outros. A persistente carência de estudos retrospectivos deixa de lado todo o processo de construção da indústria alcooleira desde o início do século XX.46 46 Para GUIMARÃES, 1991, p, p.37, no Brasil, a disputa pelo mercado interno durante a República Velha fez com que, pela primeira vez, o álcool passasse a ser visto como solução para os problemas de excesso de produção açucareira. Na verdade, minimizam a atuação das estações experimentais na construção da indústria alcooleira. Essas estações experimentais destacaram-se não só na debelação da praga do mosaico, mas, pela defesa da diversificação da produção da agroindústria canavieira, dando um maior espaço para os seus subprodutos. Justificado ora porque os preços estavam baixos devido a superprodução, ora porque a balança comercial externa estava desfavorável, ora porque era uma questão de segurança energética (Geplacea, 1984GEPLACEA. Experiência y Perspectivas en America Latina sobre Alcohol Carburante. México, São José, Quito: Geplacea, Olade, Tica, 1984.), o álcool seria cada vez mais defendido. Na avaliação de Vizioli, a substituição dos canaviais, ao aumentar os rendimentos agrícolas e industriais em São Paulo, transformava o álcool anidro em um fator de equilíbrio que se ajustava perfeitamente as circunstâncias do país.

A resposta a solução do problema que estudamos é a implantação do regime do álcool industrial. O excesso das canas seria convertido em álcool ou, no caso de alguma usina produzir maior quantidade de açúcar do que lhe foi permitida, o excedente seria tornado impróprio para o consumo. O que obrigaria ao produtor transformá-lo em álcool.47 47 VIZIOLI, J.. O álcool industrial e a defesa da Indústria açucareira. São Paulo: Diretória de Publicidade da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, 1930, p.58.

Não foi uma causalidade que o álcool iria despontar progressivamente como uma solução para a crise de superprodução açucareira. Por um lado, ao debelar a crise do mosaico e modificar as variedades e as formas como até então se dava o cultivo dos canaviais, as estações abririam espaço para uma melhor exploração dos produtos da cana, como o álcool. Por outro lado, a utilização do álcool como combustível viria a se firmar cada vez mais com o tempo, mesmo que não com a rapidez ou com a escala de valores de produção que os usineiros e os técnicos das estações experimentais brasileira e argentina almejavam. Seja como for, o balanço não foi de forma alguma negativo.

Considerações finais

As estações experimentais passaram a fazer parte de um debate fundamental que marcaria a agricultura como um campo ligado aos homens da ciência. Passou a ser da sua alçada discutir a aplicabilidade de modelos estrangeiros e as soluções possíveis diante de um mercado que era inerente ao aumento crescente da produção do açúcar de cana e de beterraba. Em meio à tumultuosa conjuntura — em que a ciência agronômica não era até então algo tão decisivo como passou a ser — era preciso firmar o papel dos técnicos e defender a criação de várias instituições de pesquisa e ensino. Mudavam-se os tempos e o que era viável para muitos países produtores de açúcar tinha deixado de sê-lo, mesmo para aqueles que se dedicavam a atender o consumo interno. Teve-se em mente contribuir para a melhor compreensão da influência das estações agronômicas na expansão da produção do açúcar, especialmente em regiões que eram até pouco tempo consideradas secundárias. Procura-se apresentar essa visão porque levou-se em consideração não apenas as regiões açucareiras consolidadas como grandes produtoras, mas uma moldura de um processo de racionalização que redefiniu os espaços açucareiros. Processo este que não ocorreu sem complicações e disputas entre seus diversos atores e países produtores.

No Brasil, Gileno De Carli (1943, p.83-84) pensava e argumentava que o avanço da cana ficou facilitado no Sudeste pela presença da doença do mosaico. Embora, para ele, a glória da transformação dessa região em uma grande produtora de açúcar não se deve somente as POJs. Pois, não se poderia ignorar que foi o café com as suas crises que estimularam a produção do açúcar ou mesmo o transbordamento dos seus lucros quando ele se valorizava, impulsionando a lavoura canavieira. Dizia que, “De uma maneira ou de outra, ao café deve quase tudo o açúcar”. De fato, as estações experimentais e o mosaico não seriam os únicos fatores capazes de explicar o movimento de crescimento do açúcar, mas certamente caminharam de mãos dadas com os incentivos propiciados pelo café. Nesse momento, o mosaico e as pesquisas desenvolvidas pelas estações experimentais atuariam como uma força capaz de obrigar atores diversos como técnicos, estadistas e produtores de açúcar a dirigir sua atividade para um objetivo específico. Ou seja, como recomentava Cross (1939, p.03), colocaram em marcha um projeto no qual a ciência passava a ser assessora da indústria açucareira.

Assim é que a intervenção de um amplo aspecto de fatores e atores, dentre os quais científicos e tecnológicos, tiveram um papel decisivo no avanço da produção do açúcar-de-cana. A circulação de saberes que permitiu adotar e adaptar tecnologias aparece ligada em grande medida à atuação das estações experimentais. Ao mesmo tempo em que eram divulgados e aplicados os modelos de uma produção sucroalcooleira científica, as atenções se voltaram para as estações e seus técnicos na expectativa de contornar os sérios problemas econômicos, fitopatológicos, tecnológicos e políticos que marcaram o período. Se as condições diferiam de um país para outro, de molde a produzir diferentes resultados para a indústria açucareira, alguns princípios mestres se deslocaram entre os diferentes países açucareiros. Enfim, as estações experimentais brasileiras e argentinas foram o resultado lógico de uma experiência de várias décadas na qual diversas iniciativas e projetos circularam entre essas instituições de pesquisa e ensino, marcando um importante ponto de inflexão no processo de modernização no setor sucroalcooleiro.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos às preciosas críticas e sugestões dos pareceristas e aos valiosos auxílios recebidos na Biblioteca Central da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", da Universidade de São Paulo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • CAMPI, Daniel; BRAVO, Maria Celia. La agroindustria azucarera argentina. Resumen historiográfico y fuentes. América Latina en la Historia Económica, n. 1, p.73-93, 1999.
  • CORTEZ, Luís Augusto Barbosa (org.). Universidades e empresas: 40 anos de ciência e tecnologia para o etanol brasileiro. São Paulo: Blucher, 2016.
  • EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco: 1840-1910. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1977.
  • GAMA, Ruy. História da Técnica e da Tecnologia São Paulo: Edusp, 1985.
  • GEPLACEA. Experiência y Perspectivas en America Latina sobre Alcohol Carburante México, São José, Quito: Geplacea, Olade, Tica, 1984.
  • GINZBURG, Carlo. Nenhuma ilha é uma ilha Quatro visões da literatura inglesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
  • GNACCARINI, José César. Estado, ideologia e ação empresarial na agroindústria açucareira do Estado de São Paulo Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 1972.
  • GRACIANO, Osvaldo Fábian. Estado, universidad y economía agroexportadora en Argentina: el desarrollo de las faculdades de agronomía y veterinaria de Buenos Aires y La Plata, 1904-1930. In: VALENCIA, Marta; MENDONÇA, Sonia Regina de (orgs.). Brasil e Argentina: Estado, Agricultura e empresários. Rio de Janeiro: Vício de Leitura; La Plata: Universidad Nacional de la Plata, 2001. p.233-266.
  • GUIMARÃES, Carlos Gabriel. A indústria álcool-motora no Primeiro Governo Vargas Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense. Niterói, 1991.
  • GUY, Donna; WOLFSON, Leandro. Refinería Argentina, 1888-1930: límites de la tecnología azucarera en una economia periférica. Desarrollo Económico, vol. 28, n. 111, p.353-373, 1988.
  • HAMBURGER, Amélia Império et al. (orgs). A ciência nas relações Brasil-França (1850-1950). São Paulo: Edusp, 1996.
  • IRIYE, Akira. Global and Transnational History: The Past, Present, and Future. Londom/New York: Palgrave Macmillan, 2013.
  • JACOB, Margaret C.. French Education in Science and the Puzzle of Retardation, 1790-1840. Revista História e Economia, vol. 8, p.13-38, 2011.
  • JUAREZ-DAPPE, Patricia. When sugar ruled: economy and society in Northwestern Argentina, Tucumán, 1876-1916. Ohio: Ohio University Press, 2010.
  • LENIS, Maria. Estrategias corporativas frente a la primera crisis de sobreproducción azucarera en Tucumán (Argentina): de la regulación de la comercialización a la regulación de la producción, 1895-1904. América Latina en la Historia Económica, n. 37, p.181-206, 2012.
  • LINHARES. Maria Yedda. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: Ensaios da teoria metodológica. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997. p.165-192.
  • MEIRA, Roberta Barros. Um caminho repleto de espinhos: visão e revisão das políticas de valorização artificial do açúcar argentino pelo Brasil: 1895-1930. Tempos Históricos, vol. 19, p.511-535, 2015.
  • MELONI, Reginaldo Alberto. Ciência e produção agrícola A Imperial Estação Agronômica de Campinas 1887/1897. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999.
  • MENDONÇA, Sonia Regina. Agronomia e poder no Brasil Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998.
  • MENDONÇA, Sonia Regina. Ruralismo: Agricultura, Poder e Estado na Primeira República. Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 1990.
  • MOTOYAMA, Shozo. Educação Técnica e tecnológica em questão. Os caminhos do passado, presente e futuro. À guisa de introdução. In: MOTOYAMA, Shozo (org.). Educação técnica e tecnológica em questão: 25 anos do CEETEPS: história vivida. São Paulo: Editora da Unesp, 1995. p.11-80.
  • MOYANO, Daniel Moyano. La escuela de arboricultura y sacarotecnia de Tucumán y su papel en el desarrollo agroindustrial de la província, 1880-1920. Travesía, n. 13, p.229-246, 2001.
  • MOYANO, Daniel Moyano; CAMPI, Daniel; LENIS, María. La formación de un complejo científico-experimental en el norte argentino: La estación experimental agrícola de Tucumán (1909-1922). Prohistoria, vol. 16, p.01-18, 2011.
  • NYE, Joseph; KEOHANE, Robert. Transnational Relations and Wold Polities. An Introduction. International Migration Review, n. 25, p.329-349, 1971.
  • OLIVEIRA, Hugo Paulo de. Os presidentes do IAA Rio de Janeiro: Divulgação do M.I.C., Instituto do Açúcar e do Álcool, 1975.
  • OLIVER, Graciela de Souza. José Vizioli e o início da modernização tecnológica da agroindústria canavieira paulista, 1919-1949 Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2001.
  • OLIVER, Graciela de Souza; SZMRECSÁNYI, Tamás. A estação Experimental de Piracicaba e a modernização tecnológica da agroindústria canavieira (1920 a 1940). Revista Brasileira de História, vol. 23, n. 46, p.37-60, 2003.
  • PETRONE, Maria Thereza Schorer. A lavoura canavieira em São Paulo Expansão e declínio, 1765-1851. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968.
  • RAMOS, Pedro. Agroindústria canavieira e propriedade fundiária no Brasil São Paulo: Hucitec, 1999.
  • ROGERS, Thomas. Agricultural Transformations in Sugarcane and Labor in Brazil. The Oxford Research Encyclopedia of Latin American History New York: Oxford University Press, 2015. s./p..
  • SÁ, Dominichi Miranda de. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1996.
  • SAMPAIO, Mateus de Almeida Prado. A macro-região canavieira do Centro-Sul brasileiro - Das múltiplas regiões historicamente constituídas a formação de um único território?. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.
  • SAMPAIO, Mateus de Almeida Prado. El caso de la producción de etanol en Brasil: ¿un ejemplo para los países de América Latina?. Cuadernos de Geografía, vol. 21, n. 1, p.147-161, 2012.
  • SANTOS FILHO, Gildo Magalhães dos. Ciência e ideologia: conflitos e alianças em torno da ideia de progresso. Tese (Livre Docência) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004.
  • SZMRECSÁNYI, Tamás. O planejamento da Agroindústria canavieira do Brasil (1930-1975) São Paulo: Hucitec; Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1979.
  • SZMRECSÁNYI, Tamás; VEIGA FILHO, Alceu de Arruda. O ressurgimento da lavoura canavieira em São Paulo na Primeira República, 1890-1930. Travesía, n. 2, p.67-82, 1999.
  • TESSARI, Cláudia Alessandra. Braços para colheita: sazonalidade e permanência do trabalho temporário na agricultura paulista (1890-1915). Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2010.
  • VALDÉS, Eduardo Devés. La circulación de las ideas y la inserción de los cientistas económico-sociales chilenos em las redes conosureñas durante los largos 1960. Historia, vol. 2, n. 37, p.337-366, jul./dec. 2004.
  • 1
    A questão da definição de categorias no campo de conhecimento é um debate que não foi ou é, até o presente, unanimidade entre os seus diversos atores. No seu trabalho de Livre Docência, SANTOS FILHO, 2004, p.40-53, dá a dimensão dos numerosos tipos de posicionamento que podemos encontrar. No caso da modernização agrícola em particular podemos destacar: a divisão que estabelece que existem ciências “puras”. Ou seja, aquelas que não se preocupam com aplicações práticas, ao contrário das ciências “aplicadas”. Destaca-se, igualmente, a distinção entre conhecimento científico e conhecimento popular. Por outro lado, e como será discutido no texto, ocorreu o fortalecimento da defesa que categorias profissionais que se associam a campos de conhecimento tivessem um estatuto de reconhecimento de que são “ciências” separadas. Nesse contexto, as estações experimentais tiveram uma atuação importante. Como lembra MENDONÇA, 1990MENDONÇA, Sonia Regina. Ruralismo: Agricultura, Poder e Estado na Primeira República. Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 1990., p.20, havia a necessidade de a agronomia “fazer escola” como forma de propagandear racionalmente seus pressupostos.
  • 2
    GINZBURG, 2004GINZBURG, Carlo. Nenhuma ilha é uma ilha. Quatro visões da literatura inglesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2004., deu ao conceito de circulação de saberes nova tintura ao relacionar as estratégias de transformação da Inglaterra em um ideal de país civilizado às conexões com outros lugares e tempos que a sustentam. Segundo ele, é de aceitar-se que nenhuma ilha é uma ilha. Por outro lado, o artigo apoia-se, igualmente, na contribuição de VALDÉS, 2004VALDÉS, Eduardo Devés. La circulación de las ideas y la inserción de los cientistas económico-sociales chilenos em las redes conosureñas durante los largos 1960. Historia, vol. 2, n. 37, p.337-366, jul./dec. 2004., p.337-366, que procura indicar a produção de mutações e hibridações como fatores importantes no processo de emissão e recepção de saberes de uma região para a outra.
  • 3
    A esse respeito ver, NYE; KEOHANE, 1971NYE, Joseph; KEOHANE, Robert. Transnational Relations and Wold Polities. An Introduction. International Migration Review, n. 25, p.329-349, 1971., p.329-349.
  • 4
    CROSS, William E.. La caña de azúcar. Buenos Aires: Universidade de Buenos Aires, 1939, p.03.
  • 5
    No entanto, o próprio autor reconhece que o açúcar constitui na realidade um artigo manufaturado, cuja fabricação requer uma infraestrutura industrial bastante complexa.
  • 6
    VIZIOLI, José. A Indústria açucareira na República Argentina. São Paulo: Diretória de Publicidade da Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas de São Paulo, 1927, p.05.
  • 7
    BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1886.
  • 8
    BRASIL. Relatório apresentado à Assembleia Geral na 2ª sessão da 20ª legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas Rodrigo Augusto da Silva. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887.
  • 9
    Como coloca HAMBURGER, 1996HAMBURGER, Amélia Império et al. (orgs). A ciência nas relações Brasil-França (1850-1950). São Paulo: Edusp, 1996., a ciência moderna era usualmente identificada com a Europa.
  • 10
    LAVENIR, Pablo. El cultivo de la caña y la elaboración del azúcar en las províncias de Tucumán, Salta y Jujuy. Buenos Ayres: Imp. Y Enc. de P. Gadola, 1901. Lavenir era químico da Dirección de Agricultura y Ganaderia.
  • 11
    CROSS, William. El problema de la sobreproducción de caña y de azúcar. Revista Industrial y Agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.22-26, sep./oct. 1932, p.25.
  • 12
    Em 1895, já começaram a aparecer os primeiros sintomas do que iria ser a primeira grande crise da indústria açucareira argentina. LENIS, 2012LENIS, Maria. Estrategias corporativas frente a la primera crisis de sobreproducción azucarera en Tucumán (Argentina): de la regulación de la comercialización a la regulación de la producción, 1895-1904. América Latina en la Historia Económica, n. 37, p.181-206, 2012., p.181-206, aclara que a Argentina deixou de importar açúcar e enfrentava os limites do mercado interno.
  • 13
    O trabalha de PETRONE, 1968PETRONE, Maria Thereza Schorer. A lavoura canavieira em São Paulo. Expansão e declínio, 1765-1851. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968., traz vários elementos indicativos que a relação entre o café e o açúcar em São Paulo começou bem antes do que alguns possam supor. Segundo ela, o ano em que mais se exportou açúcar (1846-1847) coincidiu com a plantação dos grandes cafezais, cuja frutificação ocorreu em 1850-1851, quando a exportação do café pelo porto de Santos superou a do açúcar.
  • 14
    PADILLA, Ernesto. Extracto del mensaje del Gobernador de la Provincia Dr. Ernesto E. Padilla, a la H. Legislatura, 02 abr. 1917. In: Revista Industrial y agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.421-426, mar. 1917, p.421.
  • 15
    BRANDÃO SOBRINHO, Júlio. A lavoura da cana e a indústria açucareira dos Estados paulista e fluminense. Campos e Macaé em confronto com São Paulo. São Paulo: Tip. Brasil de Rothchild & Co, 1912, p.126. Júlio Brandão Sobrinho era técnico da Secretária da Agricultura, Comércio e Obras Públicas de São Paulo.
  • 16
    MAROTTA, F. Pedro. La obra del Dr Cross y la Estación Experimental de Tucumán. In: CROSS, William E. La caña de azúcar. Buenos Aires: Universidade de Buenos Aires, 1939. p.VII-XI.
  • 17
    Nessa época, Vizioli era chefe do Serviço de Defesa da Cana.
  • 18
    SOBRAL, José Amândio. Assuntos Agrícolas. Boletim de Agricultura (São Paulo), Typ da Indústria de São Paulo, p.529-531, nov. 1903, p.531.
  • 19
    PAZ, José María. Memoría anual del año 1935. Revista Industrial y agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.05-08, ene./mar. 1936, p.05.
  • 20
    O mosaico foi uma moléstia de caráter hereditário, resistente aos microbicidas e inseticidas conhecidos na época. O principal indício da contaminação dos canaviais eram as canas se tornarem raquíticas, os nós tomavam um aspecto anormal, as folhas ficavam estriadas e o canavial mirrava. VIZIOLI, José. Medidas aconselháveis aos lavradores contra o mosaico da cana. Progresso (Catanduva), p.02-32, 17 abr. 1926b, p.02.
  • 21
    DÉ CARLI, Gileno. Gênese e evolução da indústria Açucareira de São Paulo. Rio de Janeiro: Editores Irmãos PONGETTI, 1943.
  • 22
    VIZIOLI, José. A presente situação da Indústria açucareira no Estado de São Paulo. Boletim da Agricultura (São Paulo), p.320-331, out. 1926a, p.322.
  • 23
    AGUIR E FILHO, J. M. de. Criação de novas variedades de cana de açúcar no Estado de São Paulo. Brasil Açucareiro, Instituto do Açúcar e do Álcool, p.93-109, abr. 1938, p.100.
  • 24
    Kobus identificaria a doença do mosaico já em 1903. AZZI, Ricardo. A cultura e a indústria canavieira no estado do Rio de Janeiro: algumas notas e observações. Boletim de Agricultura (São Paulo), Typ da Indústria de São Paulo, p.459-573, jul./ago. 1928, p.572.
  • 25
    Logo depois, na década de 1910, a “Proefstation Oost Java” passou a fazer cruzamentos inter-especies entre canas nobres (Saccharum Officinarum) e canas selvagens (Saccharum Spontaneum), obtendo, por exemplo, a variedade POJ 2878, com a finalidade de criar canas resistentes às doenças e com altos rendimentos. E dez anos após aqueles primeiros cruzamentos, deu-se a disseminação dessas variedades POJ, representando um terceiro estágio do processo de difusão de tecnologia, OLIVER, 2001, pOLIVER, Graciela de Souza. José Vizioli e o início da modernização tecnológica da agroindústria canavieira paulista, 1919-1949. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2001., p.39.
  • 26
    MEXIA, Ezequiel Ramos. Veinte meses de administración en el Ministerio de Agricultura. Buenos Aires: Imprenta de la Agricultura Nacional, 1908, p.240.
  • 27
    As sementes da cana foram consideradas estéreis por muito tempo. Nesse sentido, o sucesso das pesquisas realizadas pelas estações experimentais foi fundamental para o desenvolvimento de novas variedades. Alguns discursos proferidos durante o Primeiro Congresso Nacional de Agricultura, em 1901, já ressaltavam o sucesso dessas experiências: “Desconhecida até bem pouco tempo, a possibilidade de obter das minúsculas sementes de flecha a reprodução da cana não é mais sujeita a dúvidas, e nesta metade última do século XIX, as ilhas Barbados, Guadalupe e Martinica têm presenciado tentames deste gênero seguidos o mais favorável êxito”. SNA. Anais do Congresso Nacional de Agricultura instalado a 20 de setembro de 1901 no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1907, p.02.
  • 28
    CAMINHA FILHO, Adrião. A experimentação agrícola nas Índias Neerlandesas e a cultura da cana-de-açúcar e a indústria açucareira na Ilha de Java. Rio de Janeiro: Tip. do Serviço de Informações do MAIC, 1930, p.08.
  • 29
    La Industria azucarera (Buenos Aires), Centro Azucarero Argentino, n. 379, p.435-441, 1925, p.439.
  • 30
    A cana de açúcar na América do Sul: na Argentina. Brasil Açucareiro, Instituto do Açúcar e do Álcool, p.272-273, mar. 1934, p.272.
  • 31
    SÃO PAULO. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 jul. 1927, pelo Dr. Antônio da Costa Bueno, Presidente do Estado de São Paulo, 1927, p.91.
  • 32
    MITCHEL, Jean. Irrigação dos canaviais: Campos de demonstração de Piracicaba. São Paulo: Diretória de Publicidade, 1929.
  • 33
    Gileno Dé Carli foi funcionário da Secretaria de Agricultura de Pernambuco e presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool (1951-1954), deputado federal por Pernambuco e um importante pesquisador da história do açúcar, OLIVEIRA, 1975OLIVEIRA, Hugo Paulo de. Os presidentes do IAA. Rio de Janeiro: Divulgação do M.I.C., Instituto do Açúcar e do Álcool, 1975..
  • 34
    MEYER, Antônio Corrêa. Algumas notas sobre os trabalhos de restauração dos canaviais paulistas. Revista de Agricultura (Piracicaba), Esalq, p.03-12, set./out. 1930.
  • 35
    AZZI, Ricardo. A cultura e a indústria canavieira no estado do Rio de Janeiro: algumas notas e observações. Boletim de Agricultura (São Paulo), Typ da Indústria de São Paulo, p.459-573, jul./ago. 1928, p.459.
  • 36
    CROSS, William. La obra de la Estación Experimental Agrícola de Tucumán desde su fundación. Revista Industrial y Agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.20-30, jun./jul. 1929, p.20.
  • 37
    José Vizioli, nesse período, ocupava o cargo de diretor da Divisão de Inspetoria e Fomento Agrícola da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, OLIVER, 2001, pOLIVER, Graciela de Souza. José Vizioli e o início da modernização tecnológica da agroindústria canavieira paulista, 1919-1949. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2001., p.62-63.
  • 38
    Embora, é importante que se diga, que os trabalhos até então realizados não permitiram traçar os meios pela qual se davam exatamente essas trocas bibliográficas. Se sabe que em muitos casos eram feitos por permuta entre os institutos de pesquisa.
  • 39
    Uhlmann era um industrial alemão domiciliado em São Paulo.
  • 40
    UHLMAM, P. M.. Relatório sobre um novo combustível para automóveis. A Lavoura: Boletim da SNA (Rio de Janeiro), Imprensa Nacional, p.38-37, fev./mar. 1922.
  • 41
    LLAMES, Hernán Palacio. Fabricacion del alcohol. Barcelona: Salvat Editores, 1956, p.11.
  • 42
    Revista Industrial y Agrícola de Tucumán, 1915, 1922, 1926, 1929, 1936. In: CROSS, William. La introducción de mejoras en la fabricación del alcohol y el aprovechamiento de los subproductos de esta industria. Revista Industrial y Agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, n. 9-10, p.81-88, oct./nov. 1929; CROSS, William. El problema del alcohol industrial en la República Argentina. Revista Industrial y Agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.90-98, mayo/jun. 1936.
  • 43
    LIMA SOBRINHO, Barbosa. Álcool-motor: A ação do Instituto doAçúcar e do Álcool na defesa do carburante nacional. Rio de Janeiro: Americ Ed., 1943, p.12-20. Alexandre Barbosa Lima Sobrinho foi governador e deputado federal por Pernambuco. Além disso, foi presidente do IAA entre 1938 e1946, OLIVEIRA, 1975OLIVEIRA, Hugo Paulo de. Os presidentes do IAA. Rio de Janeiro: Divulgação do M.I.C., Instituto do Açúcar e do Álcool, 1975..
  • 44
    La estacion experimental agrícola de Tucuman: antecedentes, leyes y decretos, organizacion y trabajo. Revista Industrial y Agrícola de Tucumán (Buenos Aires), Imprenta y Casa Editora CONT, p.31-33, dic. 1943.
  • 45
    Como exemplo, podemos citar o trabalho de ROGERS, 2015ROGERS, Thomas. Agricultural Transformations in Sugarcane and Labor in Brazil. The Oxford Research Encyclopedia of Latin American History. New York: Oxford University Press, 2015. s./p..; CORTEZ, 2016, dCORTEZ, Luís Augusto Barbosa (org.). Universidades e empresas: 40 anos de ciência e tecnologia para o etanol brasileiro. São Paulo: Blucher, 2016., dentre outros.
  • 46
    Para GUIMARÃES, 1991, pGUIMARÃES, Carlos Gabriel. A indústria álcool-motora no Primeiro Governo Vargas. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense. Niterói, 1991., p.37, no Brasil, a disputa pelo mercado interno durante a República Velha fez com que, pela primeira vez, o álcool passasse a ser visto como solução para os problemas de excesso de produção açucareira.
  • 47
    VIZIOLI, J.. O álcool industrial e a defesa da Indústria açucareira. São Paulo: Diretória de Publicidade da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, 1930, p.58.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    1 Out 2016
  • Revisado
    21 Fev 2017
  • Aceito
    3 Abr 2017
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: variahis@gmail.com