Acessibilidade / Reportar erro

Diferenças na Proteína C Reativa Ultrassensível associado ao gênero em Indivíduos com Fatores de Risco da Síndrome Metabólica

Resumo

Fundamento:

A síndrome metabólica (SM) está associada a um maior risco de mortalidade por todas as causas. A proteína C reativa ultrassensível (PCRus) é um marcador prototípico de inflamação que está geralmente aumentado na SM. Mulheres com doenças relacionadas à SM apresentam níveis mais elevados de PCRus quando comparadas com homens com doenças relacionadas à SM, sugerindo diferenças associados ao gênero nos marcadores inflamatórios. No entanto, não é claro se os níveis séricos de PCRus já estão aumentados em homens e/ou mulheres com fatores de risco da SM, sem doenças pré-estabelecidas ou sob tratamento farmacológico.

Objetivo:

Determinar o impacto do número de fatores de risco da SM sobre os níveis séricos de PCRus em mulheres e homens.

Métodos:

Cento e dezoito pacientes (70 homens e 48 mulheres; 36±1 anos) foram divididos em quatro grupos de acordo com o número de fatores de risco da SM: grupo saudável (CT; sem fatores de risco), SM ≤ 2, SM = 3 e SM ≥ 4. Após 12 horas de jejum, amostras de sangue foram coletadas para determinação de variáveis bioquímicas e níveis de PCRus, analisada pelo método imunoturbidimétrico.

Resultados:

Os grupos com fatores de risco da SM apresentaram níveis séricos mais elevados de PCRus quando comparados com o grupo CT (p < 0,02). Não foram observadas diferenças nos níveis de PCRus entre os grupos com fatores de risco da SM (p > 0,05). O melhor modelo de regressão linear para explicar a associação entre fatores de risco da SM com níveis de PCRus foram a circunferência da cintura e os níveis de HDL-colesterol (r = 0,40, p < 0,01). Mulheres com fatores de risco da SM apresentaram valores mais elevados de PCRus quando comparadas com homens (psexo < 0,01).

Conclusões:

Apesar da ausência de doenças pré-estabelecidas e tratamento farmacológico, os indivíduos com fatores de risco da SM já apresentaram aumento nos níveis de PCRus, que foram significativamente mais elevados nas mulheres do que nos homens em condições semelhantes.

Palavras-chave
Síndrome Metabólica; Fatores de Risco; Caracteres Sexuais; Proteína C

Abstract

Background:

Metabolic syndrome (MetS) is associated with a higher risk of all-cause mortality. High-sensitivity C-reactive protein (hsCRP) is a prototypic marker of inflammation usually increased in MetS. Women with MetS-related diseases present higher hsCRP levels than men with MetS-related diseases, suggesting sex differences in inflammatory markers. However, it is unclear whether serum hsCRP levels are already increased in men and/or women with MetS risk factors and without overt diseases or under pharmacological treatment.

Objective:

To determine the impact of the number of MetS risk factors on serum hsCRP levels in women and men.

Methods

One hundred and eighteen subjects (70 men and 48 women; 36 ± 1 years) were divided into four groups according to the number of MetS risk factors: healthy group (CT; no risk factors), MetS ≤ 2, MetS = 3, and MetS ≥ 4. Blood was drawn after 12 hours of fasting for measurement of biochemical variables and hsCRP levels, which were determined by immunoturbidimetric assay.

Results:

The groups with MetS risk factors presented higher serum hsCRP levels when compared with the CT group (p < 0.02). There were no differences in hsCRP levels among groups with MetS risk factors (p > 0.05). The best linear regression model to explain the association between MetS risk factors and hsCRP levels included waist circumference and HDL cholesterol (r = 0.40, p < 0.01). Women with MetS risk factors presented higher hsCRP levels when compared with men (psex < 0.01).

Conclusions:

Despite the absence of overt diseases and pharmacological treatment, subjects with MetS risk factors already presented increased hsCRP levels, which were significantly higher in women than men at similar conditions.

Keywords
Metabolic Syndrome; Risk Factors; Sex Characteristics; Protein C

Introdução

A síndrome metabólica (SM) é um conjunto de fatores de risco metabólicos que inclui o aumento da pressão arterial, hiperglicemia, dislipidemia e obesidade abdominal. Quando esses fatores de risco estão presentes em conjunto, a probabilidade de problemas cardiovasculares futuros se torna maior do que com qualquer dos fatores isoladamente.11 Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III) final report. Circulation. 2002;106(25):3143-421.,22 Sposito AC, Caramelli B, Fonseca FA, Bertolami MC, Afiune Neto A, Souza AD, et al. [IV Brazilian Guideline for dyslipidemia and atherosclerosis prevention: Department of Atherosclerosis of Brazilian Society of Cardiology]. Arq Bras Cardiol. 2007;88 Suppl 1:2-19. Estudos anteriores estimam que 40% dos norte-americanos33 Ford ES, Li C, Zhao G. Prevalence and correlates of metabolic syndrome based on a harmonious definition among adults in the US. J Diabetes. 2010;2(3):180-93. e 25% dos europeus44 Martinez MA, Puig JG, Mora M, Aragon R, O'Dogherty P, Anton JL, et al; MAPA (Monitorización Ambulatoria de la Presión Arterial) Working Group. Metabolic syndrome: prevalence, associated factors, and C-reactive protein: the MADRIC (MADrid RIesgo Cardiovascular) Study. Metabolism. 2008;57(9):1232-40. e latino-americanos55 Escobedo J, Schargrodsky H, Champagne B, Silva H, Boissonnet CP, Vinueza R, et al. Prevalence of the metabolic syndrome in Latin America and its association with sub-clinical carotid atherosclerosis: the CARMELA cross sectional study. Cardiovasc Diabetol. 2009;8:52. podem apresentar SM quando atingem a idade de 60 anos. Atualmente, a maioria dos esforços são direcionados à detecção precoce e ao tratamento de indivíduos com SM estabelecida para evitar o desenvolvimento de doença cardiovascular.

Pacientes com SM geralmente apresentam níveis elevados de proteína C reativa de alta sensibilidade (PCRus), um marcador prototípico de inflamação.66 Haffner SM. The metabolic syndrome: inflammation, diabetes mellitus, and cardiovascular disease. Am J Cardiol. 2006;97(2A):3A-11A. Vários estudos têm demonstrado uma clara correlação entre distúrbios metabólicos e aumento nos níveis de PCRus.77 Frohlich M, Imhof A, Berg G, Hutchinson WL, Pepys MB, Boeing H, et al. Association between C-reactive protein and features of the metabolic syndrome: a population-based study. Diabetes Care. 2000;23(12):1835-9.,88 Pickup JC, Mattock MB, Chusney GD, Burt D. NIDDM as a disease of the innate immune system: association of acute-phase reactants and interleukin-6 with metabolic syndrome X. Diabetologia. 1997;40(11):1286-92. Além disso, foi demonstrado que mulheres com riscos cardiometabólicos, ou seja, aquelas com SM, diabetes, ou hipertensão arterial, geralmente apresentam níveis mais elevados de PCRus quando comparadas com homens com doenças relacionadas à SM, sugerindo diferenças associadas ao gênero nos marcadores inflamatórios.99 Rutter MK, Meigs JB, Sullivan LM, D'Agostino RB Sr, Wilson PW. C-reactive protein, the metabolic syndrome, and prediction of cardiovascular events in the Framingham Offspring Study. Circulation. 2004;110(4):380-5. No entanto, não é claro se os níveis séricos de PCRus já estão aumentados em indivíduos com fatores de risco da SM sem doenças pré-estabelecidas ou sob tratamento farmacológico. Além disso, informações sobre os níveis de PCRus em homens e mulheres com fatores de risco da SM são inconclusivas.

Doenças cardiometabólicas parecem ter um efeito cumulativo sobre os níveis séricos de PCRus. Tem sido demonstrado que os níveis de PCRus são mais elevados em pacientes que apresentam simultaneamente SM e diabetes tipo 2 do que naqueles somente com SM.1010 Nakano S, Kuboki K, Matsumoto T, Nishimura C, Yoshino G. Small, dense LDL and high-sensitivity C-reactive protein (hs-CRP) in metabolic syndrome with type 2 diabetes mellitus. J Atheroscler Thromb. 2010;17(4):410-5. No entanto, não se sabe se o número de fatores de risco da SM (dois ou menos, três, ou quatro ou mais fatores) pode influenciar os níveis séricos de PCRus. Considerando estes aspectos em conjunto, este estudo teve o objetivo de determinar os efeitos do número de fatores de risco da SM sobre os níveis séricos de PCRus em mulheres e homens. Nossa hipótese foi de que os níveis séricos de PCRus aumentariam de acordo com o número de fatores de risco da SM em mulheres.

Métodos

Aprovação ética

O protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal Fluminense e esteve em conformidade com as normas estabelecidas pela última revisão da Declaração de Helsinki. Todos os voluntários assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes de participarem do estudo.

Amostra

Os participantes foram recrutados por meio de anúncios na Universidade e em jornais locais. Cento e dezoito indivíduos (70 homens e 48 mulheres) com idade de 36 ± 1 anos foram incluídos. Foram considerados os seguintes fatores de risco da SM:1111 Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, et al; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation. 2009;120(16):1640-5. 1) circunferência da cintura ≥ 90 cm em homens e ≥ 80 em mulheres; 2) níveis séricos de triglicerídeos ≥ 150 mg/dL; 3) níveis séricos de HDL-colesterol < 40 mg/dL em homens e < 50 mg/dL em mulheres; 4) pressão arterial sistólica ≥ 130 mmHg e/ou pressão arterial diastólica ≥ 85 mmHg; 5) glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL. Nós dividimos os indivíduos em quatro grupos de acordo com o número de fatores de risco da SM: grupo saudável (CT; sem fatores de risco), SM ≤ 2 (dois fatores de risco ou menos), SM = 3 (três fatores de risco) e SM ≥ 4 (quatro fatores de risco ou mais). Outros critérios de inclusão foram a ausência dos seguintes fatores: qualquer doença diagnosticada, infecção recente, uso de medicações (exceto contraceptivos), tabagismo, ciclos menstruais irregulares (em mulheres) e sedentarismo (considerado como a falta de engajamento em exercícios com duração ≥ 30 minutos, três vezes por semana, durante os últimos 3 meses).

Medidas

Os participantes compareceram três vezes ao laboratório. Na primeira visita, um médico realizou uma avaliação que incluiu história clínica e eletrocardiografia de repouso (CardioCare 2000 Bionet, Tustin, CA, EUA). Na segunda visita, os pacientes foram submetidos a uma avaliação física. As variáveis antropométricas, como peso e altura, foram medidas com uma balança médica calibrada e com régua antropométrica (Welmy, Santa Bárbara d'Oeste, SP, Brasil). O índice de massa corporal (IMC) foi calculado com o peso (em quilogramas) dividido pelo quadrado da altura (em metros). A circunferência da cintura foi medida no ponto médio entre a crista ilíaca e a última costela (XII). A pressão arterial foi medida duas vezes, em cada braço, em dois dias separados (na primeira e segunda visitas) e com o paciente na posição sentada. Na terceira visita foi realizada coleta de sangue dos participantes.

Análises bioquímicas de sangue e PCRus

O sangue foi coletado da veia cubital anterior pela manhã após um jejum de 12 horas. Colesterol e subfrações [HDL-colesterol, lipoproteína de muita baixa densidade (VLDL) colesterol], bem como triglicerídeos e glicose foram determinados por métodos enzimáticos colorimétricos. Os níveis séricos de PCRus foram determinados pelo método imunoturbidimétrico (Tina-quant® latex, Roche, Basel, Suíça).

Métodos estatísticos

A distribuição dos dados foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. Um tamanho amostral de 110 sujeitos foi necessário para detectar diferenças na concentração de PCR entre os grupos (efeito principal de grupo), considerando-se por ANOVA unifatorial um valor de p de 0,05 e poder de 0,90. ANOVA de dois fatores para amostras repetidas foi também utilizada para comparar a variável PCRus entre os grupos de fatores de risco da SM entre homens e mulheres. Associações dentre PCRus e os componentes individuais da SM foram determinadas por análise de regressão linear múltipla. Os dados estão representados como média ± erro padrão da média (EPM). A significância estatística foi aceita ao nível de 0,05. Todas as análises foram realizadas com o programa Statistica (versão 8, StatSoft Inc., Oklahoma, EUA).

Resultados

A Tabela 1 apresenta as variáveis antropométricas, metabólicas e hemodinâmicas. Os grupos se mostraram pareados para idade e sexo (p > 0,05). A circunferência da cintura, IMC, VLDL-colesterol e triglicerídeos foram significativamente diferentes no grupo CT em comparação aos grupos com fatores de risco da SM. Além disso, os grupos SM = 3 e SM ≥ 4 também apresentaram valores mais elevados de IMC, circunferência da cintura, pressão arterial sistólica e níveis séricos de VLDL-colesterol, triglicerídeos e glicose, assim como níveis séricos mais baixos de HDL-colesterol em comparação ao grupo SM ≤ 2 (p < 0,05).

Tabela 1
Características bioquímicas e hemodinâmicas de Indivíduos saudáveis e Indivíduos com fatores de risco da SM

Os grupos com fatores de risco da SM apresentaram níveis séricos mais elevados de PCRus em comparação ao grupo CT (p ≤ 0,02). No entanto, não houve diferenças nos níveis de PCRus entre os grupos com fatores de risco da SM (Figura 1; p > 0,05). Quando a análise foi ajustada para os valores de IMC, resultados semelhantes foram observados (dados não mostrados).

Figura 1
Distribuição dos níveis séricos de PCRus em função do número de fatores de risco da SM. (*) p < 0,05 versus CT. CT: indivíduos saudáveis; SM: síndrome metabólica.

A análise por regressão multivariada stepwise dos níveis séricos de PCRus e fatores de risco da SM mostrou que a circunferência da cintura e os níveis de HDL-colesterol foram os principais preditores de níveis elevados de PCRus [y = -1,214+0,13 * (circunferência da cintura) + 0,0006 * (HDL-colesterol)] (r = 0,40, p < 0,01).

Em relação a diferenças nos níveis de PCRus associadas ao gênero, nenhuma diferença foi observada entre mulheres e homens no grupo CT (p = 0,84), ao passo que nos grupos com doenças relacionadas à SM, as mulheres apresentaram níveis mais elevados de PCRus quando comparadas aos homens (psexo < 0,01). No entanto, os níveis de PCRus foram também semelhantes dentre os grupos com fatores de risco da SM (p > 0,05) (Figura 2).

Figura 2
Níveis séricos da PCRus em homens e mulheres de acordo com o número de fatores de risco da SM. PCRus: proteína C reativa ultrassensível; CT: indivíduos saudáveis, SM: síndrome metabólica; SM ≤ 2, indivíduos com um ou dois fatores de risco; SM = 3, indivíduos com três fatores de risco; SM ≥ 4, indivíduos com quatro ou cinco fatores de risco.

Discussão

Neste estudo, testamos a hipótese de que os níveis séricos de PCRus aumentariam de acordo com o número de fatores de risco da SM em mulheres. O nosso estudo encontrou três novos achados: 1) Os níveis de PCRus já estão mais elevados em indivíduos com fatores de risco da SM quando comparado com controle, 2) o número de fatores de risco da SM não influenciou os níveis de PCRus e 3) as mulheres com fatores de risco da SM apresentaram valores mais elevados de PCRus quando comparadas com homens com fatores de risco da SM.

Estudos anteriores demonstraram associações entre marcadores inflamatórios e componentes da SM.1212 Vu JD, Vu JB, Pio JR, Malik S, Franklin SS, Chen RS, et al. Impact of C-reactive protein on the likelihood of peripheral arterial disease in United States adults with the metabolic syndrome, diabetes mellitus, and preexisting cardiovascular disease. Am J Cardiol. 2005;96(5):655-8.,1313 Bahia L, Aguiar L, Villela N, Bottino D, Godoy-Matos A, Geloneze B. Relationship between adipokines, inflammation, and vascular reactivity in lean controls and obese subjects with metabolic syndrome. Clinics (Sao Paulo). 2006;61(5):433-40. Os níveis de PCR em indivíduos com SM também foram relatados como sendo quatro vezes maior do que em indivíduos saudáveis.1212 Vu JD, Vu JB, Pio JR, Malik S, Franklin SS, Chen RS, et al. Impact of C-reactive protein on the likelihood of peripheral arterial disease in United States adults with the metabolic syndrome, diabetes mellitus, and preexisting cardiovascular disease. Am J Cardiol. 2005;96(5):655-8. Nosso estudo demonstrou que indivíduos com fatores de risco da SM mesmo sem doenças preexistentes ou em tratamento farmacológico já apresentam alterações precoces nos níveis de PCRus. Considerados em conjunto, estes dados sugerem que os fatores de risco da SM podem estar associados com um baixo grau de inflamação sistêmica.

Não encontramos diferenças nos níveis de PCRus entre os grupos com fatores de risco da SM. Em contrapartida, outros estudos demonstraram que os níveis de PCR estão positivamente associados com o número de componentes da SM.77 Frohlich M, Imhof A, Berg G, Hutchinson WL, Pepys MB, Boeing H, et al. Association between C-reactive protein and features of the metabolic syndrome: a population-based study. Diabetes Care. 2000;23(12):1835-9.,1414 Yang T, Chu CH, Hsieh PC, Hsu CH, Chou YC, Yang SH, et al. C-reactive protein concentration as a significant correlate for metabolic syndrome: a Chinese population-based study. Endocrine. 2013;43(2):351-9. Esses estudos também demonstraram um aumento gradual nos níveis de PCR com o número de componentes da SM. É importante observar que os indivíduos nesses outros estudos apresentavam doenças cardiometabólicas evidentes e/ou estavam em uso regular de medicações. Assim, o aumento dos níveis séricos de PCR pode ter sido associado com o número de doenças cardiometabólicas.

A circunferência da cintura e os níveis de HDL-colesterol foram os melhores preditores para explicar o aumento da PCRus em indivíduos com fatores de risco da SM. Nakamura et al. mostraram que entre os componentes da SM, a circunferência da cintura é o principal determinante do aumento das concentrações de PCR.1515 Nakamura H, Ito H, Egami Y, Kaji Y, Maruyama T, Koike G, et al. Waist circumference is the main determinant of elevated C-reactive protein in metabolic syndrome. Diabetes Res Clin Pract. 2008;79(2):330-6. Vários estudos têm relatado uma relação inversa entre os níveis de HDL-colesterol e de PCR em indivíduos saudáveis e sujeitos com SM, sugerindo que baixos níveis de HDL-colesterol podem favorecer o processo inflamatório.1616 Garcia-Lorda P, Bulló M, Balanzà R, Salas-Salvadó J. C-reactive protein, adiposity and cardiovascular risk factors in a Mediterranean population. Int J Obes (Lond). 2006;30(3):468-74.,1717 Huang J, Parish R, Mansi I, Yu H, Kennen EM, Davis T, et al. Non-high-density lipoprotein cholesterol in patients with metabolic syndrome. J Investig Med. 2008;56(7):931-6.

Em um estudo anterior, nosso grupo demonstrou que indivíduos com SM, sem doenças ou sob tratamento farmacológico, já apresentam uma disfunção endotelial precoce, demonstrada por um atraso no tempo para atingir o pico de diâmetro e nível elevados de sE-selectina.1818 Fernandes IA, Sales AR, Rocha NG, Silva BM, Vianna LC, da Nobrega AC. Preserved flow-mediated dilation but delayed time-to-peak diameter in individuals with metabolic syndrome. Clin Physiol Funct Imaging. 2014;34(4):270-6. A disfunção endotelial parece estimular a secreção inapropriada de adipocinas proinflamatórias e anti-inflamatórias em indivíduos com SM1919 Clement K, Viguerie N, Poitou C, Carette C, Pelloux V, Curat CA, et al. Weight loss regulates inflammation-related genes in white adipose tissue of obese subjects. FASEB J. 2004;18(14):1657-69. e pode levar a um estado inflamatório sistêmico que ativa genes que codificam a PCR e outros agentes na fase aguda.

A respeito das diferenças nos níveis de PCRus associadas ao gênero em grupos com fatores de risco da SM, as mulheres apresentaram níveis mais altos de PCRus em comparação aos homens. Han et al. também demonstraram que os níveis de PCR predizem o desenvolvimento de SM em mulheres, mas não em homens.2020 Han TS, Sattar N, Williams K, Gonzalez-Villalpando C, Lean ME, Haffner SM. Prospective study of C-reactive protein in relation to the development of diabetes and metabolic syndrome in the Mexico City Diabetes Study. Diabetes Care. 2002;25(11):2016-21. As diferenças sexuais observadas nestes estudos poderiam ser explicadas pela síntese endógena de estrogênio, um hormônio que pode desempenhar um papel no processo inflamatório em mulheres. Uma explicação alternativa seria a de que as mulheres podem ter uma maior quantidade de tecido adiposo corporal total em comparação aos homens, o que poderia ser uma fonte de citocinas proinflamatórias.2020 Han TS, Sattar N, Williams K, Gonzalez-Villalpando C, Lean ME, Haffner SM. Prospective study of C-reactive protein in relation to the development of diabetes and metabolic syndrome in the Mexico City Diabetes Study. Diabetes Care. 2002;25(11):2016-21.

Não podemos deixar de mencionar uma limitação do nosso estudo. Os valores do IMC foram diferentes entre o grupo CT e os grupos com fatores de risco da SM (≤ 2, SM = 3 e SM ≥ 4). Este achado é importante, pois sabe-se que a obesidade por si só induz uma resposta inflamatória e aumenta os níveis séricos da PCRus.1313 Bahia L, Aguiar L, Villela N, Bottino D, Godoy-Matos A, Geloneze B. Relationship between adipokines, inflammation, and vascular reactivity in lean controls and obese subjects with metabolic syndrome. Clinics (Sao Paulo). 2006;61(5):433-40. No entanto, nós obtivemos resultados semelhantes quando realizamos uma análise ajustada para o IMC.

Conclusão

Apesar da ausência de doenças pré-estabelecidas e tratamentos farmacológicos, indivíduos com fatores de risco da SM apresentaram níveis de PCRus mais elevados quando comparados a indivíduos saudáveis. A circunferência da cintura e o HDL-colesterol foram identificados como preditores independentes do aumento dos níveis séricos de PCRus em indivíduos com fatores de risco da SM. Além disso, as mulheres com fatores de risco da SM apresentaram níveis de PCRus mais elevados do que os homens na mesma condição.

Estes resultados indicam que um processo inflamatório subclínico e inespecífico já está presente nas fases iniciais da história natural da SM por meio da presença de níveis elevados de PCRus. A determinação desta proteína de fase inflamatória aguda pode ajudar a determinar o risco cardiovascular de um indivíduo e implementar estratégias efetivas de prevenção para evitar o desenvolvimento de doenças cardiometabólicas, principalmente em mulheres.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo foi financiado pela CAPES, CNPq, FAPERJ e FINEP.
  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte da monografia de Vinicius Pacheco Garcia pela Universidade Federal Fluminense.

Agradecimentos

Os autores agradecem o tempo e o esforço dedicado por todos os voluntários neste estudo. Também gostaríamos de agradecer as pessoas que trabalham no Laboratório de Ciências do Exercício.

References

  • 1
    Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III) final report. Circulation. 2002;106(25):3143-421.
  • 2
    Sposito AC, Caramelli B, Fonseca FA, Bertolami MC, Afiune Neto A, Souza AD, et al. [IV Brazilian Guideline for dyslipidemia and atherosclerosis prevention: Department of Atherosclerosis of Brazilian Society of Cardiology]. Arq Bras Cardiol. 2007;88 Suppl 1:2-19.
  • 3
    Ford ES, Li C, Zhao G. Prevalence and correlates of metabolic syndrome based on a harmonious definition among adults in the US. J Diabetes. 2010;2(3):180-93.
  • 4
    Martinez MA, Puig JG, Mora M, Aragon R, O'Dogherty P, Anton JL, et al; MAPA (Monitorización Ambulatoria de la Presión Arterial) Working Group. Metabolic syndrome: prevalence, associated factors, and C-reactive protein: the MADRIC (MADrid RIesgo Cardiovascular) Study. Metabolism. 2008;57(9):1232-40.
  • 5
    Escobedo J, Schargrodsky H, Champagne B, Silva H, Boissonnet CP, Vinueza R, et al. Prevalence of the metabolic syndrome in Latin America and its association with sub-clinical carotid atherosclerosis: the CARMELA cross sectional study. Cardiovasc Diabetol. 2009;8:52.
  • 6
    Haffner SM. The metabolic syndrome: inflammation, diabetes mellitus, and cardiovascular disease. Am J Cardiol. 2006;97(2A):3A-11A.
  • 7
    Frohlich M, Imhof A, Berg G, Hutchinson WL, Pepys MB, Boeing H, et al. Association between C-reactive protein and features of the metabolic syndrome: a population-based study. Diabetes Care. 2000;23(12):1835-9.
  • 8
    Pickup JC, Mattock MB, Chusney GD, Burt D. NIDDM as a disease of the innate immune system: association of acute-phase reactants and interleukin-6 with metabolic syndrome X. Diabetologia. 1997;40(11):1286-92.
  • 9
    Rutter MK, Meigs JB, Sullivan LM, D'Agostino RB Sr, Wilson PW. C-reactive protein, the metabolic syndrome, and prediction of cardiovascular events in the Framingham Offspring Study. Circulation. 2004;110(4):380-5.
  • 10
    Nakano S, Kuboki K, Matsumoto T, Nishimura C, Yoshino G. Small, dense LDL and high-sensitivity C-reactive protein (hs-CRP) in metabolic syndrome with type 2 diabetes mellitus. J Atheroscler Thromb. 2010;17(4):410-5.
  • 11
    Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, et al; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation. 2009;120(16):1640-5.
  • 12
    Vu JD, Vu JB, Pio JR, Malik S, Franklin SS, Chen RS, et al. Impact of C-reactive protein on the likelihood of peripheral arterial disease in United States adults with the metabolic syndrome, diabetes mellitus, and preexisting cardiovascular disease. Am J Cardiol. 2005;96(5):655-8.
  • 13
    Bahia L, Aguiar L, Villela N, Bottino D, Godoy-Matos A, Geloneze B. Relationship between adipokines, inflammation, and vascular reactivity in lean controls and obese subjects with metabolic syndrome. Clinics (Sao Paulo). 2006;61(5):433-40.
  • 14
    Yang T, Chu CH, Hsieh PC, Hsu CH, Chou YC, Yang SH, et al. C-reactive protein concentration as a significant correlate for metabolic syndrome: a Chinese population-based study. Endocrine. 2013;43(2):351-9.
  • 15
    Nakamura H, Ito H, Egami Y, Kaji Y, Maruyama T, Koike G, et al. Waist circumference is the main determinant of elevated C-reactive protein in metabolic syndrome. Diabetes Res Clin Pract. 2008;79(2):330-6.
  • 16
    Garcia-Lorda P, Bulló M, Balanzà R, Salas-Salvadó J. C-reactive protein, adiposity and cardiovascular risk factors in a Mediterranean population. Int J Obes (Lond). 2006;30(3):468-74.
  • 17
    Huang J, Parish R, Mansi I, Yu H, Kennen EM, Davis T, et al. Non-high-density lipoprotein cholesterol in patients with metabolic syndrome. J Investig Med. 2008;56(7):931-6.
  • 18
    Fernandes IA, Sales AR, Rocha NG, Silva BM, Vianna LC, da Nobrega AC. Preserved flow-mediated dilation but delayed time-to-peak diameter in individuals with metabolic syndrome. Clin Physiol Funct Imaging. 2014;34(4):270-6.
  • 19
    Clement K, Viguerie N, Poitou C, Carette C, Pelloux V, Curat CA, et al. Weight loss regulates inflammation-related genes in white adipose tissue of obese subjects. FASEB J. 2004;18(14):1657-69.
  • 20
    Han TS, Sattar N, Williams K, Gonzalez-Villalpando C, Lean ME, Haffner SM. Prospective study of C-reactive protein in relation to the development of diabetes and metabolic syndrome in the Mexico City Diabetes Study. Diabetes Care. 2002;25(11):2016-21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2015
  • Revisado
    05 Nov 2015
  • Aceito
    05 Nov 2015
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br