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Adesão às recomendações nutricionais e variáveis sociodemográficas em pacientes com diabetes mellitus

Resumos

OBJETIVO

Verificar se há relação entre a adesão às recomendações nutricionais e variáveis sociodemográficas de pacientes brasileiros com diabetes mellitus tipo 2.

MÉTODOS

Estudo observacional seccional, com amostra aleatória estratificada constituída por 423 indivíduos. Utilizou-se o Questionário de Frequência de Consumo Alimentar. Aplicou-se o Teste Exato de Fisher com intervalo de confiança de 95% (p-valor<0,05).

RESULTADOS

Dos 423 sujeitos, 66,7% eram mulheres, média de idade 62,4 (DP=11,8) anos, média de anos de estudo de 4,3 (DP=3,6) e renda familiar inferior a dois salários mínimos. Foi encontrada associação entre sexo feminino e adesão à dieta com adequado teor de colesterol (OR:2,03; IC:1,23;3,34), entre quatro anos e mais de estudo e adesão ao fracionamento das refeições (OR:1,92; IC:1,19;3,10), renda inferior a dois salários mínimos e adesão à dieta com adequado teor de colesterol (OR:1,74; IC:1,03;2,95).

CONCLUSÃO

A adesão às recomendações nutricionais foi associada ao sexo feminino, escolaridade superior a quatro anos e renda familiar inferior a dois salários mínimos.

Diabetes Mellitus; Hábitos Alimentares; Nutrição em Saúde Pública; Enfermagem de Atenção Primária; Saúde da Família


OBJECTIVE

To determine if there is a relationship between adherence to nutritional recommendations and sociodemographic variables in Brazilian patients with type 2 diabetes mellitus.

METHODS

Cross-sectional observational study using a stratified random sample of 423 individuals. The Food Frequency Questionnaire (FFQ) was used, and the Fisher's exact test was applied with 95% confidence interval (p<0.05).

RESULTS

Of the 423 subjects, 66.7% were women, mean age of 62.4 years (SD = 11.8), 4.3 years of schooling on average (SD = 3.6) and family income of less than two minimum wages. There was association between the female gender and adherence to diet with adequate cholesterol content (OR: 2.03; CI: 1.23; 3.34), between four and more years of education and adherence to fractionation of meals (OR: 1 92 CI: 1.19; 3.10), and income of less than two minimum wages and adherence to diet with adequate cholesterol content (OR: 1.74; CI: 1.03, 2.95).

CONCLUSION

Adherence to nutritional recommendations was associated with the female gender, more than four years of education and family income of less than two minimum wages.

Diabetes Mellitus; Food Habits; Nutrition, Public Health; Primary Care Nursing; Family Health


OBJETIVO

Verificar si hay relación entre la adhesión a las recomendaciones de nutrición y las variables sociodemográficas de pacientes brasileños con diabetes mellitus tipo 2.

MÉTODOS

Estudio observacional seccional, con muestra aleatoria estratificada constituida de 423 individuos. Se utilizó el Cuestionario de Frecuencia de Consumo Alimentario. Se aplicó el Test Exacto de Fisher con intervalo de confianza del 95% (p-valor<0,05).

RESULTADOS

De los 423 sujetos, el 66,7% eran mujeres, promedio de edad de 62,4 (DP=11,8) años, promedio de años de estudio de 4,3 (DP=3,6) y renta familiar inferior a dos sueldos mínimos. Se encontró asociación entre sexo femenino y adhesión a la dieta con adecuado contenido de colesterol (OR:2,03; IC:1,23;3,34), entre cuatro años y más de estudio y adhesión al fraccionamiento de las comidas (OR:1,92; IC:1,19;3,10), renta inferior a dos sueldos mínimos y adhesión a la dieta con adecuado contenido de colesterol (OR:1,74; IC:1,03;2,95).

CONCLUSIÓN

La adhesión a las recomendaciones de nutrición estuvo asociada con el sexo femenino, escolaridad superior a cuatro años y renta familiar inferior a dos sueldos mínimos.

Diabetes Mellitus; Hábitos Alimenticios; Nutrición en Salud Pública; Enfermería de Atención Primaria; Salud de la Familia


Introdução

A adesão à alimentação saudável é um constante desafio no tratamento para a maioria dos pacientes com diabetes mellitus (DM) e o seguimento do plano alimentar é geralmente percebido como proibitivo, restritivo e distante do padrão habitual(1Pontieri FM, Bachion MM. Crenças de pacientes diabéticos acerca da terapia nutricional e sua influência na adesão ao tratamento. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(1):151-60.).

A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) recomenda que o plano alimentar seja individualizado e de acordo com as necessidades calóricas diárias, atividade física e terapêutica medicamentosa de cada paciente(3Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2014-2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015.). Além das recomendações quantitativas, a alimentação diária deve ser fracionada em seis refeições, compreendendo três refeições principais e três lanches intermediários(3Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2014-2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015.). As recomendações nutricionais para as pessoas com diabetes devem ser focadas nas necessidades individuais, levando-se em consideração a etapa do ciclo vital, o diagnóstico nutricional, os hábitos alimentares, o sistema de crenças e os valores socioculturais, bem como o perfil metabólico e o uso de medicamentos. Além disso, devem ser consistentes com os padrões definidos para a população geral(3Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2014-2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015.).

Estudo transversal com 609 adultos com DM, realizado entre 2008 e 2010, avaliou a adesão às recomendações nutricionais referidas pelos sujeitos segundo as recomendações da Associação Europeia de Diabetes (EASD), da Associação Americana de Diabetes (ADA) e da Dieta do Mediterrâneo. Esta investigação evidenciou que apenas 48,7% dos sujeitos aderiram às recomendações da EASD, 46,3% às da ADA, e 57,4% à Dieta do Mediterrâneo(6Muñoz-Pareja M, León-Muñoz LM, Guallar-Castillón P, Graciani A, López-García E, Banegas JR, et al. The diet of diabetic patients in Spain in 2008-2010: accordance with the main dietary recommendations: a cross-sectional study. PLoS ONE. 2012;7(6):e39454.).

Pesquisa realizada na Jordânia com pacientes adultos e idosos com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) mostrou que a adesão ao plano alimentar é baixa, mesmo quando orientados por nutricionista e tomando por base apenas alguns dias da semana(7Khattab M, Khader YS, Al-Khawaldeh A, Ajlouni K. Factors associated with poor glycemic control among patients with type 2 diabetes. J Diabetes Complications. 2009;24(2):84-9.). Outro estudo, realizado em Botswana, África, que avaliou as taxas de adesão ao plano alimentar utilizando as recomendações nutricionais orientadas por profissional de saúde da dieta proposta pelo Approach to Stop Hypertension(DASH), também encontrou taxas de adesão insatisfatórias(8Ganiyu AB, Mabuza LH, Malete NH, Govender I, Ogunbanjo GA. Non-adherence to diet and exercise recommendations amongst patients with type 2 diabetes mellitus attending Extension II Clinic in Botswana. Afr J Prim Health Care Fam Med. 2013;5(1):1-6.).

Investigar a adesão é uma tarefa complexa, tendo em vista que a relação entre as variáveis envolvidas no fenômeno ainda não está bem estabelecida. Dentre os fatores envolvidos, destacam-se sexo, idade, escolaridade e renda, entre outros. Estudos mostram que há relação entre adesão ao tratamento medicamentoso e sexo feminino(9Baquedano IR, Santos MA, Teixeira CRS, Martins TA,. Zanetti ML Factors related to self-care in diabetes mellitus patients attended at Emergency Service in Mexico. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2010 [cited 2014 Oct 17];44(4):1017-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n4/en_23.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n4/en...
), idade avançada(9Baquedano IR, Santos MA, Teixeira CRS, Martins TA,. Zanetti ML Factors related to self-care in diabetes mellitus patients attended at Emergency Service in Mexico. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2010 [cited 2014 Oct 17];44(4):1017-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n4/en_23.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n4/en...
) e escolaridade(9Baquedano IR, Santos MA, Teixeira CRS, Martins TA,. Zanetti ML Factors related to self-care in diabetes mellitus patients attended at Emergency Service in Mexico. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2010 [cited 2014 Oct 17];44(4):1017-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n4/en_23.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n4/en...
).

Na literatura internacional, estudos transversais apontam que as variáveis sexo, idade, escolaridade, estado civil e ocupação estão relacionadas à adesão às recomendações nutricionais(6Muñoz-Pareja M, León-Muñoz LM, Guallar-Castillón P, Graciani A, López-García E, Banegas JR, et al. The diet of diabetic patients in Spain in 2008-2010: accordance with the main dietary recommendations: a cross-sectional study. PLoS ONE. 2012;7(6):e39454.,1313 Uchenna O, Ijeoma E, Pauline E, Sylvester O. Contributory factors to diabetes dietary regimen non adherence in adults with diabetes. World Acad Sci Eng Technol. 2010;4(9):644-51.-1414 Mumu SJ, Saleh F, Ara F, Afnan F, Ali L. Non-adherence to life-style modification and its factors among type 2 diabetic patients. Indian J Public Health. 2014;58(1):40-4.).

No entanto, no que se refere à adesão às recomendações nutricionais, as evidências ainda são escassas no contexto nacional(1515 Villas-Boas LCG, Foss MC, Foss-Freitas MC, Torres HC, Monteiro LZ, Pace AE. Adesão à dieta e ao exercício físico das pessoas com diabetes mellitus. Texto Contexto Enferm. 2011;20(2):272-9.). Há necessidade de investigar qual é a contribuição das variáveis sociodemográficas na adesão ao plano alimentar em adultos de meia-idade e idosos, ao considerar que o diabetes é uma condição progressiva e que, portanto, pode trazer demandas diferenciadas em relação à adesão ao plano alimentar no curso da doença.

Ao considerar que o plano alimentar é individualizado, pergunta-se: Qual é a relação entre as variáveis sociodemográficas e a adesão às recomendações nutricionais para indivíduos com DM? Diante do exposto, este estudo teve como objetivo verificar se há relação entre a adesão às recomendações nutricionais e variáveis sociodemográficas de pacientes brasileiros com DM2.

Método

Estudo observacional seccional, realizado de fevereiro a dezembro de 2010, na cidade de Passos (MG), região sudeste do Brasil. A população foi constituída por 1.406 indivíduos com DM2, cadastrados em 17 unidades de atenção básica de saúde.

O cálculo da amostra foi realizado por meio de fórmula para estudos transversais de população infinita, com base em uma prevalência de adesão conservadora de 50%, que permitiu o maior quantitativo possível. O cálculo do tamanho da amostra resultou em 421 pessoas com DM2. A amostra foi acrescida de 20%, considerando possíveis perdas de amostragem resultantes de recusas, hospitalizações, desistências, informações erradas e/ou indisponíveis.

Participaram do estudo pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, em uso de terapia medicamentosa oral para controle do DM2, com capacidade de entender e responder às questões dos instrumentos de pesquisa - observados pelos pesquisadores, que estavam em seguimento nas referidas instituições -, e que aceitaram participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídas as mulheres com diagnóstico de DM gestacional e os pacientes que faziam uso de insulina.

Para a coleta de dados foram selecionadas 505 pessoas, sendo que 14 não foram encontradas no domicílio, 12 recusaram-se a participar da pesquisa, seis negaram ter o diagnóstico de DM2, 25 foram excluídos por estarem em uso de insulina, 11 mudaram de endereço, cinco não faziam uso de terapia farmacológica para DM2, três devido a déficit visual e um auditivo, cinco foram a óbito, o que totalizou 82 perdas de amostragem. Assim, a amostra aleatória estratificada foi constituída por 423 pessoas com DM2, que atenderam aos critérios de inclusão.

Para a coleta de dados foram utilizados dois instrumentos: um questionário contendo as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, anos de estudo e renda familiar) e o Questionário de Frequência de Consumo Alimentar (QFCA), proposto e validado em 2002(1616 Ribeiro AB, Cardoso MA. Construção de um questionário de frequência alimentar como subsídio para programas de prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. Rev Nutr. 2002;15(2):239-45.). O QFCA permite avaliar o consumo de 10 grupos de alimentos, segundo número de vezes, unidade e tamanho das porções consumidas.

A coleta de dados foi realizada por pesquisadores de campo, previamente selecionados e treinados. Os dados sociodemográficos e do QFCA foram obtidos por meio de entrevista dirigida, realizada no domicílio dos pacientes. O tempo médio de duração de cada entrevista foi de 40 minutos.

Os dados foram organizados em planilha do programa Microsoft Excel, por meio de dupla digitação e posterior validação, a fim de controlar possíveis erros na transposição das informações. As variáveis foram codificadas de acordo com a resposta obtida e, quando possível, foram categorizadas para permitir maior facilidade na análise e compreensão dos resultados.

Em relação ao QFCA, os dados obtidos foram digitados no programaDietsys, versão 4.0. Esse programa foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Câncer dos EUA e, por meio dele, obteve-se a média do valor calórico total (VCT) consumido por cada indivíduo, a quantidade de fibras e colesterol consumida em miligramas, além da porcentagem de carboidratos, proteínas, gordura total e gordura saturada em relação ao VCT. O cálculo do VCT e dos macronutrientes foi realizado a partir da codificação das repostas sobre a frequência do consumo de cada alimento.

Para a análise utilizou-se estatística descritiva para caracterização da amostra e determinação da prevalência de adesão ao plano alimentar. A adesão à recomendação nutricional foi avaliada de acordo com cada item da composição da dieta para os pacientes com DM2 conforme recomendado pela Sociedade Brasileira de Diabetes (Quadro 1)(3Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2014-2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015.). Para o QFCA, foram considerados como adesão os pacientes que atenderam a pelo menos, três das seis recomendações nutricionais preconizadas pela SBD, ou seja, consumo de carboidratos totais, fibra alimentar e o fracionamento das refeições. Optou-se por essas três recomendações devido à relação direta com o controle glicêmico dos pacientes com DM.

Quadro 1
Composição nutricional do plano alimentar e fracionamento das refeições segundo a SBD - São Paulo, SP, Brasil, 2014.

Para verificar a relação entre adesão às recomendações nutricionais do plano alimentar e as variáveis sociodemográficas, aplicou-se o Teste Exato de Fisher. A quantificação da associação foi mensurada por meio de modelos de regressão logística. Calculou-se o Odds ratio bruto (OR), com os respectivos intervalos de confiança de 95% para cada variável em relação à adesão. As análises estatísticas foram realizadas com osoftware estatístico SAS® 9.0. Valores dep < 0.05 foram considerados estatisticamente significativos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de São Paulo (protocolo nº 0990/2009).

Resultados

Dos 423 pacientes com DM2, a média de idade foi de 62,4 (desvio-padrão de 11,8) anos. Houve predomínio do sexo feminino (66,7%). Em relação aos anos de estudo, a média foi 4,3 (desvio-padrão de 3,6) anos. Quanto à renda familiar, 69,6% sujeitos recebiam remuneração inferior a dois salários mínimos, com mediana de R$ 1.020 (desvio-padrão de 5077,6) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição numérica e percentual dos pacientes com DM2 segundo variáveis sociodemográficas - Passos, MG, Brasil, 2010.

No que se refere à composição nutricional do plano alimentar e fracionamento das refeições segundo a ADA(4American Diabetes Association. Nutrition principles and recommendations in diabetes. Diabetes Care. 2009;32 Suppl 1:513-61.), o consumo de carboidratos e proteínas estava dentro dos parâmetros esperados para a maioria dos pacientes (69,3% e 51,1%, respectivamente). Quanto ao adequado teor de colesterol na dieta, 81,3% dos pacientes referiram consumo de acordo com a recomendação.

Por outro lado, 57,9% dos pacientes referiram elevada ingestão de gordura saturada, média de 7,5 (desvio-padrão de 2,3). A maioria dos pacientes (92%) não atingiu o valor mínimo recomendado de consumo de fibra alimentar. Quanto ao fracionamento da dieta, 78% referiram realizar menos de cinco refeições ao dia, média de 3,9 (desvio-padrão de 1,0) (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos pacientes segundo nutrientes consumidos e fracionamento das refeições de acordo com as recomendações da SBD - Passos, MG, Brasil, 2010.

Ao adotar o nível mínimo de significância de 5% (p-valor <0,05), verificou-se que houve associação entre sexo feminino e adesão à dieta com adequado teor de colesterol (OR:2,03; IC:1,23;3,34) (Tabela 3).

Tabela 3
Associação entre variáveis sociodemográficas e adesão às recomendações nutricionais - Passos, MG, Brasil, 2010.

Também se encontrou associação entre quatro anos e mais de estudo e adesão ao fracionamento das refeições (OR:1,92; IC:1,19;3,10), e renda inferior a dois salários mínimos e adesão à dieta com adequado teor de colesterol (OR:1,74; IC:1,03;2,95) (Tabela 4).

Tabela 4
Regressão logística das variáveis associadas à adesão às recomendações nutricionais - Passos, MG, Brasil, 2010.

Pacientes com quatro anos ou mais de estudo têm maior chance de fracionar as refeições do que aqueles com escolaridade inferior (OR=1,92). Em relação ao sexo, as mulheres apresentaram maior chance de ter adequado teor de LDL colesterol, bem como os pacientes com menor renda familiar.

Discussão

A despeito do delineamento metodológico adotado não permitir estabelecer relações de causalidade, os resultados apontam que as variáveis sexo, escolaridade e renda estão relacionadas à adesão às recomendações nutricionais. Os resultados trazem evidências empíricas para subsidiar o planejamento de programas específicos, o que representa um aporte de novos conhecimentos dentro do contexto nacional.

A avaliação da composição do plano alimentar mostrou que a maioria dos pacientes referiu consumo adequado para os macronutrientes carboidratos e proteínas, embora os estudos apontem a adesão à dieta como um dos pontos mais críticos do tratamento(1Pontieri FM, Bachion MM. Crenças de pacientes diabéticos acerca da terapia nutricional e sua influência na adesão ao tratamento. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(1):151-60.).

Nessa direção, estudos evidenciam que a maioria dos pacientes com diabetes que receberam orientações dietéticas não seguem as recomendações nutricionais ou abandonam o plano alimentar prescrito(2Ribas CRP, Santos MA, Zanetti ML. Representações sociais dos alimentos sob a ótica de pessoas com diabetes mellitus. Interam J Psychol. 2011;45(2):255-62.,7Khattab M, Khader YS, Al-Khawaldeh A, Ajlouni K. Factors associated with poor glycemic control among patients with type 2 diabetes. J Diabetes Complications. 2009;24(2):84-9.,1818 Davison KAK, Negrato CA, Cobas R, Matheus A, Tannus L, Palma CS, et al. Relationship between adherence to diet, glycemic control and cardiovascular risk factors in patients with type 1 diabetes: a nationwide survey in Brazil. Nutr J. 2014;13:19.). A composição de alimentos da dieta, em termos da qualidade, é um requisito importante ao se considerar a alimentação em sua totalidade, pois o consumo total de carboidratos deve incluir frutas, legumes e cereais integrais que são fonte de fibras(4American Diabetes Association. Nutrition principles and recommendations in diabetes. Diabetes Care. 2009;32 Suppl 1:513-61.), o que não ocorre com os carboidratos refinados, como pães, massas e sucos industrializados.

O baixo consumo de fibras encontrado para a maioria dos pacientes evidencia que, embora o quantitativo de carboidratos ingeridos esteja adequado, houve discrepância em relação à qualidade de alimentos ricos em fibras. A ingesta de fibras, segundo recomendação da SBD, tem efeitos benéficos na glicemia e no metabolismo de lipídios, e agem favoravelmente para a manutenção da função intestinal(3Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2014-2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015.).

Quanto ao consumo de proteínas, constatou-se a mesma discrepância entre a quantidade adequada e a qualidade dos alimentos consumidos, mesmo considerando que a quantidade referida é adequada (57,9%). Esse dado pode ter refletido na elevada ingesta de gordura saturada, pois as principais fontes de proteínas na alimentação são carnes, leites, derivados do leite e leguminosas, e dentre elas, carnes, leite e derivados também são fontes de gordura saturada. Dessa forma, os resultados apontam que a qualidade dos alimentos proteicos consumidos favoreceu um consumo elevado de gordura saturada.

A adesão ao fracionamento adequado das refeições é recomendada na literatura internacional(1919 Franz MJ, Powers MA, Leontos C, Holzmeister LA, Kulkarni K, Monk A, et al. The evidence for medical nutrition therapy for type 1 and type 2 diabetes in adults. J Am Diet Assoc. 2010;110(12):1852-89.). Os dados encontrados em relação ao fracionamento também foram evidenciados em outro estudo realizado no contexto brasileiro, que mostrou um consumo alimentar médio de três a quatro refeições diárias(2020 Cotta RMM, Reis RS, Batista KCS, Dias G, Alfenas RCG, Castro FAF. Hábitos e práticas alimentares de hipertensos e diabéticos: repensando o cuidado a partir da atenção primária. Rev Nutr. 2009;22(6):823-35.). Isso sugere a dificuldade dos pacientes com DM em atender às recomendações nutricionais em relação ao fracionamento das refeições, medida importante para um melhor controle dos níveis glicêmicos.

O presente estudo mostrou que houve associação entre sexo feminino e adesão à dieta com adequado teor de colesterol, pois as mulheres mostraram maior chance de apresentar esse parâmetro. Nessa direção, estudo transversal realizado em 2010 na Nigéria encontrou que as mulheres com diabetes apresentam maior adesão ao tratamento(1313 Uchenna O, Ijeoma E, Pauline E, Sylvester O. Contributory factors to diabetes dietary regimen non adherence in adults with diabetes. World Acad Sci Eng Technol. 2010;4(9):644-51.). Em contrapartida, estudo realizado no Nepal mostrou que as mulheres têm mais chance de não aderir às recomendações nutricionais quando comparadas aos homens(2121 Shrivastava SR, Shrivastava PS, Ramasamy J. Role of self-care in management of diabetes mellitus. J Diabetes Metab Disord. 2013;12(14):3-5.). Constata-se que, devido às diferenças culturais no padrão alimentar e à complexidade das variáveis envolvidas na adesão às recomendações dietéticas, os resultados são inconclusivos em relação à variável sexo. Desse modo, estudos futuros devem ser conduzidos com metodologias semelhantes para favorecer comparações.

No que se refere à idade e as recomendações nutricionais propostas pela SBD, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa. Entretanto, estudo transversal realizado na Espanha entre 2008 e 2010, com 609 adultos com DM, mostrou que a adesão às recomendações nutricionais aumentou com a idade. Os adultos mais velhos mostraram maior adesão aos objetivos nutricionais, provavelmente devido a fatores culturais e à facilidade em cozinhar e comer em casa(6Muñoz-Pareja M, León-Muñoz LM, Guallar-Castillón P, Graciani A, López-García E, Banegas JR, et al. The diet of diabetic patients in Spain in 2008-2010: accordance with the main dietary recommendations: a cross-sectional study. PLoS ONE. 2012;7(6):e39454.).

Em relação à escolaridade, na presente investigação observou-se que pacientes com quatro anos ou mais de estudo mostraram ter maior chance de fracionar as refeições do que aqueles com escolaridade inferior. Ao analisar a associação entre quatro anos e mais de estudo e adesão ao fracionamento das refeições, confirmou-se a necessidade de algum grau de escolaridade para a compreensão da complexidade do tratamento. O plano alimentar requer que o paciente entenda os componentes dos alimentos, como atuam no organismo, que alimentos contêm os nutrientes recomendados, em que proporções eles devem ser consumidos, entre outros. O conhecimento por si só não implica necessariamente adesão ao tratamento prescrito, mas a lacuna de informações pode dificultar a adesão ao tratamento. Pessoas com maior nível de escolaridade tendem a apresentar maior conhecimento e habilidades que favorecem o manejo da doença. Assim, maior nível de escolaridade é uma variável que favorece a adesão às recomendações nutricionais(8Ganiyu AB, Mabuza LH, Malete NH, Govender I, Ogunbanjo GA. Non-adherence to diet and exercise recommendations amongst patients with type 2 diabetes mellitus attending Extension II Clinic in Botswana. Afr J Prim Health Care Fam Med. 2013;5(1):1-6.,1414 Mumu SJ, Saleh F, Ara F, Afnan F, Ali L. Non-adherence to life-style modification and its factors among type 2 diabetic patients. Indian J Public Health. 2014;58(1):40-4.,2222 Gherman A, Schnur J, Montgomery G, Sassu R, Veresiu I, David D. How are adherent people more likely to think? A meta-analysis of health beliefs and diabetes self-care. Diabetes Educ. 2011;37(3):392-408.-2323 Hernandez-Tejada MA, Lynch CP, Strom JL, Strom JL, Egede LE. Effect of perceived control on quality of life in indigent adults with type 2 diabetes. Diabetes Educ. 2012;38(2):256-62.).

Nessa direção, os programas de educação em diabetes devem dar atenção especial aos pacientes com baixo nível de escolaridade. Os profissionais de saúde precisam planejar atividades educativas considerando as especificidades de conhecimento de cada paciente.

No presente estudo constatou-se associação entre renda inferior a dois salários mínimos e adesão à dieta com adequado teor de colesterol. Estudo mostrou que os pacientes têm limitações econômicas que dificultam a aquisição de alimentos prescritos no plano alimentar(1Pontieri FM, Bachion MM. Crenças de pacientes diabéticos acerca da terapia nutricional e sua influência na adesão ao tratamento. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(1):151-60.). A despeito disso, os resultados sugerem que a adesão às recomendações nutricionais pode ocorrer mesmo em pessoas com rendimentos modestos. Neste sentido, reconhece-se que o nutricionista pode colaborar na elaboração de um plano alimentar que atenda às recomendações nutricionais preconizadas pela SBD em relação ao teor de colesterol na dieta de acordo com as particularidades e especificidades de cada paciente, incluindo a variável renda familiar.

Os resultados obtidos mostram que a adesão às recomendações nutricionais foi associada ao sexo feminino, escolaridade superior a quatro anos e renda familiar inferior a dois salários mínimos. Este estudo contribui para o avanço do conhecimento sobre os fatores facilitadores e impeditivos da adesão à terapia nutricional em diabetes. Contudo, permanecem como desafios para estudos futuros compreender as nuances relacionadas às fortalezas e fragilidades de pacientes com diabetes para atenderem às recomendações nutricionais preconizadas(2323 Hernandez-Tejada MA, Lynch CP, Strom JL, Strom JL, Egede LE. Effect of perceived control on quality of life in indigent adults with type 2 diabetes. Diabetes Educ. 2012;38(2):256-62.).

Analisar o padrão da dieta humana é uma tarefa desafiadora, mesmo com auxílio de instrumentos psicométricos, pois os dados são obtidos a partir de medidas de autorrelato. Quando se incluem pacientes de meia-idade e idosos na amostra investigada, acrescenta-se outra dificuldade, relacionada às limitações cognitivas decorrentes da idade. Cabe destacar que neste estudo não foi realizada avaliação, por meio de instrumento padronizado, para detecção de possível prejuízo cognitivo.

Conclusão

Este estudo mostrou que houve associação entre sexo feminino e adesão à dieta com adequado teor de colesterol. Também se encontrou associação entre quatro anos e mais de estudo e adesão ao fracionamento das refeições, e renda inferior a dois salários mínimos e adesão à dieta com adequado teor de colesterol.

O estudo apresenta limitações relacionadas ao desenho transversal, que não permite estabelecer relações de causa e efeito entre as variáveis investigadas. Entretanto, possibilitou estabelecer associações entre algumas variáveis, abrindo novas hipóteses de estudos a serem testadas em futuras investigações. A comparação dos resultados obtidos no presente estudo com os encontrados na literatura foi limitada, ao considerar as diferenças metodológicas e instrumentos utilizados na coleta de dados, principalmente no que se refere aos instrumentos utilizados para a coleta de dados dietéticos e os vários parâmetros de corte para adesão.

Este estudo verificou a relação das variáveis sexo, idade, escolaridade e renda com a adesão a cada recomendação nutricional. Por outro lado, a maioria dos estudos disponíveis na literatura investigou as variáveis de acordo com a classificação geral de adesão. Tal peculiaridade dificultou encontrar estudos que pudessem ser comparáveis com os resultados encontrados nesta investigação. Como sugestão para estudos futuros, recomenda-se investigar a adesão ao plano alimentar de acordo com os vários estratos etários da população, uma vez que o diabetes apresenta especificidades de controle glicêmico para cada fase do ciclo vital.

  • 1
    Pontieri FM, Bachion MM. Crenças de pacientes diabéticos acerca da terapia nutricional e sua influência na adesão ao tratamento. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(1):151-60.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2014
  • Aceito
    06 Abr 2015
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