RESENHAS
João Batista Ribeiro Santos
Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), mestrando em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador-bolsista da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). jj.batist@gmail.com
ROSANVALLON. Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2010, 101p.
A história filosófica e a história conceitual são âmbitos das proposições enunciadas sobre o político e sobre a política. O autor, Pierre Rosanvallon, tem por objetivo historicizar os últimos decênios de estudo do político.
O livro começa com o artigo que apresenta Pierre Rosanvallon, "A democracia como problema: Pierre Rosanvallon e a Escola Francesa do Político", escrito por Christian Edward Cyril Lynch. Nesse artigo a obra teórica e a vida acadêmica de Rosanvallon, suas influências, importância e, sobretudo, seu debate nos domínios do político são apresentados tendo por intuito facilitar ao leitor o acesso à história do político.
Christian Edward afirma que o estudo da teoria política foi colocado à margem, como "idealista e elitista" pela humanitas, representada pelas histórias social e das mentalidades, mas também pelo marxismo; mesmo no século XX, após a Primeira Guerra Mundial, a história do político, como estudo acadêmico, foi tida como "anedótica e individualista". Poderia mencionar que o resgate da história política só acontece destacadamente com Reinhart Koselleck e John A. Pocock.
É nessa época que os teóricos da história do político reagem aos seus adversários, mormente com René Rémond1 1 RÉMOND, René. Por uma historia política. Rio de Janeiro: FGV, 2003. e seu livro, Por uma história política. Rémond postula "a renovação da história política a partir da multidisciplinaridade"; nesse sentido, alarga os domínios do político e busca dialogar com as várias disciplinas das ciências humanas e sociais, sem negar ao político a sua capacidade de arbitrar os conflitos. Entretanto, quem define o conceito de político são os pesquisadores do Centro de Pesquisas Políticas Raymond Aron, do qual Rosanvallon participou desde o início.
O artigo procura demonstrar a importância de Alexis de Tocqueville (1805-1859) para a teoria política e para as pesquisas coetâneas realizadas na França, destacando a sua compreensão da democracia como regime político moderno capaz de fornecer ferramentas adequadas para a igualdade de condições entre os cidadãos, a democracia como opção frente ao desaparecimento da ordem aristocrática e o retorno ao liberalismo através da democracia. Estes três eixos de Alexis de Tocqueville fizeram parte da historiografia dos pesquisadores do Centro Aron. Christian Edward procura ainda delimitar as ações e influências de François Furet e Claude Lefort sobre a obra de Rosanvallon. Esclarecedor do pensamento daqueles dois mestres é a trajetória de Furet e Lefort, da esquerda marxista ao liberalismo conservador pensado por Raymond Aron, seja por decepção política, seja por virada ideológica da maturidade científica - sendo ambos críticos da "experiência soviética". É importante salientar que Claude Lefort entendia que o político é anterior ao social; seguindo esse raciocínio, eu diria que o político arquiteta o âmbito social.
O artigo de Christian Edward demonstra que Rosanvallon sente-se seguro para retomar seu objetivo inicial, ou seja, reconstruir a teoria geral da democracia; é nesse contexto que o autor do artigo o situa como historiador do político. Demonstra mais espanto por não compreender o motivo que levou Rosanvallon a trocar, na aula inaugural no Colégio de França em 2002, em sua abordagem historiográfica, a qualificação "filosófica" por "conceitual". Também o autor do artigo não se dá conta que quando Rosanvallon afirma que "a tarefa do historiador é a de tentar restituir ao passado sua dimensão de presente"2 2 ROSANVALLON. Pierre. Por uma história do político, p.34. está, possivelmente, dialogando com Reinhart Koselleck,3 3 KOSELLECK, Reinhardt. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/ Editora PUC Rio, 2006 o Koselleck de Futuro passado.
Politicamente discordo dos postulados liberais, mas leio com agrado a exposição concisa da trajetória do pensador do político Pierre Rosanvallon, que "define o mundo da política como segmento do mundo do político, operado pela mobilização dos mecanismos simbólicos de representação".4 4 ROSANVALLON. Pierre. Por uma história do político, p.30.
No ensaio "Por uma história filosófica do político", Pierre Rosanvallon faz um balanço, como acadêmico engajado, pelo "retorno do político". Analisa a história filosófica do político, trazendo ao centro do debate a questão da democracia, mormente o sufrágio universal. Considera que até a década de 1960 a divisão ideológica serviu para preparar a qualificação intelectual para o debate entre marxistas e liberais. A qualificação se deu também em relação à metodologia da filosofia do político quanto ao entendimento dos problemas das sociedades contemporâneas. Na definição dessa história, Rosanvallon recorre mais uma vez a Claude Lefort: o político é "o conjunto de procedimentos a partir dos quais desabrocha a ordem social",5 5 ROSANVALLON. Pierre. Por uma história do político, p.41. unindo assim o político e o social. E para tanto, para pensar a sociedade, Rosanvallon declara juntar textos clássicos a obras menos nobres, cujo objetivo precípuo é fundamentar uma abordagem e um conteúdo originais no campo da história filosófica do político - consciente das objeções suscitadas, cuja voz mais potente é a de Roger Chartier.
Na aula inaugural proferida no Colégio de França, cujo título é "Por uma história conceitual do político", era de se esperar que Rosanvallon justificasse a mudança de abordagem do político entre história filosófica e história conceitual. Eis aqui algo que merece crítica. Por essa razão, justifico a menção a um possível diálogo entre Pierre Rosanvallon e Reinhart Koselleck. Para o pesquisador alemão, conceito é ferramenta para realizar uma história dos conceitos, mas que também se preocupa com a modernidade, tendo esta como fundamento da democracia. Por outro lado, em síntese, Rosanvallon faz história conceitual do político, e logo define o seu conceito de político: "compreendo o político ao mesmo tempo a um campo e a um trabalho".6 6 ROSANVALLON. Pierre. Por uma história do político, p.71. Como campo o político abarca os âmbitos sociais dos seres humanos; como trabalho, movimenta-se nos contextos vitais, nas atividades que tornam a polis uma comunidade viva. Notem que o conceito quase se assemelha à filosofia do político.7 7 ROSANVALLON. Pierre. Por uma história do político, p.78. Talvez isso o possibilite a permanecer no campo do político. Assim, Rosanvallon pôde teorizar sobre a democracia como fundamento da modernidade, ainda que a considere "uma solução problemática" na constituição de uma polis de cidadãos. Ao que parece, não é apenas a democracia que é considerada problemática, mas também o povo; como o sufrágio universal institui a igualdade política, o povo é considerado conflituoso. Deter-me-ei agora em duas questões historiográficas.
A história do político distingue-se então, pelo próprio objeto, da história da política propriamente dita. Além da reconstrução da sucessão cronológica e dos acontecimentos, esta última analisa o funcionamento das instituições, disseca os mecanismos de tomada de decisões públicas, interpreta os resultados das eleições, lança luz sobre a razão dos atores e o sistema de suas interações, descreve os ritos e símbolos que organizam a vida. A história do político incorpora evidentemente essas diferentes contribuições. Com tudo o que ela acarreta de batalhas subalternas, de rivalidades de pessoas, de confusões intelectuais, de cálculos de curto prazo, a atividade política stricto sensu é, de fato, o que ao mesmo tempo limita e permite, na prática, a realização do político. Ela é ao mesmo tempo uma tela e um meio.8 8 ROSANVALLON. Pierre. Por uma história do político, p.78.
Muito esclarecedora a definição acima, a menos que se confronte a consideração acerca do povo, conflituoso, por um lado, quando considerado "nós"; mas quando visto inserido na democracia, legitimado pelo sufrágio universal, torna-se detentor do poder. Concomitantemente, o autor alude a "ficções jurídicas" arroladas ao desenvolvimento das convenções para "assegurar uma igualdade de tratamento e de instituir um espaço comum para homens e mulheres que são, contudo, bastante diferentes entre si"9 9 ROSANVALLON. Pierre. Por uma história do político, p.82. . E esta é a segunda questão. Pierre Bourdieu destacou que o campo político é um campo de força e que a tarefa dos líderes, nesse caso, seria obter a adesão dos cidadãos. Como o fictício não é nem verdadeiro nem falso (Carlo Ginzburg), quais as mudanças que podem ocorrer na "comunidade" e em que medida? Rosanvallon poderia se considerar com mais um problema de conceito para resolver. Quanto ao pessimismo com relação à democracia, Rosanvallon traz consigo, como apoio argumentativo, Aleksandr Issaievitch Soljenitsyn e, mais uma vez, a crítica ao bolchevismo. No entanto, mesmo para quem prefere endurecer mais contra o que se seguiu a Vladimir Illitch Ulianov Lenin ao nazismo, a democracia não deveria ser tão ruim. Não obstante, por fim chega Marcel Mauss, "nenhuma lentidão é suficiente; em matéria de prática, não se pode esperar".10 10 ROSANVALLON. Pierre. Por uma história do político, p.100. A prática é um risco, sem falácia.
Enfim, Pierre Rosanvallon atinge tanto o objetivo historiográfico quanto, especificamente, conceitual, e insere as suas pesquisas nos debates contemporâneos sobre a história do político, mormente quando analisa a prática política no âmbito do político.
Resenha recebida em: 30/11/2011
Aprovado em: 23/03/2012.
- 1 RÉMOND, René. Por uma historia política Rio de Janeiro: FGV, 2003.
- 3 KOSELLECK, Reinhardt. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/ Editora PUC Rio, 2006
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
19 Out 2012 -
Data do Fascículo
Jun 2012