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OS JUDEUS SEFARDITAS EM CURAÇAO E SEU PAPEL NA FORMAÇÃO DO PAPIAMENTU

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar a participação dos judeus sefarditas na configuração linguística do papiamentu, considerando que esse papel tem sido negligenciado nos estudos sobre essa língua. No contexto linguístico, preces e epitáfios em português confirmam que esta era a língua usada por vários judeus sefarditas em Curaçao. Por outro lado, a análise de documentos do século XVIII revela que o papiamentu sefardita influenciou a variedade geral. Henriquez (1988, 1991) descreveu o vocabulário característico do papiamentu falado pelos judeus sefarditas. Adicionalmente, Martinus (1996) e Jacobs (2012) apresentam registros que podem apontar uma relação tripartide entre a Senegâmbia/Alta Guiné, Amsterdam e Curaçao através do comércio de escravos conduzido pelos judeus. Desse modo, este estudo pretende mostrar que os judeus tiveram um papel importante na sociedade curaçauense e contribuíram para a configuração do papiamentu. Aqui seguimos uma abordagem similar àquela defendida por Faraclas et al. (2014): uma convergência de elementos deve ser considerada ao estudar a formação dos crioulos atlânticos, sobretudo a atuação de falantes de diferentes línguas.

Judeus sefarditas; Papiamentu; Papel social e linguístico

ABSTRACT

HENRIQUEZ, 1988HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988. 1991HENRIQUEZ, M. Lo ke a keda pa simia. Curaçao: Edição do Autor, 1991. MARTINUS, 1996MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996. JACOBS, 2012JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). Martinus (1996)MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996. Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). Faraclas et al. (2014)FARACLAS, N. et al. Creoles and acts of identity: convergence and multiple voicing in the atlantic creoles. PAPIA, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 173-198, 2014.

Sephardic Jews; Papiamentu; Social and linguistic role

Introdução

O papiamentu1 é uma língua falada na ilha de Curaçao por cerca de 150 mil pessoas (CENTRAL BUREAU OF STATISTICS, 2012CENTRAL BUREAU OF STATISTICS. First results census 2011: curaçao. Willemstad: CBS, 2012. Disponível em: http://digitallibrary.cbs.cw/content/CB/S0/00/01/10/00001/Publication%20First%20Results%20Census%202011%20definitief.pdf. Acesso em: 14 out. 2012.
http://digitallibrary.cbs.cw/content/CB/...
), sendo a língua materna da maioria dos habitantes de Curaçao, bem como língua oficial, junto com o holandês. Assim, é usado em diferentes situações comunicativas, por todas as classes sociais, nos meios de comunicação (jornais, televisão, rádio) e para fins educacionais (a maioria das escolas é bilíngue – holandês e papiamentu). Além de Curaçao, o papiamentu é falado em Aruba, Bonaire, na Holanda e outros lugares com grande imigração de curaçauenses.

Com relação à gênese do papiamentu, não há consenso entre os estudiosos, que apresentam pelo menos quatro hipóteses diferentes. Uma hipótese (GOODMAN, 1996GOODMAN, M. The Portuguese element in the American creoles. In: HOLM, J.; MICHAELIS, S. (ed.). Contact languages. Londres: Routledge, 1996. p. 538-586. (Critical Concepts in Language Studies; v. 3.).; SMITH, 1999SMITH, N. Pernambuco to Surinam 1654-65? the Jewish slave controversy. In: HUBER, M.; PARKVALL, M. Spreading the word: the issue of diffusion among Atlantic creoles. London: University of Westminster Press, 1999. p. 251-298.; entre outros) advoga que o papiamentu seria um crioulo de base portuguesa, surgido a partir de um ‘dialeto’ judeu-português da comunidade sefardita e de seus escravos, especialmente aqueles provenientes da colônia holandesa de Recife, no Brasil. Registros mostram que a primeira família sefardita chegou a Curaçao em 1651 e o número aumentou nos anos seguintes.

Considerando esse cenário, este estudo tem o objetivo de analisar a participação dos judeus sefarditas na sociedade curaçauense, especialmente na configuração linguística do papiamentu (sua emergência e difusão). Ainda hoje, o papel dos judeus sefarditas tem sido negligenciado nos estudos sobre o papiamentu (MARTINUS, 1996MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996.; JACOBS, 2012JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism).). No que tange aos sefarditas, esses mesmos autores admitem que a comunidade judaica teve uma participação importante na configuração da sociedade curaçauense, contudo, há poucas referências sobre a língua de facto dessa comunidade e até mesmo sobre as especificidades da variedade sefardita do papiamentu. Assim sendo, a despeito de se tomar como ponto de partida dados de estudos anteriores, este artigo apresenta uma interpretação dos dados ainda inédita, na medida em que nenhum estudo anterior considerou de fato a participação dos judeus em Curaçao no âmbito linguístico.

Os judeus na sociedade curaçauense

A migração de judeus para Curaçao começou em 1651, impulsionada por duas razões principais. Em primeiro lugar, a Inquisição, que começou no meio do século XVI, promoveu uma perseguição extensiva aos judeus, especialmente em Portugal e na Espanha, gerando uma diáspora judaica. Os holandeses permitiam a liberdade de culto aos judeus, atraindo, assim, muitos judeus que viviam na Península Ibérica. Posteriormente, a partir da Holanda, uma comunidade judaica sefardita se instalou em Pernambuco. Em segundo lugar, em 1654, a Coroa Portuguesa recuperou Recife (Brasil) depois de 24 anos de dominação holandesa (de 1630 a 1654) e expulsou os holandeses e a comunidade judaica instalada, imigrando, finalmente, para Curaçao.

Sobre a proveniência dos judeus instalados em Curaçao, muitos autores (como GOODMAN, 1996GOODMAN, M. The Portuguese element in the American creoles. In: HOLM, J.; MICHAELIS, S. (ed.). Contact languages. Londres: Routledge, 1996. p. 538-586. (Critical Concepts in Language Studies; v. 3.).) defendem que muitos deles eram oriundos do Brasil, mais precisamente de Recife, Pernambuco. Outros estudiosos mostram que é mais plausível considerar uma múltipla proveniência (HENRIQUEZ, 1988HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988.; JACOBS, 2012JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism).). Desse modo, os judeus poderiam vir de Portugal, Espanha, Amsterdam, Itália, região do Mediterrâneo, Alta Guiné ou arquipélago de Cabo Verde. Apesar dessa variedade de origens, Ladhams (1999)LADHAMS, J. The Pernambuco connection? an examination of the nature and origin of the Portuguese elements in the Surinam Creoles. In: HUBER, M.; PARKVALL, M. Spreading the word: the issue of diffusion among Atlantic creoles. London: University of Westminster Press, 1999. p. 209-240., Smith (1999)SMITH, N. Pernambuco to Surinam 1654-65? the Jewish slave controversy. In: HUBER, M.; PARKVALL, M. Spreading the word: the issue of diffusion among Atlantic creoles. London: University of Westminster Press, 1999. p. 251-298. e Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). mostram que muitos judeus tinham vivido no Brasil e em Amsterdam antes de ir para Curaçao e alguns líderes judeus e colonizadores proeminentes ilustram essa conexão. Através dos registros de nomes, Emmanuel e Emmanuel (1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970. mostram que muitos judeus que foram para Curaçao tinham vivido antes no Brasil e atuado como líderes da comunidade (parnassim).

Segundo Ladhams (1999)LADHAMS, J. The Pernambuco connection? an examination of the nature and origin of the Portuguese elements in the Surinam Creoles. In: HUBER, M.; PARKVALL, M. Spreading the word: the issue of diffusion among Atlantic creoles. London: University of Westminster Press, 1999. p. 209-240., João de Yllan (ou Ilhão), comandante do primeiro grupo de colonizadores judeus que desembarcou em Curaçao em 1651, certamente tinha estado no Brasil entre fins da década de 1630 e começo da de 1640. De Yllan tinha prometido levar 50 colonos para a ilha, porém, na prática, conseguiu recrutar apenas 12; dentre eles estava Abraham Diogo, que também tinha passado um tempo no Brasil (EMMANUEL; EMMANUEL, 1970EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970.). Casseres (1990)CASSERES, C. G. Istoria kortiku di hudiunan di Korsou. Curaçao: Edição do Autor, 1990. também menciona o nome de João d’Yllan e sua passagem pelo Brasil antes da ida para Curaçao. De acordo com esse mesmo autor, o segundo grupo de judeus que chegou a Curaçao em 1659, sob o comando de Isaac da Costa, também era formado por muitos ex-colonos do Brasil Holandês. Ademais, Emmanuel e Emmanuel (1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970. afirmam que o próprio Isaac, sobrinho de Uriel da Costa, também tinha sido um dos primeiros colonos judeus no Brasil. Por ter sido um grande comerciante em Recife, os membros de sua família (pai e tios) eram figuras proeminentes dentro da comunidade judaica de Amsterdã. Com Isaac da Costa, a comunidade judaica em Curaçao foi de fato se estabelecendo em bases sólidas. Smith (1999)SMITH, N. Pernambuco to Surinam 1654-65? the Jewish slave controversy. In: HUBER, M.; PARKVALL, M. Spreading the word: the issue of diffusion among Atlantic creoles. London: University of Westminster Press, 1999. p. 251-298., por seu turno, menciona o nome de David Nassy no Suriname, ou seja, não somente esteve em Recife e em Curaçao (onde chegou em 1652 juntamente com outros judeus do Brasil).

Além de suas famílias, muitos judeus (principalmente aqueles que saíram de Pernambuco) também levaram seus escravos para Curaçao. Este é um ponto controverso, na medida em que alguns estudiosos advogam que este cenário é improvável, enquanto outros defendem esta possibilidade. Arends (1999)ARENDS, J. The origin of the Portuguese element in the Surinam Creoles. In: HUBER, M.; PARKVALL, M. Spreading the word: the issue of diffusion among Atlantic creoles. London: University of Westminster Press, 1999. p. 195-208., Ladhams (1999)LADHAMS, J. The Pernambuco connection? an examination of the nature and origin of the Portuguese elements in the Surinam Creoles. In: HUBER, M.; PARKVALL, M. Spreading the word: the issue of diffusion among Atlantic creoles. London: University of Westminster Press, 1999. p. 209-240. e Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism)., por exemplo, apontam algumas razões por que os judeus não levaram escravos com elas, tais como: (i) a escassez de transporte (os portugueses disponibilizaram apenas 16 barcos, que eram ocupados não apenas por passageiros, mas também por ‘bens móveis’, como madeira); (ii) o pequeno número de escravos de propriedade dos judeus e (iii) as estritas proibições para deixar Recife com escravos. Maurer (1998)MAURER, P. El papiamentu de Curazao. In: PERL, M.; SCHWEGLER, A. (ed.). América negra: panorámica actual de los estudios lingüísticos sobre variedades hispanas, portuguesas y criollas. Frankfurt; Madrid: Vervuert; Editora Iberoamericana, 1998. p. 139-217., por seu turno, também aponta que, de acordo com alguns registros, a partir de 1659, os judeus recém-chegados a Curaçao podiam adquirir escravos. Desse modo, é possível conjecturar que eles não levaram seus escravos; do contrário, não precisariam recorrer a esse privilégio. Por outro lado, Smith (1999)SMITH, N. Pernambuco to Surinam 1654-65? the Jewish slave controversy. In: HUBER, M.; PARKVALL, M. Spreading the word: the issue of diffusion among Atlantic creoles. London: University of Westminster Press, 1999. p. 251-298. afirma que muitos judeus realmente podem ter levado escravos com eles. Sendo conscientes do valor de um escravo ‘experiente’, podiam ter recorrido a meios de transporte não oficiais. Ademais, é possível que houvesse mais donos de propriedades plantation judeus do que o número documentado, o que implicaria uma necessidade de escravos para o trabalho no campo e, por conseguinte, a posse de um maior número de escravos por parte dos judeus. Smith (1999)SMITH, N. Pernambuco to Surinam 1654-65? the Jewish slave controversy. In: HUBER, M.; PARKVALL, M. Spreading the word: the issue of diffusion among Atlantic creoles. London: University of Westminster Press, 1999. p. 251-298. defende a possibilidade de, cientes do valor dos escravos para a economia recifense de plantation, muitos holandeses e judeus já virem retirando seus escravos da cidade mesmo antes da retomada portuguesa. Este autor também aponta que a existência de uma lei (que proibia a partida de escravos) não significa que ela tenha sido estritamente cumprida. Assim sendo, mesmo que os escravos da região de Recife não tenham sido levados em massa para Curaçao juntamente com seus proprietários judeus, alguns deles (presumivelmente os da casa-grande e os mais adaptados ao trabalho no campo) devem ter embarcado para a ilha caribenha. Falantes de alguma variedade de português, por estarem em constante movimento pela ilha, esses escravos certamente contribuíram para a difusão e entrada de elementos portugueses sefarditas no papiamentu. A contribuição atribuída ao segmento escravo não se restringe apenas àqueles que haviam saído do Brasil com os judeus, mas inclui todos os escravos que, de alguma forma, estavam em convívio com os sefarditas.

Quando os judeus chegaram a Curaçao, eles se engajaram em atividades como comércio internacional, finanças, navegação e transporte (CASSERES, 1990CASSERES, C. G. Istoria kortiku di hudiunan di Korsou. Curaçao: Edição do Autor, 1990.). De acordo com este autor, é provável que os judeus não possuíssem muitas terras e estivessem envolvidos em atividades que não requeriam muitos escravos. Por causa disso, eles não tinham um grande número de escravos nem estavam envolvidos diretamente com o comércio de escravos, já que a Companhia das Índias Ocidentais (WIC) exercia monopólio sobre essa atividade e raramente permitia que outros segmentos participassem dela. Esse envolvimento dos judeus na indústria escravocrata é questionado por outros autores. Martinus (1996)MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996. e Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). chamam atenção para o papel dos judeus no comércio de escravos em Curaçao, aspecto frequentemente negligenciado por não aparecer nos registros oficiais, já que todo o comércio conduzido pelos judeus era possivelmente ilegal. Os dois autores defendem que podem apontar para uma relação entre Senegâmbia/Alta Guiné, Amsterdam e Curaçao através do comércio de escravos conduzido pelos judeus. Sobre esse ponto, Martinus (1996)MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996. chama a atenção para o fato de que os judeus em Curaçao não eram apenas colonos, mas também comerciantes de escravos (combinando as duas atividades diversas vezes). Muitos judeus possuíam mais de um nome – e por vezes também apresentavam nomes com aparência holandesa (como é o caso de Jan de Lion para João de Yllan) – ou mesmo colocavam seus parceiros não judeus para comandar os negócios. Tais atitudes poderiam ser a causa de a atuação dos judeus no tráfico negreiro, em geral, não ser considerada pelos estudiosos (MARTINUS, 1996MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996.).

Outra prova de que os judeus realmente negociavam escravos é o relato de Van Dantzig (1968, p.81 apud MARTINUS 1996MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996., p.145) acerca das relações entre os judeus portugueses de Curaçao e os de Amsterdã através da Companhia de Cacheu: “The Portuguese licensed Company of Cacheu, founded in 1692 mainly for slave trade, had intimate links with the Portuguese Jews of Amsterdam and had its own office in Curaçao.”. Desse modo, junto a suas atividades nas áreas de transporte, navegação e finanças, os sefarditas curaçauenses também podem ter sido donos de terras e estarem envolvidos com o tráfico de escravos, desempenhando um importante papel na sociedade curaçauense.

A fim se de obter uma quadro mais detalhado sobre a participação dos sefarditas no papiamentu, é necessário discutir um pouco sobre a gênese das línguas crioulas em geral. Assim, a abordagem da crioulização gradual parece ser apropriada para explicar a formação do papiamentu, inclusive no que tange ao papel dos judeus sefarditas. Considerando que a língua caribenha levou um tempo para se desenvolver e se estabilizar, a comunidade sefardita, que começou a chegar a Curaçao a partir de 1651, pôde ter um papel relevante no desenvolvimento dessa nova língua, não apenas fornecendo palavras, expressões e estruturas, mas sobretudo levando ao papiamentu um novo input da língua portuguesa.

Além da visão gradualista, o posicionamento de Perini-Santos (2015)PERINI-SANTOS, P. Questionando a regularidade da formação das preposições: comentário sobre acidentes e contatos linguísticos. PAPIA, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 27-37, 2015. também se aplica à participação da comunidade judaica na configuração linguística do papiamentu. Para o autor, as múltiplas influências presentes em um determinado momento podem ser sentidas no intervalo de várias sincronias, conservando-se por diversas gerações. Um exemplo dessa influência contínua citada por Perini-Santos (2015)PERINI-SANTOS, P. Questionando a regularidade da formação das preposições: comentário sobre acidentes e contatos linguísticos. PAPIA, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 27-37, 2015. diz respeito à situação do latim e das línguas neolatinas. O latim não apenas deu origem a essas línguas, mas conviveu com elas durante muito tempo. Essa convivência foi responsável por influências que vão além da relação genética, sendo necessário, segundo o autor, analisar a contribuição do latim para as línguas filhas em uma perspectiva mais ampla, atentando para o contato linguístico. Considerando as ideias trazidas por Perini-Santos (2015)PERINI-SANTOS, P. Questionando a regularidade da formação das preposições: comentário sobre acidentes e contatos linguísticos. PAPIA, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 27-37, 2015. para o papiamentu, as diversas línguas presentes em Curaçao (como o espanhol, o holandês, as línguas africanas faladas pelos escravos, o português e o próprio papiamentu falado pelos sefarditas) tiveram uma participação substancial na configuração da língua caribenha. Essa múltipla atuação se conservou mesmo que a língua não tenha se mantido em uso na sociedade curaçauense com o passar dos anos. No que tange à comunidade sefardita, observa-se que os judeus estiveram presentes em Curaçao durante muito tempo, ocupando não apenas uma posição de prestígio social, mas também sendo numericamente representativos dentro da sociedade como um todo.

Contribuições linguísticas dos judeus sefarditas para o papiamentu

No que diz respeito às línguas faladas pelos judeus sefarditas em Curaçao, Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). afirma que não há descrições sobre o etnoleto dos sefarditas, o que torna impossível afirmar com certeza que os traços do papiamentu atribuídos à influência dos judeus realmente estavam presentes na sua variedade linguística. Munteanu (1996)MUNTEANU, D. El papiamentu, lengua criolla hispánica. Madrid: Gredos, 1996. também afirma que as línguas vernáculas dos judeus sefarditas não são conhecidas com exatidão, sabendo-se apenas que podiam falar também espanhol, português ou ambos. Contudo, muitos autores fornecem alguns insights sobre a língua usada pelos judeus sefarditas, não apenas em Curaçao, mas também em partes da Europa e no Brasil (regiões relacionadas com a ilha caribenha). Andersen (1974)ANDERSEN, R. W. Nativization and hispanization in the papiamentu of curaçao, Netherlands Antilles: a sociolinguistic study of variation. 1974. Thesis (PhD in Philosophy) – University of Texas, Austin, 1974. afirma que os judeus curaçauenses falavam judeo-espanhol2 2 Este estudo não discutirá a diferença entre o ladino (modalidade escrita usada em traduções) e o judeo-espanhol (conjunto de variedades faladas do espanhol que surgiram no final do século XVI e século XVII), usando os dois termos como sinônimos. , espanhol e português. Além disso, eles sabiam outras línguas (como inglês, francês, holandês e hebreu) e eram amplamente requisitados em atividades de tradução.

Emmanuel (1957)EMMANUEL, I. S. Precious stones of the Jews of Curaçao: Curaçoan Jewry 1656-1957. Nova York: Bloch Publishing Company, 1957., Martinus (1996)MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996. e Joubert e Perl (2008)JOUBERT, S.; PERL, M. El portugués en Curaçao. In: FARACLAS, N.; SEVERING, R.; WEIJER, C. (ed.). Linguistic studies on Papiamentu. Curaçao: Fundashon pa Planifikashon di Idioma, 2008. p. 137-156. também se mostram defensores do multilinguismo da comunidade judaica. Martinus (1996)MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996. considera que os judeus faziam uso de português, hebraico, ladino, espanhol e também holandês. Granda (1974)GRANDA, G. de. El repertorio lingüístico de los sefarditas de Curaçao durantes los siglos XVII y XVIII y el problema del origen del papiamento. Romance Philology, [S.l.], v. 28, p. 1-16, 1974. aponta para o uso de espanhol, português e ladino entre os judeus sefarditas de Curaçao. Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism)., por seu turno, não acredita que o ladino tenha sido usado em Curaçao; apesar de essa ter sido a língua mais característica das comunidades de judeus sefarditas na Europa, posto que não existe qualquer registro que comprove sua existência em Curaçao.

Em suma, o multilinguismo deve ter predominado entre os judeus sefarditas curaçauenses e, entre as várias línguas usadas, de acordo com alguns autores, o português pode ter tido um papel predominante. De acordo com Grant (2008b)GRANT, A. P. A constructivist approach to the early history of Papiamentu. In: FARACLAS, N.; SEVERING, R.; WEIJER, C. (ed.). Linguistic studies on Papiamentu. Curaçao: Fundashon pa Planifikashon di Idioma, 2008b. p. 73-112., a maioria dos judeus sefarditas que vivia na Holanda e em Curaçao no século XVII tinha o português como língua materna, usando-o em diversas instâncias (comunicação familiar, mídia escrita, testamentos, escrituras, ações, entre outras), ao invés do espanhol (ainda que muitos deles também tivessem algum conhecimento dessa língua e mesmo do holandês). Munteanu (1996)MUNTEANU, D. El papiamentu, lengua criolla hispánica. Madrid: Gredos, 1996. aponta que grande parte dos judeus curaçauenses falava português, sendo essa a língua oficial da congregação judaica até 1865. Emmanuel (1957)EMMANUEL, I. S. Precious stones of the Jews of Curaçao: Curaçoan Jewry 1656-1957. Nova York: Bloch Publishing Company, 1957. também considera que, em Curaçao, até 1865, o português predominava dentro da comunidade sefardita, sendo a língua materna de quase todos os judeus, usada tanto na sinagoga quanto nas instituições governamentais, havendo um interesse em transmitir essa língua para as crianças.

Smith (1999)SMITH, N. Pernambuco to Surinam 1654-65? the Jewish slave controversy. In: HUBER, M.; PARKVALL, M. Spreading the word: the issue of diffusion among Atlantic creoles. London: University of Westminster Press, 1999. p. 251-298. aponta a importância do português na sinagoga curaçauense (Mikve Israel, a mais antiga sinagoga do hemisfério ocidental em uso contínuo), onde essa língua foi usada até 1856. Lessa (1975)LESSA, O. Presença do Português no Papiamentu. Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra, 1975. também menciona o uso do português nas sinagogas holandesas. Até os dias atuais, há rezas e expressões em português em Mikve Israel.

Emmanuel (1959EMMANUEL, I. S. El Portugues en la sinagoga “Mikve Israel” de Curaçao. Tesoro de los Judios Sefardies, Jerusalén, v. 1, p. xxv-xxxi, 1959., p.xxvii–xxix) e Joubert e Perl (2008JOUBERT, S.; PERL, M. El portugués en Curaçao. In: FARACLAS, N.; SEVERING, R.; WEIJER, C. (ed.). Linguistic studies on Papiamentu. Curaçao: Fundashon pa Planifikashon di Idioma, 2008. p. 137-156., p.143) apresentam algumas orações em português, trazendo os títulos das orações (em espanhol), que mostram seu propósito e contexto de uso e que foram traduzidas e aparecem em negrito. As orações foram mantidas como registradas pelos autores, sem mudanças em sua forma. Além disso, as orações foram numeradas e comentários foram incluídos em notas, que compreendem explicações gerais de alguns termos que se referem à cultura e religião hebraicas:

1 Oração pela saúde da Rainha Holandesa, de sua família real, do governador de Curaçao e seus magistrados:3 3 Em visita ao Museu Histórico-Cultural Judaico, vizinho à sinagoga, foi possível notar que essa oração em português (possivelmente com pequenas mudanças) aparece em um mural logo na entrada. Essa oração também é mencionada, com poucas alterações, por Joubert & Perl (2008). Além disso, segundo Silva (2001), uma oração semelhante a essa ainda hoje se faz presente na sinagoga portuguesa de Amsterdã. A Sua Majestade Juliana, Rainha dos Paises Baixos e a seu Real Consorte. A serenissima Princesa Wilhelmina Madame sua Mâe. Aos descendentes da Casa Real de Orange Nassao; aos ilustres membros que concorrem no Governo destas terras e ao nobre venerável Excelentissimo Senhor Governador desta ilha e a todos Magistrados en ella.

2 Oferta pelo repouso da alma de um defunto:

Tantos soldos Shemen Lamaor por el descanzo de fulano de tal.

3 Pela saúde dos que estão de luto:

Para que Deus lhes conceda vidas largas.

4 Pela saúde de um enfermo:

Para que Deus lhe conceda Refua Shelema4 4 Segundo Joubert e Perl (2008), Refuah Shlema é o termo hebraico que remete ao desejo de uma total recuperação. e para que continue em saude perfeita.

5 Por aquele que se salvou de um mal = Hagomél: 5 5 De acordo com Emmanuel e Emmanuel (1970), a palavra hebraica Hagomel (‘aquele que concede’) diz respeito a uma prece de libertação proferida diante da Arca Sagrada ou do Torá (também chamado de Pentateuco e se referindo aos cinco primeiros livros da Bíblia).

Que sua saida seja para bem.

6 Pelo aniversário de alguém:

Que Deus lhe deixe contar muitos anos de bon.

7 Pelos recém-casados:

Pela saude dos Senhores noivos, para que Deus lhes haga felizes.

8 Ao nascimento de um filho:

Pela saude de Bangal, a Berith,6 6 Segundo Henriquez (1988), bangalá Berit (Ba’al Berit) é o nome dado ao pai de uma criança que realiza Berit (circuncisão). sua esposa e recem-nascido, pais e mâes, parentes que vejam grandes gustos.

9 Pelo Bar Mitzvá (Bar Misva): 7 7 Segundo Emmanuel e Emmanuel (1970), a palavra aramaica/hebraica Bar Misva / Bar Mitsvah / Bar Mitzvah (‘o filho do mandamento’) se refere à cerimônia na qual os garotos judeus passam a participar dos serviços da sinagoga, geralmente no primeiro sabá (o período que se estende desde o pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol de sábado) depois de seu aniversário de 13 anos.

Pela graça de haver chegado a este estado, pais e mâes, parentes que vejam grandes gustos.

10 Boa viagem:

Para que Deus lo leve ao porto de seu desejo e lo livre de todos maus encontros.

11 Por quem queira receber boas notícias:

Que Deus lo mantenha com bem e mande boas noticias de el.

12 Feliz chegada:

Que sua jegada seja para bem.

13 Pela saúde dos Parnassim8 8 Emmanuel e Emmanuel (1970) definem o vocábulo hebraico Parnas / Parnaz (plural: Parnassim) (‘provedor’) como supervisor da comunidade, administrador ou presidente de uma sociedade, irmandade ou escola/faculdade judaica. e dos membros da Comunidade:

Pela saude dos Senhores Parnassim, Yehidim deste Kahal Kadosh,9 9 Esse termo hebraico se refere à congregação sagrada (EMMANUEL; EMMANUEL, 1970). para que Deus lhes aumente e prospere.

14 Pela saúde do presidente da Comunidade:

Pela saude do Rosh Hakahal.10 10 A palavra hebraica Ros / Rosh (‘cabeça’) se refere ao chefe ou presidente de uma irmandade ou ao reitor de uma faculdade judaica (EMMANUEL; EMMANUEL, 1970).

15 Pela saúde do grande rabino:

Pela saude do Morénu Harab.11 11 Emmanuel e Emmanuel (1970) consideram que esse termo hebraico se refere ao rabino chefe.

16 Na instalação dos novos Parnassim:

Pela saude dos Senhores Parnassim salientes e entrantes.

17 Pela saúde dos noivos da Lei (Hatanim12 12 Palavra hebraica que significa ‘noivos’ ((EMMANUEL; EMMANUEL, 1970). ):

Pela saude dos Senhores Hatanim que sempre se entreguen ao cargo de Misvoth.13 13 Segundo Emmanuel e Emmanuel (1970), a palavra hebraica Misva / Misvah / Mitsvah / Mitzvah (plural: Mizvoth) (‘mandamento, boa ação’) se refere à participação em um ato honroso dentro dos serviços da sinagoga, como o enterro de um judeu.

18 Em Rosh Hashaná 14 14 Emmanuel e Emmanuel (1970) consideram que o termo hebraico Rosasana / Ros-Ashaná / Rosassana / Rosassanah / Roshashana / Rosh Hashanah (‘cabeça do ano’) remete ao Ano Novo judaico. e Yom Kipur: 15 15 A palavra hebraica Kipur / Kippur / Yom Kippur é o Dia da Expiação ou do Perdão, que ocorre no décimo dia do sétimo mês judaico (EMMANUEL; EMMANUEL, 1970).

Para que Deus nos escreva em livros de vida.

19 Nas três grandes festas (Shalosh Regalim): 16 16 Termo hebraico que engloba três importantes festas judaicas: Pesah (Páscoa), Shavuot (Pentecostes) e Sucot / Sucoth / Sukkot (Tabernáculos).

Para que Deus lhe conceda (o nos conceda) festas alegres.

20 O rabino hazan17ou samas18que oferece por sua saúde:

Pela mi propia saude e que Deus me conceda muitos anos no serviço desta Santa Casa.

21 A favor da chuva:

Para que Deus nos conceda chuva de bençâo.

22 Quando não se quer especificar o objeto de sua oferta:

Por sua intençâo.

23 Oração especial proferida na noite de Kippur pela saúde das vítimas judias da Inquisição:

A todos nossos irmâos presos pela Inquisiçâo.

24 Na chegada de um novo mês (Rosh Hodesh19):

Mahar Rosh Hodesh, manan es Rosh Hodesh, Mahar umaharato, manan e pois manan, segunda feira, terça feira, cuarta feira, quinta feira, sexta feira, Shabbath Kodesh es Rosh Hodesh.

Nas preces trazidas por Emmanuel (1959)EMMANUEL, I. S. El Portugues en la sinagoga “Mikve Israel” de Curaçao. Tesoro de los Judios Sefardies, Jerusalén, v. 1, p. xxv-xxxi, 1959. e Joubert e Perl (2008)JOUBERT, S.; PERL, M. El portugués en Curaçao. In: FARACLAS, N.; SEVERING, R.; WEIJER, C. (ed.). Linguistic studies on Papiamentu. Curaçao: Fundashon pa Planifikashon di Idioma, 2008. p. 137-156., é possível notar o uso de formas espanholas inseridas nas sentenças em português, a exemplo de en ella ‘nela’, por el ‘pelo’, haga ‘faça’, gustos ‘gostos’, lo ‘o (pronome objeto)’, de el ‘dele’, o ‘ou’, mi propia ‘minha própria’. Esse fato demonstra que o português falado pelos judeus sefarditas curaçauenses era permeado por palavras provenientes do espanhol e do hebraico (EMMANUEL, 1959EMMANUEL, I. S. El Portugues en la sinagoga “Mikve Israel” de Curaçao. Tesoro de los Judios Sefardies, Jerusalén, v. 1, p. xxv-xxxi, 1959.). Essa mescla do português com outras línguas, sobretudo o espanhol, poderia levar a questionar o porquê de se atribuir as orações da comunidade sefardita ao português e não ao espanhol. A despeito das similaridades entre as duas línguas, além das escolhas de itens lexicais e funcionais (que são diferentes nas duas línguas), outros indícios permitiram sugerir essa procedência portuguesa, em detrimento do espanhol: (i) formas verbais: concorrem (não concurren), seja (não sea), deixe (não deje), vejam (não vean), leve (não lleve), livre (não libre), escreva (não escriba), mantenha (não mantenga), engrandeça (não engrandezca); (ii) construções sintáticas: aos (não a los), dos (não de los), no (não en el), destas (não de estas), pela (não por la); (iii) terminações nominais: majestade (não majestad), descendentes (não descendientes), venerável (não venerable), benção (não bendición), intenção (não intención), inquisição (não inquisición), serviço (não servicio).

A partir dos nomes da princesa e da rainha citados na primeira oração, é possível saber aproximadamente de quando é a inscrição, posto que esta se refere a Wilhelmina Helena Pauline Maria, que reinou de 1890 a 1984, quando abdicou. Sua filha, Juliana, reinou de 1948 até 1980, ano em que também abdicou (BOS, [20--]BOS, J. 1500-Present: Dutch Royal genealogy. [s.l.: s.n], [20--]. Disponível em: http://madmonarchs.guusbeltman.nl/gennl.htm. Acesso em: 01 jul. 2014.
http://madmonarchs.guusbeltman.nl/gennl....
). Dessa forma, esta oração data do século XX. O fato de ela estar escrita em português demonstra que essa língua ainda era importante para a comunidade sefardita em Curaçao na primeira metade do século XX pelo menos (se não o fosse, outra língua seria a escolhida para a oração), refutando a hipótese de Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). segundo a qual, no começo do século XVIII, o português já não estava mais em uso pela comunidade judaica.

Além disso, há outra evidência para se sustentar que o português era uma língua forte dentro da comunidade judaica: as lápides das sepulturas do antigo cemitério judaico Beth Haim (‘Casa de Vida’), situado no centro de Curaçao, na região da atual refinaria de petróleo Isla. Considerando 2.568 sepulturas (dados de HARTOG, [197-?]HARTOG, J. Curazao, resumen de su historia. Aruba: De Witt, [197-?].), Lessa (1975)LESSA, O. Presença do Português no Papiamentu. Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra, 1975. aponta que o português figura em 1.667 epitáfios (65%), o hebraico aparece em 40 (1,5%), o holandês é a língua usada em 28 epitáfios (1,1%) e 260 estão ilegíveis (10,1%) (O autor não menciona a língua usada nas outras 573 lápides). Casseres (1990)CASSERES, C. G. Istoria kortiku di hudiunan di Korsou. Curaçao: Edição do Autor, 1990. apresenta os seguintes números com relação às línguas usadas em 2.338 lápides: português (1.668, 71,3%), espanhol (433, 18,5%), hebraico (112, 4,8%), inglês (89, 3,8%), holandês (32, 1,4%), francês (3, 0,13%), ídiche (ou judeoalemão) (1, 0,04%). Essas mesmas cifras aparecem em Emmanuel (1957)EMMANUEL, I. S. Precious stones of the Jews of Curaçao: Curaçoan Jewry 1656-1957. Nova York: Bloch Publishing Company, 1957. – exceção feita aos epitáfios em espanhol, que, de acordo com o autor, somavam 361 – e Joubert e Perl (2008)JOUBERT, S.; PERL, M. El portugués en Curaçao. In: FARACLAS, N.; SEVERING, R.; WEIJER, C. (ed.). Linguistic studies on Papiamentu. Curaçao: Fundashon pa Planifikashon di Idioma, 2008. p. 137-156., com a informação adicional de que, das 112 lápides em hebraico, 40 estavam apenas em hebraico e 72 eram bilíngues (hebraico junto com espanhol, português, inglês ou holandês). A partir da análise das línguas usadas nas lápides das sepulturas, observa-se que a maior parte das famílias de judeus falecidos escolhia o português para figurar nos epitáfios, o que é um forte indício de que essa língua tinha uma grande importância dentro da comunidade judaica, sendo a língua materna de grande parte dos sefarditas, transmitida aos mais jovens20 20 Em visita à sinagoga de Curaçao, foi possível encontrar réplicas de algumas lápides do antigo cemitério judaico, que mostram o uso predominante do português, muitas vezes permeado por vocábulos de étimo espanhol. .

Outras evidências de que o português era a língua da comunidade sefardita em Curaçao são fornecidas por Martinus (1996)MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996. e Grant (2008a)GRANT, A. P. The Portuguese elements in Papiamentu. In: FARACLAS, N.; SEVERING, R.; WEIJER, C. (ed.). Linguistic studies on Papiamentu. Curaçao: Fundashon pa Planifikashon di Idioma, 2008a. p. 47-71.. Martinus (1996)MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996. aponta que a língua mais usada no comércio de escravos era o português, sendo o domínio dessa língua uma condição necessária para o sucesso nessa atividade. Assim sendo, uma vez que os judeus estiveram ativamente envolvidos no tráfico de escravos, teriam que aprender português para obterem maiores lucros. Grant (2008a)GRANT, A. P. The Portuguese elements in Papiamentu. In: FARACLAS, N.; SEVERING, R.; WEIJER, C. (ed.). Linguistic studies on Papiamentu. Curaçao: Fundashon pa Planifikashon di Idioma, 2008a. p. 47-71., por seu turno, afirma que uma fonte possível para os elementos portugueses do papiamentu seria o judeo-português ou o português falado pela comunidade sefardita e seus escravos, ambos diferindo do português. Assim, o uso do português seria tão difundido dentro da comunidade judaica que teria chegado ao ponto de influenciar a configuração do papiamentu.

Apesar da descrença de Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). quanto ao uso e importância do português entre a comunidade sefardita de Curaçao, registros históricos mostram que esta língua foi relevante por muitos anos. Além de não haver relatos sobre o completo abandono do português por parte dos judeus, os dados de Emmanuel (1959)EMMANUEL, I. S. El Portugues en la sinagoga “Mikve Israel” de Curaçao. Tesoro de los Judios Sefardies, Jerusalén, v. 1, p. xxv-xxxi, 1959., que traz preces em português, desqualificam a afirmação de Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). quanto ao desuso do português dentro das sinagogas. A relação estabelecida entre o grande número de lápides escritas em português e a predominância dessa língua dentro da comunidade judaica poderia ainda ser questionada, uma vez que podem existir outras explicações para o uso do português nas lápides, dentre elas o papel do português no catolicismo e o trabalho artesão baseado em modelos replicados, em que as lápides eram reproduzidas em formatos únicos, sem representar a língua urbana e usual nos registros diários. Analisando a situação da comunidade judaica curaçauense, é possível refutar essas duas explicações. Em primeiro lugar, o uso do português pelos judeus não estava restrito ao contexto religioso, estendendo-se para a comunicação diária e os documentos oficiais. Ademais, as placas não seguiam um modelo pré-estabelecido, que deveria ser copiado em todas as lápides: os textos eram diferentes, específicos a cada um dos mortos (muitas vezes, mencionando inclusive dados particulares).

Observa-se uma contradição no posicionamento de Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). no que diz respeito à importância do português dentro da comunidade judaica: o autor afirma que o português tinha um papel predominante para os judeus e que, no século XVIII, o português não era mais usado por eles, questionando se realmente um dia o foi. Além de não haver relatos sobre o completo abandono do português por parte dos judeus, os dados de Emmanuel (1959)EMMANUEL, I. S. El Portugues en la sinagoga “Mikve Israel” de Curaçao. Tesoro de los Judios Sefardies, Jerusalén, v. 1, p. xxv-xxxi, 1959. com preces em português desqualificam a afirmação de Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). quanto ao desuso do português dentro das sinagogas. Ademais, o uso do português se manteve até o século XIX, como comprovado pelo fato de ainda existirem lápides em português nos séculos XVIII e XIX, sendo a última inscrição nessa língua datada de novembro de 1865 (EMMANUEL, 1957EMMANUEL, I. S. Precious stones of the Jews of Curaçao: Curaçoan Jewry 1656-1957. Nova York: Bloch Publishing Company, 1957.), e pela oração destinada à rainha Wilhelmina Helena Pauline Maria, que esteve no trono na primeira metade do século XX.

Independentemente de qual fosse a língua majoritária falada pelos judeus sefarditas, tem sido apontado pelos estudiosos (HENRIQUEZ, 1988HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988., 1991HENRIQUEZ, M. Lo ke a keda pa simia. Curaçao: Edição do Autor, 1991.; CASSERES, 1990CASSERES, C. G. Istoria kortiku di hudiunan di Korsou. Curaçao: Edição do Autor, 1990.; JACOBS, 2012JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism).) que, pouco tempo depois de sua chegada, eles adotaram o papiamentu como sua primeira língua. Essa adoção do papiamentu como língua por parte dos judeus, que também eram falantes de português, pode ser uma evidência de que a fala desse grupo influenciou o papiamentu. De acordo com Martinus (1996)MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996., no final do século XVII, já havia falantes nativos do papiamentu tanto holandeses quanto judeus (ver JACOBS; VAN DER WAL, 2015JACOBS, B; VAN DER WAL, M. The discovery, nature, and implications of a Papiamentu text fragment from 1783. Journal of Pidgin and Creole Languages, [S.l.], v. 30, n. 1, p. 44-62, 2015., p.53 para evidência de um bilinguismo holandês-papiamentu na comunidade protestante em Curaçao no final do século XVIII). Em suas pesquisas com famílias sefarditas, Henriquez (1988)HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988. encontrou que logo cedo os judeus passaram a ter o papiamentu como língua materna (aliado ao conhecimento de outras línguas, como o português). Esse mesmo quadro é defendido por Casseres (1990)CASSERES, C. G. Istoria kortiku di hudiunan di Korsou. Curaçao: Edição do Autor, 1990., Fouse (2002)FOUSE, G. C. The story of Papiamentu: a study in Slavery and language. Lanham: University Press of America, 2002. e Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism).; este afirma que, no fim do século XVIII, o papiamentu já era a língua materna de grande parte da população curaçauense, incluindo os judeus sefarditas. Ilustrativo dessa afirmação é o fato de que um dos primeiros documentos conhecidos escrito em papiamentu, um fragmento de uma carta datada de 1775, foi escrito por um judeu sefardita, Abraham de David da Costa Andrade Júnior (HENRIQUEZ, 1988HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988.; MARTINUS, 1996MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996.).

A seguir, é apresentada uma leitura da carta de 1775 – realizada a fim de observar as características do papiamentu sefardita e sua possível proximidade maior com o português –, adotando o seguinte padrão: (i) na primeira linha, aparece a leitura diplomática, isto é, a transcrição do texto tal como aparece no original, não sendo acrescentada ou omitida nenhuma informação (como sinais de pontuação), nem alterada a grafia de palavras. Essa linha aparece em fontes normais. Ademais, também mantém-se a mesma organização de linhas do documento original; (ii) na segunda linha, aparece uma leitura semidiplomática; esta consiste em uma transcrição que incorpora poucas alterações (como a junção ou separação de vocábulos; por serem uma contribuição da leitura, as mudanças encontram-se em itálico e entre colchetes), buscando preservar ao máximo as características do original. Essa linha aparece em negrito e caixa alta; (iii) na terceira linha, aparece o correspondente em papiamentu moderno, com o acréscimo da pontuação e das letras maiúsculas necessárias. Essa linha virá em negrito; (iv) a quarta linha contém a tradução em português e aparece em fontes normais e entre aspas simples; e (v) finalmente, a quinta linha contém a tradução em inglês e aparece em itálico e entre aspas simples.

1 [...]21 21 Maurer (1998) apresenta o início da carta, a partir da tradução do texto holandês para o espanhol, como “Mi alma, desde las siete estuve caminando en” — “Minha alma, desde às sete [horas], estive caminhando em”. O autor menciona que a tradução holandesa da carta inteira foi encontrada por Hermann Prins Salomon (autor que, em 1982, também discutiu o excerto da carta em papiamentu) nos arquivos da cidade de Haia, Holanda. piter may the ora ky boso abiny, my atopa tiola...

PITER MAY THE ORA KY BOSO [A BINY], MY [A TOPA] [TIO LA]...

Pietermaai22 22 Pietermaai é o nome de uma rua de Willemstad, Curaçao. te ora ku boso a bini. Mi a topa tio La...

‘[Fiquei em] Pietermaai até a hora que vocês chegaram. Eu me encontrei com tio La...’

‘[I was in] Pietermaai until the time you came. I met uncle La...’

2 Ku sara meme nan taba biny punta

KU SARA MEME NAN TABA BINY PUNTA

ku Sara Meme. Nan tabata bini Punda23 23 Punda é o centro de Willemstad.

‘[E] com Sara Meme. Eles estavam indo para Punda.’

‘[and] with Sara Meme. They were going to Punda.’

3 my dusie bo pay amanda bo ruman Aronchy ku

MY DUSIE BO PAY [A MANDA] BO RUMAN ARONCHY KU

Mi dushi, bo tata a manda bo ruman Aronchy ku

‘Meu amor, seu pai mandou seu irmão Aronchy e’

‘My dear, your father ask your brother Aronchy and’

4 tony & meaca koge na kamina dy piter may

TONY & MEACA KOGE NA KAMINA DI PITER MAY

Tony i Meaca kohe na kaminda di Pietermaai

‘Tony e Meaca pegarem no caminho de Pietermaai’

‘Tony and Meaca to take the road of Pietermaai’

5 es nigrita antunyca & nan aybel tras dij forty

ES NIGRITA ANTUNYCA & NAN [A YBEL] TRAS DIJ FORTY

e negrita Antunika i nan a hib’é tras di e fòrti

‘a negrinha Antunica e eles levaram-na para trás do forte’

‘Antunica, the negress, and they took her behind the fort’

6 & nan amanda sutel guatapana mas my

& NAN [A MANDA] [SUT’EL] GUATAPANA MAS MY

i nan a manda sut’é ku watapana, pero mi

‘e eles mandaram açoitá-la com guatapuna, mas eu’

‘and they had her whipped with divi-divi, but I’

7 no saby paky razon. Sy bo saby manda gabla

NO SABY [PA KY] RAZON. SY BO SABY MANDA GABLA

no sa pa ki rason. Si bo sa, manda bisa-

‘não sei por que razão. Se você sabe, manda falar’

‘do not know for what reason. If you know it, tell’

8 ku my dios pagabo.

KU MY DIOS PAGABO.

mi. Dios pagabo.

‘para mim. Deus te pague.’

‘me. God will reward you.’

9 bida manda gabla ku mi kico bechy abiny

BIDA MANDA GABLA KU MI KICO BECHY [A BINY]

Bida, manda bisami kiko Bechy a bini

‘Vida, manda me falar o que Bechy veio’

‘Life, send word to me what Bechy came’

10 busca na punta & borbe bay asina presto.

BUSCA NA PUNTA & BORBE BAY ASINA PRESTO.

buska na Punda i bolbe bai asina lihé.

‘buscar em Punda e por que voltou tão rápido.’

‘to look for in Punda and why she came back so quickly.’

11 my diamanty no laga dy scribimy tudu

MY DIAMANTY NO LAGA DY SCRIBIMY TUDU

Mi djamanta, no laga di skirbimi tur

‘Meu diamante, não deixe de me escrever tudo’

‘My diamond, do not stop writing me everything’

12 kico my ta puntrabo awe nochy my ta warda

KICO MY TA PUNTRABO AWE NOCHY MY TA WARDA

loke mi ta puntrabo awe nochi. Mi ta warda

‘o que estou perguntando esta noite. Estou esperando’

‘that I am asking you tonight. I am waiting’

13 rospondy, my serafim precura pa quanto

ROSPONDY, MY SERAFIM PRECURA PA QUANTO

respondé. Mi serafin, pèrkurá pa kuantu

‘uma resposta. Meu serafim, procure para quanto’

‘an answer. My angel, seek as soon as’

14 antes dios sacabo dy es aflicao & no para dy

ANTES DIOS SACABO DY ES AFLICAO & NO PARA DY

ántes Dios sakabo di e aflikshon i no para di

‘antes Deus te tire dessa aflição e não pare de’

‘possible for God to take you out of this affliction and do not stop’

15 tuma remedio

TUMA REMEDIO

tuma remedi.

‘tomar seu remédio.’

‘taking your medicine.’

16 my mamá bida sy bo mester algun coza manda

MI MAMÁ BIDA SY BO MESTER ALGUN COZA MANDA

Mi mama, bida, si bo mester algun kos, manda

‘Minha mamãezinha, minha vida, se você precisar de alguma coisa, é só’

‘My mother, my life, if you need anything, ask’

17 pidy bo marido ky tanto ta stimabo. my aurora

PIDY BO MARIDO KY TANTO TA STIMABO. MY AURORA

pidi bo marí, ku tantu ta stimabo. Mi ourora,

‘pedir ao seu marido, que tanto te ama. Minha aurora,’

‘you husband, who loves you so much. My dawn,’

18 nobira falso pa my dios guardabo

[NO BIRA] FALSO PA MY DIOS GUARDABO

no rabia ku mi. Dios wardabo.

‘não fique com raiva de mim. Deus te guarde.’

‘do not get angry with me. God keeps you.’

19 dy bo marido ky tanto ta stimabo

DY BO MARIDO KY TANTO TA STIMABO

Di bo marí, ku tantu ta stimabo

‘De seu marido, que tanto te ama’

‘From you husband, who loves you so much’

20 & ta dora nabo

& TA DORABO

i ta dorabo.

‘e te adora.’

‘and adores you.’

21 Assinatura

ASSINATURA

ASSINATURA 24 24 Segundo Wood (1972), trata-se de um X estilizado, que simboliza um beijo. Por outro lado, Maduro (1971 apud HENRIQUEZ, 1988) defende que a assinatura aparece como um monograma, possivelmente CA. Ferrol (1982), por seu turno, também advoga um monograma, contudo na ordem invertida: AC.

ASSINATURA

SIGNATURE

22 pay may rake

PAY MAY RAKE

Tata, mama i Rake

‘Pai, mãe e Raquel’

‘Father, mother and Raquel’

23 ta mandabo

TA MANDABO

ta mandabo

‘te mandam’

‘order you’

24 muchu kumindamento

MUCHU KUMINDAMENTO

muchu kumindamentu.

‘muitos cumprimentos.’

‘many greetings.’

Analisando a carta de 1775, é possível observar que a variedade empregada é semelhante ao papiamentu moderno, como já havia sido apontado por Wood (1972)WOOD, R. E. New light on the origins of Papiamentu: an eighteenth-century letter. Neophilologus, [S.l.], n. 56, p. 18-30, 1972. e Fouse (2002)FOUSE, G. C. The story of Papiamentu: a study in Slavery and language. Lanham: University Press of America, 2002.. Apesar da correspondência entre a língua usada na carta de 1775 e o papiamentu moderno, há algumas divergências, tais como aquelas encontradas no nível fonético-fonológico, que indicam diferenças dialetais entre o papiamentu sefardita e o papiamentu moderno, como, por exemplo: (i) lambdacimo – BORBE *['boɾ.be] > bolbe ['boɫ.be] ‘voltar’; (ii) metátese – SCRIBI *['skɾi.bi] > skirbi ['skiɾ.bi] ‘escrever’.

Quanto às etimologias, há mais palavras provenientes do português na carta de 1775, como é o caso de AFLICAO (< PT aflição; ≠ ESP aflicción), PAI (< PT pai; ≠ ESP padre), MAS (< PT mas; ≠ ESP pero), TUDO (as in TUDU KIKO) (< PT tudo; ≠ ESP todo). Essas formas caíram em desuso no papiamentu moderno, sendo substituídas por aflikshon, tata, pero e tur, respectivamente. Atualmente existe a palavra pai em papiamentu, mas ela não é muito usada pelos falantes, que revelam uma preferência pelo vocábulo tata. Já a palavra mas da variedade moderna tem um significado diferente, remetendo ao advérbio intensificador ‘mais’. O caso das três primeiras palavras (AFLICAO, PAI e MAS) demonstra que houve a substituição de antigos vocábulos de étimo português por outros oriundos do espanhol. Essa hispanicização do papiamentu pode também ser exemplificada pela expressão tur loke (semelhante ao ESP todo lo que, ≠ PT tudo o que), usada atualmente no lugar de TUDU KICO.

Dessa forma, ainda que a presença de palavras oriundas do português na carta de 1775 não seja em um número muito expressivo, há alguns vocábulos de indubitável etimologia portuguesa – os quais caíram em desuso (ou são pouco usados) na variedade moderna – em um número maior do que anteriormente apontado por estudiosos, como Wood (1972)WOOD, R. E. New light on the origins of Papiamentu: an eighteenth-century letter. Neophilologus, [S.l.], n. 56, p. 18-30, 1972. e Ferrol (1982)FERROL, O. La cuestion del origen y de la formacion del papiamento. Curaçao: Universidad de las Antillas Neerlandesas (UNA), 1982.. Isso mostra que possivelmente o papiamentu usado pelos judeus sefarditas era realmente mais influenciado pelo português, estando permeado por vocábulos e estruturas dessa língua.

Observa-se que a influência do português no papiamentu sefardita é mais visível no nível lexical, provavelmente não tendo alcançado todas as camadas da língua. A despeito disso, não é possível negar que há uma contribuição. Viaro (2011)VIARO, M. E. Etimologia. São Paulo: Contexto, 2011. aponta que algumas classes gramaticais são mais propensas de serem emprestadas do que outras: as categorias nominais são as que mais sofrem empréstimo; em seguida, estão os numerais, morfemas derivacionais, advérbios, conjunções e pronomes indefinidos; por fim, como mais resistentes a empréstimos estão as preposições, artigos, pronomes pessoais e morfemas flexionais. Assim sendo, não é surpresa que as maiores influências estejam no nível lexical; estudos posteriores poderão mostrar influências em outros níveis.

Além do excerto da carta de 1775, Maurer (1998)MAURER, P. El papiamentu de Curazao. In: PERL, M.; SCHWEGLER, A. (ed.). América negra: panorámica actual de los estudios lingüísticos sobre variedades hispanas, portuguesas y criollas. Frankfurt; Madrid: Vervuert; Editora Iberoamericana, 1998. p. 139-217. apresenta um documento, datado de 16 de janeiro de 1776, que consiste na reprodução de um suposto diálogo entre duas escravas registrado pelo judeu sefardita Semuel Costa Andrade. O relato desse diálogo é reproduzido a seguir, adotando o seguinte padrão: (i) na primeira linha, aparece o texto no papiamentu da época, grafado em fontes normais; (ii) na segunda linha, encontra-se uma leitura semidiplomática, que incorpora poucas alterações ao texto original (as quais serão grafadas em itálico e entre colchetes). Essa linha virá em negrito e caixa alta; (iii) a terceira linha contém o correspondente em papiamentu moderno, que está em negrito – o conteúdo das primeiras e terceiras linhas foi retirado de Maurer (1998)MAURER, P. El papiamentu de Curazao. In: PERL, M.; SCHWEGLER, A. (ed.). América negra: panorámica actual de los estudios lingüísticos sobre variedades hispanas, portuguesas y criollas. Frankfurt; Madrid: Vervuert; Editora Iberoamericana, 1998. p. 139-217., podendo haver alguns acréscimos na forma do papiamentu moderno; já a leitura semiplomática foi elaborada pelos autores; (iv) na quarta linha, aparece a tradução para o português, em fontes normais e entre aspas simples, seguida pela tradução em inglês também em fontes normais e entre aspas simples. No decorrer do documento, aparecem trechos em português (situando quem falará no diálogo). Nesses casos, aparecem três linhas: uma com o texto fornecido por Maurer (1998)MAURER, P. El papiamentu de Curazao. In: PERL, M.; SCHWEGLER, A. (ed.). América negra: panorámica actual de los estudios lingüísticos sobre variedades hispanas, portuguesas y criollas. Frankfurt; Madrid: Vervuert; Editora Iberoamericana, 1998. p. 139-217., em itálico, a segunda com a tradução para o português moderno, em fontes normais e entre aspas simples, e a terceira com a versão em inglês.

1 ... iva duas negras caminhando diante de my discutindo e dizendo huma com outra:

‘Duas negras iam caminhando diante de mim discutindo e dizendo uma com a outra:’

‘Two black women were walking in front of me arguing and telling one another:’

2 “boste atende kiko tin?”

“BOSTE [A TENDE] KIKO TIN?”

“Bo a tende kiko tin?”

‘Você ouviu o que houve?’

‘Did you hear what happened?’

3 Respondeo a outra:

‘A outra respondeu:’

‘The other answered:’

4 “my no tende nada, pues kiko tin?”

“MY NO [A TENDE] NADA, PUES KIKO TIN?”

“Mi no a tende nada, anto kiko tin?”

‘Eu não ouvi nada, então o que houve?’

‘I didn’t hear anything, so what happened?’

5 Respondeo dizendo:

‘[Ela] respondeu dizendo:’

‘[She] answered:’

6 “my atende di catibo de Sr. Pardo ki su senhor

“MY [A TENDE] DI CATIBO DE SR. PARDO KI SU SENHOR

“Mi a tende di katibu di Sr. Pardo ku su shon

‘Eu ouvi do cativo do senhor Pardo que seu senhor’

‘I heard from the slave of Mr. Pardo that his master’

7 agaia dos carta, hum di Sra. Sara Pardo i otro di Sr.

[A GAIA] DOS CARTA, HUM DI SRA. SARA PARDO I OTRO DI SR.

a haña dos karta, un di señora Sara Pardo i otro di señor

‘recebeu duas cartas, uma da senhora Sara Pardo e outra do senhor’

‘received two letters, one from Mrs. Sara Pardo and another from Mr.

8 Abraham Costa, y el atende su senhor Gay25 25 Segundo Maurer (1998), hay é uma maneira carinhosa de se referir a Mordechai. ta leer pra

ABRAHAM COSTA, Y EL [A TENDE] SU SENHOR GAY TA LEER PRA

Abraham Costa, i el a tende su shon Hay ta lesa pa

‘Abraham Costa, e ele ouviu seu senhor lendo a carta para’

‘Abraham Costa, and he heard his master reading the letter to

9 su pay, i es carta ta gabla com el apasa

SU PAY, I ES CARTA TA GABLA COM EL [A PASA]

su tata, i e karta ta bisa kon el a pasa

‘seu pai, e a carta fala como ele [= Abraham]26 26 É possível saber quem é o referente do pronome ‘ele’ porque a seguir uma das escravas pergunta sobre a carta escrita por Sara. tem passado’

‘his father, and the letter says how he [= Abraham] has been passing’

10 de Jegum y ariba hum dosie.”

DE JEGUM Y ARIBA HUM DOSIE.”

dia di zjuzjum i ta papia riba un dushi.”

‘os dias de jejum e fala de uma amante.’

‘the fasting days and speaks of a lover.’

11 y le preguntou a outra negra:

‘e a outra negra lhe perguntou:’

‘and the other black woman asked:’

12 “kiko mas?”

“KIKO MAS?”

“Kiko mas?”

‘O que mais?’

‘What else?’

13 Respondeo:

‘[Ela] respondeu:’

‘[She] answered:’

14 “my no sabe”

“MY NO SABE”

“Mi no sa.”

‘Eu não sei.’

‘I don’t know.’

15 y le preguntou a outra:

‘e a outra lhe perguntou:’

‘and the other asked:’

16 “y es dy Sra. Sara kiko ta gabla?”

“Y ES DY SRA. SARA KIKO TA GABLA?”

“I esun di Sra. Sara, kiko e ta bisa?”

‘E a carta da senhora Sara diz o quê?’

‘And the letter from Mrs. Sara, what does it say?’

17 Respondeo:

‘[Ela] respondeu:’

‘[She] answered:’

18 “my no sabe”,

“MY NO SABE”,

“Mi no sa.”

‘Eu não sei.’

‘I don’t know.’

No que diz respeito à estrutura linguística e à escolha lexical, assim como foi observado na carta de 1775, o papiamentu usado é próximo à variedade moderna. A presença de palavras do papiamentu sefardita (tais como BOSTE, LEER e JEGUM) sugere que os escravos dos judeus (no caso de o diálogo ter realmente existido) falavam o papiamentu da comunidade judaica; caso contrário, teriam usado formas empregadas na variedade geral. Além da presença de elementos característicos do papiamentu sefardita, o documento de 1776 possui ainda trechos em português, o que é mais uma prova de que essa era uma das línguas da comunidade judaica. Caso o português não tivesse uma importância e um uso difundido dentro da comunidade, não haveria uma razão para que os trechos (a introdução das falas das escravas) estivessem nessa língua.

Em seus estudos, Henriquez (1988HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988., 1991HENRIQUEZ, M. Lo ke a keda pa simia. Curaçao: Edição do Autor, 1991.) apresenta o vocabulário característico do papiamentu sefardita, que seria mais semelhante ao português. Para a autora, embora o papiamentu já existisse em Curaçao quando os judeus chegaram, a variedade de papiamentu falada por eles bem como suas outras línguas influenciaram a variedade geral da língua. Henriquez (1988)HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988. mostra que, nos primeiros anos, os judeus usavam uma palavra (um pouco) diferente dos outros falantes do papiamentu, como mostrado no quadro 1 (adaptado da autora):

Quadro 1
– Palavras em papiamentu sefardita e em papiamentu geral.

Essas diferenças não deveriam ser vistas como indicativas de que o papiamentu sefardita estava circunscrito à comunidade judaica e não influenciou a variedade geral – da qual o papiamentu moderno é uma continuação. Henriquez (1988)HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988. afirma que, apesar de os vocábulos recolhidos por ela serem característicos dos judeus, eles não são exclusivos dessa comunidade. Além disso, alguns judeus poderiam não usar algumas palavras e expressões usadas comumente por determinados segmentos sociais da comunidade sefardita não necessariamente porque eles desconheciam os vocábulos, mas simplesmente porque esses termos não são vistos como pertencentes à fala dos sefarditas (HENRIQUEZ, 1991HENRIQUEZ, M. Lo ke a keda pa simia. Curaçao: Edição do Autor, 1991.). Essa não exclusividade dos termos do papiamentu sefardita à comunidade judaica pode ser vista entre os dados apresentados por Henriquez (1988)HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988., em que aparecem dois vocábulos diferentes (o primeiro deles associado aos judeus sefarditas) – seja com pequenas variações, seja com étimos diversos – sendo ambos atualmente aceitos no papiamentu geral. Junto com esses casos em que há diferença lexical, há também exemplos em que os dois vocábulos (o primeiro associado à variedade sefardita e o segundo, ao registro geral) se diferenciam no nível fonético, sendo possível considerar as duas formas como variantes.

Algumas das palavras e expressões usadas pelos judeus começaram a ser usadas com o passar do tempo por falantes não judeus, sendo incorporadas ao uso corrente do papiamentu, tais como em tingir ‘tingir’ (< PT tingir), chalalá ‘fazer fofoca’ (< PT charlar) e gaba ‘gabar(-se), vangloriar(-se)’ (< PT gabar). Outras caíram em desuso mesmo dentro da comunidade sefardita, permanecendo apenas na fala dos mais velhos (por exemplo, fika ‘ficar’ (< PT ficar), substituído por keda; koitadu ‘coitado’ (< PT coitado), substituído por miserabel, infelis; almusá ‘almoçar’ (< PT almoçar), substituído por kome – de sentido mais geral). Em alguns casos, no papiamentu moderno, o mesmo significado é veiculado por dois vocábulos diferentes (um deles relacionado aos sefarditas). Este é o caso, por exemplo, de (1):

(1) zjuzjuá / yuna ‘jejuar’

zjeitu / modo, manera ‘jeito, modo, maneira’

gora, gwera / bora ‘furar, perfurar’

kamina / kaminda ‘1. caminho, via, trajeto, 2. onde, no lugar em que’

para (di) / stòp (di) ‘parar, cessar’

sedu / set ‘sede’

sementerio, santana / kerkhòf ‘cemitério’

shandilié, shandelir / shanguilié, shangilé ‘lustre, candelabro’

tibio / lou ‘morno, tépido’

No que tange à etimologia das palavras características dos judeus sefarditas, de maneira geral, os vocábulos são provenientes das línguas ibero-românicas. Foram encontradas palavras e expressões de étimo português que não poderiam ter uma procedência espanhola (isolada ou junto com a portuguesa), como mostrado nos exemplos (2) e (3). A presença de vocábulos de indubitável etimologia portuguesa – muitos substituídos por outras formas na variedade geral da língua – confirma a suposição de que o papiamentu sefardita era mais próximo do português, sendo mais influenciado por essa língua, do que o papiamentu comum (ainda que o número de vocábulos derivados do português não seja muito vultuoso) (JOUBERT; PERL, 2008JOUBERT, S.; PERL, M. El portugués en Curaçao. In: FARACLAS, N.; SEVERING, R.; WEIJER, C. (ed.). Linguistic studies on Papiamentu. Curaçao: Fundashon pa Planifikashon di Idioma, 2008. p. 137-156.).

(2) enshoval, inshoval (< PT enxoval, ≠ ESP ajuar) ‘emxoval’;

gabazón (< PT gabação, ≠ ESP alabanza, elogio) ‘elogio, gabamento’;

gòsta (< PT gostar, ≠ ESP gustar) ‘1. gostar, 2. experimentar, saborear’

intereseiro (< PT interesseiro, ≠ ESP interesado) ‘interesseiro’;

koïtadu (< PT coitado, ≠ ESP infeliz, desgraciado) ‘coitado’;

ninguein (< PT ninguém, ≠ ESP nadie) ‘de categoria inferior, de pouco ou nenhum valor’

skeze (< PT esquecer, ≠ PT/ESP olvidar) ‘esquecer(-se)’;

(3) baya kombein ‘desejo de uma boa viagem’ – PT vai com bem;

kada kual ku su igual ‘me diga com quem andas que te direi quem és’ – PT cada qual com seu igual;

keda pa simia ‘ficar para semente’ – PT ficar para semente;

kibra zjuzjum ‘quebrar o jejum’ – PT quebrar o jejum;

kometé un gaf ‘cometer uma gafe’ – PT cometer uma gafe.

Há ainda exemplos provenientes do português que possuem a consoante fricativa sonora palatal (/Ʒ/), como mostram os dados em (4). A presença dessa consoante na variedade sefardita de forma mais frequente do que na variedade geral sugere que Jacobs (2012)JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism). pode estar correto em afirmar que o /Ʒ/ entrou no papiamentu a partir dos judeus, mesmo porque, para alguns exemplos, a variedade geral possui uma forma diferente, em que tal fonema não se faz presente. Nos registros do papiamentu clássico, também não foram encontrados vocábulos semelhantes àqueles que aparecem em (4).

(4) dezja (< PT desleixar, ≠ ESP descuidar) ‘desleixar, descuidar, negligenciar’;

frizji (< PT frigir, ≠ ESP freír) ‘frigir, fritar’;

manzja (< PT man[Ʒ]ar, ≠ ESP man[x]ar) ‘comer’;

rabuzjentu (< PT rabugento, ≠ ESP malhumorado) ‘crise de fúria, ataque de raiva’;

sobezji,sobrezji (< PT sobejo, ≠ ESP resto, sobra) ‘sobejo, sobra’;

zjanta (< PT janta/jantar, ≠ ESP cena/cenar) ‘jantar (1. comida, 2. comer à noite)’;

zjeitoso (< PT jeitoso, ≠ ESP hábil, habilidoso) ‘jeitoso’;

zjema (< PT [ʒ]ema, ≠ ESP [x]ema) ‘gema’;

zjitona (< PT azeitona, ≠ ESP aceituna) ‘azeitona’;

zjuzjum (< PT jejum, ≠ ESP ayuno) ‘jejum’.

Em suma, a contribuição de Henriquez (1988HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988., 1991HENRIQUEZ, M. Lo ke a keda pa simia. Curaçao: Edição do Autor, 1991.) consiste em mostrar que algumas palavras rejeitadas pelos falantes como termos pertencentes ao papiamentu são características do vocabulário dos sefarditas, que também faz parte do vocabulário geral do papiamentu.

Apesar de não ser possível atribuir todos os elementos portugueses do papiamentu aos sefarditas e seus escravos, a comunidade judaica teve um papel considerável na formação da sociedade curaçauense e, por conseguinte, pode ter influenciado a configuração linguística do papiamentu. Essa influência foi exercida, num primeiro momento, por meio do português falado pela comunidade, já que esta era uma língua importante para a comunidade judaica, sendo amplamente usada não apenas no contexto religioso, mas também na comunicação diária. Com o passar dos anos, os judeus também influenciaram o papiamentu através de seu dialeto próprio, o papiamentu sefardita.

Uma evidência irrefutável do uso tanto do português quanto do papiamentu pela comunidade judaica é fornecida pelo documento de 1776, em que as duas línguas são empregadas: o suposto diálogo entre as escravas está em papiamentu, havendo ainda trechos em português, que orientam de quem é o turno na conversa, sugerindo seu uso como língua veicular dentro desta comunidade.

Considerações finais

Este estudo mostra que o fato de os judeus desempenharem um importante papel no comércio de escravos e gozarem de um certo prestígio sugere que eles tinham um papel na sociedade curaçauense, contribuindo na configuração do papiamentu. A discussão dos documentos do final do século XVIII mostrou um maior número de itens de étimo português, o que confirma a assunção de que o papiamentu sefardita seria mais semelhante ao português do que a variedade geral da língua.

A análise da carta de 1775, um dos primeiros registros escritos conhecido do papiamentu, mostrou um maior número de étimos derivados do português, sustentando a asserção de que o papiamentu sefardita seria mais próximo do português do que a variedade geral da língua. O documento de 1776, a partir de suas escolhas lexicais, revelou que os escravos dos judeus provavelmente também usavam vocábulos próprios do papiamentu sefardita e trouxe evidências para o uso do português dentro dessa comunidade.

Ademais, a análise de vocábulos, estruturas e expressões característicos da comunidade sefardita (HENRIQUEZ, 1988HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988., 1991HENRIQUEZ, M. Lo ke a keda pa simia. Curaçao: Edição do Autor, 1991.) mostrou que o papiamentu falado por essa comunidade influenciou o registro geral da língua (tanto clássico quanto moderno), havendo casos em que um vocábulo considerado específico da comunidade judaica se difundiu e passou a ser usado por falantes não judeus. Esses resultados linguísticos mostram que os judeus sefarditas influenciaram a gênese e o desenvolvimento do papiamentu, não só por meio do português, mas também através do papiamentu sefardita. Dessa forma, o papel dos sefarditas foi duplo: primeiro, o português falado pela comunidade sefardita influenciou o papiamentu clássico; posteriormente, o dialeto do papiamentu específico dessa comunidade e de seus escravos também atuou na configuração da variedade geral.

Além disso, reconhecemos uma conexão entre o papiamentu e o kabuverdianu de Santiago (MARTINUS, 1996MARTINUS, F. The kiss of a slave: Papiamentu’s West African connections. 1996. Thesis (PhD em Linguistics) – University of Amsterdam, Amsterdam, 1996.; JACOBS, 2012JACOBS, B. Origins of a creole: the history of Papiamentu and its African ties. New York: Walter de Gruyter, 2012. (Collection Language contact and bilingualism).) (o que pode sugerir uma origem comum). Por outro lado, embora a hipótese de que as relações entre o papiamentu e a língua dos sefarditas não possa explicar a emergência da língua caribenha por si só, não se pode negar o papel dos judeus em fornecer traços linguísticos para o papiamentu. Em suma, seguimos uma abordagem similar àquela defendida por Faraclas et al. (2014)FARACLAS, N. et al. Creoles and acts of identity: convergence and multiple voicing in the atlantic creoles. PAPIA, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 173-198, 2014.: uma convergência de elementos (e não apenas um cenário linear, mono-dimensional) deve ser considerada ao estudar a formação dos crioulos atlânticos, especialmente a contribuição de falantes de diversas línguas (FREITAS, 2017FREITAS, S. Contribuições linguísticas cabo-verdiana e sefardita na formação do papiamentu. Muenchen: Lincom GmbH, 2017. (Studies in Pidgin & Creole Linguistics).).

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  • WOOD, R. E. New light on the origins of Papiamentu: an eighteenth-century letter. Neophilologus, [S.l.], n. 56, p. 18-30, 1972.
  • 2
    Este estudo não discutirá a diferença entre o ladino (modalidade escrita usada em traduções) e o judeo-espanhol (conjunto de variedades faladas do espanhol que surgiram no final do século XVI e século XVII), usando os dois termos como sinônimos.
  • 3
    Em visita ao Museu Histórico-Cultural Judaico, vizinho à sinagoga, foi possível notar que essa oração em português (possivelmente com pequenas mudanças) aparece em um mural logo na entrada. Essa oração também é mencionada, com poucas alterações, por Joubert & Perl (2008)JOUBERT, S.; PERL, M. El portugués en Curaçao. In: FARACLAS, N.; SEVERING, R.; WEIJER, C. (ed.). Linguistic studies on Papiamentu. Curaçao: Fundashon pa Planifikashon di Idioma, 2008. p. 137-156.. Além disso, segundo Silva (2001)SILVA, L. D. Zur Israel: a primeira comunidade judaica do Novo Mundo. In: DINES, A.; MORENO-CARVALHO, F.; FALBEL, N. (org.). A fênix ou o eterno retorno: 460 anos da presença judaica em Pernambuco. Ministério da Cultura Publicações Monumenta, 2001. p.25-82., uma oração semelhante a essa ainda hoje se faz presente na sinagoga portuguesa de Amsterdã.
  • 4
    Segundo Joubert e Perl (2008)JOUBERT, S.; PERL, M. El portugués en Curaçao. In: FARACLAS, N.; SEVERING, R.; WEIJER, C. (ed.). Linguistic studies on Papiamentu. Curaçao: Fundashon pa Planifikashon di Idioma, 2008. p. 137-156., Refuah Shlema é o termo hebraico que remete ao desejo de uma total recuperação.
  • 5
    De acordo com Emmanuel e Emmanuel (1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970., a palavra hebraica Hagomel (‘aquele que concede’) diz respeito a uma prece de libertação proferida diante da Arca Sagrada ou do Torá (também chamado de Pentateuco e se referindo aos cinco primeiros livros da Bíblia).
  • 6
    Segundo Henriquez (1988)HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988., bangalá Berit (Ba’al Berit) é o nome dado ao pai de uma criança que realiza Berit (circuncisão).
  • 7
    Segundo Emmanuel e Emmanuel (1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970., a palavra aramaica/hebraica Bar Misva / Bar Mitsvah / Bar Mitzvah (‘o filho do mandamento’) se refere à cerimônia na qual os garotos judeus passam a participar dos serviços da sinagoga, geralmente no primeiro sabá (o período que se estende desde o pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol de sábado) depois de seu aniversário de 13 anos.
  • 8
    Emmanuel e Emmanuel (1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970. definem o vocábulo hebraico Parnas / Parnaz (plural: Parnassim) (‘provedor’) como supervisor da comunidade, administrador ou presidente de uma sociedade, irmandade ou escola/faculdade judaica.
  • 9
    Esse termo hebraico se refere à congregação sagrada (EMMANUEL; EMMANUEL, 1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970..
  • 10
    A palavra hebraica Ros / Rosh (‘cabeça’) se refere ao chefe ou presidente de uma irmandade ou ao reitor de uma faculdade judaica (EMMANUEL; EMMANUEL, 1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970..
  • 11
    Emmanuel e Emmanuel (1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970. consideram que esse termo hebraico se refere ao rabino chefe.
  • 12
    Palavra hebraica que significa ‘noivos’ ((EMMANUEL; EMMANUEL, 1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970..
  • 13
    Segundo Emmanuel e Emmanuel (1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970., a palavra hebraica Misva / Misvah / Mitsvah / Mitzvah (plural: Mizvoth) (‘mandamento, boa ação’) se refere à participação em um ato honroso dentro dos serviços da sinagoga, como o enterro de um judeu.
  • 14
    Emmanuel e Emmanuel (1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970. consideram que o termo hebraico Rosasana / Ros-Ashaná / Rosassana / Rosassanah / Roshashana / Rosh Hashanah (‘cabeça do ano’) remete ao Ano Novo judaico.
  • 15
    A palavra hebraica Kipur / Kippur / Yom Kippur é o Dia da Expiação ou do Perdão, que ocorre no décimo dia do sétimo mês judaico (EMMANUEL; EMMANUEL, 1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970..
  • 16
    Termo hebraico que engloba três importantes festas judaicas: Pesah (Páscoa), Shavuot (Pentecostes) e Sucot / Sucoth / Sukkot (Tabernáculos).
  • 17
    A palavra hebraica Hazan / Hazzan (plural: Hazzanim) remete ao oficial que canta músicas litúrgicas ou lê as preces nas sinagogas (EMMANUEL; EMMANUEL, 1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970..
  • 18
    Emmanuel e Emmanuel (1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970. definem a palavra hebraica Samas / Shamas / Shamash / Shammash (‘servo’) como se referindo ao sacristão (funcionário paroquial) da sinagoga.
  • 19
    Emmanuel e Emmanuel (1970)EMMANUEL, I. S.; EMMANUEL, S. A. History of the Jews of the Netherlands Antilles. Cincinnati: American Jewish Archives, 1970. consideram que a expressão hebraica Ros Hodes / Rosh Hodesh remete ao primeiro dia do mês judaico.
  • 20
    Em visita à sinagoga de Curaçao, foi possível encontrar réplicas de algumas lápides do antigo cemitério judaico, que mostram o uso predominante do português, muitas vezes permeado por vocábulos de étimo espanhol.
  • 21
    Maurer (1998)MAURER, P. El papiamentu de Curazao. In: PERL, M.; SCHWEGLER, A. (ed.). América negra: panorámica actual de los estudios lingüísticos sobre variedades hispanas, portuguesas y criollas. Frankfurt; Madrid: Vervuert; Editora Iberoamericana, 1998. p. 139-217. apresenta o início da carta, a partir da tradução do texto holandês para o espanhol, como “Mi alma, desde las siete estuve caminando en” — “Minha alma, desde às sete [horas], estive caminhando em”. O autor menciona que a tradução holandesa da carta inteira foi encontrada por Hermann Prins Salomon (autor que, em 1982, também discutiu o excerto da carta em papiamentu) nos arquivos da cidade de Haia, Holanda.
  • 22
    Pietermaai é o nome de uma rua de Willemstad, Curaçao.
  • 23
    Punda é o centro de Willemstad.
  • 24
    Segundo Wood (1972)WOOD, R. E. New light on the origins of Papiamentu: an eighteenth-century letter. Neophilologus, [S.l.], n. 56, p. 18-30, 1972., trata-se de um X estilizado, que simboliza um beijo. Por outro lado, Maduro (1971 apud HENRIQUEZ, 1988)HENRIQUEZ, M. Ta asina? O ta asana? Abla, uzu i kustumber sefardí. Curaçao: Edição do Autor, 1988. defende que a assinatura aparece como um monograma, possivelmente CA. Ferrol (1982)FERROL, O. La cuestion del origen y de la formacion del papiamento. Curaçao: Universidad de las Antillas Neerlandesas (UNA), 1982., por seu turno, também advoga um monograma, contudo na ordem invertida: AC.
  • 25
    Segundo Maurer (1998)MAURER, P. El papiamentu de Curazao. In: PERL, M.; SCHWEGLER, A. (ed.). América negra: panorámica actual de los estudios lingüísticos sobre variedades hispanas, portuguesas y criollas. Frankfurt; Madrid: Vervuert; Editora Iberoamericana, 1998. p. 139-217., hay é uma maneira carinhosa de se referir a Mordechai.
  • 26
    É possível saber quem é o referente do pronome ‘ele’ porque a seguir uma das escravas pergunta sobre a carta escrita por Sara.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2017
  • Aceito
    02 Jun 2018
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