INTRODUÇÃO
O suporte social oferecido à população idosa tem sido considerado fator protetor da saúde física e mental desta população, estando também associado com menores índices de mortalidade neste grupo etário(1)-(2). As relações de suporte social são também promotoras de saúde física e mental e auxiliam no enfrentamento de situações específicas, como em casos de doenças crônicas ou agudas, e vulnerabilidade física ou social(3). Além disso, promovem a manutenção da capacidade funcional e significam apoio em situações de estresse, confirmando a importância das relações sociais e afetivas para o envelhecimento ativo(1). No entanto, como consequência das deficiências na oferta de suporte social formal oferecida por parte do setor público, o suporte informal oferecido pelas redes de relacionamentos entre membros da família, amigos, relações de trabalho, de inserção comunitária e de práticas sociais tem sido a única fonte de suporte disponível para grande parcela da população idosa no Brasil(4)-(5).
No que diz respeito à avaliação da presença ou importância destas redes na vida dos idosos, estudos têm demonstrado que variáveis subjetivas, tais como suporte percebido ou expectativa de suporte, são mais sensíveis para a predição de saúde física e mental quando comparados com medidas objetivas da avaliação do suporte social(6-7), no sentido de que mais importante que a presença destas redes é o significado que estas têm para o idoso. Dentre os possíveis meios de avaliação subjetiva do suporte social, a expectativa de suporte para o cuidado pode ser definida como a crença que o idoso tem de que pessoas próximas lhes proverão o suporte necessário para o desempenho das atividades diárias caso haja necessidade no futuro(8).
Sabe-se que a expectativa de suporte representa um mecanismo psicológico que incentiva o idoso a tentar a resolução de seus problemas com independência; e a experiência de passar positivamente por uma situação adversa sem a intervenção direta de outras pessoas, mas acreditando que terá ajuda caso seja necessário, pode ser uma forma extremamente eficaz na promoção de sentimentos de bem-estar, pois está ligado ao sentimento de autoeficácia(9). Quando positiva, a expectativa de suporte pode aliviar a ansiedade, inibir o desenvolvimento de morbidades tais como a depressão(10), exercer papel positivo na recuperação de doenças(11) e está associada a menores índices de mortalidade em idosos(12).
Nesta perspectiva, ao identificar os idosos com ausência de expectativa de suporte, faz-se possível reconhecer indivíduos que estão mais susceptíveis ao estresse, solidão, piores condições de saúde física e mental, maiores índices de morbidade e mortalidade. Considerando a necessidade crescente de cuidado à população longeva brasileira e o fato de que muitos vivem sem qualquer forma de suporte social formal - ou em condições de vulnerabilidade social e de saúde, com impacto sobre as mulheres, famílias e serviços públicos já disponíveis -, tornam-se indispensáveis estudos que avaliem a percepção desta população sobre a ajuda que lhes estará disponível em caso de necessidade e os fatores associados à ausência de expectativa de suporte para o cuidado.
Apesar de sua importância, ainda são poucos os estudos internacionais que investigam a expectativa de suporte a idosos, e nenhum estudo nacional sobre o tema foi encontrado até o presente momento exceto pelos dados preliminares desta presente pesquisa publicados anteriormente(13). Portanto, esta pesquisa busca identificar variáveis associadas à ausência de expectativa de suporte para o cuidado aos idosos da comunidade. Em se tratando de um estudo epidemiológico com amostra expressiva da população de idosos de Campinas-SP, Brasil, os resultados apresentados possibilitarão conhecer aqueles que podem estar em maior estado de risco para a falta de suporte, possibilitando a atuação do enfermeiro de maneira a identificar idosos com o perfil de risco na comunidade, de forma a atender às principais necessidades destes indivíduos. Além disso, será possível refletir acerca do sistema de apoio formal oferecido aos idosos residentes neste município, considerando os grupos mais frequentemente associados à falta de expectativa de suporte.
MÉTODO
Os dados apresentados neste artigo são parte da Rede de Pesquisa sobre Fragilidade em Idosos Brasileiros (Rede FIBRA), estudo multicêntrico dedicado à pesquisa do fenômeno de fragilidade na população idosa brasileira e de suas relações com variáveis sociodemográficas, psicológicas, de saúde e cuidado, e que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM/Unicamp. O processo de recrutamento aconteceu na casa dos idosos, que foram então encaminhados para uma sessão única de coleta de dados, realizada em local público de fácil acesso. No início da sessão, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), redigido de acordo com as normas do CONEP.
A Rede FIBRA envolveu cerca de 8.000 idosos da zona urbana de 17 cidades localizadas de norte a sul do país. Foi realizada amostragem probabilística simples dos setores censitários de Campinas e a coleta de dados de setembro de 2008 a junho de 2009. Os critérios de inclusão no estudo foram: idade igual ou superior a 65 anos, compreender as instruções, concordar em participar e ser morador permanente no domicílio e no setor censitário. Para o presente estudo, incluiu-se como um critério de inclusão o idoso ter respondido às questões relacionadas às variáveis de interesse. Foram dispensados os idosos com déficit cognitivo grave sugestivo de demência, com problemas de memória, atenção, orientação espacial e temporal e de comunicação; cadeirantes ou que se encontrassem provisória ou definitivamente acamados; portadores de sequelas graves de Acidente Vascular Encefálico, com perda localizada de força e/ou afasia; portadores de doença de Parkinson em estágio grave ou instável, com comprometimento grave da motricidade, da fala ou da afetividade; portadores de déficits de audição ou de visão graves que dificultassem fortemente a comunicação; ou em terminalidade.
Participaram do Estudo FIBRA Campinas, 835 idosos. O presente artigo apresenta dados de 671 idosos que responderam a todas as questões de interesse para este estudo. Após a assinatura do TCLE, estes idosos foram introduzidos à parte do protocolo de coleta de dados(14), com a identificação e dados sociodemográficos, o miniexame do estado mental (MEEM), medidas de pressão arterial e antropométricas, coleta de sangue, exame bucal e as medidas de um fenótipo de fragilidade de Fried et al.(15) - força de preensão, velocidade da marcha, fadiga, perda de peso e inatividade física. O desempenho superior à nota de corte obtido no MEEM foi adotado para participação dos idosos nas demais medidas, em uma segunda parte do protocolo.
As variáveis de interesse foram investigadas mediante as condições que se seguem(14).
Variáveis sociodemográficas
Gênero: obtida por meio do autorrelato (feminino ou masculino).
Faixa etária: obtida por meio do autorrelato (número de anos de vida), registrados como variável contínua, depois tabulados em faixas de 65 a 74 anos e 75 anos ou mais.
Arranjo de moradia: foram avaliados com base na pergunta: "Com quem o(a) senhor(a) mora?", a qual comportava sete possibilidades de respostas sim e não: sozinho(a); com o cônjuge; com filho(s); com neto(s); com bisneto(s); com outro(s) parente(s); com pessoas de fora da família. Para análise dos dados deste presente estudo, foram criadas duas categorias de respostas: "só" e "acompanhado".
Expectativa de suporte para o cuidado nas ABVDs e AI-VDs: variável qualitativa, categórica e nominal. Foi questionado: "Caso precise ou venha a precisar de ajuda para realizar qualquer uma dessas atividades, o senhor(a) tem com quem contar?" (sim ou não). Em resposta afirmativa, perguntava-se sobre quem seria esta pessoa (esposa, filha, sobrinha e outros). O idoso poderia responder a mais de uma opção. A resposta foi classificada em uma, duas ou mais pessoas. E em caso negativo, foi adotada para o presente trabalho a denominação de "ausência de expectativa de suporte para o cuidado".
Saúde percebida: item de natureza escalar e ordinal. Foi questionado: "De um modo geral, como o senhor avalia a sua saúde no momento atual?". As respostas permitiam cinco opções, variando de "muito boa" a "muito ruim".
Doenças autorrelatadas: foi questionado ao idoso se algum médico já diagnosticou alguma(s) dentre nove doenças listadas. Para cada doença, marcou-se: "sim", "não", sendo marcadas todas as que fossem citadas. Para fins de análise dos dados, as respostas foram agrupadas em número de respostas: zero a duas; três ou mais doenças.
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Medidas de fragilidade: São cinco os elementos da definição operacional da síndrome ou do fenótipo de fragilidade:
Perda de peso não intencional no último ano: avaliada por meio de dois itens de autorrelato que perguntava ao idoso se ele havia perdido peso de forma involuntária no último ano. Em caso de resposta positiva, perguntava-se quantos quilos ele perdeu.
Fadiga: avaliada por meio de dois itens escalares de autorrelato. Havia quatro possibilidades de resposta para cada uma delas: "sempre, "na maioria das vezes", "poucas vezes", "nunca ou raramente".
Força de preensão manual: medida de força realizada com dinamômetro modelo Jamar (fabricado pela Lafayette Instruments, Lafayette, IN, USA), colocado na mão dominante do idoso.
Nível de atividade física: obtido por meio do autorrelato da frequência semanal e duração diária de exercícios físicos e trabalhos domésticos desempenhados nos últimos sete dias, com base nos itens adaptados da versão brasileira do Minnesota Leisure Time Activities Questionnaire(16).
Velocidade da marcha: indicada pelo tempo (em segundos) que o idoso levava para percorrer, em passo usual, a distância de 4,6 metros, demarcada com fita adesiva no chão plano. Foram feitas três tentativas cronometradas.
Os dados foram analisados e obtiveram-se notas de corte para cada critério de fragilidade, pois não há valores universais para este fenótipo.
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Independência funcional:
-Atividades avançadas de vida diária (AAVDs): pediu-se ao idoso que escolhesse entre "nunca fez", "parou de fazer" ou "ainda faz" para cada uma das AAVDs. Considerou-se para as análises as atividades que os idosos haviam "deixado de fazer".
-Atividades instrumentais de vida diária (AIVDs): foi avaliado se eram totalmente independentes, se precisavam de alguma ajuda ou se precisavam de ajuda total para fazer cada uma das atividades. Para as análises, foram calculadas as respostas dos idosos que haviam recebido ajuda ou eram dependentes para realizá-las.
- Atividades básicas de vida diária (ABVDs): foi avaliado se eram totalmente independentes, se precisavam de alguma ajuda ou se precisavam de ajuda total para fazer cada uma das atividades. Foram utilizadas as respostas em que os idosos referiram ter recebido ajuda ou eram dependentes para realizá-las.
Foram realizadas analises descritivas com as variáveis categóricas, com valores de frequência absoluta (n) e distribuição relativa (%), e estatísticas descritivas das variáveis numéricas, com valores de média, desvio-padrão, valores mínimo e máximo, mediana. Para estudar os fatores associados com a ausência de expectativa de suporte para o cuidado, foi utilizada a análise de regressão logística univariada e multivariada, com critério Stepwise de seleção de variáveis. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%.
RESULTADOS
Os idosos participantes (n = 671) eram em sua maioria mulheres (68,70%), com idade inferior a 75 anos (69,15%) e residiam com alguém (83,91%). A faixa etária variou entre 65 e 90 anos, com média (dp) de 72,31 (5,33), e mediana de 72 anos, sendo que o primeiro quartil esteve nos 68 anos e terceiro quartil aos 76 anos de idade. Em relação às condições de saúde, 57,10% dos idosos têm nenhuma, uma ou duas doenças. Destes, cerca de 11% têm nenhuma doença. Cerca de metade da amostra foi considerada frágil ou pré-frágil (55,14%), e 58,77% avaliaram sua saúde como "boa" ou "muito boa". A grande maioria dos idosos apontou pelo menos uma AVD comprometida (94,10%), sendo que 92,23% deixaram de realizar pelo menos uma AAVD, mas mantém sua independência para a realização das AIVDs (74,14%) e ABVDs (89,47%).
A expectativa de suporte para o cuidado esteve presente em grande parte dos idosos (89,12%), sendo que 44% esperam ajuda de apenas uma pessoa, e número semelhante de idosos espera ser cuidado por duas ou mais pessoas. Segue os resultados da comparação entre a expectativa de suporte para o cuidado e as variáveis de interesse (Tabela 1).
Tabela 1 Análise de comparação entre expectativa de suporte para o cuidado e as variáveis de interesse, 2008-2009, Campinas, São Paulo, Brasil
Variável | Expectativa de suporte para o cuidado | Valor de p | |
---|---|---|---|
Sim | Não | ||
Gênero | |||
Feminino | 402 (87,20) | 59 (12,80) | 0,018 |
Masculino | 196 (93,33) | 14 (6,67) | |
Idade | |||
65-74 anos | 415 (89,44) | 49 (10,56) | 0,691 |
≥ 75 anos | 183 (88,41) | 24 (11,59) | |
Arranjo domiciliar | |||
Só | 83 (77,58) | 24 (22,42) | < 0,001 |
Acompanhado | 510 (91,39) | 48 (8,60) | |
Número de doenças | |||
0-2 | 345 (90,32) | 37 (9,68) | 0,300 |
≥ 3 | 252 (87,81) | 35 (12,19) | |
Fragilidade | |||
Não-frágil | 271 (90,03) | 30 (9,96) | 0,494 |
Pré-frágil e frágil | 327 (88,37) | 43 (11,62) | |
Incapacidade AAVDs | |||
nenhuma | 50 (98,03) | 1 (1,96) | 0,034 |
≥ 1 | 535 (98,84) | 70 (1,15) | |
AlVDs | |||
nenhuma | 441 (89,45) | 52 (10,54) | 0,548 |
≥ 1 | 151 (70,83) | 21 (29,16) | |
ABVDs | |||
nenhuma | 532 (89,41) | 63 (10,58) | 0,830 |
≥ 1 | 62 (88,57) | 8 (11,42) | |
Incapacidade geral | |||
nenhuma | 38 (97,44) | 1 (2,56) | 0,085 |
≥ 1 | 551 (88,58) | 71 (11,41) | |
Saúde Percebida | |||
Ruim e muito ruim | 29 (74,36) | 10 (25,64) | |
Regular | 212 (89,83) | 24 (10,17) | 0,009 |
Boa e muito boa | 354 (90,31) | 38 (9,69) |
Maior percentual de idosos com expectativa de suporte para o cuidado esteve entre os homens, sujeitos que residem acompanhados, que deixaram de realizar uma ou mais AA-VDs e nos que têm saúde percebida boa e muito boa. No entanto, maior número de idosos que avaliaram sua saúde como ruim ou muito ruim e idosos que residem sozinhos têm ausência de expectativa de suporte para o cuidado.
A análise de regressão logística univariada dos dados constatou que os idosos que avaliam a própria saúde como ruim ou muito ruim apresentam três vezes mais chance de ter ausência de expectativa de suporte para o cuidado. As mulheres têm duas vezes mais chance de não ter expectativa de suporte para o cuidado. E, se o idoso residir sozinho, tem três vezes mais chance de não ter esta expectativa presente (Tabela 2).
Tabela 2 Análise de regressão logística univariada para ausência de expectativa de suporte para o cuidado, 2008-2009, Campinas, São Paulo, Brasil
Variável | Categorias | Valor de p | O.R.* | IC 95% O.R. |
---|---|---|---|---|
Gênero | Masculino (ref.) Feminino | - | 1,00 | - |
0,020 | 2,06 | 1,12-3,77 | ||
Idade | 60-74 anos (ref.)≥ 75 anos | - | 1,00 | - |
0,691 | 1,11 | 0,66-1,87 | ||
Arranjo de moradia | Acompanhado (ref.) Sozinho | - | 1,00 | - |
< 0,001 | 3,07 | 1,79-5,28 | ||
Número de doenças | 0 a 2 (ref.) ≥ 3 | 0,301 | 1,00 | 0,79-2,11 |
- | 1,30 | - | ||
Fragilidade | Não-frágil (ref.) Pré-frágil ou frágil | 0,494 | 1,00 | 0,73-1,95 |
- | 1,19 | - | ||
Incapacidade em AIVDs | 0 (ref.)≥ 1 | 0,549 | 1,00 | 0,69-2,02 |
- | 1,18 | - | ||
Incapacidade em AAVDs | 0 (ref. )≥ 1 | 0,065 | 1,00 | 0,89-48,05 |
- | 6,54 | - | ||
Incapacidade em ABVDs | 0 (ref.) ≥ 1 | 0,830 | 1,00 | 0,50-2,38 |
- | 1,09 | - | ||
Incapacidade geral | 0 (ref.) ≥ 1 | 0,120 | 1,00 | 0,66-36,21 |
- | 4,90 | - | ||
Saúde percebida | Boa ou muito boa (ref.) | - | 1,00 | - |
Regular | 0,847 | 1,06 | 0,62-1,81 | |
Ruim ou muito ruim | 0,004 | 3,21 | 1,45-7,10 |
*OR (Odds Ratio) = Razao de risco para ausência de expectativa de suporte para o cuidado; (n = 598 com expectativa e n = 73 sem expectativa); IC 95% OR = Intervalo de 95% de confiança para a razão de risco; Ref.: nível de referência.
A análise multivariada dos dados confirma a análise anterior no que diz respeito ao arranjo de moradia e saúde percebida, quando o risco da ausência de expectativa de suporte para o cuidado está presente três vezes mais em idosos que moram sozinhos e quase quatro vezes mais nos idosos com a saúde percebida ruim ou muito ruim (Tabela 3).
Tabela 3 Análise de regressão logística multivariada para ausência de expectativa de suporte para o cuidado, 2008-2009, Campinas, São Paulo, Brasil
Variáveis Selecionadas | Categorias | Valor de p | O.R.* | IC 95% O.R. |
---|---|---|---|---|
Arranjo de moradia | Acompanhado (ref.) | - | 1,00 | - |
Sozinho | < 0,001 | 3,36 | 1,93-5,86 | |
Saúde percebida | Boa ou muito boa (ref.) | - | 1,00 | - |
Regular | 0,901 | 0,97 | 0,55-1,68 | |
Ruim ou muito ruim | 0,002 | 3,74 | 1,65-8,48 |
*OR (Odds Ratio) = Razão de risco para ausência de expectativa de suporte para o cuidado; (n = 572 com expectativa e n = 71 sem expectativa); IC 95% OR = Intervalo de 95% de confiança para a razão de risco; Critério Stepwise de seleção de variáveis.
Realizou-se também análise logística multivariada dos dados, controlado por gênero e idade, com resultados semelhantes aos encontrados anteriormente (Tabela 4).
Tabela 4 Análise de regressão logística multivariada para ausência de expectativa de suporte para o cuidado, controlada por gênero e idade, 2008-2009, Campinas, São Paulo, Brasil
Variáveis | Categorias | Valor de p | O.R.* | IC 95% O.R. |
---|---|---|---|---|
Arranjo de moradia | Acompanhado (ref.) | - | 1,00 | - |
Sozinho | < 0,001 | 3,10 | 1,75-5,49 | |
Saúde percebida | Boa ou muito boa (ref.) | - | 1,00 | - |
Regular | 0,940 | 0,98 | 0,56-1,71 | |
Ruim ou muito ruim | 0,003 | 3,45 | 1,51-7,88 |
*OR (Odds Ratio) = Razao de risco para ausência de expectativa de suporte para o cuidado (n = 572 com expectativa e n = 71 sem expectativa). IC 95% OR = Intervalo de 95% de confiança para a razão de risco. Critério Stepwise de seleção de variáveis.
DISCUSSÃO
Este estudo incluiu idosos com quadro cognitivo e capacidade funcional preservados. Portanto, idosos restritos a seus domicílios, com limitações físicas e cognitivas maiores não tiveram sua expectativa de suporte para o cuidado investigadas, sendo esta uma das limitações desta pesquisa. Ademais, considerando a natureza transversal deste estudo epidemiológico, não é possível afirmar relações de causa e efeito entre expectativa de suporte para o cuidado e outras variáveis estudadas, apesar de ter sido possível identificar fatores possivelmente associados à ausência de expectativa.
Embora grande parte dos idosos tenha relatado expectativa de suporte presente, parcela importante destes indivíduos referiu contar com apenas uma pessoa. Na medida em que grande parte deste grupo aponta o cônjuge idoso como figura mais frequentemente associada a este tipo de apoio, pode-se supor que ambos podem estar em situação de falta de suporte adequado para o cuidado(17). Os resultados também apontam que aqueles que moram sozinhos ou tem má percepção da própria saúde têm maiores risco de não ter com quem contar em caso de necessidade de ajuda para a realização de suas AVDs. Estudo desenvolvido em São Paulo mostra que perfil semelhante de idosos apresenta baixos índices de suporte social recebido(18). Neste sentido, pode-se crer que os idosos com estas características não só não esperam receber ajuda, como verdadeiramente não recebem ajuda quando necessitam.
A literatura aponta que quanto maior o número de pessoas vivendo com o idoso, melhores suas condições financeiras e de afeto recebido(19). Quando residindo junto de seus filhos, os idosos muitas vezes colaboram financeiramente com sua aposentadoria para os gastos da casa e com isso recebem o cuidado necessário, sendo esta forma de arranjo um sistema de transferência intergeracional de duas vias(20). Assim sendo, apesar do fato de residirem sozinhos poder indicar melhores condições de saúde e capacidade funcional, idosos morando sozinhos correm risco de precisar de ajuda e não ter a quem recorrer e podem estar econômica e socialmente vulneráveis.
Esta realidade torna-se preocupante à medida que o número de idosos residindo sozinhos no Brasil aumenta a cada ano. Estatísticas recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios(21) mostram que somente no período de período de 1992-2012 houve um crescimento de 215% no número destes idosos, representados em sua grande maioria pelo gênero feminino. No entanto, apesar desta realidade, políticas atuais de atenção ao idoso defendem o domicílio como o melhor local para o idoso permanecer e ser cuidado, possibilitando a manutenção de sua autonomia, identidade e dignidade(22).
Neste sentido, embora tenham por objetivo ampliar o acesso da população aos cuidados de saúde e resgatar o espaço domiciliar como ambiente terapêutico, estas políticas tornam-se excludentes à medida que não oferecem uma rede de suporte formal adequada ao idoso que não possui a rede informal de suporte. Em outras palavras, a situação de dependência do sistema público sobre o cuidado provido por familiares ou pessoas próximas ao indivíduo longevo torna-se também motivo de especial preocupação na saúde pública, pois, conforme apontado, significativa parcela de idosos que residem sozinhos relatam não ter expectativa de suporte para o cuidado.
Outro dado alarmante é o fato de que os idosos com percepção ruim ou muito ruim de saúde apresentaram maior e significativo risco para ausência de expectativa de suporte para cuidado. Embora não tenham sido encontrados estudos correlacionando estas mesmas variáveis, a literatura aponta que a percepção de saúde de idosos está diretamente relacionada com a qualidade do suporte social recebido ou percebido(23-24), bem como o estilo de vida e saúde destes indivíduos está diretamente relacionado com experiências positivas de suporte social(25). Ademais, dentre algumas das consequências da pior percepção de saúde estão perda da capacidade funcional(26) e maior risco de mortalidade em idosos(27).
Outrossim, corroborando ainda com dados da literatura(28), a autoavaliação de saúde esteve condizente com a avaliação objetiva do estado geral de saúde desta amostra, em que, apesar do relativo estado de independência, a maioria referiu ter três ou mais comorbidades e apresentaram estado de fragilidade ou pré-fragilidade, o que os coloca em maior risco para a dependência na realização de AVDs(29). E por fim, embora os estudos evidenciem que melhor capacidade funcional em idosos está associada a presença de expectativa de suporte(30), esta correlação não se mostrou significante no presente estudo para o risco de ausência de expectativa.
Diante dos resultados encontrados e considerando a tendência de grande parcela da população idosa brasileira vivendo sozinha, com propensão para o crescimento da prevalência de doenças crônicas incapacitantes e a necessidade de cuidado nesta população, é preciso repensar sobre as redes formais e informais de suporte para o cuidado à população longeva, a fim de melhorar sua percepção e condições objetivas de saúde, bem como preservar sua autonomia e bem-estar. Profissionais de saúde devem estar atentos a estas demandas e devem buscar identificar fatores de risco para ausência de expectativa de suporte em idosos no planejamento do cuidado ao idoso.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa aponta que idosos que residem sozinhos e aqueles com percepção ruim da própria saúde estão em maior risco para a ausência de expectativa de suporte para o cuidado. Estes resultados poderão ser utilizados para guiar politicas públicas sociais e de saúde voltadas para indivíduos longevos, visto que o número de idosos com o perfil apontado é cada vez maior no Brasil. Conclui-se também que é preciso reavaliar o sistema de apoio formal oferecido aos idosos do município em questão e outros estudos devem ser realizados a fim de se compreender como a expectativa de suporte está associada com diferentes variáveis sociais e de saúde em idosos a longo prazo, bem como a sua relação com outras medidas de suporte social.
No que concerne ao impacto desta pesquisa para a prá-prática clínica. É preciso considerar a percepção e a expectica de saúde, ressalta-se ainda a importância da inserção tativa de suporte para cuidado como parte do planejamento de métodos subjetivos de avaliação do idoso, tais como a de cuidado do enfermeiro, com a finalidade de prover a atenexpectativa de suporte, pois este mostrou ser um método ção necessária a estes indivíduos de acordo com suas reais prático e sensível de avaliação, passível de ser utilizado na necessidades.