Acessibilidade / Reportar erro

Influência do diâmetro e do ângulo de inserção sobre a resistência à tração de âncoras rosqueadas

Resumos

Foi avalida a resistência à avulsão de âncoras rosqueadas de 3,5 e 4,5 mm de diâmetro, utilizando fêmores de suínos frescos congelados como modelo e uma máquina universal de ensaios. O trocânter maior era ressecado e as âncoras, montadas com um cabo de aço flexível para permitir a fixação na máquina de ensaio, eram inseridas no osso esponjoso próximo à borda da cabeça femoral, a 30°, 60° e 90° com o eixo longitudinal da diáfise femoral. Os espécimes eram fixados na máquina de ensaio e a tração era aplicada continuamente, à razão de 1 mm/minuto até que ocorresse a falha da montagem. Dados referentes à carga máxima aplicada, carga no limite da proporcionalidade, rigidez e resiliência foram registrados e comparados (p<0.05). Os resultados mostraram que a carga máxima, a carga no limite da proporcionalidade e a resiliência foram significantemente maiores (p=0,04, p=0,01 e p=0,02, respectivamente) para as âncoras de 4,5 mm de diâmetro inseridas a 60°, comparado aos outros ângulos e às âncoras de 3,5 mm em qualquer ângulo. Carga no limite da proporcionalidade e rigidez não diferiram significantemente para as âncoras de ambos os diâmetros e os diferentes ângulos de inserção.

Ombro; Resistência à Tração; Desenvolvimento experimental; Suínos


The avulsion strength of threaded anchors with 3.5 and 4.5 mm diameter was assessed by using pigs’ frozen fresh femurs as a model and an assay universal machine. The major trochanter was dried and the anchors, mounted with a flexible steel wire for enabling its fixation on the assay machine, were inserted into the spongy bone near femoral head edge, at 30°, 60° and 90° with femoral diaphysis longitudinal axis. The specimens were fixed on the assay machine and traction was continuously applied at a ratio of 1 mm/ minute until assembly failure occurred. Data concerning maximum load applied, load at proportionality limit, stiffness and resiliency were recorded and compared (p<0.05). The results showed that the maximum load, the load at proportionality limit, and the resiliency were significantly higher (p=0.04, p=0.01 and p=0.02, respectively) for 4.5-diameter anchors inserted at 60°, compared to other angles and to 3.5-diameter anchors at any angle. Load at proportionality limit and stiffness were not significantly different for anchors of both diameters and for different insertion angles.

Shoulder; Tensile Strength; Experimental development; Swine


ARTIGO ORIGINAL

Influência do diâmetro e do ângulo de inserção sobre a resistência à tração de âncoras rosqueadas

Elpídio da GraçaI; Cláudio Henrique BarbieriII; Nilton MazzerIII; Antônio Carlos ShimanoIV

IOrtopedista, Aluno do Curso de Pós-graduação Nível Mestrado

IIOrtopedista, Professor Titular, Orientador

IIIOrtopedista, Professor Associado, Co-orientador

IVEngenheiro Mecânico, Professor Doutor, Colaborador

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cláudio Henrique Barbieri Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP - Campus Universitário CEP: 14049-900 - Ribeirão Preto - SP - BRAZIL E-mail: chbarbie@fmrp.usp.br

RESUMO

Foi avalida a resistência à avulsão de âncoras rosqueadas de 3,5 e 4,5 mm de diâmetro, utilizando fêmores de suínos frescos congelados como modelo e uma máquina universal de ensaios. O trocânter maior era ressecado e as âncoras, montadas com um cabo de aço flexível para permitir a fixação na máquina de ensaio, eram inseridas no osso esponjoso próximo à borda da cabeça femoral, a 30°, 60° e 90° com o eixo longitudinal da diáfise femoral. Os espécimes eram fixados na máquina de ensaio e a tração era aplicada continuamente, à razão de 1 mm/minuto até que ocorresse a falha da montagem. Dados referentes à carga máxima aplicada, carga no limite da proporcionalidade, rigidez e resiliência foram registrados e comparados (p<0.05). Os resultados mostraram que a carga máxima, a carga no limite da proporcionalidade e a resiliência foram significantemente maiores (p=0,04, p=0,01 e p=0,02, respectivamente) para as âncoras de 4,5 mm de diâmetro inseridas a 60°, comparado aos outros ângulos e às âncoras de 3,5 mm em qualquer ângulo. Carga no limite da proporcionalidade e rigidez não diferiram significantemente para as âncoras de ambos os diâmetros e os diferentes ângulos de inserção.

Descritores: Ombro; Resistência à Tração; Desenvolvimento experimental; Suínos.

INTRODUÇÃO

Reinserção de tendões nos ossos sempre foi um problema para os ortopedistas, que por muitos anos só dispuseram das suturas trans-ósseas, sempre trabalhosas e difíceis. Surgiram, então, os grampos de uso geral, a maioria deles inadequados para a reinserção de tendões mais delicados ou para regiões anatômicas específicas, como o ombro. As âncoras cirúrgicas foram idealizadas no final dos anos 80 com o propósito de suprir o cirurgião com um meio mais apropriado para realizar a maioria dos procedimentos envolvendo a fixação de tecidos moles no osso. Tal como é conhecida hoje em dia, a primeira âncora cirúrgica foi desenhada como um parafuso auto-atarrachante de titânio, dotado de uma sutura de fio de poliéster e que se mostrou mais fácil de utilizar e mais segura do que os métodos anteriormente disponíveis, inclusive as suturas transósseas (1,2,3).

Os grandes avanços experimentados pela cirurgia artroscópica, igualmente no final dos anos 80, foram devidos pelo menos em parte ao desenvolvimento das âncoras cirúrgicas, as quais permitiram a introdução de procedimentos como o reparo artroscópico das lesões de Bankart e do manguito rotador, alegadamente mais vantajoso do que os procedimentos abertos (4-9). Depois da introdução inicial, muitos tipos diferentes de âncoras foram desenvolvidos, com grande variação no desenho (rosqueadas, em gancho, em arpão), material (aço inoxidável, titânio, polímeros absorvíveis ou não) e dimensões, cada uma apropriada para um uso específico, mas sempre centradas na idéia de tornar a operação mais fácil e rápida.

Um dos requisitos das âncoras de sutura é que ela deve resistir à avulsão, mantendo o tendão ou outro tecido mole tão junto do osso pelo tempo que for necessário para que ocorra a cicatrização. Já foi demonstrado que a resistência à avulsão das âncoras rosqueadas é diretamente proporcional ao diâmetro(10-13) * * Mitek Products. Fastin ®, 1998-2000. Available from http://www.mitek.com/Pages/fs-product.html. Access: October 10, 2000. ; por outro lado, há uma idéia geral de que a posição de inserção seja também importante para prover a resistência necessária para a fixação, mas a posição mais adequada não parece ter sido ainda determinada. Especificamente em relação ao manguito rotador, baseado na observação do papel desempenhado pelo moirão de apoio colocado inclinado a 45º nas cercas de fazendas ("deadmen"), Burkhart (14) sugeriu que as âncoras deveriam ser introduzidas nesse ângulo em relação à direção de tração do manguito, formando um ângulo agudo com este. Reed et al. (15) e Gartsman e Hammerman(6) sugeriram que, no reparo do manguito rotador, a âncora deveria ser inserida a 90º (perpendicular) com a direção de tração, estando o ombro em 30º de abdução. Outros autores sugeriram direções diferentes: 90° com a superfície articular(13), 45° a 60° em relação à superfície do osso(16), 60° em relação à linha da superfície articular da cabeça umeral(17), ou "menos de 45º entre a âncora e a direção de tração na zona juxtaarticular do tubérculo maior"** ** Cooper AE. Restoring motion. Orthopedic Technology Review, vol. 2, number 5, 2000. Available at www.orthopedictechreview.com/issues/may00/pg42.htm. , sem especificar se dirigida proximal ou distalmente, ou apontando para a direção de tração ou na direção oposta. Não foram encontradas referências específicas ao ângulo de inserção da âncora em outra situações que não o manguito rotador.

Como não parece haver concordância sobre o assunto, foi o objetivo da presente investigação testar, num modelo experimental, a influência do diâmetro e do ângulo de inserção sobre a resistência a avulsão de âncoras rosqueadas.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados no experimento 69 fêmores frescos de suínos da raça Landrace, de ambos os sexos, de 5 meses de idade, abatidos em matadouro local, de rígido controle sanitário. Os ossos foram cuidadosamente limpos de todas as partes moles, inspeccionados quanto a anomalias macroscópicas, medidos (comprimento médio: 17,9 cm; variação: 17 – 18,5 cm), pesados (peso médio: 322 g; variação: 280 – 400 g), radiografados em duas incidências, para detectar qualquer anomalia de consistência ou fratura prévia, identificados, embalados a vácuo em saco plástico e armazenados num congelador a -20°C por cerca de duas semanas(18). Eles eram retirados do congelador 12 horas antes do experimento e descongelados à temperatura ambiente(19). O trocânter maior e a região condilar distal eram ressecados com uma serra circular de dentes finos, a primeira, para permitir a inserção das âncoras diretamente no osso esponjoso da cabeça femoral, e a última, para facilitar a fixação do osso na máquina de ensaio.

Foram empregadas âncoras auto-atarrachantes de titânio de 3,5 e 4,5 mm de diâmetro disponíveis comercialmente. Um cabo de aço multifilamentado maleável (20 cm de comprimento, 1 mm de diâmetro, resistência máxima à tração de 450 N) foi passado no olho da âncora, formando uma alça dupla com as pontas firmemente conectadas com um nó simples e, depois, com uma manga metálica prensada manualmente em três pontos, para impedir escorregamento; uma distância de 60 mm entre a âncora e o nó foi padronizada (Figura 1).


Um guia de ângulo variável foi especialmente confeccionado para inserir as âncoras sempre de acordo com o ângulo desejado, em relação ao eixo longitudinal diafisário. Um orifício de 2 mm de diâmetro era perfurado no osso, cerca de 10 mm abaixo da linha epifisária da cabeça femoral, exposta pela ressecção do trocânter maior, e a âncora era inserida manualmente diretamente no osso esponjoso, até que ficasse exposto apenas o cabo de aço (Figura 2). Radiografias de controle eram obtidas de todos os espécimes, para assegurar que as âncoras estivessem no ângulo e na profundidade corretos (Figura 3).



Os ossos foram divididos em seis grupos de dez espécimes cada. Dos grupos 1 ao 3, foram usadas âncoras de 3,5 mm, inseridas nos ângulos de 30º, 60º e 90º, respectivamente, os dois primeiros formando um ângulo agudo com a direção de tração e o último, perpendicular a ela. Dos grupos 4 ao 6, as âncoras utilizadas foram de 4,5 mm, também inseridas de acordo com os mesmos ângulos e direções.

Os ensaios foram realizados com uma máquina universal de testes equipada com uma célula de carga de alta precisão até 200 Kgf ligada a um extensômetro para leitura das cargas aplicadas, e com um relógio comparador, também de alta precisão, para medida das deformações produzidas pela tração. Os espécimes eram fixados à máquina com o eixo longitudinal diafisário inclinado a 30º em relação à horizontal, simulando uma abdução de 30º(20); o cabo de aço da âncora era conectado à parte móvel superior da máquina, de modo que a direção de tração fosse rigorosamente vertical, do mesmo modo como o manguito rotador estaria tracionando na angulação correspondente (Figura 4). Uma pré-carga de 20 N era aplicada por 60 segundos para acomodação do sistema e, depois, a carga de fato era aplicada, na velocidade de 1 mm/minuto, até que houvesse uma súbita queda no valor da carga registrada, indicando falha do sistema. Os valores da carga aplicada eram registradas a deformações de 0,1 mm, sendo expressos em unidades SI (Newtons para as cargas e metros para as deformações).


Foram obtidos gráficos da carga versus a deformação para todos os ensaios, para permitir o cálculo das propriedades mecânicas de cada espécime, a saber: carga máxima, carga no limite da proporcionalidade, rigidez e resiliência. Foi calculado um valor médio de cada parâmetro em cada grupo e os dados foram submetidos à análise estatística pelo teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis, comparando os resultados obtidos com as âncoras de um mesmo diâmetro inseridas nos diferentes ângulos e os resultados obtidos com as âncoras dos dois diâmetros inseridas no mesmo ângulo.

RESULTADOS

Foram realizados 96 ensaios, 20 dos quais com o objetivo de estabelecer detalhes técnicos, tais como a preparação dos espécimes, tipo e dimensões dos acessórios necessários para fixar os espécimes na máquina, posição de fixação e velocidade de aplicação da carga. Os resultados desses ensaios não foram considerados para os cálculos finais. Dezesseis ensaios foram descartados por problemas técnicos, deixando um total de 60 ensaios válidos, cujos resultados estão sumarizados nas Tabelas 1 e 2.

O exame macroscópico dos espécimes após o ensaio mostrou que com a falha do sistema a âncora havia migrado dentro do orifício, sempre na direção de tração, mas em nenhum deles ela foi inteiramente avulsionada. Na realidade, ela havia girado ao redor de um eixo transversal situado em algum ponto entre o meio do seu comprimento e a ponta, mas ainda estava firmemente presa dentro do osso, sua remoção manual sendo impossível.

Análise estatística

Considerando o diâmetro das âncoras separadamente, não houve diferença significante entre as cargas máximas para as âncoras de 3,5 mm e 4,5 mm inseridas a qualquer dos ângulos (p=0,44 e p=0,06, respectivamente). Considerando os ângulos de inserção separadamente, as cargas máximas foram significantemente diferentes entre as âncoras de 3,5 mm e 4,5 mm inseridas a 60º (p=0,04), mas não a 30º ou a 90º (p=0,31 e p=0,57, respectivamente).

Para a carga no limite da proporcionalidade não houve diferença significante entre as âncoras de 3,5 mm e 4,5 mm inseridas a qualquer dos ângulos (p=0,09 e p=0,60, respectivamente). Quando os ângulos de inserção foram considerados separadamente, houve diferença significante entre as âncoras de 3,5 mm e 4,5 mm inseridas a 60º (p=0,01), mas não a 30º ou 90º (p=0,33 and p=0,17, respectivamente).

A rigidez não foi significantemente diferente ângulo a ângulo para as âncoras dos dois diâmetros (p=0,38 e p=0,61, respectivamente), bem como não houve diferença significante entre as âncoras dos dois diâmetros (p=0,62 para 30°, p=0,47 para 60° e p=0,97 para 90°) para cada ângulo de inserção em separado.

Finalmente, a resiliência não foi significantemente diferente ângulo a ângulo para as âncoras dos dois diâmetros (p=0,06 e p=0,08, respectivamente). De modo semelhante ao que se observou para a carga máxima e para a carga no limite da proporcionalidade, não houve diferença significante entre as âncoras de 3,5 mm e 4,5 mm somente para o ângulo de inserção de 60º (p=0,02), mas não para 30º ou 90º (p=0,09 and p=0,16, respectivamente).

DISCUSSÃO

O uso dos implantes metálicos para a reinserção de tendões nos ossos foi introduzido visando proporcionar um procedimento mais rápido e seguro do que as suturas transósseas. Devido ao alto grau de complicações, como o afrouxamento e migração(21,22,23), os grampos inicialmente utilizados foram paulatinamente substituidos pelas âncoras de sutura(2), que facilitam o procedimento cirúrgico e propiciam tanta segurança à reinserção tendinosa quanto as suturas transósseas(2,13).

A despeito da introdução de outros desenhos, as âncoras rosqueadas parecem ter um desempenho superior, característica que seria diretamente proporcional às suas dimensões, particularmente o diâmetro, pois o maior diâmetro propicia maior superfície de contato com o osso circunjacente e, teoricamente, maior resistência à tração e avulsão(10,13,24). Um detalhe técnico referente ao uso das âncoras, aparentemente tão importante quanto o diâmetro e ainda não suficientemente esclarecido, é o ângulo de inserção, que motivou a presente investigação. O senso comum parece indicar que a inserção a 90º com a direção de tração proveria a maior resistência à avulsão. Entretanto, isso não é inteiramente verdadeiro, pois as propriedades mecânicas do osso no qual são inseridas podem influenciar o comportamento da âncora, de acordo com o ângulo de inserção. Opiniões diferentes parecem indicar que o ângulo de inserção não influencia significantemente a resistência à avulsão, desde que esteja entre 30º, formando um ângulo obtuso, e 90º com a direção de tração(6,13,16,17,21). A inserção da âncora proximalmente a 45º com a perpendicular à direção de tração ("deadmen") e formando com esta um ângulo agudo sugerida por Burkhart(14,25), teoricamente adicionaria maior resistência à fixação. Essa é uma recomendação específica para o caso da reinserção do manguito rotador, que não se aplicaria a outros tendões, e mesmo assim, considerando a curvatura da cabeça umeral, esse ângulo resulta em que a âncora fica posicionada quase paralela à superfície articular, desse modo deixando um pequena quantidade de tecido ósseo entre uma e outra, particularmente na sua entrada, o que pode reduzir sua resistência. Entretanto, tal hipótese não foi testada na presente investigação, porque os autores entenderam que os parafusos em geral, como a âncora rosqueada, são feitos para resistir principalmente a cargas axiais, dirigidas segundo o seu eixo longitudinal e que tendem a avulsioná-los, as tensões de encurvamento sendo de interesse secundário. Assim, as âncoras inseridas a 30º e 60º foram dirigidas no sentido distal, de modo a formar um ângulo obtuso com a direção de tração, ao invés do ângulo agudo sugerido por Burkhart. Ainda mais, foi decidido que o ângulo de inserção deveria variar entre 30º e 90º, a intervalos de 30º, porque a maioria dos autores relatam ângulos de inserção nessa faixa; além disso, intervalos menores (15º e 20º, por exemplo) seriam menos aplicáveis, do ponto de vista cirúrgico.

A referência geométrica para determinar o ângulo de inserção também varia conforme o autor, alguns referindo a direção de tração estimada do manguito(6,14,15,25) e outros, a orientação da superfície óssea no local da inserção. Na presente investigação, o primeiro passo foi determinar que a cortical lateral do osso seria a referência geométrica para o ângulo de inserção das âncoras, até porque é de mais fácil determinação. Em seguida, foram escolhidas as âncoras de 3,5 mm e 4,5 mm de diâmetro, porque são as de uso mais freqüente no ombro, apesar da introdução de âncoras de 6 mm.

O fêmur de suino foi escolhido como modelo porque a consistência do osso esponjoso da região do colo guarda estreita semelhanças com o osso esponjoso de humanos (15,18). Apesar de poder ser criticado, como qualquer modelo experimental na mesma situação, ele é certamente melhor do que modelos de madeira, que seriam uma alternativa, particularmente quando a obtenção de ossos humanos é muito difícil, tanto do ponto de vista logístico quanto de padronização. O trocânter maior era ressecado nos modelos, para expor o osso esponjoso logo abaixo da placa de crescimento da cabeça femoral(10), de modo que as âncoras eram inseridas de modo semelhante ao que é efetivamente feito em humanos, no caso da reinserção do manguito rotador. O fêmur era fixado à máquina de ensaios em ângulo de 30° com a horizontal simulando uma abdução leve(20) e o cabo de aço conectado á âncora era tracionado na direção vertical, tangenciando a cabeça femoral como uma polia, de um modo que mimetizava a direção de tração do tendão do supraespinhoso(13,14).

Para qualquer dos parâmetros avaliados, os resultados obtidos na presente investigação mostraram que as âncoras rosqueadas são muito resistentes à avulsão e de modo semelhante para os dois diâmetros testados, com as diferenças entre ambos não sendo significantes a 30º e 90º. Entretanto, a 60º a resistência à avulsão (carga máxima, carga no limite da proporcionalidade e resiliência) foi significantemente maior para as âncoras de 4,5 mm (Tabela 2, Figura 5), fenômeno que foi acompanhado de queda na rigidez para ambos os diâmetros (Figura 6).




A razão porque a resistência à avulsão diminuiu para as âncoras de 3,5 mm e aumentou para as de 4,5 mm a 60º não está perfeitamente entendida. Foi a interpretação dos autores que o desempenho máximo das âncoras de 3,5 mm ocorre quando a direção de tração é transversal ou, ao contrário, quase parelela ao ângulo de inserção, porque a resistência é dada tanto pela massa óssea ao seu redor a 90º, que a prende firmemente, como pela rosca em íntimo contato com o osso a 30º (a resistência dos parafusos à carga axial acima referida). Entre esses extremos nenhum dos dois mecanismos é inteiramente eficiente para as âncoras de 3,5 mm, cuja menor superfície corta através do osso, fazendo-a girar ao redor de um eixo transversal situado entre seu terço médio e sua ponta; a adição de 1 mm nas âncoras de 4,5 mm faz toda a diferença. O fato de que a rigidez diminuiu para as âncoras de ambos os diâmetros a 60º demonstra que ambas estão mais flexíveis neste ângulo, com as âncoras de 4,5 mm absorvendo maior energia (resiliência) antes da falha do sistema. Estes resultados conflitam de algum modo àqueles de outros autores e dos produtores, segundo os quais a resistência da âncora à avulsão sempre aumenta com o diâmetro.

Barber e colaboradores(10) levantaram uma discussão sobre o que seria melhor em relação ao número de âncoras a serem usadas para reinserir o manguito rotador: duas de menor diâmetro dariam maior resistência à avulsão do que uma de maior diâmetro? Com base nos resultados aqui obtidos, provavelmente a primeira alternativa seria mais apropriada, pois as âncoras de menor diâmetro produzem menos danos ao osso receptor, ao mesmo tempo que um maior número de âncoras propiciariam maior distribuição da carga, como demonstrado por Burkhart e colaboradores(26).

Os cirurgiões devem estar cientes que, do ponto de vista cirúrgico, nem o diâmetro das âncoras, nem o ângulo de inserção, podem isoladamente ou em conjunto assegurar resultados completamente satisfatórios(15), pois a resistência da reinserção à avulsão depende de outros fatores, como a liberação adequada das aderências, a qualidade do tecido tendinoso lesado e do osso, a técnica e o material de sutura, o processo de cicatrização e outros(23,27,28). Por exemplo, as mesmas âncoras e ângulos estudados aqui certamente teriam um desempenho diferente no osso osteoporótico de idosos.

Considerando os resultados obtidos, os autores concluíram que tanto as de 3,5 mm como as de 4,5 mm podem ser utilizadas nos ângulos de 30º ou 90º, com desempenho semelhante; para a inserção a 60º, devem ser preferidas as âncoras de 4,5 mm, pelo seu desempenho superior. Embora os resultados se refiram ao uso de uma única âncora, essa conclusão provavelmente é verdadeira também quando duas ou mais âncoras sejam necessárias.

Trabalho recebido em 17/04/06 aprovado em 07/07/06

Trabalho realizado no Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor (Laboratório de Bioengenharia). Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP

  • 1. Carpenter JE, Fish DN, Huston LJ, Goldstein SA. Pull-out strength of five suture anchors. Arthroscopy. 1993; 9:109-13.
  • 2. Goble EM, Somers WK, Clark R, Olsen RE. The development of suture anchors for use in soft tissue fixation to bone. Am J Sports Med. 1994; 22: 236-9.
  • 3. Sasaki SU, Stuginski RM, Mattar Junior R, Yutaka AS, Azato FN, Kimura LK, et al. Estudo biomecânico comparativo da resistência à tração entre dois tipos diferentes de mini-âncoras de sutura. Rev Bras Ortop. 2000; 35: 231-4.
  • 4. Altchek DW, Carson EW. Arthroscopic acromioplasty: current status. Orthop Clin North Am. 1997; 28:157-67.
  • 5. Carrera EF, Pereira ES. Artroscopia do ombro: procedimentos mais freqüentes. Rev Bras Ortop. 1992; 27:399-400.
  • 6. Garstman GM, Hammerman SM. Full-thickness tears: arthroscopic repair. Orthop Clin North Am. 1997; 28:83-97.
  • 7. Godinho GG, Souza JMG. Estudo artroscópico dos ligamentos glenoumerais, recessos sinoviais e labrum: correlações anatomo-clínicas. Rev Bras Ortop. 1993; 28: 527-31.
  • 8. Miyasaki AN, Santos PD, Saito RY, Kussakawa D, Checchia SL. Acromioplastia artroscópica e reparo das lesões do manguito rotador por miniincisão. Rev Bras Ortop. 1999; 34:415-20.
  • 9. Snyder SJ. Evaluation and treatment of the rotator cuff. Orthop Clin North Am. 1993; 24: 173-192.
  • 10. Barber FA, Herbert MA, Click JN. Suture anchor strength revisited. Arthroscopy. 1996: 12:32-8.
  • 11. Barber FA, Herbert MA, Click JN. Internal fixation strength of suture anchors Update 1997. Arthroscopy. 1997; 13: 355-62.
  • 12. Barber FA, Herbert MA. Suture anchors Update 1999. Arthroscopy. 1999; 15:719-25.
  • 13. Craft DV, Moseley JB, Cawley PW, Noble PC. Fixation strength of rotator cuff repairs with suture anchors and the transosseous suture technique. J Shoulder Elbow Surg. 1996; 5: 32-40.
  • 14. Burkhart SS. The deadman theory of suture anchors: Observations along a South Texas fence line. Arthoscopy .1995; 11:119-23.
  • 15. Reed SC, Glossop N, Ogilvie-Harris DJ. Full-thickness rotator cuff tears. A biomechanical comparison of suture versus bone anchor techniques. Am J Sports Med. 1996; 24:46-8.
  • 16. Snyder SJ. Technique of arthroscopic rotator cuff repair using implantable 4-mm suture revo anchors, suture Shuttle Relays and no. 2 nonabsorbable mattress sutures. Orthop Clin North Am. 1997; 28: 267-75.
  • 17. Godinho GG. Reparo das lesões do manguito rotador por via artroscópica. Clínica Ortopédica 2000; 1:129-39.
  • 18. Durigan A Jr, Barbieri CH, Mazzer N, Shimano AC. Two-part surgical neck fractures of the humerus. Mechanical analysis of the fixation with four Shanz-type threaded wires in four different assemblies using the femur of swine as a model. J. Shoulder Elbow Surg. 2005; 14:96-102.
  • 19. Amis AA. The strength of artificial ligament anchorages: a comparative experimental study. J Bone Joint Surg Br. 1988; 70: 397-403.
  • 20. Zuckerman JD, Leblanc J, Choueka J, Kummer F. The effect of arm position and capsular release on rotator cuff repair. A biomechanical study. J Bone Joint Surg Br. 1991; 73: 402-5.
  • 21. France EP, Paulos LE, Harner CD, Straight CB. Biomechanical evaluation of rotator cuff fixation methods. Am J Sports Med. 1989; 17:176-81.
  • 22. Pollock RG, Flatow EL. Full-thickness tears; mini open repair. Orthop Clin North Am. 1997; 28:169-77.
  • 23. Zuckerman JD, Matsen FA 3rd. Complications about the glenohumeral joint related to the use of screws and staples. J Bone Joint Surg Am. 1984; 66:175-80.
  • 24. Hecker AT, Shea M, Hayhurst JO, Myers ER, Meeks LW, Hayes WC. Pull-out strength of suture anchors for rotator cuff and Bankart lesion repairs. Am J Sports Med. 1993; 21:874-9.
  • 25. Burkhart SS. A stepwise approach to arthoscopic rotator cuff repair based on biomechanical principles. Arthoscopy. 2000; 16:82-90.
  • 26. Burkhart SS, Fischer SP, Nottage WM, Esch JC, Barber FA, Doctor D, et al. Tissue fixation security in transosseous rotator cuff repairs: a mechanical comparison of simple versus mattress sutures. Arthroscopy. 1996; 12:704-8.
  • 27. Gerber C, Schneeberger AG, Beck M, Schlegel U. Mechanical strength of repairs of the rotator cuff. J Bone Joint Surg Br. 1994; 76: 371-9.
  • 28. Harryman DT, Mack LA, Wang KY, Jackins SE, Richardson ML, Matsen FA 3rd. Repairs of the rotator cuff: correlation of functional results with integrity of the cuff. J Bone Joint Surg Am. 1991; 73: 982-9.
  • Endereço para correspondência:

    Cláudio Henrique Barbieri
    Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor
    Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP - Campus Universitário
    CEP: 14049-900 - Ribeirão Preto - SP - BRAZIL
    E-mail:
  • *
    Mitek Products. Fastin
    ®, 1998-2000. Available from
    http://www.mitek.com/Pages/fs-product.html. Access: October 10, 2000.
  • **
    Cooper AE. Restoring motion. Orthopedic Technology Review, vol. 2, number 5, 2000. Available at
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Recebido
      17 Abr 2006
    • Aceito
      07 Jul 2006
    ATHA EDITORA Rua: Machado Bittencourt, 190, 4º andar - Vila Mariana - São Paulo Capital - CEP 04044-000, Telefone: 55-11-5087-9502 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actaortopedicabrasileira@uol.com.br