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Quem são e como vivem os idosos que moram sozinhos no Brasil

Resumo

Objetivo:

avaliar a prevalência de idosos morando sozinhos no Brasil, segundo condições de saúde, comportamento e características sociodemográficas.

Método:

dados de 11.967 indivíduos (60 anos ou mais) foram obtidos da Pesquisa Nacional de Saúde (Brasil, 2013). Morar sozinho foi definido por residir em domicílios unipessoais. A prevalência de indivíduos que moram sozinhos foi estratificada por condições sociodemográficas e regiões geográficas. Morar sozinho também foi avaliado como fator para resultados sobre funcionalidade física, comportamento e condições de saúde. Modelos de regressão de Poisson avaliaram razões de prevalência e intervalos de confiança (95%).

Resultados:

no Brasil, 15,3% das pessoas (60 anos ou mais) moram sozinhas. Essa condição foi ainda mais prevalente em regiões de renda mais elevada; mas foram mais afetados os indivíduos de baixa renda. Houve maior prevalência entre mulheres e pessoas com 75 anos ou mais. Morar sozinho foi associado a dificuldades nas atividades instrumentais da vida diária (razão de prevalência 1,15; intervalo de confiança de 95% 1,04-1,28); ao relato de alguma doença durante as duas semanas anteriores (RP=1,35; IC95%=1,16-1,57); assistir televisão (cinco ou mais horas diárias) (RP=1,40; IC95%=1,26-1,56) e quedas no último ano (RP=1,35; IC95%=1,10-1,66). Indivíduos idosos que moram sozinhos também relataram piores hábitos alimentares, menor consumo de carne, feijão e saladas do que seus colegas que moram acompanhados.

Conclusão:

os idosos que vivem sozinhos no Brasil apresentam pior estado de saúde e hábitos relacionados à saúde. Esses achados são desafiadores e devem impulsionar políticas sociais e de saúde para o atendimento das maiores necessidades dos adultos que envelhecem sozinhos.

Palavras-chave:
Habitação; Disparidades nos Níveis de Saúde; Epidemiologia

Abstract

Objective:

to assess the prevalence of elderly persons living alone in Brazil, based on covariates of health status, behavior and socio-demographic characteristics.

Method:

data from 11,967 individuals (aged 60 or over) were obtained from the National Health Survey (Brazil, 2013). Living alone was defined as residing in a one-person household. The prevalence of individuals living alone was stratified by socio-demographic conditions and geographic region. Living alone was also assessed as a factor for outcomes of physical functioning, behavior and health conditions. Poisson regression models were used to evaluate the prevalence ratios and a 95% confidence interval was applied.

Results:

in Brazil, 15.3% of people aged 60 years and over live alone. This condition is more prevalent in higher income regions; however, more lower-income individuals were affected. Prevalence was higher among women and individuals aged 75 years or more. Living alone was associated with difficulties in instrumental activities of daily living (prevalence ratio 1.15; 95% confidence interval 1.04-1.28); the reporting of an illness in the two prior to the study (PR=1.35; 95%CI=1.16-1.57); watching television (five or more hours daily) (PR=1.40; 95%CI=1.26-1.56) and falls in the previous year (PR=1.35; 95%CI=1.10-1.66). Elderly persons living alone also had worse eating habits, with a less frequent intake of meat, beans and salads than their counterparts who lived with others.

Conclusion:

elderly persons living alone in Brazil have a worse health status and health-related habits. These findings represent a challenge and should motivate social and health policies aimed at fulfilling the greater needs of adults who grow old alone.

Keywords:
Housing; Health Status Disparities; Epidemiology

INTRODUÇÃO

O Brasil, como outros países de renda média, está passando por um processo acelerado de envelhecimento populacional nas últimas décadas. Essa transição está diretamente relacionada à diminuição da mortalidade infantil e de crianças ao longo do século XX. Também está relacionado ao declínio da fertilidade e ao aumento da expectativa de vida após a década de 195011 Camarano AA. The new demographic paradigm. Ciênc Saúde Colet. 2013;18(12):3446-7..

Os domicílios em que os idosos residem fornecem o primeiro núcleo de interação e apoio social, influenciando, assim, seu acesso a bens e recursos. As más condições de habitação e a desorganização das famílias foram relatadas como contribuindo para o risco e a progressão de incapacidade22 Henning-Smith C, Shippee T, Capistrant B. Later-life disability in environmental context: why living arrangements matter. Gerontologist. 2017:1-23.. À medida que novos paradigmas relacionados ao envelhecimento surgiram, o grande número de idosos que moram sozinhos foi considerado uma das mudanças mais significativas nas sociedades contemporâneas33 Klinenberg E. Social isolation, loneliness, and living alone: identifying the risks for public health. Am J Public Health. 2016;106(5):786-7..

Este estudo foi motivado pela percepção de que mudanças nos arranjos domiciliares acompanharam o processo acelerado de envelhecimento na sociedade brasileira. Projeções populacionais estimam que a proporção de pessoas idosas em 2050 seja maior no Brasil do que no mundo44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Coordenação de População e Indicadores Sociais. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.. Apesar dessa observação, o país ainda caminha lentamente para proporcionar proteção social efetiva na velhice.

A organização familiar é dinâmica e os arranjos domiciliares mudaram com o tempo, em consonância com a mudança social. Um crescente contingente de pessoas idosas optou ou foi induzido a morarem sozinhas. O aumento da longevidade e o declínio histórico da fecundidade, que caracterizam a transição demográfica, foram acompanhados por novos padrões de comportamento, novos arranjos de vida e prolongada viuvez sem parentesco. Essas mudanças geraram um grande número de adultos idosos com poucos ou sem parentes próximos; a proporção de domicílios familiares unipessoais aumentou no contexto brasileiro desde a década de 197055 Melo NCV, Teixeira KMD, Barbosa TL, Montoya AJA, Silveira MB. Household arrangements of elderly persons in Brazil: analyses based on the national household survey sample. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(1):139-51..

Envelhecer morando sozinho (definido por viver em residências unipessoais), sem o apoio de um parentesco próximo, pode associar-se de maneiras diferentes a vários desfechos de saúde, inclusive a morte66 Ng KH. Future of family support: projected living arrangements and income sources of older people in Hong Kong up to 2030. Australas J Ageing. 2016;35(2):113-8.. A solidão e a falta de redes pessoais foram relatadas como associadas ao risco de mortalidade em estudos de grande porte e seguimento longitudinal77 Pimouguet C, Rizzuto D, Schön P, Shakersain B, Angleman S, Lagergren M, et al. Impact of living alone on institutionalization and mortality: a population-based longitudinal study. Eur J Public Health. 2016;26(1):182-7.

8 Ellwardt L, van Tilburg T, Aartsen M, Wittek R, Steverink N. Personal networks and mortality risk in older adults: a twenty-year longitudinal study. PLoS ONE. 2015;10(3):1-14.

9 Pantell M, Rehkopf D, Jutte D, Syme SL, Balmes J, Adler N. Social isolation: a predictor of mortality comparable to traditional clinical risk factors. Am J Public Health. 2013;103(11):2056-62.
-1010 Steptoe A, Shankar A, Demakakos P, Wardle J. Social isolation, loneliness, and all-cause mortality in older men and women. Proc Natl Acad Sci USA. 2013;110(15):5797-801.. De qualquer forma, a perspectiva de arranjos domiciliares para idosos no Brasil é desconhecida, pois esse tema tem sido pouco estudado, o que impede uma clara descrição de suas necessidades e potencial demanda por serviços de saúde e apoio social33 Klinenberg E. Social isolation, loneliness, and living alone: identifying the risks for public health. Am J Public Health. 2016;106(5):786-7.,1111 Margolis R, Verdery AM. Older adults without close kin in the United States. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci. 2017;72(4):688-93..

Este estudo teve como objetivo descrever quem são os idosos que moram sozinhos no Brasil e como vivem, em relação às características específicas de seu perfil de saúde.

MÉTODOS

População e desenho do estudo

Este estudo transversal avaliou as informações coletadas pela Pesquisa Nacional de Saúde realizada pelo Ministério da Saúde e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2013. Uma amostra probabilística foi projetada especificamente para permitir inferência estatística para todo o país e cada uma de suas cinco regiões. A amostra foi estratificada por agrupamentos em três estágios: setores censitários (unidades primárias de amostragem), domicílios e indivíduos. Informações mais abrangentes sobre ponderação, tamanho e delineamento da amostra foram relatadas anteriormente1212 Souza Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Sampling design for the National Health Survey, Brazil 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):207-16..

Um total de 64.308 indivíduos com 18 anos ou mais foi entrevistado entre agosto e novembro de 2013, correspondendo a uma taxa de resposta de 86%. Questionários foram aplicados em visitas domiciliares por entrevistadores especialmente treinados. Este estudo considerou exclusivamente informações relacionadas a indivíduos com 60 anos ou mais de idade (N=11.967). A pesquisa observou diretrizes internacionais sobre ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Os participantes assinaram um termo de consentimento e o Comitê Nacional de Ética em Pesquisa aprovou o projeto em junho de 2013 (nº 10853812.7.0000.0008).

Variáveis

Este estudo avaliou a prevalência de idosos morando sozinhos, definida pela proporção de indivíduos com 60 anos ou mais de idade residentes em domicílios unipessoais. Essa foi a principal variável do estudo.

O Brasil tem cinco regiões geográficas: as regiões Norte e Nordeste são as mais pobres, com produto interno bruto per capita próximo à metade das demais regiões.

Informações sociodemográficas foram coletadas (sexo, faixa etária, raça/cor da pele, escolaridade e renda per capita). A classificação da raça/cor da pele observou padrões utilizados nos censos realizados no Brasil, com informações autorreferidas nas seguintes categorias: branca (descendência europeia), preta (afrodescendente), parda (descendência mista), amarela (descendência asiática) e Ameríndia. Para idosos no Brasil, menos de quatro anos de educação formal representa escolaridade insuficiente; oito anos corresponde ao ensino fundamental completo; onze anos corresponde ao ensino secundário completo; quatorze anos representa o ensino universitário. A renda foi classificada por tercis, de acordo com uma escala de equivalência da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que divide a renda familiar pela raiz quadrada do número de residentes no domicílio1313 Organisation for Economic Co-operation and Development. Social Policy Division. Directorate for Employment, Labour and Social Affairs. Quality review of the OECD database on household incomes and poverty and the OECD earnings database. Part I. Paris: OECD; 2012..

Para informar sobre as condições de saúde, o entrevistador perguntou se um médico já havia diagnosticado hipertensão, diabetes, colesterol elevado, doença coronariana, derrame, asma, artrite ou reumatismo, problemas na coluna, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho, depressão, outras doenças mentais, doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer, insuficiência renal e outras doenças crônicas. As respostas foram agrupadas de acordo com o número de doenças relatadas. A prevalência de perda auditiva e incapacidade física (paralisia, amputação, deformidade, deficiência motora, ostomia e nanismo) também foram registradas. A variável "doença nas últimas duas semanas" foi avaliada perguntando se naquele período o informante deixara de realizar alguma de suas atividades habituais por motivos de saúde.

O questionário incluiu informações sobre incapacidades funcionais dos idosos. As atividades básicas da vida diária compreendem a capacidade de se alimentar, tomar banho, usar o banheiro, vestir-se, caminhar dentro de casa, levantar-se da cama e de cadeiras1414 Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffe MW. Studies of illness in the aged. The index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. JAMA. 1963;185(12):914-9.. As atividades instrumentais da vida diária compreendem a capacidade de comprar alimentos, cuidar de dinheiro, ir ao médico, tomar remédios, usar o transporte1515 Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86.. Cada uma dessas atividades foi avaliada com as seguintes opções: (i) sem dificuldade, (ii) dificuldade pequena, (iii) grande dificuldade e (iv) impossibilidade. As respostas foram classificadas de forma dicotômica como nenhuma dificuldade [opção (i)] ou qualquer dificuldade (demais opções), como sugerido por Espelt et al.1616 Espelt A, Font-Ribera L, Rodriguez-Sanz M, Artazcoz L, Ferrando J, Plaza A, et al. Disability among older people in a southern European city in 2006: trends in gender and socioeconomic inequalities. J Women's Health (Larchmt). 2010;19(5):927-33.. O questionário também registrou o uso de bengala, a ocorrência de quedas no último ano e a participação em atividades sociais organizadas por grupos comunitários ou religiosos, clubes, centros de convivência de idosos e outros.

As características comportamentais incluíram indicadores de padrão alimentar (consumo diário de feijão e salada, e consumo de carne cinco ou mais vezes por semana) e o hábito de assistir à televisão por cinco ou mais horas por dia.

Análise estatística

A distribuição dos idosos foi descrita de acordo com as variáveis de interesse; a associação entre essas variáveis foi analisada. A prevalência de indivíduos que moram sozinhos foi avaliada como desfecho de acordo com a região geográfica e os fatores sócio-demográficos da análise. A prevalência de idosos vivendo em domicílios unipessoais foi considerada um fator para a avaliação de desfechos relacionados a condições de saúde, incapacidades funcionais e comportamentos.

Modelos de regressão de Poisson foram utilizados para avaliar as razões de prevalência e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Intervalos de confiança que englobam valores maiores que um indicam que o grupo de comparação teve prevalência maior que a referência. O inverso ocorre quando os intervalos de confiança abrangem valores menores que um. Complementarmente, a ausência de associação estatisticamente significante é concluída quando o intervalo de confiança engloba a unidade.

Todas as análises foram realizadas no Stata 14 (College Station, TX, EUA, 2015), considerando o desenho amostral complexo e os pesos amostrais.

RESULTADOS

A proporção de idosos morando sozinhos no Brasil foi de 15,3% (14,4%-16,2%, intervalo de confiança de 95%) em 2013. Essa proporção variou geograficamente, com a porção mais rica do país (regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste) apresentando valores mais elevados que as regiões mais pobres (Norte e Nordeste) (Tabela 1).

Tabela 1
Quem são eles? Prevalência de idosos que moram sozinhos em cada região geográfica (Brasil, 2013). (N=11.967).

A prevalência de idosos morando em domicílios unipessoais foi 29% maior em mulheres que em homens. Essa condição também foi mais prevalente entre pessoas mais idosas, afetando quase um em cada cinco indivíduos com 75 ou mais anos de idade (p<0,001). Não foi observada diferença significante entre os estratos de raça/cor da pele e níveis de educação. No entanto, a avaliação da distribuição de renda mostrou uma proporção significativamente maior de indivíduos vivendo sozinhos para o tercil mais pobre (Tabela 2).

Tabela 2
Quem são eles? Prevalência de idosos que moram sozinhos de acordo com características sociodemográficas (Brasil, 2013). (N=11.967).

A avaliação das condições de saúde revelou diferenças importantes entre os idosos que moram sozinhos e os que moram com parentes ou outros. A prevalência dos que se queixam de ter tido alguma doença nas duas semanas anteriores foi quase um terço maior no primeiro grupo do que no segundo (RP: 1,35; IC 95% 1,16-1,57). Não houve diferença significante entre os dois grupos, quanto ao número de doenças crônicas, nem quanto à prevalência de doenças crônicas, exceto artrite ou reumatismo, com pior perfil para os que moram sozinhos (RP: 1,18; IC95% 1,03-1,36). Além disso, idosos que moram sozinhos apresentaram uma prevalência significantemente maior de perda auditiva (RP: 1,57; IC95%: 1,27-1,93) (Tabela 3).

Tabela 3
Como eles vivem? Prevalência de condições de saúde em idosos que moram sozinhos e que moram com outros (Brasil, 2013). (N=11.967).

No que tange à capacidade funcional, a prevalência de dificuldades nas atividades de vida diária (AVD) (p=0,211) e o uso de bengala (p=0,155) não diferiram significantemente entre idosos que moram sozinhos e os que moram com outros. No entanto, o primeiro grupo apresentou uma prevalência significantemente maior de dificuldades autorreferidas nas atividades instrumentais da vida diária (RP: 1,15; IC95%: 1,04-1,28) e quedas durante o período de 12 meses antes da coleta de dados (RP: 1,35; IC95%: 1,10-1,66) (Tabela 4).

Tabela 4
Como eles vivem? Prevalência de condições de funcionalidade física em idosos que moram sozinhos e que moram com outros (Brasil, 2013). (N=11.967).

A avaliação das características comportamentais retratou um melhor padrão alimentar para os idosos que moram acompanhados, em comparação com os que moram sozinhos. O primeiro grupo teve uma proporção significantemente maior de indivíduos que comem feijão (p<0,001) e salada (p=0,045) diariamente, e carne cinco ou mais vezes por semana (p=0,019). Quanto a assistir à televisão cinco ou mais horas por dia, comportamento sedentário prejudicial, a prevalência foi 40% maior entre os que moram sozinhos (RP: 1,40; IC95%: 1,26-1,56) (Tabela 5).

Tabela 5
Como eles vivem? Prevalência de características comportamentais em idosos que moram sozinhos e que moram com outros (Brasil, 2013). (N=11.967).

DISCUSSÃO

Os principais resultados deste estudo são ter mostrado que os idosos que moram sozinhos no Brasil são principalmente mulheres, pessoas mais pobres e mais idosas, morando nas regiões mais ricas do país e ter descrito que seus hábitos alimentares são piores, têm mais necessidades de saúde e comportamento sedentário.

Quem são eles?

No Brasil, indivíduos de baixa renda estão optando ou sendo levados a viver sozinhos na velhice. Curiosamente, esta condição afeta principalmente as regiões geográficas mais ricas do país. O Sul e o Sudeste tiveram uma proporção maior de pessoas idosas vivendo em domicílios unipessoais do que as regiões brasileiras mais pobres. Essas regiões também têm um índice de desenvolvimento humano mais alto, maior expectativa de vida e proporção de pessoas idosas. O estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, tem quase 18% de sua população com idade acima de 59 anos; enquanto os estados do norte (como Roraima e Amapá) têm piores índices socioeconômicos e apenas 8% dos idosos em sua população44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Coordenação de População e Indicadores Sociais. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE; 2016..

As diferenças geográficas na transição demográfica e a consequente maior proporção de pessoas idosas na população refletem o processo histórico de como o território brasileiro foi ocupado durante ciclos econômicos subsequentes. As regiões brasileiras mais ricas receberam maior fluxo de imigração, tanto do exterior como de outros estados brasileiros, e fomentaram a industrialização e serviços urbanos1717 Villa SB. Os formatos familiares contemporâneos: transformações demográficas. Observatorium. 2012;4(12):2-26.. Essas condições podem ter propiciado melhores condições para a seguridade social e aposentadoria, bem como oportunidades para os indivíduos mais velhos permanecerem no mercado de trabalho1818 Maia AG, Sakamoto CS. The impacts of rapid demographic transition on family structure and income inequality in Brazil, 1981-2011. Popul Stud (Camb). 2016:70(3):293-309.. Não obstante a maior proporção de pessoas idosas que moram sozinhas nas regiões mais ricas, os resultados aqui relatados sugerem que os indivíduos em melhores condições socioeconômicas tentam evitar morar sozinhos, mesmo nas regiões mais ricas.

Foi também observado que as pessoas idosas do sexo feminino e com idade mais elevada são mais propensas a morarem sozinhos que suas respectivas contrapartes. A população idosa no Brasil é composta principalmente por mulheres; sua participação percentual tende ser ainda maior entre grupos de idade mais elevada11 Camarano AA. The new demographic paradigm. Ciênc Saúde Colet. 2013;18(12):3446-7.. O aumento da proporção de mulheres entre os idosos e a maior probabilidade de mulheres idosas morarem sozinhas não se restringem ao Brasil. Margolis e Verdery1111 Margolis R, Verdery AM. Older adults without close kin in the United States. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci. 2017;72(4):688-93. obtiveram resultados análogos ao avaliar informações relativas aos Estados Unidos. Nos países europeus, a proporção de mulheres idosas que moram sozinhas também teve gradação socioeconômica, variando de 24% em Chipre a mais de 45% na Noruega, Finlândia e Dinamarca1919 Reher D, Requena M. Elderly women living alone in Spain: the importance of having children. Eur J Ageing. 2017;14(3):311-22..

Como eles vivem?

Nota-se que a prevalência de doenças crônicas não diferiu significativamente entre idosos que moram sozinhos e os que moram acompanhados; o mesmo foi observado para incapacidade física, dificuldades nas atividades básicas da vida diária e uso de bengala. Sixsmith et al.2020 Sixsmith J, Sixsmith A, Fänge AM, Naumann D, Kucsera C, Tomsone S, et al. Healthy ageing and home: the perspectives of very old people in five European countries. Soc Sci Med. 2014;106:1-9. afirmaram que morar sozinho pode ser uma oportunidade para o autoconhecimento e estreitar os laços sociais fora do ambiente doméstico. É reconfortante reconhecer que indivíduos idosos que moram sozinhos não estão sujeitos a um perfil mais pobre de condições severas. Morar sozinho pode ter aspectos atrativos, apesar de exigir alguma força e capacidade física. Deixar de atender a essa demanda pode colocá-los em desvantagem, acabando por sobrecarregar os serviços sociais com demandas por cuidados de longo prazo e apoio aos idosos.

Apesar da distribuição relativamente homogênea das doenças crônicas entre os que moram e os que não moram sozinhos, este estudo mostrou que os primeiros apresentaram pior perfil epidemiológico no que se refere a condições menos severas. Indivíduos que moram sozinhos queixaram-se em maior proporção por não ter tido atividades sociais e terem estado doentes durante as últimas duas semanas. Também apresentaram maior prevalência de perda auditiva, artrite ou reumatismo e dificuldades nas atividades instrumentais da vida diária. Esses achados chamam a atenção para as maiores necessidades de saúde desse segmento populacional, o que deve ser considerado como um sinal de alerta para as autoridades de saúde.

Nos Estados Unidos, um estudo representativo em nível nacional sobre a população idosa, o Health and Retirement Study, 2015, também descreveu maior prevalência de incapacidades entre aqueles que moravam sozinhos, no que diz respeito às atividades instrumentais da vida diária22 Henning-Smith C, Shippee T, Capistrant B. Later-life disability in environmental context: why living arrangements matter. Gerontologist. 2017:1-23.. Os autores interpretaram este achado como sendo devido ao fato de que um parceiro de convivência pode fornecer apoio para uma vida mais saudável e rica. Muitos idosos que moram sozinhos no Brasil, assim como nos EUA, podem não dispor de arranjos familiares funcionais. Para esses indivíduos, o sistema de saúde pode vir a ser demandado adicionalmente para atender suas maiores necessidades.

Os resultados desse estudo mostraram uma prevalência significantemente maior de perda auditiva em idosos que moram sozinhos. Estudos anteriores também relataram associação entre deficiência auditiva e isolamento social2121 Mick P, Parfyonov M, Wittich W, Phillips N, Kathleen Pichora-Fuller M. Associations between sensory loss and social networks, participation, support, and loneliness: analysis of the Canadian Longitudinal Study on Aging. Can Fam Physician. 2018;64(1):33-41.

22 Pronk M, Deeg DJ, Kramer SE. Hearing status in older persons: a significant determinant of depression and loneliness? results from the longitudinal aging study Amsterdam. Am J Audiol. 2013;22(2):316-20.
-2323 Sung YK, Li L, Blake C, Betz J, Lin FR. Association of hearing loss and loneliness in older adults. J Aging Health. 2016;28(6):979-94.. Uma interação complexa está envolvida nessa associação porque ambas as condições podem influenciar uma à outra e refletem de alguma forma a dificuldade de comunicação. Esse achado reforça a necessidade de maior atenção a esse contingente populacional.

Os idosos que moram sozinhos apresentaram pior padrão alimentar quando comparados aos que vivem em coabitação. A sociedade brasileira passou por um processo de transição nutricional2424 Conde WL, Monteiro CA. Nutrition transition and double burden of undernutrition and excess of weight in Brazil. Am J Clin Nutr. 2014;100(6):1617-22., refletindo a inserção maciça de junk food no cardápio diário da população. Muitos estudos relatam o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados em detrimento de uma alimentação mais tradicional, baseada em hortaliças e alimentos minimamente processados, como sendo uma característica comum da dinâmica alimentar brasileira2525 Canella DS, Levy RB, Martins AP, Claro RM, Moubarac JC, Baraldi LG, et al. Ultra-processed food products and obesity in Brazilian households (2008-2009). PLoS ONE. 2014;9(3):1-7.,2626 Monteiro CA, Moubarac JC, Cannon G, Ng SW, Popkin B. Ultra-processed products are becoming dominant in the global food system. Obes Rev. 2013;14(Suppl 2):21-8.. O presente estudo sugere que essa transição já pode ter atingido a população idosa, afetando principalmente aqueles que moram sozinhos.

Limitações e forças

Ter avaliado dados transversais - os quais não permitem inferir causalidade ou relações temporais entre fatores e desfechos - e ter se baseado no autorrelato dos participantes (não foram coletados dados de prontuários ou outros registros) são as principais limitações deste estudo. Ter avaliado uma amostra de grande porte, especificamente projetada para ser representativa do país como um todo e de cada uma das suas cinco regiões geográficas, é um ponto forte deste estudo. Ter permitido a definição de metas específicas para o planejamento de serviços de saúde voltados para esse grupo populacional também é um ponto forte deste estudo.

CONCLUSÃO

Este estudo descreveu a prevalência de idosos que moram sozinhos no Brasil, segundo características sociodemográficas e região geográfica de residência. Este estudo também descreveu a maior probabilidade de adultos idosos que moram sozinhos serem afetados por piores condições relativas ao estado de saúde, funcionalidade física e comportamento. As informações aqui relatadas são relevantes para a política e o planejamento de saúde. Buscar soluções para o declínio funcional na velhice é uma demanda contemporânea relevante para muitos países. Essa tarefa é ainda mais desafiadora no contexto da vida solitária. Estratégias de saúde devem considerar o fornecimento de serviços sociais adicionais para substituir para o apoio domiciliar ausente para os idosos solitários.

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  • Financiamento:

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Número do edital: 301968/2014-4, Bolsa de produtividade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2018
  • Revisado
    09 Ago 2018
  • Aceito
    08 Out 2018
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