INTRODUÇÃO
A deficiência auditiva é um problema de saúde pública face às importantes sequelas cognitivas e sociais1 e aos impactos econômicos. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) para 2018, há 466 milhões de pessoas no mundo com deficiência auditiva ou 5 %da população mundial e constitui a quarta causa contribuinte para os anos vividos com deficiência em todo o mundo. Afeta um terço dos maiores de 60 anos, principalmente em países de baixa renda, e essa prevalência diminui exponencialmente com o aumento da renda(1,2). As informações para o Brasil são do censo de 2010, quando havia, aproximadamente, 9,4 milhões de pessoas com alguma queixa auditiva referida, que no estado de Alagoas perfazem o número de 186.729 mil habitantes(3).
Devido à magnitude e às consequências negativas da deficiência, o Ministério da Saúde (MS) já havia instituído, desde 2004, a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA)(4), que criou serviços especializados, com concessão de próteses auditivas e reabilitação, a qual, ao longo dos anos, vem sendo atualizada e ampliada(5,6). Em Alagoas, os Centros Especializados de Reabilitação (CER) foram implantados mais tardiamente, em 2013 (Portaria 1.357, de 2 de dezembro de 2013, publicada no DOU n.º 235, em 04/12/2013)(7). Conquanto a Política e suas atualizações recomendem avaliação de rotina, esse processo ainda não se realizou em Alagoas.
A qualidade da atenção à saúde é formada por alguns pilares e pode ser avaliada de diversos ângulos, incluindo, a satisfação dos usuários(8). Os dois termos, qualidade e satisfação, são conceitos multidimensionais, difíceis de mensurar por ser uma medida subjetiva, não estática e que varia em função das expectativas e dos níveis de escolaridade e econômico dos usuários(9).
Diante da dificuldade, a Organização Mundial de Saúde (OMS) introduziu o termo responsividade, definindo-se pela capacidade de respostas dos serviços às expectativas do usuário, como uma medida alternativa à satisfação. A avaliação da responsividade baseia-se nas atividades não médicas e não terapêuticas relacionadas às suas expectativas e às experiências(10).
Para sua mensuração, a OMS elaborou o instrumento Multi-Country Survey Study (MCSS), constituído por domínios ou dimensões que valorizam: o respeito e a dignidade do paciente; o sigilo profissional; o tempo de espera; as condições da estrutura física; o direito de escolha do profissional de saúde, e sua participação na seleção do tratamento(10). Nesse instrumento, as questões são formuladas de maneira mais objetiva sobre o que ocorre no seu atendimento do que sobre sua satisfação com o serviço ou com os profissionais(11).
O instrumento MCSS foi aplicado em diversos países, traduzido e adaptado em diversas línguas e culturas, incluindo o português brasileiro(11-18), abordando públicos variados, porém nenhum estudo brasileiro foi direcionado às pessoas com deficiência auditiva.
Este estudo teve como objetivo avaliar a responsividade dos serviços de atenção à saúde auditiva sob a perspectiva da pessoa com deficiência.
MÉTODO
Foi realizado um estudo descritivo de corte transversal no período de julho a dezembro de 2016, no estado de Alagoas, avaliando a responsividade em quatro dos cinco Centros Especializados de Reabilitação (CER) de Maceió, habilitados para atendimento às pessoas com deficiência auditiva, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS). Excluiu-se um Centro por se encontrar desativado no período do estudo.
Maceió é a maior cidade do estado, com 932.748 habitantes, do total de 3.120.494 de Alagoas. Tem baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH = 0,721), segundo o Censo de 2010, e, em 2015, o PIB per capita era R$ 20.853,41(18).
A população de estudo foram usuários maiores de 18 anos, que receberam aparelhos de amplificação sonora individual (AASI) e estavam em acompanhamento nos quatro CER, nomeados, neste estudo, de A, B, C e D. Calculou-se o tamanho da amostra usando o OpenEpi v.3, com base no número de beneficiário de AASI do ano anterior (2015) de cada CER (A - 720; B - 323; C - 180; D - 120); prevalência de 50 % para boa responsividade(16), erro amostral de 5 % e nível de confiança de 95 %, resultando em 117 usuários para o CER A; 66 para o CER B; 79 no CER C e 87 no D. Os participantes foram abordados de forma consecutiva, na sala de espera do CER, nos dias de atendimento. Foram excluídos os usuários com dificuldade de comunicação/entendimento e desacompanhados, a fim de evitar possíveis erros de interpretação das questões do formulário de entrevista.
Utilizou-se o instrumento MCSS/OMS(10), que compreende oito domínios da responsividade: dignidade; autonomia; confidencialidade e comunicação; pronto atendimento/agilidade; serviços básicos (amenidades); escolha do profissional, e suporte social. Suprimiu-se esse último domínio por se aplicar apenas às unidades de internação. No domínio dignidade, é perguntado ao entrevistado se o profissional atende e examina com respeito, em local reservado. Para autonomia, se questiona sobre a oportunidade de fazer escolhas do tratamento. Confidencialidade, quanto a privacidade, oportunidade e sigilo das conversas. A comunicação diz respeito a clareza e facilidade de obter informações, incluindo o direito à reclamação e a sinalização dos setores nos serviços. Pronto atendimento/Agilidade se refere ao tempo que o usuário teve de esperar para ter suas necessidades atendidas. Escolha profissional, se lhe é dado esse direito. Serviços básicos/amenidades estão relacionados a qualidade do serviço, limpeza, ventilação e mobilidade/acessibilidade.
As respostas são dispostas em escala do tipo Likert: para cada questão, há quatro alternativas, numeradas de um a quatro, sendo que um (1) significa nunca; dois (2) às vezes; três (3) geralmente, e quatro (4) sempre (10). À pergunta que o usuário deixou em branco porque não quis responder, atribuiu-se zero.
Os dados foram digitados e analisados em planilha eletrônica Excel 2010, as respostas foram apresentadas em frequências (absoluta e relativa) em tabelas após categorização e em gráficos. As respostas geralmente e sempre (números 3 e 4 da escala) foram agrupadas e classificou-se como boa responsividade; nunca e algumas vezes (1 e 2 pontos), baixa responsividade(16).
Para as respostas do tempo para concessão da prótese, manteve-se a categorização do formulário. No tempo de espera por categoria profissional, as respostas foram agrupadas em ≥ 3 horas; até 2 horas e < 1 hora.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas sob o n.º 1.234.299, as entrevistas foram conduzidas em sala fechada e todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Amostra composta de 359 usuários, todos com deficiência auditiva, assistidos nos CER (A: 117; B: 66; C; 79 e D: 97), com idade acima de 18 anos e que receberam as próteses (AASI) no ano de 2015. Na amostra, houve discreto predomínio de idosos (60 e mais anos) e sexo feminino (54,5 % e 55,1 %, respectivamente). Analisando-se cada centro separadamente, o percentual de pessoas do sexo masculino foi maior nos CER B e C.
Os resultados por CER e domínios da responsividade estão representados nos quatro gráficos expostos na Figura 1. Entre todos os domínios, a “Escolha Profissional” foi o pior avaliado, apenas 27,5 % no CER B a 35,9 % no CER D classificaram como boa responsividade. A melhor avaliação foi para “Dignidade/respeito” em todos os Centros, que variou de 97,2 % no CER B a 79,3% no CER D de boa responsividade.
Analisando-se “Dignidade/Respeito” por categoria profissional, a grande maioria dos usuários respondeu que sempre/geralmente recebem esse tratamento, especialmente pelos fonoaudiólogos, os quais atingiram o percentual acima de 90 % em todos os centros. Porém, 10 % dos entrevistados não responderam, sendo a maioria em relação aos médicos.
A Tabela 1 exibe a percepção dos usuários quanto à “Autonomia” e mais 50 % dos entrevistados em todos os CER responderam que sempre/geralmente lhes são “oferecidas opções de atendimento ou tratamento”, e que “participam da decisão sobre as opções de tratamento e exames”. Enquanto, para “liberdade de escolher o profissional de saúde para fazer seu atendimento”, em torno de 90 % apresentaram baixa responsividade (Tabela 1).
Tabela 1 Responsividade dos Centros Especializados de Reabilitação (CER) em saúde auditiva quanto à Autonomia. Maceió, 2017
Autonomia | Oferta de opções de atendimento/tratamento | Participação em opções de tratamento/exame | Liberdade de escolha do Profissional | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Centros | n | % | n | % | n | % |
CER A (n=117) | ||||||
Baixa responsividade | 47 | 40,2 | 46 | 39,3 | 113 | 96,3 |
Boa responsividade | 70 | 59,8 | 71 | 60,7 | 4 | 3,7 |
CER B (n=66) | ||||||
Baixa responsividade | 21 | 32,8 | 16 | 24,2 | 64 | 97,0 |
Boa responsividade | 45 | 67,2 | 50 | 73,8 | 2 | 3,0 |
CER C (n=79) | ||||||
Baixa responsividade | 19 | 24,1 | 15 | 19,0 | 69 | 87,3 |
Boa responsividade | 60 | 75,9 | 64 | 81,0 | 9 | 11,4 |
Sem informação | - | - | - | - | 1 | 1,3 |
CER D (n=97) | ||||||
Baixa responsividade | 32 | 33,0 | 37 | 38,1 | 94 | 96,9 |
Boa responsividade | 65 | 67,0 | 60 | 61,9 | 3 | 3,1 |
A “Confidencialidade” teve boa responsividade em todos os CER, em torno de 80 %, e o menor percentual ficou com o CER D, 71,5 % (Figura 1).

Figura 1 Percepção dos usuários portadores de deficiência auditiva quanto à responsividade por Centro Especializado de Reabilitação. Maceió, 2017
O domínio “Comunicação” é composto de quatro itens (Tabela 2), que, no cômputo geral, foi classificado com boa responsividade em quase todos os CER, destacando-se o C com os melhores percentuais (100 %; 94,1 %; 92,6 %; e 85,3 %). Um item, o “Direito à reclamação” apresentou maior percentual de baixa responsividade (80,4%) no CER D, no qual 60,9 % dos entrevistados classificam a “Sinalização dos setores” da mesma forma.
Tabela 2 Responsividade dos Centros Especializados de Reabilitação em saúde auditiva quanto à Comunicação. Maceió, 2017
Comunicação | Sobre tratamento | Sobre localização | Sinalização dos setores | Sobre o Direito de reclamar | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Centros | n | % | n | % | n | % | n | % |
CER A (n=117) | ||||||||
Baixa responsividade | 3 | 2,6 | 12 | 10,3 | 19 | 16,2 | 27 | 23,1 |
Boa responsividade | 114 | 97,4 | 105 | 89,7 | 98 | 83,8 | 90 | 76,9 |
CER B (n=66) | ||||||||
Baixa responsividade | - | - | 5 | 7,6 | 6 | 9,1 | 13 | 19,7 |
Boa responsividade | 66 | 100,0 | 61 | 92,4 | 60 | 90,9 | 53 | 80,3 |
CER C (n=79) | ||||||||
Baixa responsividade | - | - | 4 | 5,1 | 5 | 6,3 | 11 | 13,9 |
Boa responsividade | 79 | 100,0 | 75 | 94,9 | 74 | 93,7 | 68 | 86,1 |
CER D (n=97) | ||||||||
Baixa responsividade | 9 | 9,3 | 35 | 36,1 | 61 | 62,9 | 78 | 80,4 |
Boa responsividade | 88 | 90,7 | 62 | 63,9 | 35 | 36,1 | 19 | 19,6 |
Sem informação | - | - | - | - | 1 | 1,0 | - | - |
Para o “Pronto Atendimento/Agilidade”, em torno de 40 % de entrevistados apontaram que o “tempo de espera para concessão de AASI” varia entre três e seis meses. O CER C teve melhor avaliação, 25 % da amostra esperou menos de três meses para ter sua necessidade atendida, enquanto o maior tempo de espera de nove a 12 meses foi relatado por 34,5 % no CER D (Tabela 3).
Tabela 3 Tempo de espera para concessão de prótese auditiva nos Centros Especializados de Reabilitação. Maceió, 2017
Tempo de espera para concessão de AASI | CER A | CER B | CER C | CER D | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | |
Até 3 meses | 11 | 9,4 | 3 | 4,5 | 19 | 24,0 | 7 | 7,2 |
3 |-- 6 meses | 51 | 43,6 | 32 | 48,5 | 33 | 41,8 | 18 | 18,6 |
6 |-- 9 meses | 32 | 27,3 | 17 | 25,8 | 12 | 15,2 | 40 | 41,2 |
9 |--| 12 meses | 23 | 19,7 | 14 | 21,2 | 15 | 19,0 | 32 | 33,0 |
Total | 117 | 100,0 | 66 | 100,0 | 79 | 100,0 | 97 | 100,0 |
Ainda nesse domínio, “Pronto atendimento/Agilidade”, os Assistentes Sociais tiveram a melhor avaliação para o tempo de espera (menos de uma hora com percentuais que variaram de 61,9 % (CER D) a 18,8 % (CER A), em que a maioria (53,0 %) relatou esperar de uma a duas horas. Os usuários de todos os CER classificaram os médicos como os profissionais que mais os fazem esperar (mais que três horas), com percentuais 47,9 % no CER A; 63,6 % no B, e, 51,9 % no C. Exceção ao CER D, cujo maior percentual para essa categoria foi 37,1 % para uma a duas horas e mais de três horas foi 25,8 % (Tabela 4).
Tabela 4 Tempo de espera para atendimento pelos profissionais, segundo relato dos usuários, nos Centros Especializados de Reabilitação. Maceió, 2017
Profissional por CER | Tempo de espera | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
< 1 h | 1 a 2 h | > 3 h | ||||
CER A (n = 117) | n | % | n | % | n | % |
Assistente social* | 22 | 18,8 | 62 | 53,0 | 10 | 8,5 |
Médico | 16 | 13,7 | 45 | 38,5 | 56 | 47,9 |
Fonoaudiólogo (avaliação) | 22 | 18,8 | 89 | 76,1 | 6 | 5,1 |
Fonoaudiólogo (teste prótese) | 26 | 22,2 | 68 | 58,1 | 22 | 18,8 |
CER B (n = 66) | n | % | n | % | n | % |
Assistente social | 17 | 25,8 | 43 | 65,1 | 6 | 9,1 |
Médico* | 11 | 16,7 | 12 | 18,2 | 42 | 63,6 |
Fonoaudiólogo (avaliação) | 15 | 22,7 | 46 | 69,7 | 5 | 7,6 |
Fonoaudiólogo (teste prótese) | 15 | 22,7 | 35 | 53,1 | 16 | 24,2 |
CER C (n= 79) | n | % | n | % | n | % |
Assistente social | 30 | 38,0 | 43 | 50,4 | 6 | 7,6 |
Médico* | 20 | 25,3 | 17 | 21,5 | 41 | 51,9 |
Fonoaudiólogo (avaliação) | 30 | 38,0 | 46 | 58,2 | 3 | 3,8 |
Fonoaudiólogo (teste prótese)* | 27 | 34,2 | 35 | 44,3 | 15 | 19,0 |
CER D (n = 97) | n | % | n | % | n | % |
Assistente social* | 60 | 61,9 | 27 | 27,8 | 3 | 3,1 |
Médico* | 30 | 30,9 | 36 | 37,1 | 25 | 25,8 |
Fonoaudiólogo (avaliação) | 40 | 41,2 | 52 | 53,6 | 5 | 5,2 |
Fonoaudiólogo (teste prótese)* | 42 | 43,3 | 47 | 48,5 | 4 | 4,1 |
Nota:
*O percentual não soma 100 %, pois alguns participantes preferiram não responder e deixaram respostas em branco
As avaliações dos usuários quanto aos Serviços Básicos (Amenidades), domínio composto por três itens, estão apresentadas na Tabela 5. “Limpeza” foi classificada com “boa responsividade”, variando de 96,0 % no CER C a 69,8 % no CER D. “Ventilação”, aproximadamente 50 % dos participantes julgaram “baixa” nos CER A, B e C; em contraste com “Mobilidade/Acessibilidade”, que, por mais de 90 % da clientela entrevistada, foi julgada “boa” nesses mesmos centros.
Tabela 5 Responsividade dos Centros Especializados de Reabilitação em saúde auditiva quanto aos serviços básicos. Maceió, 2017
Serviços básicos / Amenidades | CER A | CER B | CER C | CER D | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Limpeza* | n=468 | % | n=264 | % | n=395 | % | n=388 | % |
Boa responsividade | 414 | 88,5 | 244 | 92.4 | 382 | 96,7 | 274 | 70,6 |
Baixa responsividade | 52 | 11,1 | 20 | 27,6 | 13 | 3,3 | 106 | 27,3 |
Ignorado | 2 | 0,4 | - | - | 8 | 2,1 | ||
Ventilação | n=117 | % | n=66 | % | n=79 | % | n=97 | % |
Boa responsividade | 60 | 51,3 | 37 | 56,1 | 40 | 50,6 | 23 | 26,4 |
Baixa responsividade | 57 | 48,7 | 29 | 43,9 | 39 | 49,4 | 64 | 73,6 |
Mobilidade/Acessibilidade | n=117 | % | n=66 | % | n=79 | % | n=97 | % |
Boa responsividade | 107 | 91,4 | 65 | 99,6 | 78 | 98,7 | 54 | 62,1 |
Baixa responsividade | 10 | 8,6 | - | - | 1 | 1,3 | 33 | 37,9 |
Ignorado | - | - | 1 | 0,4 | - | - | - | - |
Nota:
*Limpeza é composto por quatro subitens, por isso apresenta o n quadruplicado
A “Escolha Profissional” foi o domínio com mais baixa responsividade, julgada por 64,1% a 72,5% dos usuários, independentemente da categoria profissional e do CER (Figura 1).
DISCUSSÃO
Este estudo mostrou que os usuários referem boa responsividade dos serviços de saúde auditiva de Maceió em alguns domínios, especialmente em dignidade/respeito, confidencialidade e comunicação, reafirmando que a responsividade é um indicador da qualidade não médica do serviço(10,11). Entretanto, se verificou baixa responsividade nos domínios autonomia e escolha profissional, os quais necessitam melhorar.
Para a OMS, o usuário tem o direito de escolher por quem vai ser atendido e de ouvir diferentes opiniões sobre a sua doença e/ou o seu tratamento(10); contudo, em um estudo realizado no Brasil sobre responsividade no Sistema Único de Saúde, os autores relatam que é quase impossível os usuários obterem o direito de escolha nas unidades públicas de saúde, sem maior aprofundamento da questão(11).
Os domínios “autonomia” e “escolha do profissional” estão, conceitualmente, interligados, uma vez que, para fazer escolhas, é necessário garantir a autonomia. Desde o início da década de 1990, a autonomia vem sendo discutida como um dos princípios da Bioética, ao lado da beneficência e justiça, que se manifestam na aceitação ou rejeição do tratamento proposto, além do profissional que lhes é indicado(19) e reforçado pela OMS(10).
Tal princípio é reconhecido nas políticas ministeriais como um aspecto importante da atenção, recomendado na Política Nacional de Humanização do SUS de 2003, quando se incentivou a autonomia e destacou, entre outras, a troca de saberes e a corresponsabilidade na condução do processo de produção de saúde(20). Esse direito também foi reafirmado nas Diretrizes para o Cuidado das Pessoa Idosa no SUS: Proposta de Modelo para Atenção Integral, baseadas na Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), lançada em 2006, pela Portaria (GM) n.º 2.528/2006, a qual valoriza a autonomia como função essencial para o envelhecimento saudável(21).
Em locais com grandes iniquidades sociais, como na África e outros países de baixa renda, esse princípio, muitas vezes, não é cogitado, porque entendem que o profissional de saúde é quem detém o poder do conhecimento e os pacientes de serviços públicos são os beneficiários, e deles só se espera agradecimento(22). Não menos diferente é a situação dos usuários do SUS, com pouco acesso a tratamentos de saúde, especialmente na alta e média complexidade(23), e, por sua vulnerabilidade, respondem com o viés gratidão(11,22).
Para que os usuários tenham autonomia na tomada de decisão, é necessário fortalecer a Comunicação, apesar de, no presente estudo, esta ter sido julgada como boa em todos os CER, com uma exceção em relação ao direito de reclamar em um CER, o que remete novamente à percepção dos profissionais sobre os usuários, receptores da assistência(23). Ressalta-se que a Comunicação só se estabelece quando o outro entende o conteúdo da mensagem, o que, neste estudo, não foi investigado, colocando-se como uma limitação do estudo. Entretanto, é dever do profissional explicar o problema de saúde suas possíveis soluções em linguagem simples e acessível no nível de entendimento dos usuários, para que ele possa participar da decisão.
É possível que o viés de gratidão também tenha influenciado as respostas para o “pronto atendimento/agilidade,” ao classificar como “boa responsividade” o tempo de espera de até seis meses para concessão do AASI, como se não fosse um direito garantido. Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos que avaliaram esse domínio com a pior responsividade(17,23).
No item referente à aquisição das próteses, especialmente o tipo de gestão talvez tenha influído, pois, no presente estudo, o único CER público foi o que apresentou a mais baixa responsividade. Nas organizações públicas da administração direta, as compras seguem um processo normativo estabelecido na Lei 8.666/93 (24) e suas atualizações posteriores, diferentemente do processo de compras nos serviços privados, como os demais CER que são privados credenciados pelo SUS, apesar de seguirem uma padronização do Estado.
Outros estudos sobre responsividade do atendimento ambulatorial foram realizados em países africanos. Na Nigéria, após a expansão do seguro nacional de saúde para cobertura universal, o domínio pronto atendimento foi julgado como ruim, pela alta demanda e pouca capacidade de absorção(25,26). Os autores sugerem para redução da diferença entre as expectativas dos usuários e suas experiências que se faça o monitoramento ativo dos serviços(15,22), o que poderia ser adotado nesses CER de Maceió com a participação dos usuários, fortalecendo assim as associações e os conselhos locais de saúde, ou seja, o controle social.
Em oposição, um estudo conduzido no Brasil, nas unidades de atenção primária com Programa Mais Médicos, a avaliação da responsividade foi boa. Contribuíram para esse resultado o rápido atendimento, a privacidade, o respeito e a confidencialidade; no entanto, a infraestrutura foi classificada como deficiente. A importância de um espaço físico adequado, com boa iluminação e ventilação, bem como os outros aspectos, ajuda a proporcionar conforto, despreocupação, segurança e satisfação com a assistência prestada(15). No presente estudo, a infraestrutura foi avaliada no domínio “Serviços básicos”, para a qual só o item ventilação em um CER teve baixa responsividade.
Este trabalho apresenta, como limitações, amostra não probabilística, ausência de dados socioeconômicos que permitissem sua caracterização e assegurassem a representatividade da amostra, e a aplicação de testes estatísticos para verificar as diferenças entre usuários e serviços. Acrescenta-se, ainda, que o julgamento se baseou apenas na resposta dos entrevistados sem outra fonte de verificação para confrontação de respostas, mesmo diante da possibilidade do viés de gratidão. Apesar dessas limitações, este estudo é útil por fornecer aos gerentes uma resposta rápida quanto às expectativas dos usuários em relação ao serviço, bem como instrumentalizá-los no planejamento de intervenções, especialmente nos domínios de baixa responsividade.
CONCLUSÂO
Os CER de Maceió respondem à expectativa dos usuários, mas ainda há domínios que necessitam melhorar, sobretudo no tocante à autonomia. Sugere-se que este estudo não seja único e que estimule a institucionalização da avaliação, tendo a responsividade como uma das medidas da legitimidade e efetividade dos serviços de saúde.