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TRADUZINDO SONS EM PALAVRAS NAS LEGENDAS PARA SURDOS E ENSURDECIDOS: UMA ABORDAGEM COM LINGUÍSTICA DE CORPUS

TRANSLATING SOUNDS INTO WORDS IN SUBTITLES FOR THE DEAF AND HARD OF HEARING: A CORPUS BASED APPROACH

RESUMO

Um filme é um texto multissemiótico que combina e gera sistemas semióticos, que por sua vez, geram significação para compor o todo, criando significados (BALDRY; THIBAULT, 2002). Ler um texto audiovisual é uma tarefa complexa, pois é preciso ser espectador, ouvinte e leitor ao mesmo tempo, com diversos canais de informação para decodificar (NEVES, 2005). Dessa forma, o público surdo e ensurdecido, sem o auxílio da legenda ou janela de LIBRAS pode ficar sem alguma informação necessária para o entendimento da trama fílmica. Nesse trabalho, abordaremos a legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE) e, em especial, a tradução de efeitos sonoros. O objetivo é encontrar convencionalidade na tradução de efeitos sonoros nas legendas para surdos e ensurdecidos. Pretende-se auxiliar não apenas o legendista, mas também o espectador surdo que poderá ler e identificar o som mais facilmente, melhorando seu tempo de leitura, o que é importante em um gênero como a legendagem. Para tanto, buscamos a linguística de corpus como metodologia. Assim, foi montado um corpus piloto com 15 filmes. Um estudo preliminar realizado com uma das categorias (som de objeto) mostrou que a metodologia utilizada é eficaz para o estudo pretendido, pois foi possível estabelecer algumas diretrizes em relação ao som causado por objetos. Tais como: privilegiar sons que interajam com os personagens em tela e dar preferência à tradução por meio de orações que possuam uma ideia completa, de modo que se saiba qual a origem e o tipo de ruído que se está traduzindo. Como, por exemplo, “porta bate”, pois indica a fonte do ruído: a porta - e o som produzido: a ação de bater.

Palavras-chave:
linguística de corpus; convencionalidade; tradução audiovisual

ABSTRACT

A movie is a multissemiotic text that combines and generates semiotic systems, which generate significance to compose the whole, creating meanings (BALDRY, THIBAULT, 2002). Reading an audiovisual text is a complex task, because one has to be spectator, listener and reader at the same time, with several input channels to decode (NEVES, 2005). As a result, the deaf and hard of hearing public may lack important information for understanding the movie plot without subtitles or sign language windows. In this work, we will cover the subtitling for the deaf and hard of hearing (SDH) and, in particular, the sound effects translation. The goal is to find phraseology in the sound effects translation within the SDH. It is intended to assist not only the subtitler, but also the deaf spectator that will be able to read and identify more easily the sound, improving their reading time, which is important in a genre such as subtitling. Therefore, we use the means of Corpus Linguistics as methodology. Thus, a pilot corpus with fifteen movies was assembled. A preliminary study carried out with one of the categories (sound of object) showed that the methodology used is effective for the intended study; it was possible to establish some guidelines in relation to the sound caused by objects. Such as: focus on sounds that interact with the characters on screen, give preference to translation through sentences that have a full thought, so that one knows what the origin of the sound is and what the type of sound is being translated. As an example, we have: “door slams”, which indicates the source of the noise: the door - and the sound produced: the action of slamming the door.

Keywords:
audiovisual translation; phraseology. corpus linguistics.

INTRODUÇÃO

Com o intuito de encontrar um modelo de legendagem que atendesse às necessidades dos surdos brasileiros, a Universidade Estadual do Ceará (UECE) sob coordenação da professora Vera Lúcia Santiago Araújo desenvolveu o Projeto MOLES1 1 O título do projeto é Tradução para Surdos: em busca de um Modelo de Legendagem Fechada para o Brasil (ARAÚJO, 2012). (ARAÚJO, NASCIMENTO, 2011ARAÚJO, V. L. S.; NASCIMENTO, A. K. P. (2011). Investigando parâmetros de legendas para surdos e Ensurdecidos no Brasil. In: FROTA, M. P.; MARTINS, M. A. P. (orgs.). Tradução em Revista, v. 2, p. 1-18. ; ARAÚJO, VIEIRA, MONTEIRO, 2013). Foi percebido que não havia um parâmetro a ser seguido para traduzir os efeitos sonoros. Além disso, muitos participantes pareciam não depreender o conteúdo dessas traduções e afirmaram que não conseguiam compreendê-las (NASCIMENTO, 2012).

Nesse sentido, a pesquisa de Nascimento (2013NASCIMENTO, A. K. P. (2013). Linguística de corpus e legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE): uma análise baseada em corpus da tradução de efeitos sonoros na legendagem de filmes brasileiros em DVD. 2013. 109f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza.) analisou como a tradução de efeitos sonoros tem sido realizada em DVDs de filmes brasileiros e se essa tradução está em consonância com o contexto do filme. Isso é importante, já que o som contribui com efeitos significativos para a compreensão de um filme, muitas vezes alterando e direcionando a maneira como percebemos as imagens (CHION, 2008CHION, M. (2008). A audiovisão: som e imagem no cinema. Lisboa: Edições texto & grafia.).

Os resultados obtidos sugeriram que a tradução dos efeitos sonoros contribui para a compreensão do conteúdo dos filmes com legenda para surdos e ensurdecidos (LSE), mas, para isso, o legendista precisa levar em consideração a função fílmica de cada som legendado (NASCIMENTO, 2013NASCIMENTO, A. K. P. (2013). Linguística de corpus e legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE): uma análise baseada em corpus da tradução de efeitos sonoros na legendagem de filmes brasileiros em DVD. 2013. 109f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza.). Isso porque a maioria dos efeitos sonoros encontrados foram traduzidos sem uma preocupação aparente de ligar o som à sua significação na trama. Assim, foi observada também uma dificuldade por parte dos legendistas em traduzir adequadamente esse aspecto da LSE.

Com o objetivo de auxiliar os tradutores a produzirem uma legendagem de qualidade, o presente trabalho é um estudo preliminar que tem como objetivo principal desenvolver diretrizes que auxiliem o legendista a traduzir efeitos sonoros de forma satisfatória. Para isso, utilizamos como referencial teórico os estudos da convencionalidade, ou seja, daquilo que “é consolidado pela prática” (TAGNIN, 2013TAGNIN, S.E.O. (2013). O jeito que a gente diz: combinações consagradas em inglês e português. Barueri, São Paulo: Disal Editora. ), a qual foi utilizada para encontrar uma linguagem própria ou exclusiva da tradução de efeitos sonoros.

Para isso, a metodologia utilizada é a Linguística de Corpus, com o objetivo de constatar padrões nas legendas de efeitos sonoros de um corpus multilíngue (português, francês e inglês), o que foi feito com o auxílio do programa de análise lexical Wordsmith Tools, versão 6.0. Os filmes que compõem o corpus são comercializados em DVD e Blu-Ray e apresentam a LSE em suas respectivas línguas. Esse trabalho tem duas etapas: uma análise quantitativa e outra qualitativa. Na primeira, foram quantificadas as traduções de efeitos sonoros nas LSEs, analisando diferentes categorias pré-estabelecidas, nas três línguas, com o objetivo de observar quais os tipos de sons mais privilegiados nos corpora e quais são mais relevantes em cada idioma, de forma a ajudar o legendista brasileiro a fazer escolhas. Na segunda, qualitativa, foi analisado como as traduções da categoria som de objeto ocorrem com base na convencionalidade.

A análise da categoria som de objeto mostrou que a metodologia utilizada é eficaz para o estudo pretendido, pois foi possível estabelecer algumas diretrizes em relação à tradução de som causado por objetos. Tais como: privilegiar sons que interajam com os personagens em tela e dar preferência à tradução por meio de orações que possuam uma ideia completa, de modo que se saiba qual a origem e o tipo de ruído que se está traduzindo. Como, por exemplo, “porta bate”, pois indica a fonte do ruído: a porta - e o som produzido: a ação de bater. Esse trabalho está dividido em cinco partes. Além dessa introdução, apresenta a fundamentação teórica na seção a seguir, seguida da metodologia, análise dos dados e, por fim, a conclusão.

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1. Legendagem para surdos e ensurdecidos

A tradução audiovisual (TAV) consiste na tradução de produtos que possuem input visual e/ou input acústico, independentemente da presença de uma tela, englobando, portanto, cinema, televisão, DVD, teatro (FRANCO; ARAÚJO, 2011FRANCO, E.P.C.; ARAÚJO, V.L.S. (2011). Questões terminológico-conceituais no campo da tradução audiovisual (TAV). In: In: FROTA, M. P.; MARTINS, M. A. P. (orgs.). Tradução em Revista, v.1. pp.2-23.) e até mesmo o rádio (ORERO, 2004ORERO, P. (2004). Audiovisual translation: A new dynamic umbrella. In: ORERO, P. (org.). Topics in Audiovisual translation. Amsterdã: John Benjamins Publishing Company.). A legendagem, a dublagem, o voice-over e a audiodescrição são os principais tipos de TAV, os quais podem se dividir em subcategorias. A modalidade investigada na presente pesquisa é a legendagem, que pode ser inter ou intralinguística: a primeira é aquela que traduz as falas de um produto audiovisual para um outro idioma através do código escrito; enquanto a segunda transfere do oral para o escrito dentro de um mesmo código linguístico e tem como público alvo sujeitos surdos e ensurdecidos. Essa última é também chamada de Legendagem para Surdos e Ensurdecidos (LSE).

A LSE possui dois critérios que a distingue da legendagem interlinguística: a identificação de falantes e a tradução de músicas e de efeitos sonoros. A identificação dos falantes é importante, pois muitas vezes os espectadores surdos não conseguem inferir a troca de turno de fala somente pela imagem. Além disso, a presença de dois ou mais sujeitos ao mesmo tempo em cena, pode dificultar a identificação de quem está falando (FRANCO; ARAÚJO, 2003FRANCO, E.P.C.; ARAÚJO, V. L. S. (2003). Reading Television: Checking Deaf People’s Reactions to Closed Subtitling in Fortaleza, Brazil. In: GAMBIER, Y. (org.). The Translator, v. 09, n. 2, pp. 249-267.; ARAÚJO, 2004; 2007; 2008).

Existem diversas formas de identificar o falante na LSE. Em países europeus, convencionou-se a identificação das informações adicionais por cores e/ou pela mudança de posição da legenda na tela. Cada país tem uma sistemática diferente. No Brasil e nos Estados Unidos, opta-se por indicar o nome do personagem antes da fala. Essa indicação, em geral, é feita entre colchetes, no entanto, em algumas legendas, os nomes são apresentados em caixa alta ou entre parênteses Na França, as falas são na cor branca, e, quando há troca de turno da fala entre personagens, as cores branca e amarela são alternadas. Ademais, as legendas mudam de posição na tela, pois são colocadas sob o falante.

Os efeitos sonoros na LSE são adicionados para preencher aspectos importantes provenientes de outros tipos de informações acústicas, pois o som no cinema tem grande importância na trama fílmica. A tradução de efeitos sonoros na LSE de um filme consiste em uma operação intersemiótica (NEVES, 2005NEVES, J. (2005). Audiovisual translation: subtitling for the deaf and hard of hearing. Tese (Doutorado). Universidade de Surrey Roehampton, Inglaterra. Disponível em: <http:// rrp.roehampton.ac.uk/artstheses/1>. Acesso em 15 de janeiro de 2012.
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), já que transforma mensagens não verbais em mensagens verbais, ou seja, as mensagens são transmutadas de um sistema para outro diferente. Dessa forma, é importante que o tradutor seja um “proficiente leitor de textos intersemióticos”, pois precisa expressar em palavras escritas não apenas os diálogos, mas os efeitos sonoros que são integrados de forma natural ao filme.

Para expressar em palavras os sons de um filme, é preciso que o tradutor tenha competência em decodificar seus significados e relevâncias para a trama fílmica. Neves (2005NEVES, J. (2005). Audiovisual translation: subtitling for the deaf and hard of hearing. Tese (Doutorado). Universidade de Surrey Roehampton, Inglaterra. Disponível em: <http:// rrp.roehampton.ac.uk/artstheses/1>. Acesso em 15 de janeiro de 2012.
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) entende que o modo como as pessoas percebem o som do filme é orientado por sua competência em decodificar seus significados e a maioria das pessoas irá integrar os sons em um todo fílmico, o que é exatamente o objetivo do som no cinema (BORDWELL; THOMPSON, 2008BORDWELL, D; THOMPSON, K. (2008). Film art: an introduction. New York: McGraw Hills.). Nesse sentido, Nascimento (2013NASCIMENTO, A. K. P. (2013). Linguística de corpus e legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE): uma análise baseada em corpus da tradução de efeitos sonoros na legendagem de filmes brasileiros em DVD. 2013. 109f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza.), ao explorar as legendas de efeitos sonoros de três filmes brasileiros, observou que a maioria das LSEs analisadas foram aparentemente legendadas sem uma preocupação de ligar o som à sua significação fílmica, sem atentar para sua relevância dentro do enredo. Isso poderia acarretar perda de conteúdo fílmico por parte do espectador.

Neves (2005NEVES, J. (2005). Audiovisual translation: subtitling for the deaf and hard of hearing. Tese (Doutorado). Universidade de Surrey Roehampton, Inglaterra. Disponível em: <http:// rrp.roehampton.ac.uk/artstheses/1>. Acesso em 15 de janeiro de 2012.
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) afirma que, apesar de haver diversas convenções em relação a questões técnicas - tais como posição, fonte e cor - não há recomendações de como as descrições dos sons devem ser feitas e pouco é explicado aos tradutores sobre os diferentes tipos de som que podem ser mais ou menos significativos ao enredo. Nascimento (2013NASCIMENTO, A. K. P. (2013). Linguística de corpus e legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE): uma análise baseada em corpus da tradução de efeitos sonoros na legendagem de filmes brasileiros em DVD. 2013. 109f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza.) mostrou a necessidade de se recorrer ao contexto fílmico para embasar a transformação de um som em palavras. Não se requer do tradutor expertise em cinema, mas mostraram-se necessários alguns conhecimentos cinematográficos, em especial sobre o som no cinema, que possibilitariam traduções coerentes com o enredo. Nesse sentido também corrobora Neves (2005, p. 249):

Uma vez que os tradutores se tornem conscientes do modo como o som conduz informação emocional, narrativa e metatextual, será mais fácil para eles identificar as funções de cada efeito sonoro e fazer escolhas da melhor maneira de transmitir tais efeitos2 2 Minha tradução para “Once translators become aware of the way sounds convey emotional, narrative and metatextual information it will be easier for them to identify the function of each sound effect and to make choices on the best ways to transmit such effects”. .

De maneira geral, convencionou-se que os efeitos sonoros provenientes de fonte não visível na tela (som em off) devem ser legendados, caso contrário, seriam perdidos pelo espectador surdo. Quanto aos sons cuja fonte é visível (som on screen), Neves (2005NEVES, J. (2005). Audiovisual translation: subtitling for the deaf and hard of hearing. Tese (Doutorado). Universidade de Surrey Roehampton, Inglaterra. Disponível em: <http:// rrp.roehampton.ac.uk/artstheses/1>. Acesso em 15 de janeiro de 2012.
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) considera que também é preciso traduzi-los para a legenda, pois podem conter aspectos que não sejam facilmente decodificados pela imagem, como intensidade e duração. Já para Nascimento (2013NASCIMENTO, A. K. P. (2013). Linguística de corpus e legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE): uma análise baseada em corpus da tradução de efeitos sonoros na legendagem de filmes brasileiros em DVD. 2013. 109f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza.), a legendagem de sons on screen é importante se o som em questão tiver interferência direta no enredo do filme, caso contrário sua tradução deve ser condicionada a questões de tempo e relevância em relação a outros tipos de som, como a música, som ambiente, etc.

Neves (2005NEVES, J. (2005). Audiovisual translation: subtitling for the deaf and hard of hearing. Tese (Doutorado). Universidade de Surrey Roehampton, Inglaterra. Disponível em: <http:// rrp.roehampton.ac.uk/artstheses/1>. Acesso em 15 de janeiro de 2012.
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) entende que a tradução do som por sua descrição pode não ser eficaz. Dessa forma, a autora defende que o tradutor pode intervir de maneira subjetiva ao fornecer informação mais detalhada ao espectador surdo:

Pode ser relevante informar “como”, “por que” ou “onde” para que o espectador surdo perceba a qualidade das nuances de certos sons, o que significa que é possível fornecer mais informação ao espectador surdo do que é recebida pelo ouvinte. Às vezes isso não é desejável, mas se a informação é decisiva para a compreensão do todo, ou se reduz a carga de processamento, por que não a incluir? (p. 244)3 3 Minha tradução para “It may sometimes be relevant to add information on “how” “why” or “where” so that deaf receivers may perceive the quality or nuances of certain sounds, meaning that more might be given to deaf viewers than may be perceived by hearers. This is sometimes considered to be undesirable. However, if that information is decisive for the comprehension of the whole or if it reduces the processing load, why not include it?” .

Para Diu (2009), a intensidade dos ruídos deve ser acrescentada, contanto que haja tempo disponível. Portanto, para a autora, “gargalhadas” é melhor que apenas “risos”, se for o caso. Como dito, Nascimento (2013NASCIMENTO, A. K. P. (2013). Linguística de corpus e legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE): uma análise baseada em corpus da tradução de efeitos sonoros na legendagem de filmes brasileiros em DVD. 2013. 109f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza.) propõe que as legendas de efeitos sonoros sejam traduzidas levando em conta o filme como um todo, considerando as funções dos ruídos e músicas, de forma que esses sejam recebidos pelos surdos de forma equiparada a como são recebidos pelos ouvintes, respeitando as significações dos filmes. Acredita-se que, consequentemente, seja possível criar uma cultura fílmica nos espectadores surdos, de maneira que possam assistir a um produto audiovisual de forma autônoma, com o auxílio da legendagem. Para tanto, ressalte-se, esta pesquisa busca encontrar uma linguagem própria para as traduções de efeitos sonoros de modo a facilitar não apenas para o legendista encontrar soluções tradutórias, mas também para o público alvo que identificaria mais facilmente o som através de uma legenda padronizada. Nesse sentido, Neves (2005NEVES, J. (2005). Audiovisual translation: subtitling for the deaf and hard of hearing. Tese (Doutorado). Universidade de Surrey Roehampton, Inglaterra. Disponível em: <http:// rrp.roehampton.ac.uk/artstheses/1>. Acesso em 15 de janeiro de 2012.
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, p. 249) também considera que, uma vez adotada uma estratégia - seja interpretação, descrição ou até mesmo o uso de onomatopeias - ela deve ser utilizada durante todo o produto audiovisual e até mesmo em todos os produtos legendados por aquele canal ou por aquela empresa: “As maneiras de transmitir tais sons podem ser facilmente convencionalizadas, uma situação que pode se provar benéfica tanto para o tradutor, quanto para os espectadores surdos4 4 Minha tradução para: “The ways to convey such sounds may be easily conventionalised, a situation that would prove beneficial both to translators and to deaf viewers.” ”.

Em relação especificamente às músicas, vimos que desempenham um importante papel para a compreensão do filme, muitas vezes guiando as emoções do espectador, ligando elementos da trama e, assim, criando um senso de continuidade fílmica. A música marca épocas e acontecimentos, sendo que algumas músicas de filme expandem os limites deste e tornam-se hinos de gerações, ou de gêneros. É o caso da trilha sonora composta por Enio Morricone para o filme “Três homens em Conflito” (The Good the Bad and the Ugly), que sempre é relembrada quando o assunto é o Velho Oeste.

Por consequência, é muito importante que a tradução das músicas esteja presente na LSE, no entanto, as especificidades de como fazê-lo não são discutidas. Neves (2010NEVES, J. (2010). Music to my eyes… Conveying music in subtitle for the deaf and hard of hearing. In: BOGUCKI, L.; KREDENS, K. Perspectives in Audiovisual Translation. Frankfurt: Peter Lang GmbH.) atribui essa abordagem parcial ao fato de tradutores e estudiosos ocuparem-se apenas da transferência linguística, sem atentarem ao nível semiótico da música no cinema. Além disso, esse tipo de tradução requer esforço interpretativo dos tradutores (NEVES, 2005NEVES, J. (2005). Audiovisual translation: subtitling for the deaf and hard of hearing. Tese (Doutorado). Universidade de Surrey Roehampton, Inglaterra. Disponível em: <http:// rrp.roehampton.ac.uk/artstheses/1>. Acesso em 15 de janeiro de 2012.
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), pois “os tradutores precisam interpretar aquilo que não é dito e pode apenas ser percebido” (NEVES, 2010, p. 126).

Não há um consenso de como essa tradução deve ocorrer: no Brasil, muitas vezes utiliza-se a palavra “música” sozinha ou seguida de um acompanhamento que a qualifique dentro do enredo, como por exemplo “música alegre”. Os resultados do projeto MOLES5 5 O projeto Moles consiste em pesquisa exploratória na qual foram entrevistados 34 surdos de quatro regiões do país, com o intuito de encontrar as preferências brasileiras para uma LSE de qualidade. Esse projeto foi chefiado pela professora Vera Lúcia Santiago da Universidade Estadual do Ceará. (ARAÚJO, NASCIMENTO, 2011ARAÚJO, V. L. S.; NASCIMENTO, A. K. P. (2011). Investigando parâmetros de legendas para surdos e Ensurdecidos no Brasil. In: FROTA, M. P.; MARTINS, M. A. P. (orgs.). Tradução em Revista, v. 2, p. 1-18. ; NASCIMENTO, SEOANE, 2012; ARAÚJO, VIEIRA, MONTEIRO, 2013) sugerem que a legenda de música sempre venha acompanhada dessa qualificante para que o espectador surdo tenha acesso à emoção que a música busca proporcionar. Afora isso, é preciso que as músicas sejam legendadas de acordo com um contínuo, em atenção aos leitmotifs, de modo que todas as inserções de uma cue sejam legendadas da mesma forma em todo o filme (NASCIMENTO, 2013).

Na França, de modo geral, as músicas são legendadas na cor magenta. Além disso, caso a música seja amplamente conhecida, costuma-se indicar seu título e autor, caso contrário, utiliza-se o gênero musical (DIU, 2009).

É comum o uso de notas musicais (♫, ♪) nas legendas para indicar a existência de música. Alguns participantes do projeto MOLES (ARAÚJO, NASCIMENTO, 2011ARAÚJO, V. L. S.; NASCIMENTO, A. K. P. (2011). Investigando parâmetros de legendas para surdos e Ensurdecidos no Brasil. In: FROTA, M. P.; MARTINS, M. A. P. (orgs.). Tradução em Revista, v. 2, p. 1-18. ; NASCIMENTO, SEOANE, 2012; ARAÚJO; VIEIRA; MONTEIRO, 2013) não compreenderam bem a função das notações musicais: enquanto alguns acharam que era um desenho que marcava qualquer tipo de som, outros confundiram o estilo musical representado. Assim, os participantes preferiram a descrição da música ao uso das notações musicais.

Cintas e Remael (2007) entendem que quando a letra da música não é relevante para a trama, não há necessidade de ser traduzida, a menos que haja tempo para tal. Porém, se a mensagem da música for importante para a compreensão da obra, a letra deve ser legendada, como geralmente ocorre em musicais.

Nesta seção, apresentaram-se as características específicas das legendas para surdos e ensurdecidos.

1.2. Legislação referente à legendagem para surdos no Brasil, Estados Unidos e França

Embora ainda haja muito a ser feito, no Brasil, houve muitas conquistas do povo surdo em busca de sua inclusão. A maior delas foi a Lei nº 10.436, promulgada em 2002 que reconheceu a língua brasileira de sinais (Libras) como segunda língua oficial do país. Já em 2006, o decreto nº 5.626 introduziu a Libras como disciplina obrigatória nos cursos de formação para o magistério. Outro importante êxito ocorreu em 2008, com a Lei 11.796 que decretou o dia do surdo na data de 26 de setembro, pois nesse dia foi inaugurada no Rio de Janeiro a primeira escola para surdos do Brasil.

Em 2006 também foi aprovada a portaria 310, que dispõe acerca de recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência na programação veiculada nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e de retransmissão de televisão. Os recursos de acessibilidade listados são: legenda oculta, audiodescrição e dublagem, todos em língua portuguesa. Apenas os programas que compõem a propaganda político-partidária, eleitoral, campanhas institucionais são listadas para conter janela de Libras. A legenda oculta é definida como “correspondente à transcrição, em língua portuguesa, dos diálogos, efeitos sonoros, sons do ambiente e demais informações que não poderiam ser percebidos ou compreendidos por pessoas com deficiência auditiva” (BRASIL, 2006). A portaria prevê um cronograma obrigando a totalidade da programação diária com os recursos de acessibilidade dentro do prazo de 132 meses (onze anos) a partir de sua publicação, o que deve acontecer em janeiro de 2017. A rede Globo, pioneira na legendagem no país (ARAÚJO, 2004ARAÚJO, V. L. S. (2004). Closed subtitling in Brazil In: Orero, P. (org.). Topics in Audiovisual translation. Amsterdã: John Benjamins Publishing Company, v. 1, p. 199-212.), já possui 100% da programação legendada para o público surdo e ensurdecido.

Outra lei que trata do direito das pessoas surdas é a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (nº 13.146/15), que foi sancionada em 2015 e é “destinada a assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015). A LBI define alguns conceitos importantes tais como acessibilidade, tecnologia assistiva e deficiência, compreendendo essa última como “um impedimento de longo prazo que, em interação com uma ou mais barreiras6 6 As barreiras consistem em “qualquer obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros” (BRASIL, 2015). , pode obstruir a participação efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015).

Para garantir uma participação efetiva na sociedade das pessoas com deficiência, é importante promover a acessibilidade que abrange não apenas questões físicas, mas também comunicativas, informativas e demais serviços, e instalações de uso público ou privado de uso coletivo. Apesar de ter percorrido um grande avanço no direito das pessoas com deficiência, a LBI ainda apresenta alguns problemas relativos à acessibilidade audiovisual, principalmente no que tange à LSE.

No Art. 67 do capítulo II, que dispõe sobre o acesso à informação e à comunicação, a lei exige que os serviços de radiodifusão7 7 Radiodifusão é a propagação de sinais de rádio, televisão, telex por ondas radioelétricas. Tanto aparelhos de televisão como de rádio usam radiofrequência. sejam capazes de transmitir: “subtitulação por meio de legenda oculta; janela com intérprete de Libras e audiodescrição”. Infelizmente, a legislação não utiliza a nomenclatura adequada (legendagem para surdos e ensurdecidos) nem torna obrigatória a difusão dos recursos de acessibilidade, apenas que devem ser capazes de fazê-lo. O Art. 73 do mesmo capítulo deixa a cargo do poder público a promoção e capacitação de tradutores, intérpretes de Libras, guias e intérpretes profissionais habilitados em Braille, audiodescrição, estenotipia e legendagem. A estenotipia consiste no uso de um aparelho chamado estenótipo equipado com um teclado fonético que permite uma rápida digitalização. Por ser um aparelho de difícil manuseio (possui apenas algumas teclas, então alguns sons são formados pela combinação de determinadas teclas), muitos erros são cometidos na legendagem; além disso, não há preocupação com sincronismo entre legenda, fala e imagem (ARAÚJO, 2004ARAÚJO, V. L. S. (2004). Closed subtitling in Brazil In: Orero, P. (org.). Topics in Audiovisual translation. Amsterdã: John Benjamins Publishing Company, v. 1, p. 199-212.). A estenotipia não se preocupa com os parâmetros técnicos, tais como condensação, marcação e segmentação da legendagem, e, portanto, muitas vezes não proporciona acessibilidade. Por fim, no art.147-A, o legislador assegura a acessibilidade de comunicação aos candidatos com deficiência auditiva em processos seletivos e no parágrafo primeiro assegura acessibilidade no material didático audiovisual através de janela de Libras associada com a subtitulação com legenda oculta. Ou seja, os dois recursos devem estar disponíveis simultaneamente.

Em 2012, o Ministério Público de São Paulo pediu liminar que regulamenta a obrigatoriedade de legendas para surdos em filmes nacionais com patrocínio público. Em 2013, após dois recursos (um impetrado pela Agência Nacional de Cinema, e outro pela União) o Tribunal Regional Federal (TRF) manteve a liminar. No entanto, não há registro, que seja de conhecimento da presente autora, de que a liminar esteja sendo cumprida. Em relação à veiculação das legendas em DVDs e teatro, também não há regulamentação, ficando a cargo das produtoras.

O panorama na França é de avanços significativos, mas com muito a ser conquistado. A língua de sinais francesa (LSF) foi proibida durante muito tempo, além disso, aos surdos não eram reconhecidos alguns direitos como o de casamento e o de voto. Apenas em 1991, com a lei Fabius, é decretado o fim da proibição da LSF, privilegiando uma educação bilíngue aos surdos. Em 2005, a LSF é reconhecida como tendo o mesmo valor da língua francesa.

No tocante ao acesso audiovisual, os primeiros programas legendados aparecem nos anos 80, em canais públicos, através de um decodificador denominado Antiope. Em 1986, a lei de liberdade de comunicação dispõe acerca da acessibilidade de programas às pessoas surdas e ensurdecidas. A lei prevê que os canais cuja audiência média anual seja superior a 2,5% da audiência total de televisão tornem acessível, por meio de legendas, todos os programas - a partir de 2010 - com exceção de peças publicitárias. Para os demais canais e canais públicos, a lei deixou a cargo do Conselho Superior do Audiovisual a determinação (CSA), que fixou em 40% a proporção dos programas acessíveis, com exceção dos canais infantis, que devem apresentar a janela com LSF. A lei obriga ainda que o Conselho Superior do Audiovisual consulte anualmente o Conselho Nacional de Pessoas com Deficiência sobre as medidas tomadas.

Em 2005, uma nova lei concedeu cinco anos aos canais “hertzianos8 8 Canais não digitais. ” para legendar a totalidade de sua programação. Em 2010, enfim, a maior parte dos canais já atingiam quase 100% da programação acessível a surdos e ensurdecidos, o que inclui programas ao vivo, esportes e jornais (AFP, 20109 9 Les téléspectateus sourds et malentendants enfin entendus. <http://www.ladepeche.fr/article/2010/02/09/773224-les-telespectateurs-sourds-et-malentendants-enfin-entendus.html>. Acesso em: 04 de março de 2016. ). Apesar da proliferação de programas acessíveis, a qualidade das legendas não é satisfatória. Segundo o presidente do Coletivo de Adaptadores do Audiovisual, mesmo em programas pré-gravados, para diminuir os custos com a legendagem, muitos canais utilizam a legendagem refalada, que consiste em repetir o que está sendo dito enquanto um aparelho transcreve a fala, o que torna a legenda, inevitavelmente, atrasada e muito rápida (ZAFIMEHY, 201510 10 Sous-titres pour les sourds à la télé: le dessous d’um massacre: < http://rue89.nouvelobs.com/2015/07/26/sous-titres-les-sourds-a-tele-les-dessous-dun-massacre-260365>. Acesso em: 04 de março de 2016. ).

Em 2007, o site Media sous-titrés publicou uma lista com as porcentagens de filmes legendados na França. Entre 21.196 DVDs analisados, 699 (3%) possuíam legenda especialmente concebida para surdos e ensurdecidos. Dividido por gênero, a comédia é o que possui mais filmes com LSE, sendo 6% desse gênero; o segundo lugar, policial, tem 4%. O plano 2010-2012, em favor das pessoas surdas, obrigava que, a partir de 2011, todos os DVDs comercializados na França, bem como os programas transmitidos em VOD (vídeo sob demanda) apresentem legendagem em francês. Além disso, propõe equipar cinemas e 5 teatros nacionais de forma que sejam capazes de tornar acessíveis as produções audiovisuais nesses lugares. Apesar disso, nem todos os DVDs possuem legenda acessível na França. Não obtivemos registros da porcentagem de DVDs legendados no momento, mas Eressië (201311 11 Sous-titrages: je suis sourde, et France 2 me prend pour une conne: < http://rue89.nouvelobs.com/rue89-culture/2013/07/20/sous-titrages-suis-sourde-france-2-prend-conne-244399>. Acesso em 04 de março de 2016. ) fala da dificuldade em encontrar filmes franceses com a LSE, citando o caso de uma série de televisão, em que apenas a segunda temporada é legendada, mas a primeira não, deixando o espectador surdo sem alternativa para acompanhar a série.

No panorama dos Estados Unidos, a Associação Nacional dos Surdos (NAD, na sigla em inglês) é a principal organização que luta pelos direitos surdos. Iniciada em 1880, desde então luta pelo uso da Língua Americana de Sinais (ASL). Em 1990, a NAD atuou para que o Ato dos Americanos com Deficiência fosse aprovado, o qual, entre outros direitos, proíbe a discriminação e assegura igualdade de oportunidades no que concerne ao emprego, aos serviços governamentais, às acomodações públicas e comerciais, e ao transporte. Além disso, também obriga a legendagem de qualquer anúncio financiado, seja no todo, seja em parte, pelo governo americano.

Em 2010, foi sancionado o Twenty-First Century Communications and Video Accessibility Act (Ato de Comunicação do Século 21 e Acessibilidade em Vídeo), que tem o objetivo de aumentar o acesso de pessoas com deficiência aos meios de comunicação modernos. No que concerne à legendagem, a lei define que programas veiculados na televisão e posteriormente disponibilizados na internet devem apresentar legenda acessível, e que aparelhos como celulares, tablets e laptops também sejam capazes de exibir legendas. Além disso, aparelhos que gravam programas devem também gravar as legendas, de modo que possam ser acionadas caso o espectador o deseje. Estabelece que a Comissão Federal de Comunicação (FCC) apresente as normas sobre os parâmetros técnicos que a legendagem na televisão deve seguir. A FCC não regula legendagem de DVDs ou de videogames, pois não são obrigatórias.

Nesta seção, vimos leis de acessibilidade audiovisual que muitas vezes ainda deixam a desejar no Brasil, na França ou nos Estados Unidos.

1.3. Convencionalidade

Tagnin (2013TAGNIN, S.E.O. (2013). O jeito que a gente diz: combinações consagradas em inglês e português. Barueri, São Paulo: Disal Editora. ) afirma que se pode chamar de convencionalidade “o aspecto que caracteriza a forma peculiar de expressão numa dada língua ou comunidade linguística” (p.19), e que, quando aplicada ao nível linguístico, é sinônimo de fraseologia (TAGNIN, 2011TAGNIN, S.E.O. (2011). Lingística de corpus e fraseologia: uma feita para a outra. In: ALVAREZ, M.L.O.; UNTERBÄUMEN, E.N. (orgs.). Uma (re)visão da teoria e da pesquisa fraseológicas. Campinas, São Paulo: Pontes Editores.).

Xatara e Rios (2007XATARA, C.M.; RIOS, T.H.C. (2007). O estudo contrastivo dos idiomatismos: Aspectos Teóricos. In: SIMÕES, D. Caderno Seminal, ano 13, vol.7. Rio de Janeiro: Dialogarts. ) entendem que o estudo das combinações fixas de palavras surgiu com o advento da Linguística e, embora Saussure não tenha se debruçado sobre esse assunto, o linguista menciona em seus estudos frases feitas que não podem ser modificadas. As autoras relembram, ainda, que Bally retoma o estudo de Saussure e considera que certas palavras tendem a unir-se entre si, sendo memorizadas e reproduzidas como foram aprendidas.

Para Moré (1985), foi Vinogradov, na década de 40, quem desencadeou os conceitos fundamentais da Fraseologia, bem como seu escopo e abrangência. Foi a partir daí que a Fraseologia se tornou disciplina da Linguística (XATARA; RIOS, 2007XATARA, C.M.; RIOS, T.H.C. (2007). O estudo contrastivo dos idiomatismos: Aspectos Teóricos. In: SIMÕES, D. Caderno Seminal, ano 13, vol.7. Rio de Janeiro: Dialogarts. ).

Desde então, diversos autores se dedicaram ao estudo da Fraseologia, que vem gerando diversos estudos. Wood (2015WOOD, D. (2015). Fundamentals of Formulaic Language: an introduction. Londres: Bloomsbury.) afirma que as combinações de palavras podem ser colocadas em um continuum de idiomaticidade, cruzando uma gama de expressões: idiomáticas em uma ponta, até fórmulas e formas livres em outra. Ou seja, nesse continuum, há diversas formas fixas, unidades convencionais, que nem sempre são fáceis de serem classificadas. A natureza e os critérios de classificação podem mudar com o passar do tempo e a classificação que existe não é exaustiva.

Nesse trabalho, utilizaremos a classificação de Tagnin (2013TAGNIN, S.E.O. (2013). O jeito que a gente diz: combinações consagradas em inglês e português. Barueri, São Paulo: Disal Editora. ) que identifica níveis de convencionalidade. A saber:

  • Nível Sintático - abrange a combinabilidade, ordem e gramaticalidade dos elementos. Ex.: coligações, colocações, binômios, estruturas agramaticais consagradas e expressões convencionais;

  • Nível Semântico - abrange a relação não motivada entre expressão e significado. Ex.: expressões idiomáticas;

  • Nível Pragmático - abrange o uso da língua em situações de interação entre falantes. Ex.: marcadores conversacionais e fórmulas situacionais.

Estudos (GOLDBERG, 2006GOLDBERG, A. (2006). Constructions at work: The nature of generalization in language. Oxford: Oxford University Press.; TOMASELLO, 2003TOMASELLO, M. (2003). Constructing a language: A usage-based theory of language acquisition. Cambridge & London: Harvard University Press.) buscam provar que as unidades convencionais são recuperadas como blocos, ou seja, como morfemas unitários e, quando frequentes, são processadas mais rapidamente em comparação com as menos frequentes.

Assim, busca-se encontrar unidades convencionais nas traduções de sons nas legendas para surdos e ensurdecidos, de modo que se facilite não apenas a leitura do público alvo, mas também a tradução do legendista, que terá unidades estanques para os sons mais recorrentes.

A seção a seguir descreve a metodologia utilizada no presente trabalho.

2. METODOLOGIA

Esta pesquisa utiliza um corpus comparável multilíngue, pois conta com três subcorpora com textos originais em três línguas (TAGNIN, 2013TAGNIN, S.E.O. (2013). O jeito que a gente diz: combinações consagradas em inglês e português. Barueri, São Paulo: Disal Editora. ): português brasileiro, inglês americano e francês europeu.

Para esse estudo preliminar, cinco filmes de cada idioma compuseram os corpora. A saber:

Tabela 1
Filmes dos corpora

Cada filme foi assistido por completo durante o processo de etiquetagem. O tipo de etiqueta utilizada neste trabalho é a etiqueta discursiva. Mais especificamente, a fonte de cada som presente nos filmes que foi traduzido nas legendas.

O primeiro passo para essa etiquetagem é identificar as legendas com tradução de efeito sonoro. Cada legenda desse tipo recebeu a etiqueta <es>, assim, fica facilitado não apenas o reconhecimento desse tipo de legenda, mas também sua quantificação.

Uma vez que todas as legendas de efeitos sonoros são identificadas, segue-se o processo de etiquetagem, também manual, a partir das seguintes categorias (NASCIMENTO, 2013NASCIMENTO, A. K. P. (2013). Linguística de corpus e legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE): uma análise baseada em corpus da tradução de efeitos sonoros na legendagem de filmes brasileiros em DVD. 2013. 109f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza.): sons da natureza <som_nat>, sons de animais <som_anim>, sons causados pelo homem <som_hom>, sons implícitos causados pelo homem, sons ficcionais <som_ficc>, sons causados por objetos <som_obj>, sons implícitos causados por objetos <som_obj_imp>, silêncio <sil>, instrumento musical <inst_mus>, música de fosso <mus_fosso>, música em tela <mus_tela>, música qualificada <mus_qualif> e música não qualificada <mus_nqualif>. Para melhor classificar cada inserção de legenda, os filmes foram assistidos no computador. A cada legenda de efeito sonoro, o filme era parado e, então, no arquivo “.txt” era inserida a etiqueta adequada.

As etiquetas dividem-se em dois tipos principais: as de ruído e as de música. As etiquetas de ruído são atribuídas de acordo com a proveniência do som. Um toque de campainha, por exemplo, recebe a etiqueta <som_obj>, enquanto o bater de palmas, <som_hom>. Já as de música são dadas a partir de dois fatores: 1) sua percepção ou não pelos personagens do filme, 2) se apresenta ou não alguma qualificação que possa ajudar o espectador a entender a sua função.

As etiquetas de sons implícitos causados pelo homem, sons implícitos causados por objeto, sons implícitos causados por animais e sons da natureza implícitos estão presentes apenas nos filmes franceses. Isso acontece porque, muitas vezes, nesses filmes, para indicar a continuidade de um som que já foi traduzido pela legenda, ao invés de repeti-la, o tradutor opta por colocar “--” ou “...” indicando a repetição. Isso é possível, pois, o sistema francês de legendagem é separado por cores: as legendas de sons de objeto, por exemplo, são vermelhas, então para indicar a continuidade de um som traduzido, por exemplo pela legenda “téléphone” a legenda seguinte é apenas “...” na mesma cor, em vermelho.

A etiqueta música de fosso ocorre quando a música não é percebida pelos personagens, ou seja, quando apenas os espectadores podem ouvi-la. A música de tela, ao contrário, é aquela que também está presente para os personagens, seja através de um rádio, banda, etc. Em suma: enquanto a música de fosso não é percebida pelos personagens, apenas pelos espectadores, a música de tela está presente em cena e faz parte dela também para os personagens.

Outra classificação para música foi qualificada e não qualificada. A música é qualificada quando apresenta adjetivos ou outros elementos que indiquem sua função na trama, e não qualificada quando não apresenta essa função, ou seja, não define sua qualificação dentro do enredo. Legendas como [música alegre] ou [música triste] são consideradas qualificadas, enquanto a legenda [música] é não qualificada.

Em francês, algumas vezes, tem-se a legenda [...], que indica a continuidade da legenda anterior. Esse tipo de legenda não poderia ser classificada como qualificada ou não qualificada, mas um novo tipo: a legenda implícita, pois está ligada ao conteúdo de legendas anteriores. Nos filmes em português, a legenda [música continua] também recebe a etiqueta música implícita, pois, de maneira semelhante, refere-se à continuidade de legenda anterior.

Convém notar que as legendas de música, portanto, recebem sempre duas etiquetas ao mesmo tempo. Por exemplo, a legenda [música suave], recebe as etiquetas <mus_fosso> <mus_qualif>, pois a música é ouvida apenas pelos espectadores, não estando presente na cena para que os personagens a ouçam. Além disso, possui qualificação, ou seja, a legenda não informa apenas a presença de uma música, mas também indica como ela é suave.

Já a legenda [música clássica] recebeu as seguintes etiquetas: <mus_tela> <mus_qualif>. Isso acontece porque a música traduzida pela legenda também é ouvida pelos personagens em cena. Ao fundo da imagem, podemos ver um palco, onde estão tocando a música. Ademais, é qualificada, pois nos informa algo a mais que apenas sua existência, nesse caso, o gênero musical ao qual pertence, música clássica.

É importante ressaltar que uma legenda de efeito sonoro pode receber mais de uma etiqueta por conter mais de uma tradução de efeito sonoro. Tome-se como exemplo a legenda de nº 115 do filme 1972:

Tabela 2
Legenda com mais de um efeito sonoro

Apesar de receber apenas uma etiqueta <es>, essa legenda recebeu duas etiquetas <som_obj>: uma para (engate de marcha) e outra para (buzinas continuam). É por esse motivo que a soma dos números de etiquetas de cada categoria não corresponde ao número de legendas com a etiqueta <es>.

A seguir, uma tabela com os tipos de som, suas etiquetas correspondentes e um exemplo de cada uma.

Tabela 3
Lista de etiquetas e respectivos exemplos

Os corpora nos três idiomas foram analisados com o programa de análise lexical Wordsmith Tools, versão 6.0, em especial pela ferramenta concord, que é um concordanciador que “permite observar as estruturas convencionais recorrentes, pois produz resultados em formas de concordâncias, em que cada linha exibe a expressão que está sendo investigada”. (TAGNIN, 2013TAGNIN, S.E.O. (2013). O jeito que a gente diz: combinações consagradas em inglês e português. Barueri, São Paulo: Disal Editora. ).

Na presente pesquisa, os nódulos de busca são as etiquetas. Após colocar a palavra desejada na caixa de texto e clicar em OK, o programa fornece uma lista das ocorrências da etiqueta buscada de forma centralizada e o contexto ao redor dela. Isso permite que o pesquisador possa visualizar todas as ocorrências da etiqueta, bem como saber quantas vezes ela apareceu no corpus - número indicado no lado esquerdo abaixo da tela.

Esse método de visualização pode ser aperfeiçoado de forma que as palavras sejam dispostas em ordem alfabética. Isso facilita, pois as palavras semelhantes ficam juntas nesse tipo de visualização, o que permite encontrar padrões, ou melhor, convencionalidade nos textos do corpus. A reorganização da concordância em ordem alfabética é feita através do botão resort, que pode ser acionado de duas formas: através da aba Edit, ou apenas pressionando o botão F6 do teclado do computador. Nesta pesquisa, foram selecionadas para aparecer em ordem alfabética a primeira e a segunda palavras após a etiqueta.

Ressalta-se que não apenas a legenda, mas também as imagens e a trilha sonora do filme são levadas em consideração para as análises. As traduções são feitas a partir do som do filme, o que deve ser observado.

As consultas aos filmes eram necessárias em casos em que apenas as legendas ao redor não eram suficientes para entender o contexto e para analisar se havia diferença situacional entre legendas semelhantes. Por exemplo, tomem-se as legendas “door slams”, “door shuts” e “door closes” no corpus de inglês. Por que diferentes verbos foram empregados nessas legendas? Apenas a imagem e o respectivo som poderiam explicar se a escolha do tradutor foi motivada ou arbitrária. Assim, os tempos de entrada e saída de cada legenda foram mantidos nos arquivos dos corpora para facilitar a visualização da passagem necessária de cada filme.

Após os procedimentos acima descritos, os corpora estavam prontos para análise e interpretação dos dados gerados pelo software. Essa etapa da pesquisa será pormenorizada no capítulo a seguir de análise dos dados.

3. ANÁLISE DE DADOS

3.1. Análise quantitativa

Como dito na seção de metodologia, o corpus de estudo é composto por três corpora e cada um possui cinco filmes com suas respectivas legendas. No entanto, os números de legendas totais de cada corpus diferem entre si. Vejamos no gráfico a seguir a distribuição entre legendas que contêm apenas diálogos e as que contêm efeitos sonoros.

Gráfico 1
Distribuição de tipos de legenda por corpus

Assim, temos que o percentual de legendas com efeitos sonoros em cada corpus foi distribuído da seguinte forma:

Tabela 4
Percentual de legendas de efeitos sonoros em cada corpus

Com o intuito de comparar estatisticamente as amostras, aplicamos o teste Binomial (com o auxílio do aplicativo Graphpad Prism) que avalia a significância estatística dos desvios de uma distribuição em duas categorias (legendas com diálogos e com efeitos sonoros). Os resultados mostraram que, enquanto os resultados de português e francês são equivalentes entre si, o inglês possui um número menor de legendas de efeitos sonoros se comparado às outras duas línguas.

Para entendermos o porquê desse resultado e tentarmos encontrar o desvio que ocorre no corpus americano, recorremos à análise das categorias de cada efeito sonoro nos três corpora, como demonstrado no gráfico a seguir:

Gráfico 2
Distribuição percentual dos tipos de sons e músicas nos três corpora

O gráfico acima demonstra que, embora o corpus em inglês possua altas porcentagens em ruídos (sons não-musicais), quando se trata de música, as porcentagens são bastante baixas e visivelmente diferentes das que encontramos nos corpora em português e em francês. Assim, a causa da diferença estatística percebida no número de efeitos sonoros em inglês pode ser esse baixo número de traduções de música no corpus de língua inglesa. No entanto, serão necessários outros testes estatísticos para explicar esse fenômeno.

Além dessa questão, o gráfico também nos ajuda a entender como ocorre a distribuição por categoria em cada corpus e, consequentemente, aquilo que é mais ou menos traduzido em cada um. Quando observamos os sons não-musicais, é possível apontar o som do homem como verdadeiro “ganhador”, o que pode indicar uma centralização dos personagens e de suas ações, mais do que do seu redor. Em segundo lugar, temos os sons produzidos por objetos, o que ainda pode ter relação com essa centralização na figura do homem, pois são os personagens que manipulam e interagem com os objetos causadores de ruídos. De maneira geral, podemos dizer que a ênfase nos efeitos sonoros produzidos por homem e por objetos tem uma possível causa no fato de desempenharem papéis mais relevantes nos filmes, pois são mais prováveis a desencadear reações dos personagens e/ou interagir com eles.

Isso posto, observamos ainda que os demais ruídos - natureza, animais, ficcionais e silêncio - são menos frequentes em todos os corpora, o que pode indicar que suas ocorrências não são tão essenciais para se compreender o filme quanto as duas categorias anteriores, sendo que, via de regra, esse tipo de som funciona como ambientação do entorno dos personagens, funcionando mais ativamente como auxílio ao espectador em relação ao tempo e lugar da cena.

No que concerne às categorias de músicas, observa-se uma grande diferença entre o corpus de inglês e os de português e de francês, pois enquanto música totaliza pouco mais 42% de todos os efeitos sonoros nos dois últimos, o corpus em inglês não pontua sequer 3%. Se levarmos em consideração a subcategorização fosso e tela, observamos que o corpus em inglês, quando legenda música, dá ênfase à de tela, enquanto francês e português traduzem, percentualmente, mais música de fosso. Essa diferença pode ocorrer pelo mesmo motivo que os americanos traduzem muito mais som de homem que os demais, ou seja, pelo fato de priorizarem ou, até mesmo, darem quase exclusividade a sons que interajam ou atuem diretamente com os personagens, uma vez que somente as músicas de tela são percebidas pelos personagens, enquanto as de fosso são percebidas apenas pelo espectador e têm como função guiar emoções.

A seguir, são apresentadas as análises qualitativas.

3.2. Análise qualitativa

Apesar de unidades convencionais, em geral, possuírem dois ou mais vocábulos, na tradução de som é muito comum o uso apenas de um substantivo, o que ocorre nos três corpora.

A tradução por meio de um único vocábulo - um substantivo - é bastante utilizada quando o próprio objeto tem como função exclusiva ou principal emitir ruídos de alerta. É o caso, por exemplo, de “buzinas”, “telefone” e “sirene” no corpus de português, “téléphone” (telefone) “réveil” (despertador) e “sonnette” (campainha) no francês, além de “blowing horn13 13 Blowing horn é um objeto geralmente feito de chifre animal ou moldado como um, no qual se sopra na ponta mais fina, produzindo um som grave e característico, semelhante ao berrante. ” no de inglês. Em nenhum dos corpora há o uso de artigo juntamente com os substantivos nessa categoria. Há, ainda, o uso de substantivos quando o tradutor utiliza palavras que remetem a ruídos, como “bip”, “clique”, “explosões” e “rajadas” no corpus brasileiro, “Bips” (Bipes), “Explosion” (Explosão) e “Fracas” (Estrondo) no corpus francês e “Beep” (Bipe) e “Ring” (Toque) no americano. Nesses casos, como a legenda não informa diretamente a proveniência do som, o espectador precisa apoiar-se nas imagens para obter essa informação.

Também é bastante comum o uso de locuções nominais (doravante LN) nos corpora. Na prática, algumas locuções não diferem dos substantivos, apenas pormenorizam o objeto produtor do ruído: em vez de indicar o vidro, foram os cacos, ao invés de ser porta, foi a porta do carro e ao invés de indicar a viatura, foi o seu motor. Há ainda aquelas que indicam não apenas o nome, mas também o ruído que o objeto produz: como exemplo, podemos citar “tilintar de chaves”, “estouro do escapamento” e “som de escrita”. Nesse caso, como as palavras associadas a ruídos estão relacionadas aos objetos, o espectador surdo que, porventura, desconheça seu significado, poderia facilmente inferir que se trata de som produzido por um molho de chaves em contato entre si ou ainda pelo lápis tocando o papel na ação da escrita.

Algumas locuções nominais no corpus brasileiro são consagradas na língua portuguesa, como por exemplo “batida de carro”, “sino de igreja”, “engate da marcha”, “riscar de fósforo”. O uso de colocações consagradas pode ser importante meio para familiarização da língua ao público surdo e ensurdecido, desde que se respeite a significação fílmica, ou seja, sua inserção tenha a ver com o conteúdo fílmico a ser traduzido.

A tradução de efeitos sonoros por meio de orações também ocorre nos três corpora. Esse tipo de tradução aparece quando não apenas se descreve o objeto que produz o ruído, mas também a ação que o desencadeou, por isso, existe a presença de um verbo. Vejamos, por exemplo, a legenda “carros passando longe” do filme 1972. Essa legenda indica que, enquanto Julia e Guti estão na laje conversando, a cidade lá embaixo continua movimentada e essa ação é concomitante e contínua ao que se pode ver em tela. Portanto, a ação dos carros passarem continuamente é que produz o ruído que podemos ouvir e é essa ação traduzida na legenda.

Em geral, nota-se uma predominância da estrutura sujeito+predicado, porém nos corpora português e inglês os verbos aparecem em dois tempos verbais. Em português eles podem estar no presente do indicativo (“porta abre”) ou no gerúndio (“porta abrindo”), e no inglês no presente do indicativo (“telephone rings”) e no particípio presente (“telephone ringing”)14 14 As orações que utilizam o particípio presente (present participle) como as das legendas são as chamadas orações reduzidas (reduced clauses), isto é, funcionam como as orações relativas (defining relative clauses), mas são reduzidas de forma que o pronome relativo e o verbo to be ficam implícitos, como, por exemplo, na oração “The crowd (that were) watching grew restless (HEWINGS, 2013). .

Para entendermos se há alguma diferença prática entre o uso do presente e do gerúndio, recorremos às legendas “porta abrindo”; “porta abre”, “porta abre e fecha” e “porta batendo”. Também analisamos as legendas “porta”, que apesar de não estarem traduzidas por períodos, mas por substantivos, traduzem o mesmo som de abertura ou fechamento de portas. De maneira geral, o uso do presente e do gerúndio não apresenta diferença entre si, e são usados quando a porta está em off, ou seja, não é possível vê-la, mas ouvimos o barulho que produz. No entanto, as ocorrências de “porta” se deram quando ela está em tela e se pode ver sua abertura e fechamento. Não podemos afirmar se há uma intencionalidade dos tradutores ao empregar a ação provocadora do ruído quando não é possível ver o objeto e de apenas indicá-lo quando ele está em tela, mas foi o observado pela pesquisadora. Também não houve diferença entre o uso do presente e do particípio presente nas seguintes legendas do corpus inglês: “telephone ringing” (telefone tocando), “telephone rings” (telefone toca), “phone ringing” (telefone tocando), “phone rings” (telefone toca), “cell phone ringing” (telefone celular tocando), “cell phone rings” (telefone celular toca), “number ringing” (número tocando), “rings” (toca) e “ringing” (tocando).

No corpus francês, além de apresentar apenas verbos no presente do indicativo, há também o uso do artigo definido, como nas legendas “La porte claque” (A porta bate), “La porte s’ouvre” (A porta se abre) e “Le téléphone sonne” (O telefone toca), que são as únicas vezes em que legendas de traduções de efeitos sonoros iniciaram com artigos em toda a categoria de som de objeto nos corpora.

O corpus americano traz, ainda, uma peculiaridade em relação aos demais, pois a especificação do som na legenda se dá não através da interpretação subjetiva do legendista, mas através da descrição específica do som pelos verbos. É o caso, por exemplo, das legendas “bell dings”, “bell jingles” (ou ainda na forma “bell jingling”), “bell rings” (ou na forma “bell ringing”), “bell tolling” e “bells chiming”. Enquanto não há diferença entre o uso do verbo no presente e no particípio presente, o uso contextual de cada verbo é respeitado na língua inglesa, produzindo legendas que traduzem exatamente cada tipo de som. Assim, o espectador tem uma informação mais acurada do que ocorre nos filmes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo intenta encontrar convencionalidade na tradução de efeitos sonoros nas legendas para surdos e ensurdecidos em três idiomas (português brasileiro, francês europeu e inglês americano). Com isso, pretende-se auxiliar o legendista, fornecendo insight a respeito desse tipo de tradução que pode ser problemática, pois é preciso saber o que privilegiar e como transpor o som para a escrita, bem como o espectador surdo que poderá ler e identificar o som mais facilmente, com a uniformização das traduções, melhorando seu tempo de leitura, o que é importante em um gênero como a legendagem.

Para tanto, foi realizada uma análise eletrônica preliminar de uma das categorias de sons dos corpora (sons de objetos) com o auxílio do Concord, o concordanciador do WordSmith Tools, versão 6.0. A metodologia utilizada foi eficaz para o estudo pretendido, pois foi possível estabelecer algumas diretrizes em relação ao som causado por objetos e fazer análises estatísticas a seguir apresentadas:

  1. Os corpora brasileiro e francês possuem, estatisticamente, a mesma quantidade de efeitos sonoros, enquanto o corpus americano apresenta um número inferior. Esse resultado pode se dar em razão de uma baixa porcentagem na tradução de músicas nesse corpus americano;

  2. a análise porcentual dos dados separados por categorias mostrou uma maior tendência de traduzir os efeitos sonoros produzidos e causados pelo homem e por objetos em todos os corpora;

  3. enquanto os corpora brasileiro e francês apresentam uma grande porcentagem de tradução de músicas, o corpus americano exibe quantias insignificantes;

  4. de modo análogo, as músicas de fosso registram número inexpressivos no corpus americano, enquanto totalizam pouco mais de 30% do total de efeitos sonoros no brasileiro e no francês.

De maneira geral, podemos indicar que os sons produzidos pelo homem e causados por objetos devem receber maior atenção dos legendistas, pois são os que apresentam maior frequência no corpus. Os demais sons não-musicais, ainda que não devam ser ignorados, podem ser legendados com menor frequência.

É importante que o legendista tenha em mente o conceito de que os ruídos que interagem com os personagens e provocam reações neles devem ser privilegiados na legendagem. No entanto, a presente pesquisadora acredita que não deveria ser uma regra aplicável às músicas, pois como foi visto na seção sobre o som no cinema, a música de fosso, que não é percebida pelos personagens, apenas pelos espectadores, atinge efeitos consideráveis para a compreensão fílmica do espectador. A nosso ver, esses efeitos devem ser repassados também por meio da legendagem, de forma que o público surdo não perca esse input significativo.

Enfim, vimos que os corpora brasileiro e francês estão mais próximos entre si que do americano. No entanto, mais análises precisam ser feitas para que se possa fazer qualquer hipótese a esse respeito.

Como dito, para a tradução de sons causados por objetos, a análise dos corpora foi bastante produtiva, e foram encontradas algumas diretrizes.

São três categorias possíveis de tradução de sons de objetos, por meio de substantivos, de locuções nominais e de curtas orações. A tradução por meio de substantivo é mais indicada para situações em que não há tempo suficiente para inserir locuções ou orações. Sendo assim, é possível utilizar apenas o nome do objeto que produz o ruído. Isso pode ocorrer sobretudo com objetos cuja função principal ou uma das principais é produzir alertas sonoros. Sugestão de tradução: campainha, alarme, telefone, sirene.

A locução nominal pode ocorrer quando o objeto que produziu o ruído é a parte de um todo. Havendo tempo suficiente, sempre é melhor especificar a proveniência do som, de forma a não causar dúvidas no espectador. Para mais, quando for possível, sempre optar por traduzir a partir de uma colocação consagrada. Sugestões de tradução: “porta do carro”, “sino de igreja”, “tilintar de chaves” e “riscar de fósforo”.

A tradução por oração pode ser a mais eficaz, pois não só traduz o ruído, como explicita a ação que o desencadeou. Por se tratar de um tipo mais longo de tradução, é preciso que haja tempo suficiente em tela para leitura por parte do espectador. Caso contrário, pode-se optar pelo uso do substantivo ou da colocação. Como visto, em geral, temos dois tipos de oração: aquela que usa o verbo no presente e a que usa o verbo no gerúndio. A primeira deve ser utilizada quando o ruído não se desenrola no tempo. Já quando o ruído for prolongado, o gerúndio é o mais apropriado. Quanto mais clara for a tradução, mais facilmente o espectador será capaz de fazer a inferência entre o ruído e o enredo. Portanto, o uso de vocábulos bem específicos na tradução pode ajudar na compreensão do espectador. Por exemplo, “porta bate” em vez de “porta fecha” quando a porta for fechada com força. “Telefone vibra” ao invés de “telefone toca”.

Por conseguinte, acreditamos que os procedimentos metodológicos são eficazes para atingir o objetivo proposto pela pesquisa, pois foi possível distinguir padrões e estabelecer diretrizes a partir do estudo piloto.

Todavia, pretende-se expandir os corpora, de modo a obter o maior número de traduções possíveis para análise, levando em consideração restrições de tempo para finalizar a pesquisa e o fato de que as legendas são etiquetadas manualmente apenas pela pesquisadora, o que consume bastante tempo.

Ademais, serão realizadas análises estatísticas e qualitativas mais aprofundadas com o restante das categorias e outras questões técnicas como as velocidades das legendas e o tempo de permanência máximo e mínimo delas em tela também serão observados.

REFERÊNCIAS bibliográficas

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  • 1
    O título do projeto é Tradução para Surdos: em busca de um Modelo de Legendagem Fechada para o Brasil (ARAÚJO, 2012).
  • 2
    Minha tradução para “Once translators become aware of the way sounds convey emotional, narrative and metatextual information it will be easier for them to identify the function of each sound effect and to make choices on the best ways to transmit such effects”.
  • 3
    Minha tradução para “It may sometimes be relevant to add information on “how” “why” or “where” so that deaf receivers may perceive the quality or nuances of certain sounds, meaning that more might be given to deaf viewers than may be perceived by hearers. This is sometimes considered to be undesirable. However, if that information is decisive for the comprehension of the whole or if it reduces the processing load, why not include it?”
  • 4
    Minha tradução para: “The ways to convey such sounds may be easily conventionalised, a situation that would prove beneficial both to translators and to deaf viewers.”
  • 5
    O projeto Moles consiste em pesquisa exploratória na qual foram entrevistados 34 surdos de quatro regiões do país, com o intuito de encontrar as preferências brasileiras para uma LSE de qualidade. Esse projeto foi chefiado pela professora Vera Lúcia Santiago da Universidade Estadual do Ceará.
  • 6
    As barreiras consistem em “qualquer obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros” (BRASIL, 2015).
  • 7
    Radiodifusão é a propagação de sinais de rádio, televisão, telex por ondas radioelétricas. Tanto aparelhos de televisão como de rádio usam radiofrequência.
  • 8
    Canais não digitais.
  • 9
    Les téléspectateus sourds et malentendants enfin entendus. <http://www.ladepeche.fr/article/2010/02/09/773224-les-telespectateurs-sourds-et-malentendants-enfin-entendus.html>. Acesso em: 04 de março de 2016.
  • 10
    Sous-titres pour les sourds à la télé: le dessous d’um massacre: < http://rue89.nouvelobs.com/2015/07/26/sous-titres-les-sourds-a-tele-les-dessous-dun-massacre-260365>. Acesso em: 04 de março de 2016.
  • 11
    Sous-titrages: je suis sourde, et France 2 me prend pour une conne: < http://rue89.nouvelobs.com/rue89-culture/2013/07/20/sous-titrages-suis-sourde-france-2-prend-conne-244399>. Acesso em 04 de março de 2016.
  • 12
    Não foi encontrado o título em português desse filme.
  • 13
    Blowing horn é um objeto geralmente feito de chifre animal ou moldado como um, no qual se sopra na ponta mais fina, produzindo um som grave e característico, semelhante ao berrante.
  • 14
    As orações que utilizam o particípio presente (present participle) como as das legendas são as chamadas orações reduzidas (reduced clauses), isto é, funcionam como as orações relativas (defining relative clauses), mas são reduzidas de forma que o pronome relativo e o verbo to be ficam implícitos, como, por exemplo, na oração “The crowd (that were) watching grew restless (HEWINGS, 2013).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2017
  • Aceito
    02 Ago 2017
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