INTRODUÇÃO
A prematuridade é a principal causa de morbimortalidade infantil, sendo considerada problema de saúde pública mundial.1 Com o avanço tecnológico e especialização dos recursos humanos em neonatologia, observa-se incremento na sobrevida de crianças cada vez com menor Idade Gestacional (IG) e menor peso ao nascer. Consequentemente, diversas repercussões são observadas após o período neonatal, ao longo da vida desse indivíduo, destacando-se maior incidência de Doenças Cardiovasculares (DCV), Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) e obesidade.2,3
Assim, a prematuridade, bem como o baixo peso ao nascer, têm sido apontados como marcadores para programação metabólica,4 fenômeno que associa condições metabólicas ao nascer com o desenvolvimento de doenças na vida adulta, tais como a Síndrome Metabólica (SM).3,5 Esta é definida como a presença de três ou mais alterações metabólicas, dentre as quais destacam-se a hipertrigliceridemia, baixo high density lipoprotein (HDL), resistência insulínica, hiperglicemia, hipertensão arterial e obesidade visceral.6
Frequentemente crianças nascidas Prematuras (PT) ou com baixo peso apresentam uma fase de aceleração e recuperação do crescimento (catch-up) que também pode estar associada a SM e obesidade na vida adulta. Neste sentido, reforçando o risco de DCV, ratifica-se que a sensibilidade insulínica está reduzida em crianças que apresentaram catch-up em seu crescimento.7
Deste modo, a prematuridade associada às janelas críticas de desenvolvimento8 – gestação, lactação, primeira infância e adolescência, amplia a vulnerabilidade destes indivíduos para desenvolverem doenças crônicas ao longo da vida, em particular as DCV e o DM2. No entanto, a adolescência ainda é uma das janelas críticas pouco estudas, visto que o recém-nascido PT muitas vezes não chega a ser acompanhado até esse período.
A relação entre prematuridade e baixo peso ao nascer com o maior risco para aterosclerose, obesidade, hipertensão e doença coronariana, além de tendência ao sedentarismo na vida adulta, já está bem delimitada na literatura, principalmente internacional.3,9 Todavia, entre os nascidos PT brasileiros ainda são necessárias mais evidências dessa relação, em especial na adolescência. No presente estudo objetivou-se relacionar o grau de prematuridade e adequação de peso ao nascer ao perfil lipídico, glicêmico, pressórico e antropométrico de adolescentes nascidos prematuros.
MÉTODOS
Estudo de abordagem quantitativa, de desenho transversal, realizado em município de médio porte da região oeste do Paraná. A amostra foi do tipo conveniência, contemplando os nascidos PT no recorte temporal de 1998 a 2006, uma vez que no período da coleta os participantes estariam com idade entre 10 e 19 anos. Baseado no índice de prematuridade do município em estudo, que foi de 9,4%10 em 2015, estima-se que há mais de 4.000 adolescentes nascidos PT no município, dentre o total de 40.707 jovens nessa faixa etária – conforme último censo de 2010.11 Como o Sistema de Nascidos Vivos do município não é de domínio público e os dados anteriores a 2005 não estavam registrados em sua totalidade, não foi possível ter acesso aos registros dos nascimentos prematuros online. Assim, optou-se por busca manual em prontuários de saúde em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do município, possibilitando identificação e busca ativa dos adolescentes que tivessem nascido no recorte temporal em análise e que fossem PT. Segundo a territorialização de 2015, a UBS tem população estimada em 9.000 usuários, com aproximadamente 1.260 adolescentes de 10 a 19 anos, destes aproximadamente 120 nascidos PT. A população do estudo, portanto, constituiu-se de 120 adolescentes; desse total, identificou-se 91 prontuários com registro de peso ao nascer menor de 2.500g, visto que não há registro da Idade Gestacional (IG) nos prontuários. Considerando que muitos nascidos PT têm peso inferior a 2.500g,12 este foi o ponto de corte para a inclusão dos participantes na amostra. Após análise dos referidos prontuários, foram excluídos da amostra 10 adolescentes por não serem PT; quatro recusaram participar; um estava internado e com 43 não foi possível contato via telefone para agendar consulta na unidade após três tentativas em dias e horários alternados.
Outras fontes para identificação consistiram em abordagem direta dos adolescentes que buscavam a UBS, indicação de familiares e contato com colégio da região. Obteve-se, então, mais 32 adolescentes nascidos no período em estudo, destes, quatro não eram PT; três recusaram-se a participar; dois atualmente residem em outra cidade e com seis não foi possível contato. Portanto, foram incluídos no estudo todos adolescentes prematuros identificados nas distintas modalidades de busca; que tivessem nascido no período de 1998 a 2006; residissem no território da UBS local de captação dos participantes; que compareceram à consulta agendada na unidade de saúde com responsável. Desse modo, a amostra final constituiu-se de 50 adolescentes nascidos PT no recorte temporal analisado.
Com o aceite de participação, agendaram-se as consultas na UBS conforme disponibilidade do adolescente e responsável. Estes foram informados sobre os aspectos éticos para assinatura dos termos de assentimento, pelo adolescente, e de consentimento, pelo responsável. Pesquisa aprovada pelo Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 16348813.7.1001.0107, parecer 1.134.712, em 28 de junho de 2015. A entrevista foi realizada pelo pesquisador enfermeiro, no período de março a junho de 2017, por meio de formulário baseado no sistema proposto por Goldenring e Cohen,13 com investigação dos antecedentes pessoais e familiares. Dados de nascimento foram obtidos nas carteiras de vacinação: IG (semanas), peso (quilogramas), estatura (centímetros). Para avaliação do peso ao nascer, realizou-se adequação por sexo e IG em Adequado para Idade Gestacional (AIG), Pequeno para Idade Gestacional (PIG) e Grande para Idade Gestacional (GIG).12 A classificação quanto ao grau de prematuridade seguiu as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS):1 ‘PT extremo’ menos de 28 semanas; ‘muito PT’ entre 28 e 31 semanas e 6 dias; ‘PT moderado a tardio’ entre 32 semanas e 36 semanas e 6 dias. Tendo em vista que o perfil lipídico pode ser alterado pelo tipo de alimentos consumidos e pelo sedentarismo, apesar destas variáveis terem sido coletadas seguindo as diretrizes do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde para avaliar a frequência e tempo de atividade física, estas não fizeram parte do escopo deste manuscrito, em vista da quantidade de associações feitas aqui para evidenciar a relação entre prematuridade e perfil pressórico, lipídico, glicêmico e antropométrico na amostra.
O exame físico foi realizado na presença do responsável, iniciado pela verificação da Pressão Arterial (PA) (milímetros de mercúrio – mmHg) com o adolescente sentado, após 10 minutos em repouso. Aferição no membro superior direito, apoiado na altura do coração, sendo a PA sistólica (PAS) e a PA diastólica (PAD) aferidas duas vezes, em intervalo de cinco a 10 minutos. Utilizou- se o esfigmomanômetro aneroide, marca Premium®, com braçadeira adequada para cada indivíduo. As médias das duas aferições foram classificadas por gráfico de percentil por idade de acordo com as 7a Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial.14 Para classificação dos adolescentes de 18 e 19 anos, os parâmetros utilizados foram os mesmos do adulto.
O adolescente foi pesado com roupas leves em balança tipo plataforma digital portátil, Líder® P200m. A altura foi verificada com estadiômetro de parede Sanny® Standart, escala em milímetros. O adolescente estava descalço, pés unidos e calcanhar, glúteo e cabeça encostados na parede, joelhos esticados e o olhar direcionado à linha do horizonte. O Peso (P) foi registrado em quilogramas e a Altura (A) em metros; para obtenção do Índice de Massa Corporal (IMC) foi aplicada a fórmula IMC=P/A2 (peso dividido pela altura ao quadrado).15 Para a avaliação antropométrica foi utilizado os pontos de corte de Escore-Z recomendados pela OMS, adotados na Caderneta de Saúde do Adolescente.15
A Circunferência Abdominal (CA) foi verificada no ponto médio entre a margem inferior da última costela e a borda superior da crista ilíaca com fita métrica inextensível graduada em milímetros. O adolescente estava ereto, com pés unidos e abdome exposto. Os dados foram avaliados conforme as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes,6 que recomenda os critérios da International Diabetes Federation (IDF) para diagnóstico de SM em crianças e adolescentes. Naqueles acima de 16 anos utilizou-se os parâmetros de adultos.7
Para coleta do sangue capilar, a punção periférica foi realizada com lancetas automáticas Premium® na lateral da polpa do terceiro dedo da mão esquerda. O exame de glicose foi realizado com aparelho Accu-Chek® Active, sendo o resultado comparado aos valores de referência para sangue plasmático da Sociedade Brasileira de Diabetes,6 visto que segundo o fabricante o resultado obtido com a tira-teste corresponde à concentração de glicose no plasma.
Para os exames de Colesterol Total (CT) e Triglicerídeos (TG) utilizou-se o aparelho Accuntrend Plus® com tiras-teste para determinação quantitativa de CT e TG em sangue capilar fresco. O resultado do exame de CT foi apresentado no intervalo de medição de 150-300mg/dL, coeficiente de variação de 0,8-3,7% conforme indicado no manual do fabricante. O TG foi apresentado no intervalo de medição de 70-600mg/dL, coeficiente de variação de 3,1-3,4%. Os resultados foram avaliados segundo o Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico,16 o qual salienta que as determinações do perfil lipídico podem ser consideradas sem jejum prévio.
A análise dos dados deu-se mediante estatística descritiva e a análise da associação entre as variáveis qualitativas foi realizada pelo teste de associação exato de Fisher e sua versão híbrida. A influência de variáveis qualitativas sobre variáveis quantitativas foi realizada pela análise de variância (ANOVA), considerando-se para as análises 5% de significância. Para a análise da proporção de adolescentes em cada grupo para a comparação das categorias, foram analisadas frequência absoluta, proporção amostral e intervalo de confiança de Wilson válido para pequenas amostras. Todas as análises estatísticas foram feitas no software R (R Development Core Team, Vienna, Austria).
RESULTADOS
Com base na presença de CA, PA e TG elevados, a prevalência de SM foi identificada em 8% dos PT estudados. A IG média da amostra foi de 33,18 semanas, com baixa variabilidade em relação à idade média (8,8%), caracterizando-os como PT moderados a tardios – 6% PT extremo, 14% muito PT e 80% PT moderados a tardios. Em relação a adequação de peso ao nascer para a IG, 12% nasceram PIG, 18% GIG e 70% AIG, sendo o peso médio ao nascer de 2046g. Da amostra total, 26 (52%) PT eram do sexo masculino, com predomínio de idade entre 10 e 14 anos (68%) e de cor auto referida branca (54%).
A Tabela 1 apresenta a caracterização dos adolescentes quanto aos fatores de risco para SM. A média da CA foi 72,2cm e variabilidade em relação à média de 18,85%; 10% apresentaram CA ≥ percentil 90, caracterizando obesidade abdominal. Em relação à PA, 30% foram classificados com PA elevada. No que concerne aos parâmetros bioquímicos avaliados, considerando o tempo de realização da punção capilar em relação à última refeição, somente uma adolescente apresentou glicemia alterada. Contudo, destaca-se que 41% apresentaram TG elevados e 22% apresentaram CT elevado. No exame físico foi observado acantose nigricans em três adolescentes.
Tabela 1 Caracterização dos adolescentes prematuros quanto aos fatores de risco para SM. Cascavel-PR, Brasil, 2018. (N 50).
Variável | N | % |
---|---|---|
Circunferência Abdominal | ||
10 | 19 | 38 |
25 | 5 | 10 |
50 | 9 | 18 |
75 | 11 | 22 |
90 | 5 | 10 |
Adequada* | 1 | 2 |
Pressão Arterial | ||
Adequado | 35 | 70 |
Elevado | 15 | 30 |
Glicemia | ||
Normal | 49 | 98 |
Alterado | 1 | 2 |
Triglicerídeos** | ||
Desejável | 29 | 59 |
Elevado | 20 | 41 |
Colesterol total** | ||
Desejável | 38 | 78 |
Elevado | 11 | 22 |
IMC | ||
Magreza | 4 | 8 |
Eutrófico | 31 | 62 |
Sobrepeso | 11 | 22 |
Obesidade | 4 | 8 |
Legenda: IMC – Índice de Massa Corpórea.
*Refere-se a classificação de CA de um adolescente com 19 anos, que utiliza as diretrizes do adulto.
**Amostra de 49 adolescentes.
Por meio do Z-escore, 62% foram classificados como eutróficos, dos quais a maioria é PT moderado a tardio e AIG. Contudo, 30% da amostra apresentou excesso de peso – 22% sobrepeso, 8% obesidade. Observou-se que destes com excesso de peso, três (20%) nasceram PIG, três (20%) GIG e nove (60%) AIG; enquanto um (6,7%) nasceu PT extremo, três (20%) muito PT e 11 (73,3%) nasceram PT moderados a tardios. Entre os sexos e faixa etária não foi observado diferença estatística para as variáveis analisadas.
Os antecedentes familiares evidenciaram história de hipertensão (84%), diabetes (68%), dislipidemias (66%); além de obesidade (64%) e cardiopatias (52%), fatores relacionados ao desenvolvimento da SM. Alterações hormonais atuais nos adolescentes também foram relatadas, com ocorrência de 12%, incluindo um caso já com diagnóstico de resistência insulínica e outros de puberdade atrasada ou precoce.
Observa-se na Tabela 2, a distribuição dos adolescentes conforme o grau de prematuridade e seu perfil lipídico, glicêmico, pressórico e CA. Na análise intergrupos, evidenciou-se diferença estatística significante em relação aos parâmetros elevados à IG de PA, CT e TG.
Tabela 2 - Comparação entre os grupos e dentro de cada grupo categorizado conforme o grau de prematuridade com as seguintes variáveis: perfil pressórico, glicêmico, lipídico e circunferência abdominal de adolescentes nascidos prematuros. Brasil, 2018 (N 50).
Grau de prematuridade | Variáveis em estudo | |||
---|---|---|---|---|
PA normal | IC | PA elevada | IC | |
< 28 sem. | 2(0,04) aA | 0,06 [0,02; 0,19] | 1(0,02) aA | 0,07 [0,01; 0,30] |
28 a 31 sem. | 2(0,04) aA | 0,06 [0,02; 0,19] | 5(0,10) abA | 0,33 [0,15; 0,58] |
32 a 36 sem. | 31(0,62) bA | 0,88 [0,74; 0,95] | 9(0,18) bB | 0,60 [0,36; 0,80] |
Total | 35(0,70) | 1 | 15(0,30) | 1 |
Glicemia normal | IC |
Glicemia elevada |
IC | |
< 28 sem. | 3(0,06) aA | 0,06 [0,02; 0,17] | 0(0,00) aA | 0,00 [0,00; 0,79] |
28 a 31 sem. | 7(0,14) aA | 0,14 [0,07; 0,27] | 0(0,00) aB | 0,00 [0,00; 0,79] |
32 a 36 sem. | 39(0,78) bA | 0,80 [0,66; 0,89] | 1(0,02) aB | 1,00 [0,21; 1,00] |
Total | 49(0,98) | 1 | 1(0,02) | 1 |
CT desejável |
IC |
CT elevado |
IC | |
< 28 sem. | 2(0,04) aA | 0,05 [0,01; 0,17] | 0(0,00) aA | 0,00 [0,00; 0,26] |
28 a 31 sem. | 5(0,10) aA | 0,13 [0,06; 0,27] | 2(0,04) aA | 0,18 [0,05; 0,48] |
32 a 36 sem. | 31(0,63) bA | 0,82 [0,67; 0,91] | 9(0,18) bB | 0,82 [0,52; 0,95] |
Total | 38(0,78) | 1 | 11(0,22) | 1 |
TG desejável |
IC |
TG elevado |
IC | |
< 28 sem. | 1(0,02) aA | 0,03 [0,01; 0,17] | 1(0,02) aA | 0,05 [0,01; 0,24] |
28 a 31 sem. | 6(0,12) aA | 0,21 [0,01; 0,38] | 1(0,02) aA | 0,05 [0,01; 0,24] |
32 a 36 sem. | 22(0,45) aA | 0,76 [0,01; 0,88] | 18(0,37) bA | 0,90 [0,70; 0,97] |
Total | 29(0,59) | 1 | 20(0,41) | 1 |
CA < 90 | IC | CA ≥90 | IC | |
< 28 sem. | 2(0,04) aA | 0,04 [0,01; 0,15] | 1(0,02) aA | 0,20 [0,04; 0,62] |
28 a 31 sem. | 7(0,14) aA | 0,16 [0,08; 0,29] | 0(0,00) aB | 0,00 [0,00; 0,43] |
32 a 36 sem. | 36(0,72) bA | 0,80 [0,66; 0,89] | 4(0,08) aB | 0,80 [0,38; 0,96] |
Total | 45(0,90) | 1 | 5(0,10) | 1 |
Legenda: Sem.: semanas. PA: Pressão Arterial; CT: Colesterol Total; TG: Triglicerídeos; CA: Circunferência Abdominal; IC: Intervalo de Confiança. Para cada grau de prematuridade (linha), letras maiúsculas diferentes representam diferenças significativas das proporções entre os níveis de cada variável; para cada categoria de cada variável (coluna), letras minúsculas diferentes representam diferenças significativas das proporções entre os graus de prematuridade.
Entre os PT moderados e tardios, houve diferença estatística significante entre aqueles com valores normais ou alterados nas variáveis: glicemia, CA, PA e CT, bem como nos muito PT houve diferença entre glicemia e CA.
Apesar dos PT moderados a tardios apresentarem maior proporção de adolescentes com PA, CT e TG elevados em relação aos demais com variáveis alteradas, deve-se considerar que 60% daqueles que nasceram PT extremo ou muito PT apresentaram PA elevada. Entre os moderados a tardios, esse índice foi de 22,5%.
A Tabela 3 apresenta a comparação do perfil lipídico, glicêmico, pressórico e CA dos adolescentes estudados, conforme a classificação de peso ao nascer. Na análise intragrupo de cada variável, observa-se diferença estatística significativa na PA dos grupos AIG e PIG, em relação ao CT essa diferença foi observada nos AIG e para CA ocorreu diferença significante estatisticamente para AIG e GIG. Na relação intergrupos para análise das variáveis alteradas, identifica-se que houve diferença estatística significativa para PA e TG.
Tabela 3 - Comparação entre grupos e dentro de cada grupo categorizado quanto sua adequação de peso ao nascer com as seguintes variáveis: perfil pressórico, glicêmico, lipídico e circunferência abdominal de adolescentes nascidos prematuros. Cascavel, PR, Brasil, 2018 (N 50).
Fenton | Variáveis em estudo | |||
---|---|---|---|---|
PA normal | IC | PA elevada | IC | |
AIG | 24 (0,48) aA | 0,69 [0,52; 0,81] | 11 (0,22) aB | 0,73 [0,48; 0,89] |
PIG | 6 (0,00) bA | 0,17 [0,08; 0,33] | 0 (0,12) bB | 0,00 [0,00; 0,20] |
GIG | 5 (0,08) bA | 0,14 [0,06; 0,29] | 4 (0,10) abA | 0,27 [0,11; 0,52] |
Total | 35(0,70) | 1 | 15(0,30) | 1 |
Glicemia normal |
IC | Glicemia alterada | IC | |
AIG | 34 (0,68) aA | 0,69 [0,55; 0,80] | 1 (0,02) aB | 1,00 [0,20; 1,00] |
PIG | 6 (0,12) bA | 0,12 [0,06; 0,24] | 0 (0,00) aB | 0,00 [0,00; 0,79] |
GIG | 9 (0,18) bA | 0,18 [0,10; 0,31] | 0 (0,00) aB | 0,00 [0,00; 0,79] |
Total | 49(0,98) | 1 | 1(0,02) | 1 |
CT desejável |
IC |
CT elevado |
IC | |
AIG | 28 (0,57) aA | 0,74 [0,60; 0,85] | 6 (0,12) aB | 0,55 [0,28; 0,79] |
PIG | 5 (0,10) bA | 0,13 [0,06; 0,27] | 1 (0,02) aA | 0,09 [0,02; 0,38] |
GIG | 5 (0,10) bA | 0,13 [0,06; 0,27] | 4 (0,08) aA | 0,36 [0,15; 0,65] |
Total | 38(0,78) | 1 | 11(0,22) | 1 |
TG desejável |
IC |
TG elevado |
IC | |
AIG | 19 (0,39) aA | 0,66 [0,47; 0,80] | 15 (0,31) aA | 0,75 [0,53; 0,89] |
PIG | 5 (0,10) bA | 0,17 [0,08; 0,35] | 1 (0,02) bA | 0,05 [0,01; 0,24] |
GIG | 5 (0,10) bA | 0,17 [0,08; 0,35] | 4 (0,08) bA | 0,20 [0,08; 0,42] |
Total | 29(0,59) | 1 | 20(0,41) | 1 |
CA <90 | IC | CA ≥90 | IC | |
AIG | 32 (0,64) aA | 0,71 [0,57; 0,82] | 3 (0,06) aB | 0,60 [0,23; 0,88] |
PIG | 5 (0,10) bA | 0,11 [0,05; 0,23] | 1 (0,02) aA | 0,20 [0,04; 0,62] |
GIG | 8 (0,16) bA | 0,18 [0,09; 0,31] | 1 (0,02) aB | 0,20 [0,04; 0,62] |
Total | 45(0,90) | 1 | 5(0,10) | 1 |
Legenda: AIG: Adequado para Idade Gestacional; PIG: Pequeno para Idade Gestacional; GIG: Grande para Idade Gestacional; PA: Pressão Arterial; CT: Colesterol Total; TG: Triglicerídeos; CA: Circunferência Abdominal; IC: Intervalo de Confiança. Para cada grupo (linha), letras maiúsculas diferentes representam diferenças significativas das proporções entre os níveis de cada variável. Para cada categoria de variáveis (coluna), letras minúsculas diferentes representam diferenças significativas das proporções entre as classes de Fenton.
Entre os PT GIG, 44,4% apresentaram PA, TG e CT elevados; já os AIG, 31,4% apresentaram PA elevada, 44,1% e 17,6% apresentaram respectivamente TG e CT elevados. Os PIG não apresentaram PA elevada, enquanto 16,7% apresentaram TG e CT elevados.
Na Tabela 4, identifica-se a associação entre o grau de prematuridade, adequação de peso ao nascer e o perfil lipídico, glicêmico, pressórico, IMC e CA dos adolescentes em estudo. Observa- se associação significativa entre a classificação da PA e o grau de prematuridade (p-valor=0,027). Contudo, apesar de não se evidenciar associação positiva, os TG mostraram uma tendência à associação em relação ao grau de prematuridade (p-valor=0,05). As demais variáveis não apresentaram associação significativa em relação à adequação de peso ao nascer e o grau de prematuridade.
Tabela 4 - Associação entre grau de prematuridade, adequação de peso ao nascer com perfil lipídico, glicêmico, pressórico e antropométrico de adolescentes nascidos prematuros. Brasil, 2018. (N 50)
Variável | Adequação de peso ao nascer | Grau de prematuridade |
---|---|---|
Classificação pressão arterial(1) | 0,168 | 0,027* |
Categoria glicose(1) | 0,999 | 0,999 |
Categoria colesterol total(1) | 0,493 | 0,122 |
Categoria triglicerídeo(1) | 0,718 | 0,050** |
Escore-Z IMC(1) | 0,684 | 0,743 |
Percentil circunferência abdominal(1) | 0,890 | 0,363 |
Legenda: (1) P-valor referente ao teste de hipótese exato de Fisher;
*representa resultados significativos a 5% de probabilidade (p-valor < 0,05);
**tendência a associação (p-valor = 0,05).
DISCUSSÃO
Alterações no perfil lipídico, glicêmico e pressórico de adolescentes nascidos PT são esperadas, uma vez que a prematuridade é um evento que altera o período crítico de desenvolvimento. Esta situação resulta em mudanças nas condições metabólicas, hormonais e nutricionais ao nascimento com implicações para o estado de saúde ao longo da vida, por exemplo, hipertensão, SM, obesidade e DM2.4,17 As alterações lipídicas, em especial aumentados níveis de CT e TG foram as complicações metabólicas mais frequentes observadas nos adolescentes em nosso estudo. Estes dados sugerem que a adolescência associada ao nascimento prematuro possa ter maior impacto sobre o metabolismo de lipídios e por consequência as complicações cardiovasculares.
O Colégio Americano de Endocrinologia18 considera a presença de TG elevados uma das alterações frequentes em indivíduos com resistência insulínica, evento que frequentemente está associado a maior adiposidade. No presente estudo, não foram encontrados alterações marcantes da glicose, todavia em 40% de adolescentes nascidos PT foram registrados excesso de peso corporal, além de alterações em CA e TG, portanto, avaliar a resistência à insulina e tolerância à glicose pode ser um evento importante para acompanhamento destes indivíduos.
Pesquisa19 realizada com adultos jovens nascidos PT e grupo controle, não evidenciou diferença nos níveis lipídicos e glicêmicos, porém, entre os PT a hipertensão foi de duas a três vezes mais frequente que nos nascidos a termo, além de terem níveis pressóricos mais elevados. A associação com a PA e o grau de prematuridade pôde ser observada na amostra desse estudo, dado que os PT mais tardios apresentaram níveis pressóricos mais adequados. Estudo20 observou que embora apresentassem valores pressóricos dentro da normalidade, adolescentes PT apresentaram valores ligeiramente mais altos que os nascidos a termo, evento considerado antecessor de hipertensão arterial. Evidências apontam que a prematuridade parece estar relacionada a alterações em parâmetros cardiovasculares, assim, o adulto jovem nascido PT tem maior risco de desenvolver DCV devido à maiores valores de PAS, maior média de frequência cardíaca e pressão de pulso, bem como, maior variação de PA.3,17
O Estudo dos Riscos Cardiovasculares em Adolescentes – ERICA,21 realizado com adolescentes de 12 a 17 anos em todo território nacional, evidenciou que 24,1% apresentaram pré- hipertensão ou hipertensão, sendo que entre adolescentes da região Sul foi observada a maior incidência (29,5%) destas alterações. Destaca-se que adolescentes da região Sul também apresentaram maior prevalência de sobrepeso (18,7%) e obesidade (11,1%). Este estudo avaliou parâmetros metabólicos, sendo que 20,1% apresentaram CT elevado, 24,2% CT limítrofe, 7,8% com hipertrigliceridemia e 12,0% com TG limítrofe.22 Os autores identificaram prevalência de SM de 2,6%, seguindo critérios da IDF, a glicemia alterada teve 4,1% de prevalência e a CA ≥90 12,6%.23 A SM se fez presente entre os adolescentes, contudo, o ERICA não separou os adolescentes por IG, não sendo possível identificar se entre os jovens haviam nascidos PT. Usando como critérios CA, PA e TG elevados, na análise da amostra de nosso estudo foram identificados 8% de adolescentes nascidos PT com SM.
Ainda, estudos4,9 mostram que indivíduos nascidos PT apresentam níveis mais altos de glicose em jejum, baixa sensibilidade insulínica e níveis pressóricos mais altos quando comparados aos nascidos a termo. Indicam, dessa forma, a importância do crescimento fetal para o desenvolvimento da SM e evidenciam aumento na prevalência conforme decresce o peso ao nascer. Porém, nessa amostra não foi observado essa associação com a glicemia, visto que somente uma adolescente apresentou glicemia alterada, embora outra já tivesse diagnóstico de resistência insulínica e três apresentassem acantose nigricans.
A obesidade visceral é um marcador importante da SM, a qual pode ser indiretamente avaliada pela medida da CA, um índice antropométrico expressivo de gordura intra-abdominal, de verificação simples e reproduzível.6,24 Segundo a definição da IDF,6 para o adolescente ser diagnosticado com SM, deve apresentar CA com percentil ≥90 de acordo com idade, gênero e etnia. Em nossa amostra constatou-se CA ≥90 em 10% dos adolescentes, entretanto, destaca-se como sinal de alerta, que 22% apresentaram percentil 75, adotado por alguns autores6 como marcador de obesidade abdominal.
Os resultados de nosso estudo corroboram com diferentes estudos já publicados na literatura, a maior incidência de excesso de peso (76%) foi encontrada em adolescentes que nasceram extremamente PT e muito PT.7 Segundo Cook,24 o IMC é um indicador menos sensível de adiposidade em crianças e adolescentes, visto que não consegue avaliar a distribuição de gordura. Para este autor, a CA reflete não apenas o grau de obesidade, mas sugere o local de depósito, sendo importante para predizer os riscos cardiovasculares. O adolescente obeso, PT ou não, tem alto risco de tornar-se adulto obeso, com perspectiva de desenvolver complicações clínicas e colocar em risco sua sobrevida.25
Os PT têm de duas e meia a quatro vezes mais chances de ter SM que os nascidos a termo.19 Portanto, com essa predisposição advinda da prematuridade associada as taxas de obesidade e sobrepeso, os adolescentes PT conformam grupo vulnerável para desenvolver SM na vida adulta, visto que a obesidade é considerada gatilho para essa síndrome.19,24
Ainda, os antecedentes familiares vão ao encontro do denominado ciclo vicioso, no qual doenças crônicas não transmissíveis aumentam o risco de prematuridade que por sua vez, aumentam casos de DCV em todos ciclos de vida. Quando presentes em mulheres nascidas prematuras em idade fértil, aumentarão novamente os casos de prematuridade.1
Este estudo tem como limitação ser transversal e sem grupo controle, bem como não houve fracionamento do CT e o N amostral foi reduzido. Ainda, dados como alimentação e atividade física são importantes para fazer cruzamentos com o perfil desses adolescentes. Essas limitações impedem generalizações dos achados e indicam a necessidade de mais estudos para fortalecer essas informações e apoiar o acompanhamento dos PT ao longo de seu ciclo vital, sendo sugerido estudos com análise dessas variáveis.
CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
Evidenciou-se relação entre prematuridade e ocorrência de alterações no perfil pressórico, lipídico e antropométrico nessa amostra de adolescentes nascidos prematuros, corroborando a literatura da área. Tal constatação indica a necessidade de medidas que atrasem ou impeçam a manifestação da SM em indivíduos nascidos prematuramente. Visto que o quadro de consequências da prematuridade indica a necessidade de atentar no seguimento do recém-nascido PT a fatores que os expõe a maior risco de desenvolver condições crônicas de saúde tardiamente. Uma das estratégias para prevenir esse agravo após a alta das unidades de terapia intensiva neonatal é o acompanhamento dessas crianças ao longo de sua infância e adolescência. Sendo o profissional enfermeiro um dos membros da equipe de saúde que tem em sua competência profissional a consulta de enfermagem e a busca ativa para o acompanhamento da saúde da criança e adolescentes em situações de risco ou vulnerabilidade.