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Bárbaro, inimigo, amigo: o estrangeiro entre construção política e narrativa de testemunho* Anna Basevi: Pós-Doutoranda em Literatura comparada, UERJ, com bolsa FAPERJ-nota10; Doutora em Letras Neolatinas (UFRJ, 2017); Mestre em Letras Neolatinas (2012, UFRJ); Graduação em Línguas e Literaturas estrangeiras na Universidade La Sapienza de Roma (1993). * Apoio: FAPERJ

Barbarian, enemy, friend: the foreigner between political construction and witness literature

Resumo

Na leitura de Primo Levi, a temática do estrangeiro traz à luz a polarização, entre hostilidade e troca. O entrelaçamento entre barbárie, totalitarismo e antissemitismo se sobressai em diversos textos, permitindo um diálogo com pensadores como Arendt, Todorov e Bauman. O escritor parte da premissa iluminista de uma barbárie originária que só a razão poderia conter numa evolução humana linear. Contudo, em muitas narrativas, Levi representa o encontro com os estrangeiros, ou sua própria condição de estrangeiro em Auschwitz, sob o signo oposto a qualquer conflito. A percepção do estrangeiro, portanto, oscila entre dois polos que Paul Ricoeur identifica como simpatia e luta, mas afinal o embate com estranhos, mesmo quando problemático, desenvolve-se em episódios onde prevalece a ideia de hospitalidade (Derrida) como motor dos relacionamentos humanos. Contradizendo uma visão positivista, a percepção do inimigo e as divisões étnico-religiosas configuram-se sobretudo como uma construção política arbitrária da nossa “civilização”.

Palavras-chave
bárbaro; estrangeiro; Literatura; Primo Levi

Abstract

In the reading of Primo Levi, the theme of the foreigner presents the polarization between hostility and exchange. The intertwining of barbarism, totalitarianism and anti-Semitism stands out in several texts, allowing a dialogue with intellectuals such as Arendt, Todorov and Bauman. The writer starts from the Enlightenment premise of an original barbarity that only reason could contain in a linear human evolution. However, in many narratives, Levi represents the encounter with the foreigners, or his own condition of foreigner in Auschwitz, in opposition to any conflict. The perception of the foreigner, therefore, oscillates between two poles that Paul Ricoeur identifies as sympathy and struggle, but after all the clash with strangers, even when problematic, develops in episodes where the idea of ​​hospitality (Derrida) as a model of human relationships prevails. Contrary to a positivist view, the enemy's perception and ethnic-religious divisions are mainly shaped as a political construction internal to our "civilization."

Keywords
Barbarian; foreigner; literature; Primo Levi

Abstract

Nella lettura di Primo Levi, il tema dello straniero mette in luce la polarizzazione tra ostilità e scambio. L´intreccio tra barbarie, totalitarismo e antisemitismo affiora in numerosi testi, permettendo un dialogo con pensatori quali Arendt, Todorov e Bauman. Lo scrittore parte da una premessa illuminista di una barbarie originaria che solo la ragione può contenere, in una evoluzione umana lineare. Tuttavia, in numerosi racconti, Levi rappresenta l´incontro con stranieri, o la sua stessa condizione di straniero ad Auschwitz, sotto il segno opposto a qualsiasi conflittualità. La percezione dello straniero, dunque, oscilla tra i due poli che Paul Ricoeur identifica come simpatia e lotta, ma alla fine il confrontarsi con estranei, pur laddove si presenti problematico, si sviluppa in episodi in cui prevale l´idea di ospitalità (Derrida), come motore delle relazioni umane. Smentendo una visione postivista, la percezione del nemico e le divisioni etnico-religiose si configurano soprattutto come una costruzione politica arbitraria interna alla nostra “civiltà”.

Parole-chiave
Barbaro; Straniero; Letteratura; Primo Levi

Desde seus primeiros passos literários, o escritor testemunha Primo Levi (Turim, 1919-1987) mostra-se atraído pelo campo semântico do termo “bárbaro”, expressão recorrente para indicar “um balbuciar primitivo e indistinto, um bar-bar animalesco” (LEVI, 2005LEVI, Primo. 71 contos de Primo Levi. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p.438, trad.nossa)1 1 “Un barbugliare rozzo e indistinto, un bar-bar animalesco”. Na tradução brasileira bar-bar é traduzido com “blábláblá”, perdendo a referência culta da etimologia de “bárbaro” (LEVI, Primo. A tabela periódica. Trad. Luis Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p.87). , aquela onomatopeia que remonta ao conhecido βάρβαρος grego do qual muitos autores trataram e, em seguida, traduzida no latim barbarus, mas inicialmente referente à simples diferenciação linguística atribuída pelos gregos aos persas (BENVENISTE, 1969BENVENISTE, Émile. Le vocabulaire des institutions indo-européennes, vol.1. Paris: Les éditions de minuit, 1969., p.335-373). A partir do desenvolvimento observado por Émile Benveniste da palavra grega xenos transformada nos termos latins, duplicados e opostos, hospes e hostis, os deslizamentos semânticos de conceitos significativos para o pensamento crítico ensejaram reflexões filosóficas atraídas por essa duplicidade irredutível e pelas diferentes facetas do estrangeiro. Sob as leis de Zeus, o estrangeiro é protegido pela xenia, o tratamento benévolo determinado pela possibilidade de um forasteiro ser na realidade um deus disfarçado. É o que expressa Eumeo diante de Ulisses transformado em mendigo: “Não é do meu feitio menosprezar um hóspede, mesmo se o seu quinhão for bem menor que o teu, pois estrangeiro e pobre, Zeus os manda” (HOMERO, 2013HOMERO, -. Odisseia. Trad. Trajano Vieira. S.Paulo: Editora 34, 2013., pp.236-7). Umberto Curi (2010CURI, Umberto. Straniero. Milano: Raffaello Cortina Editore, 2010., pp.55-85) parte dessa citação e repercorre a ambivalência polissêmica do termo xenos, pelo qual o estrangeiro aos poucos assume os contornos de uma espécie alheia de homens, e o βάρβαρος, superando a simples diferenciação de idiomas, termina por denunciar uma ameaça. Similarmente, o termo hostis passara já na Antiguidade do significado de “estrangeiro” que precisa restituir uma doação e trocar os dons ao significado de inimigo que chega, de arma na mão, até produzir os derivados ligados à hostilidade (BENVENISTE, 1969BENVENISTE, Émile. Le vocabulaire des institutions indo-européennes, vol.1. Paris: Les éditions de minuit, 1969., passim). O estrangeiro, portanto, é quem é hospedado e também é o inimigo.

Bárbaro, inimigo, estranho em Primo Levi

O tema da divisão linguística ou da diferença de costumes desenvolve-se frequentemente, ao longo da narrativa de Levi, em histórias de fantasia e sobre povos imaginários, mas a maioria dos encontros entre “bárbaros” de idiomas diferentes ocorre, porém, nos contos e romances de viagem. Todavia, no princípio está outra barbárie.

Se seguirmos a cronologia editorial, o tema do estrangeiro aparece em seu primeiro livro, Se questo è un uomo (É isto um homem?), testemunho escrito em 1947. Na segunda e mais afortunada edição de 1958, o escritor acrescenta um Prefácio onde propõe a seguinte premissa:

Muitos, pessoas ou povos, podem chegar a pensar, conscientemente ou não, que “cada estrangeiro é um inimigo”. Em geral, essa convicção jaz no fundo das almas como uma infecção latente; manifesta-se apenas em ações esporádicas e não coordenadas; não fica na origem de um sistema de pensamento. Quando isso acontece, porém, quando o dogma não enunciado se torna premissa maior de um silogismo, então, como último elo da corrente, está o Campo de Extermínio (LEVI, 1988LEVI, Primo. É isto um homem?.Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988., p.7).

Por consequência, a associação estrangeiro-inimigo inaugura a obra de Levi, na descrição de uma condição extrema, de exceção, cujo germe, porém, deve ser identificado nas mentalidades escondidas ou toleradas em tempos mais ordinários. Levi insistirá frequentemente - como implícita herança da intuição arendtiana da banalidade do mal - que os “técnicos do extermínio” (LEVI, 1997LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., 2, p.1287, trad nossa)2 2 A definição de Levi é relativa ao comandante Höss - “il miglior tecnico della strage” - em “Prefazione a R.Höss, Comandante ad Auschwitz”, onde o autor volta a focalizar o comportamento que funciona como alicerce da eliminação de outros seres humanos em certos contextos: a obediência. A tradução nossa de textos é indicada na primeira citação, mas fica implícita nas citações a seguir para o mesmo texto. e os “bárbaros da suástica” (LEVI, 1997LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., p.1187)3 3 Quando não indicado, esta referência bibliográfica refere-se ao vol.1. pertencem à mesma espécie das vítimas e não se há de imaginá-los como acidentes monstruosos e anacrônicos do percurso humano embora sejam “a tipologia humana mais perigosa deste século”: sem indivíduos como Eichmann, Höss ou Kesserling, sem “os outros milhares de cegos e fiéis executores das ordens, as grandes feras, Hitler, Himmler, Goebbels, seriam impotentes e desarmadas” (LEVI, 1997LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., 2, p.924).

Em um ensaio de L´altrui mestiere (O ofício alheio), o escritor volta ao conceito do bárbaro, afirmando que, “para muitos, o estrangeiro por definição é quem fala outra língua, o ‘estranho’, o ‘alheio’, o diferente de mim, e o diferente é um potencial inimigo, ou pelo menos um bárbaro, isto é, etimologicamente, um gago, alguém que não sabe falar, um quase-não-homem” (LEVI, 1998LEVI, Primo. L´altrui mestiere. Torino: Einaudi, 1998., p.109, trad.nossa). A ideia de negação na expressão “un quasi-non-uomo” sugere o banimento da humanidade, uma clandestinidade existencial, experimentada de fato em primeira pessoa por Levi, tanto com as leis fascistas sobre a “raça” em 19384 4 Entre setembro e novembro de 1938 foram promulgadas as leis contra a chamada “raça judaica” que visavam excluir das escolas, das instituições e da vida social os italianos e estrangeiros de religião, tradição cultural ou apenas origem judaica. , quanto em Auschwitz. Desta forma, o sentido literal de “bárbaro” (quem fala uma língua estrangeira), e definido por Tzvetan Todorov (2009TODOROV, Tzvetan. La paura dei barbari. Oltre lo scontro di civiltà. Milano: Garzanti, 2009. , p.31) significado “relativo”, se estende ao que o pensador chamou de bárbaro “absoluto”, isto é o outro-a-ser-eliminado. Com efeito, diante do deslizamento semântico, “barbárie” torna-se para Todorov (Ibid.TODOROV, Tzvetan. La paura dei barbari. Oltre lo scontro di civiltà. Milano: Garzanti, 2009. , p.34) uma categoria de importância fundamental, vinculada aos atos de discriminação e aniquilação, e “bárbaro” um adjetivo que não identifica uma tipologia humana, mas atos: são bárbaros os comportamentos de quem não reconhece a plena humanidade dos outros (o contrário caracteriza o adjetivo “civilizado”). Por este viés, Todorov une-se aos pensadores convencidos de que as ações desumanas são coisas humanas estando, entre estas, a implacável máquina de extermínio nazista, embora suscite perplexidades e estarrecimento. O próprio Levi transita constantemente entre reações de surpresa diante de um mundo revirado, louco e incompreensível (segundo suas recorrentes definições) e análises pontuais dos mecanismos hierárquicos do Lager, conduzidas com aquele enfoque etno-antropológico, elogiado até por Claude Lévi-Strauss5 5 A propósito de A chave estrela, Lévi-Strauss comentou: “Eu o li com extremo prazer porque não há nada que eu ame mais do que escutar os discursos sobre trabalho. Sob esse perfil, Primo Levi é uma espécie de grande etnógrafo” (LEVI, 1997, 2 , p.1588). . O antropólogo francês6 6 Em 1983-1984, Levi traduziu La voie des masques e Le regard éloigné de C.Lévi-Strauss, em colaboração com a irmã Anna Maria. ainda serve de inspiração ao breve ensaio de 1979, “L´intolleranza razziale” (LEVI, 1997LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., p.1293). O texto aborda os atritos entre raças e a aversão contra alguns povos, utilizando exemplos históricos e zoológicos até delinear a natureza pré-humana do fenômeno - e dando-lhe assim um caráter quase congênito. O “obscuro instinto que leva os homens a se reconhecerem diferentes uns dos outros possui raízes muito antigas” (Ibidem), e outras civilizações foram profundamente “infectadas” pela pulsão contra o diferente (Ibid.LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., p.1296). Mais do que isso, a intolerância racial teria origens pré-históricas e até “pré-humanas”, parecendo, portanto, “incorporada em certos instintos primordiais” de muitas espécies (Ibid.LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., p.1299). Sua propagação se daria como uma “infecção” e o antídoto contra a manifestação dessa patologia latente provêm, segundo Levi, do acionamento das faculdades racionais. De fato, Levi segue um raciocínio darwiniano e se atém a posicionamentos de iluminista confiança na razão. Seguindo a mesma linearidade, indo de um mundo “selvagem” a uma civilização “evoluída”, Julia Kristeva (2007KRISTEVA, Julia. Étrangers à nous-memes. Gallimard, 2007., p.11) inicia seu Étrangers à nous-mêmes, distinguindo de maneira esquemática “l´étranger qui fut l´ennemi dans les sociétés primitives” (“o estrangeiro que foi o inimigo nas sociedades primitivas”) e aquele supostamente mais complexo das sociedades modernas, onde aflora porém uma nova perspectiva: não mais se esforçar em integrar, isto é, anular as diferenças dos estrangeiros, mas conviver todos como estrangeiros, reconhecendo esse estatuto intrínseco em cada um. Por outro lado, a partir de Auschwitz, o nexo estreito entre modernidade e barbárie despontou entre os intelectuais, de Adorno e Horkheimer (como final do percurso da Aufklärung), a Hannah Arendt, até Zygmunt Bauman, e se juntou aos questionamentos pós-modernos, à superação das certezas metafísicas e da linearidade do progresso, à necessidade de um desencantamento face à história ocidental. A cesura provocada pela experiência de Auschwitz coloca em cheque a idealização da civilização ocidental e atesta a importância da afirmação benjaminiana: “Nunca houve um monumento de cultura que não fosse também um monumento de barbárie” (BENJAMIN, 2011BENJAMIN, Walter. “Teses sobre o conceito de história”. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 2011, p.255).

Distante das elaborações filosóficas, Levi cultiva seu talento de observador empírico, e sua narrativa compõe um grande afresco de uma barbárie totalmente moderna; ele se se empenhará constantemente em conciliar o evento trágico, que parece redefinir os significados de civilização, com a visão de progresso, atento a não cair na tentação de tornar a Shoá uma terrível exceção, colocada “fora” da História.

Evidentemente encontramos a associação estrangeiro-inimigo em muitos textos de contextualização histórica, como no artigo “Il faraone con la svastica” (O faraó com a suástica), onde se comentam as políticas fascistas e nazistas relativas aos judeus, definidos “estrangeiros”: “não passava dia sem que os jornais e as revistas nos definissem estranhos à tradição do País, diferentes, nocivos, abjetos, inimigos” (LEVI, 1997LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., p.1190). O discurso sobre o totalitarismo vem sendo delineado através da criação de uma “estrangeiridade” inimiga. De fato, já no estudo de Arendt, Origens do totalitarismo, a estrutura do totalitarismo explicava o antissemitismo como elemento necessário à sua construção, assim como para Todorov (2009TODOROV, Tzvetan. La paura dei barbari. Oltre lo scontro di civiltà. Milano: Garzanti, 2009. , p.139) o conceito de estrangeiro-inimigo é produto do pensamento totalitário, o qual impõe o léxico da guerra a esferas internas de uma sociedade sem admitir posições intermediárias: quem for assim classificado é percebido sendo um adversário que seria legítimo exterminar. Levi descreve como o nazismo colocou rapidamente em prática seu projeto:

O nacional-socialismo, fortalecido pela experiência italiana, nutrido de antigos fermentos barbáricos, e catalisado na personalidade de Adolf Hitler, priorizou a violência desde o início, redescobriu no campo de concentração - velha instituição escravocrata - um instrumentum regni, munido do potencial terrorístico desejado, e prosseguiu por esse caminho com incrível rapidez e coerência (LEVI, 1997LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., p.1191).

Em É isto um homem?, a definição do nazismo como nova “barbárie” é explícita desde as primeiras páginas, tornando-se barbárie por antonomásia, encarnada pelos oficiais SS que gritam na plataforma, primeiro sinal do mundo infernal: “O desfecho chegou de repente. A porta foi aberta com fragor, a escuridão retumbou com ordens estrangeiras e com esses bárbaros latidos dos alemães quando mandam, parecendo querer libertar-se de uma ira secular” (LEVI, 1988LEVI, Primo. É isto um homem?.Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988., p.17). A imagem sobrepõe-se às demoníacas figuras dantescas e a raiva “vecchia di secoli” evoca a ligação através do tempo com a medieval Divina Comédia7 7 A citação dantesca explícita (“dar vento”), porém, perde-se na tradução (“libertar-se”). , como se os nazistas fossem guardiões dos círculos infernais.

Retomando o fio que nos conduz à questão da hostilidade, esta não se limita ao plano vertical entre dominadores e oprimidos. Quando o se estrangeiro apresenta como invasor e opressor, a tensão entre os dominados é inevitável:

constatamos, porém, que, em nossos dias, em todos os países nos quais um povo estrangeiro fincou pé como invasor, sempre se estabeleceu análoga situação de rivalidade e ódio entre os oprimidos, e isso (como muitos outros fatos humanos) ficou claro no Campo de Concentração, com especial, cruel evidência (LEVI, 1988LEVI, Primo. É isto um homem?.Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988., pp.92-93).

A suspensão do direito, característica do poder absoluto, como mostra tanto o testemunho de Levi quanto a reflexão de Agamben (2004LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes. Trad. Luis Sérgio Henriques. São Paulo: Paz e terra, 2004. , p.63), se abate em cima de uma categoria de indivíduos que aquele mesmo poder julga como o imperador romano ou o senado julgava: um hostis, inimigo público, espoliado em qualquer momento de seus bens e condenado à morte. Uma planejada e prolongada propaganda na construção do “inimigo” interno ou externo é necessária para que as populações ajam movidas pela convicção de uma fronteira entre “nós” e “eles”. Desta forma, o discurso do ódio consegue alavancar conflitos e agressões contra o alvo predisposto.

Atrelado ao medo é o perfil do antissemita traçado por Jean Paul Sartre (1964SARTRE, Jean Paul. L´antisemitismo. Milano: edizioni di Comunità, 1964 , pp.7-29) em 1947: medo de descobrir que, num mundo mal feito, a ele cabe parte da responsabilidade de melhoria, medo de se descobrir dono de seu destino, da liberdade, da consciência, medo de tudo, menos dos judeus. A conclusão do raciocínio de Sartre estabelece a equivalência entre antissemitismo e desamparo face à condição humana. Não se trata de uma justificativa, pois a responsabilidade individual pode identificar o engano da pretensão maniqueísta de explicar a história segundo o conflito sem acordos possíveis entre os princípios do Bem e do Mal, onde um deve triunfar e outro ser aniquilado. De modo similar, Adorno e Horkheimer consideram o antissemitismo a característica de uma mentalidade que aceita todas as etiquetas e se lança contra todas as diferenças (TRAVERSO, 2004TRAVERSO, Enzo. Auschwitz e gli intellettuali. Bologna: Il Mulino , 2004., p.124). Em suma, o sujeito antissemita seria igualmente “anti-qualquer outro” se os judeus não existissem.

Ao retomar a ideia de que o judeu existe para o antissemita, sendo uma sua criação, como sugeria Sartre relativamente à Europa ocidental (onde diferentemente da condição de forte discriminação nos países eslavos, os judeus já eram assimilados às respectivas nações), focaliza-se um fenômeno das sociedades humanas: este consiste em forjar categorias antagônicas abstratas - só em parte baseadas em algo concreto - a partir das quais incluir e excluir, onde a atestação de um pertencimento, quando muito fraco, precisa ser reforçada contra alguém. Como confirma Alain Badiou ao descrever o mecanismo da construção do inimigo:

Quando uma realidade não é embasada, ela existe apenas na destruição de outra coisa, uma tautologia racial pode existir só na guerra. O nazismo queria um reino milenar dos Arianos. Mas os Arianos não existem. É a tautologia do discurso nazista: o Ariano é o Ariano. Por isso, a única realidade do projeto nazista era a aniquilação do que não era ariano. Os judeus em primeiro lugar, evidentemente, mas também os ciganos e os eslavos. A política nazista, como política racial, é na realidade uma política da guerra infinita (BADIOU, 2011BADIOU, Alain. “Intervista a ‘Haaretz’” . Em PEZZELLA, Mario (org.) Il volto dell´altro. Intellettuali ebrei e cultura europea del Novecento. Macerata: Quodlibet, 2011. pp.56-7, trad. nossa).

Numa linha próxima, Levi filtra sua experiência direta e as informações que continuou recolhendo ao longo dos anos para oferecer suas sínteses:

O nazismo, como todo poder absoluto, precisava de um antipoder, de um anti-Estado, sobre o qual descarregar as culpas de todas as desgraças, presentes e passadas, verdadeiras ou supostas, sofridas pelos alemães; os judeus, indefesos e percebidos como “outros” por muitos, eram o anti-Estado ideal, o foco onde podia convergir a exaltação nacionalista e maniqueísta que a propaganda nazista mantinha no país. [...] os judeus são [...] uma tenebrosa potência universal, a encarnação de Satanás (LEVI, 1997LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., p.1244).

O laço estreito e peculiar entre história católica e hebraica aponta para a especificidade dos judeus, por eles constituírem um aspecto da própria identidade cristã, porém rotulados historicamente como alheios, úteis ao poder ou inimigos, dependendo dos períodos. Bauman enfatiza esse ponto e acrescenta:

O conceito de “judeu” é o campo de batalha onde foi travada a interminável luta da Igreja pela sua identidade [...] “Judeu” era um conceito sobrecarregado do ponto de vista semântico, no qual confluíam e se mesclavam significados que deveriam ter permanecido separados; por essa razão, constituía um alvo natural de todas as forças empenhadas em traçar fronteiras e em mantê-las impermeáveis (BAUMAN, 2010BAUMAN, Zygmunt. Modernità e Olocausto. Bologna: Il Mulino, 2010., p.65, trad. nossa).

Nas palavras do sociólogo, trata-se de um conceito historicamente moldado, representativo de todas as “viscosidades” do mundo ocidental, ao mesmo tempo portador de uma vulnerabilidade extrema e única. O antissemitismo assegurou uma autodefinição de identidades étnicas ou nacionais, graças à sua função demarcatória e à sua característica de extratemporalidade e extraterritorialidade. Além disso, segue Bauman (2010BAUMAN, Zygmunt. Modernità e Olocausto. Bologna: Il Mulino, 2010., pp.67-68), adapta-se bem a muitas problemáticas locais justamente por não estar estritamente conectado com nenhuma dela: o judeu será simbolicamente o apátrida para os nacionalistas, o estrangeiro para os outros cidadãos; o rico explorador para os pobres, o bolchevique para os conservadores; ao mesmo tempo, passivamente resignado e capaz de armar um complô militarista; enfim antagonista odiado por todos. Se muitos grupos foram discriminados ou contestados por ser “massa” ou “elite”, os judeus o foram pelas duas razões sobrepostas.

Esse caráter emblemático da condição do judeu alimenta a conclusão de uma personagem de Levi que dialoga com Mendel, o protagonista de Se não agora, quando?. Enquanto este se põe a rezar frente à cena de combatentes russos, poloneses e alemães mortos, o companheiro pergunta-lhe: “- Está rezando, judeu? -”. E aqui o narrador comenta: “mas na boca de Edek a palavra judeu não tinha veneno. Por quê? Porque cada um é o judeu de alguém, porque os poloneses são os judeus de alemães e russos” (LEVI, 1999LEVI, Primo. Se naõ agora, quando? Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1999., p.187).

Diferente do estrangeiro de outra nacionalidade, a presença do judeu estabelece uma nova fronteira, a de um inimigo interno que marca “a mais fundamental das diferenças: entre ‘nós’ e ‘eles’” (Ibidem), um caráter sobrenacional alternadamente apreciado ou percebido como ameaçador, e, neste caso, principalmente quando “o mundo, saturado de nações e estados nacionais, tinha pavor da ausência de caráteres nacionais. Os judeus colocavam-se nesta ausência: eram este vazio” (Ibid.LEVI, Primo. Se naõ agora, quando? Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1999., p.82). Constituindo “a opacidade de um mundo que lutava pela transparência, a ambiguidade de um mundo que ansiava pela certeza”, os judeus “encontraram-se no fogo cruzado de todas as barricadas e serviram de alvo para as balas de ambas as partes” (Ibid.LEVI, Primo. Se naõ agora, quando? Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1999., p.85). Bauman ainda ressalta o fato de o conceito de “judeu” ter sido de fato construído como “arquétipo da viscosidade no sonho moderno de ordem e clareza, como o inimigo de toda ordem: a ordem antiga, a nova e, especialmente, a desejada” (Ibidem).

Vazio, viscosidade, opacidade, multiplicidade: qualidades de um tipo de estrangeiro que, como o estrangeiro de Simmel (1983SIMMEL, Georg. O estrangeiro. In : SIMMEL, Georg. Sociologia. Org. Evaristo de Moraes Filho; Trad. Evaristo de Moraes Filho et al.. SãoPaulo: Editora Ática, 1983, p.182-188., pp.182-188), não é apenas aquele que vem e vai embora, mas aquele que permanece; um estrangeiro que, a partir de dentro, não deixa de observar o mundo familiar como se fosse um objeto de estudo, aquele que desafia e, como diz Derrida (2003DERRIDA, Jacques, DUFOUMANELLE, Anne. Da hospidalidade. Trad. António Romane. S.Paulo: Editora Escuta, 2003., p.5), “ao colocar a primeira questão, me questiona.” A presença dos judeus questionava as noções de autóctono e estrangeiro, de quem hospeda e de quem é hospedado (BAUMAN, 2010BAUMAN, Zygmunt. Modernità e Olocausto. Bologna: Il Mulino, 2010., p.81).

Impureza

Em Levi, o tema do elemento estranho torna-se central a partir da valorização simbólica da “impureza” transformadora que se deu num laboratório precário de sua juventude. Em Il sistema periodico (A tabela periódica), o autor relata a tomada de consciência e aponta não apenas para sua legitimação como para seu enaltecimento a valor antifascista. O elogio da impureza adquire seu centro gravitacional literário no conto “Zinco”, narração da iniciação num laboratório de química. Era o tempo do encontro marcado com a Hyle, “a Matéria”, e do nascente orgulho de possuir o que ele define “uma pequena anomalia” (LEVI, 1994LEVI, Primo. A tabela periódica. Trad. Luis Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. , p.41), isto é, pertencer a uma linhagem de tradição judaica, nos tempos da propaganda antissemita do regime (antes das deportações).

Para que a roda gire, para que a vida viva, são necessárias as impurezas, e as impurezas das impurezas: mesmo com a terra, como se sabe, se se quiser que seja fértil. É preciso o dissenso, o diverso, o grão de sal e de mostarda: o fascismo não os quer, os proíbe [...] Mas tampouco a virtude imaculada existe, ou, se existe, é detestável (Ibid.LEVI, Primo. A tabela periódica. Trad. Luis Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. , p.40).

O laboratório é laboratório de vida e de pensamento, principalmente nas difíceis condições daqueles anos para os jovens discriminados com poucas opções de estágios e trabalho.

Estranho é frequentemente um elemento que traz um movimento útil, como “uma pequena dor acessória pode servir de estímulo para juntar as extremas reservas de energia” (LEVI, 1988LEVI, Primo. É isto um homem?.Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988., p.66), ou um pensamento original, um sentimento curioso. Ao juntar a visão humanística e científica, descobre-se, afinal, que a condição de estrangeiro é aquela substância “impura” que caracteriza em quantidades variáveis, mas sempre presentes, as relações entre seres humanos ou do ser humano com o mundo ao redor. Uma condição existencial sempre no limiar, conforme foi percebida por Rabelais (apud LEVI, 1998LEVI, Primo. É isto um homem?.Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988., p.17), “suspensa entre lama e céu, entre o nada e o infinito”. Ao longo do tempo, Levi estende a condição do estrangeiro à humanidade quando confrontada com os mistérios cósmicos:

O céu acima de nossas cabeças já não é mais familiar. Torna-se cada vez mais inextricável, imprevisível, violento e estranho; seu mistério cresce ao invés de diminuir, cada descoberta, cada resposta às antigas perguntas gera uma miríade de novas perguntas. [...] Não somos o centro do cosmo, e nele somos até mesmo estranhos: somos uma exceção. O universo é estranho para nós, nós somos estranhos no universo (IbidemLEVI, Primo. É isto um homem?.Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988., trad. nossa).

Se, seguindo Derrida, (2003DERRIDA, Jacques, DUFOUMANELLE, Anne. Da hospidalidade. Trad. António Romane. S.Paulo: Editora Escuta, 2003., p.5) o estrangeiro, como nos Diálogos platônicos, é quem coloca a primeira pergunta, viver neste planeta como humanos também significa conhecer a inquietação e o anseio de perguntas do estrangeiro.

Estrangeiro integral

Quando, por sua vez, em De l´hospitalité, Derrida usa a expressão “estrangeiro absoluto” para indicar o estrangeiro sem nome e sem identidade, ainda é um estrangeiro que questiona de dentro do mundo dos vivos, embora excluído do estado de direito. Gostaríamos de focalizar uma tipologia de estrangeiro inaugurada pela literatura de testemunho que nos parece emergir com evidente força. É o estrangeiro apreendido em sua condição ainda mais radical e sem escolha, nem de fuga, representado por “todos os cidadãos judeus italianos e estrangeiros. Estes não podiam fazer escolha alguma: eram mulheres, eram velhos, eram pessoas excluídas já há anos de qualquer contato com o mundo externo” (LEVI, 1997LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., p. 1164). Uma vez transferidos na realidade específica do Campo, os estrangeiros distantes do alemão, do polonês e do ídiche, corriam o risco de sucumbir num prazo ainda mais curto por falar línguas minoritárias. Ainda há os paria do universo concentracionário, que constituem uma tipologia de prisioneiro destinada a sucumbir, a entrar na lista dos “afogados”, dos “submersos”, dos que Levi considera as verdadeiras testemunhas, as “testemunhas integrais”, na célebre e discutida citação:

não somos nós, os sobreviventes, as autênticas testemunhas. [...] Nós sobreviventes somos uma minoria anômala além de exígua: somos aqueles que, por prevaricação, habilidade ou sorte, não tocamos o fundo. Quem o fez, quem fitou a Górgona, não voltou para contar, ou voltou mudo; mas são eles, os “muçulmanos”, os que submergiram - são eles as testemunhas integrais, cujo depoimento teria um significado geral. Eles são a regra, nós, a exceção (LEVI, 2004LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes. Trad. Luis Sérgio Henriques. São Paulo: Paz e terra, 2004. , p.72).

O Muselmann8 8 Por razões ainda não esclarecidas, os indivíduos que já demonstravam uma resignação fatal eram chamados, na gíria do Lager, Muselmann, Muselmänner (literalmente “muçulmano, muçulmanos”). Decidimos utilizar o termo alemão como parte do jargão do Lager e não sua tradução, hoje em dia muito problemática. radicaliza essa condição, pois é o prisioneiro morto-vivo que perdeu qualquer sinal de resistência, marginalizado pelos próprios companheiros, portanto, duplamente afastado do mundo normal e do mundo inumano do Campo:

A sua vida é curta, mas seu número é imenso; são eles, os “muçulmanos”, os submersos, são eles a força do Campo: a multidão anônima, continuamente renovada e sempre igual, dos não-homens que marcham e se esforçam em silêncio; já se apagou neles a centelha divina, já estão tão vazios, que nem podem realmente sofrer. Hesita-se em chamá-los vivos; hesita-se em chamar “morte” à sua morte, que eles já nem temem, porque estão esgotados demais para compreendê-la (LEVI, 1988LEVI, Primo. É isto um homem?.Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988., p.91).

Para estes “submersos”, que povoam a memória do autor com sua “presença sem rosto”, há apenas um trágico destino9 9 “se eu pudesse concentrar numa imagem todo o mal do nosso tempo, escolheria essa imagem que me é familiar: um homem macilento, cabisbaixo, de ombros curvados, em cujo rosto, em cujo olhar, não se possa ler o menor pensamento” (Ibidem). Trata-se de uma imagem que se propõe como paradigma da catástrofe e do século e que embasa as reflexões de Agamben, desenvolvidas em O que resta de Auschwitz. . É interessante observar como a denominação de Muselmann, embora sua origem não seja esclarecida, garante a “estrangeiridade” e o pertencimento a um mundo totalmente alheio a qualquer prisioneiro do Campo, concretizando mais uma fronteira, entre os indivíduos à mercê de um naufrágio inexorável e todos os outros seres humanos.

Reproduzindo a terminologia da “testemunha integral” (a testemunha que vivenciou a descida até o fundo), gostaríamos, portanto, de denominar “estrangeiro integral” esse escravo espoliado do nome, transformado em Häftling (prisioneiro) e em número, a quem o nome não é perguntado, mas tirado. Sua condição coloca-se fora da ideia de um pacto, e nos antípodas do pacto da xenia tratado por Benveniste e por Derrida, pois o estrangeiro integral assim o é por ter perdido seu estatuto de sujeito. Estamos longe do estrangeiro que tem direito de ser acolhido, direito à hospitalidade segundo as leis atenienses, e não é um desconhecido (o “outro absoluto”, diz Derrida), mas alguém com nome: para acolhê-lo, começa-se por lhe perguntar o nome (DERRIDA, 2003DERRIDA, Jacques, DUFOUMANELLE, Anne. Da hospidalidade. Trad. António Romane. S.Paulo: Editora Escuta, 2003., p.25). O judeu do Campo é alienado até de sua condição de estrangeiro, pois estrangeiros são, afinal, humanos.

Se o estrangeiro é quem coloca a primeira pergunta-questão, a pergunta do estrangeiro integral seria “Warum?” (Por quê?). A resposta da voz autoritária no Lager, todavia, confirma a negação como fundamentação do lugar: “Hier es gibt kein warum” (“Aqui não há por quê”) (LEVI, 1988LEVI, Primo. É isto um homem?.Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988., p.27). Essa pergunta e essa resposta referem-se a um episódio de “iniciação” concentracionária: o prisioneiro Levi, recém-chegado e possuído por uma sede intensa, quebra um pedaço de gelo ao alcance de sua mão, mas logo aparece um sujeito que o arranca brutalmente. Neste momento Primo pergunta pela razão da proibição e recebe a resposta, “repugnante, mas simples” (Ibidem), pois significa que o Campo foi criado para proibir tudo e por motivos inexplicáveis. Ou explicáveis à luz de um projeto de aniquilação, por sua vez inexplicável. De acordo com Lessa,

um mundo onde não há “por quê” é um domínio no qual as narrativas básicas - estórias - não podem ter lugar. É o próprio princípio da causalidade que está aqui em questão. (...) somos portadores de crenças causais, e a linguagem que exprime tais crenças exige o “por quê” como operador necessário (LESSA, 2009, p.92).

Essa observação intensifica o valor da troca de histórias entre Levi e outros companheiros no buraco negro de Auschwitz, descritas mais à frente.

Trocas

Derrida redefine o espaço da hospitalidade, como se o lugar que estava em questão na hospitalidade fosse um lugar que não pertencesse originalmente àquele que hospeda, nem ao convidado, mas ao gesto pelo qual um oferece acolhida ao outro - mesmo e sobretudo se está ele próprio sem morada a partir da qual pudesse ser pensada essa acolhida. O espaço seria o gesto, o pertencimento corresponderia ao compartilhar de um gesto. Pensando nessas qualidades, para Levi há os gestos da hospitalidade, até dentro do Campo, entre seres humanos que comunicam.

No Lager, inicialmente o último que chega provoca uma irritação nos outros, parecida à intrusão do sexto indivíduo para os cinco personagens do conto de Kafka “Gemeinschaft” (“Comunidade”). Segundo o relato de Levi, o sentimento de solidariedade era escasso e limitado aos prisioneiros compatriotas enquanto em relação aos recém-chegados a tendência era, como descrito em “O cigano”, “ver no companheiro ‘novo’ um estranho, um bárbaro desajeitado e importuno, que vem disputar espaço, tempo e comida, que não conhece as regras tácitas e férreas da convivência e sobrevivência, e que, além disso, se lamenta” (LEVI, 2005LEVI, Primo. 71 contos de Primo Levi. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., pp.361-2). Mas apesar da apresentação de sentimentos hostis, neste conto a reação do narrador logo muda de tom: “No entanto, aquele novato ao meu lado, embora estivesse me espiando, despertou em mim uma vaga sensação de piedade” (IbidemLEVI, Primo. 71 contos de Primo Levi. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.). Eis a brecha de onde se abre a narração, com o retrato do jovem cigano analfabeto e a ajuda na redação de uma carta à namorada (enquanto era proibido possui qualquer objeto, até um lápis) em troca de pão, que se insere entre os episódios de escambos comida/comunicação.

No belo conto “Il discepolo” (O discípulo), por sua vez paradigmático para o tema da comunicação na Babel, a relação ensino/aprendizado liga-se às modalidades do hospedar/escutar o outro, num contexto de estrangeiridade dupla: os protagonistas estão em Auschwitz e são estrangeiros entre si (italiano e húngaro). O episódio desenrola-se no momento específico de 1944, quando a chegada em massa dos judeus húngaros alterou a composição do Campo, colocando sua “esquisita” língua na lista dos idiomas mais falados. O primeiro encontro ocorre na cena de trabalho pesado, onde o forte e recém-chegado Endre Szántós empenha-se em carregar o máximo de tijolos durante um transporte feito em dupla com o prisioneiro Levi. Diante de um truque para diminuir o número de peças sem ser notado, sugerido pelo mais experiente Primo, o novato não mostra ser “um bom discípulo” por causa de sua obstinação em cumprir “bem” a tarefa, mas, em seguida, por respeito - quatro meses de Lager eram suficientes para ter estatuto de mestre -, aceita a indicação de como poupar a fadiga.

Fizemos juntos três viagens, durante as quais, com intervalos, tentei explicar-lhe que aquele lugar não era feito para pessoas gentis e tranquilas. Tentei convencê-lo de algumas das minhas descobertas recentes (na verdade, ainda mal digeridas): que, para sobreviver ali, era preciso se mexer, arranjar comida ilegal, evitar o trabalho, buscar amigos influentes, esconder-se, esconder os próprios pensamentos, roubar, mentir; que os que não faziam assim morriam logo (LEVI, 2005LEVI, Primo. 71 contos de Primo Levi. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p.354).

Detalhes biográficos são trocados na conversa, e Bandi - este era seu apelido - integra-se aos poucos ao universo dos prisioneiros graças à sua simpatia. Dois ou três meses se passam e acontece um evento importante: Primo recebe uma carta de resposta da mãe. O acontecimento é excepcional já que sua descoberta por parte dos alemães lhe custaria a morte, assim como havia sido o anterior envio bem-sucedido de uma carta, (à mãe e irmã, por sua vez escondidas, por trámites complicados e confiáveis). Ações proibidas, perigosas para os envolvidos, tão arriscadas quanto necessárias. Novamente acoplado a Bandi no interior de uma cisterna, Primo sente o desejo de compartilhar tal preciosidade: “A carta do doce mundo me queimava no bolso; sabia que era prudente calar, mas não consegui” (Ibid.LEVI, Primo. 71 contos de Primo Levi. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p.355). À luz fraca Primo lê “a carta milagrosa”, tentando uma apressada tradução em alemão em presença de um ouvinte concentrado apesar das dificuldades linguísticas recíprocas. Esse tipo de escuta encontra sua representação principal no conhecido e muito comentado episódio do “Canto de Ulisses” (protagonizado pelo companheiro alsaciano “Pikolo”, ouvinte atento à tentativa de Primo de lembrar e traduzir para o francês versos dantescos) e configura-se como uma atitude “hospitaleira” que rasga a densidade preta da opressão concentracionária. No arame farpado cria-se uma abertura de onde algo pode escapar à morte, algo como, por exemplo, um pedaço de literatura ou uma carta de poucas linhas essenciais. O isolamento é rompido e esse breve conto termina com eficácia quando a mensagem alcança o destinatário e se transforma em diálogo de poucas palavras e mais um pequeno-grande gesto:

Tive a impressão de que Bandi, apesar de Zugang, entendeu ou intuiu tudo isso: porque, terminada a leitura, ele se aproximou de mim, vasculhou os bolsos demoradamente e enfim retirou dali, com zelo amoroso, um rabanete. Ofereceu-me o alimento com as faces vermelhas e então me disse, entre tímido e orgulhoso: “Aprendi. É pra você: é a primeira coisa que roubei” (Ibidem).

No agradecimento do recém-chegado (Zugang) a um inusitado “mestre”, instaura-se uma maneira de hospedar, abrigar o outro no próprio espaço interno, de escuta, um espaço esvaziado dos afetos conhecidos e atrofiado pela falta de oportunidade de afetos novos, mas que na primeira ocasião volta a se reconstituir em torno de um mínimo gesto, uma mínima troca, onde este mínimo significa muito pelo simples fato de ser e de ter vencido a possibilidade de não mais existir.

A curiosidade em relação aos outros pertence a muitas personagens de Levi. Distanciam-se de bárbaros inimigos os muitos estrangeiros das páginas de romances autobiográficos e contos de fantasia: jovens prisioneiros em Auschwitz, generosos e cordiais como, além de Bandi, Schlome, que fala ídiche, ou o jovem cigano do conto homônimo, o mencionado “Pikolo”; companheiros da viagem de retorno como o egocêntrico e carismático Grego, o qual expressava sua solidão em longos monólogos com Primo “tão diferente, tão estrangeiro” (LEVI, 2010LEVI, Primo. A trégua . Trad. Marco Lucchesi. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. , p.49), ou Olga, antifascista croata, refugiada antes da guerra junto a milhares de “judeus estrangeiros que haviam encontrado hospitalidade, e breve paz, na Itália paradoxal daqueles anos, oficialmente antissemita” (Ibid.LEVI, Primo. A trégua . Trad. Marco Lucchesi. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. , p.28), ou ainda a multidão em trânsito de estrangeiros de todas as nações da Europa, acampados em “casernas espectrais e em parte a céu aberto” (Ibid.LEVI, Primo. A trégua . Trad. Marco Lucchesi. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. , p.123). O interesse pelo humano alimenta o prazer de narrar histórias vividas, vistas ou ouvidas, e de esboçar, em poucas linhas, personagens extraordinárias, oferecendo um rico repertório de humanidade feito de pessoas comuns e ao mesmo tempo únicas. A atitude sintoniza-se com o sentimento de “simpatia” conforme definido por Paul Ricoeur (2008RICOEUR, Paul. “Simpatia e rispetto. Fenomenologia ed etica della seconda persona”. Em LÉVINAS, Emmanuel, MARCEL, Gabriel, RICOEUR, Paul. Il pensiero dell´altro. Org. Franco Riva. Roma: Edizioni Lavoro, 2008., p.30, trad. nossa), “uma ação em uma paixão, o respeito considerado em sua matéria afetiva, isto é, em sua raiz de vitalidade, em seu élan”. A simpatia representaria um sentimento em sua essência mais simples e primário do que o ódio, sendo este, ao contrário, estruturado como esforço complexo para anular o valor já previamente dado ao outro, pois para negá-lo, todavia, se pressupõe sua existência, e aqui está o caráter contorcido desse sentimento destrutivo. A tensão da luta movimenta aquelas relações menos vitais e mais competitivas marcadas pela apropriação, a concorrência, as intrigas de poder, e apresenta-se como manifestação de um olhar dilacerado entre o reconhecimento do direito do outro e o desejo de negá-lo. Embora a simpatia, por sua vez, pareça reduzida a um setor privado de relacionamentos humanos, “fora das forças que movem a história”, Ricoeur inverte essa concepção questionando o lugar privilegiado geralmente dado à luta como situação “originária” das relações: “a importância desta inversão que subordina a luta ao respeito (e, em geral, a oposição à alteridade) não é só teórica, mas prática. [...] O respeito instaura a participação da não-violência na História” (Ibid., p.36). De fato, a percepção do estrangeiro em Levi oscila entre os dois polos que Ricoeur configura como “simpatia” e “luta”, com uma grande preferência por personagens que optam pela “simpatia”, ou pela “curiosidade” e a suspensão da desconfiança, embora o pensamento racionalista do escritor coloque o conflito exatamente onde Ricoeur o questiona, como atitude primária. Hannah Arendt, por sua vez, atribui à amizade um estatuto político central para qualquer pensamento sobre a sociedade, definindo-a como uma modalidade de ser e pensar longe de genéricas ideias de identificação ou empatia. O apátrida é assim colocado numa posição central para pensar a política desde uma perspectiva de vanguarda, pois supera a condenação da perseguição ou da invisibilidade através dos laços de amizade, laços que tomam forma no diálogo: “A felicidade, não o sofrimento, é loquaz” (ARENDT, 2006ARENDT, Hannah. L’umanità in tempi bui. Milano: Raffaello Cortina, 2006. , p.65).

Se na produção ensaística de Levi encontramos a ideia segundo a qual a hostilidade seria um fenômeno animal e pré-humano ou uma infecção latente que a falta da racionalidade civilizatória desencadeia, a representação autobiográfica e ficcional gera uma gama variada de personagens cujo embate com estrangeiros, mesmo quando problemático, tende em direção à recepção e ao questionamento de enraizadas noções de pertencimento étnico ou religioso. Nem sequer os combatentes armados e na defensiva reagem belicosamente no encontro com o inesperado estranho-estrangeiro. Em Se não agora, quando? a percepção da estranheza dos judeus por parte de não judeus ou entre judeus de países diferentes ocupa um espaço peculiar, dada a trama baseada no deslocamento de um grupo de resistentes judeus da Rússia até a Itália, atravessando Polônia e Alemanha.

Os russos de Turov os observavam inquietos, como acontece diante do inesperado. Não reconheciam naquelas expressões exauridas mas determinadas o žid de sua tradição, o estrangeiro em casa, que fala russo para ludibriá-los mas pensa em sua língua estranha, que não conhece Cristo [...] O mundo estava de ponta-cabeça: estes judeus eram aliados e estavam armados [...] As ideias que ensinam a você são simples e o mundo é complicado. Aliados, portanto: companheiros de arma. Teriam que aceitá-los, apertar-lhes a mão, beber vodca com eles. [...] Erradicar um preconceito é doloroso como extrair um nervo (LEVI, 1999LEVI, Primo. Se naõ agora, quando? Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1999., p.127).

A visão sobre o estrangeiro apresenta-se, na narrativa de Levi, diferente do acolhimento bíblico e da hospitalidade grega, mas também mais dinâmica do que a aceitação da equivalência direta e quase hobbesiana de estrangeiro/inimigo muitas vezes enunciada em artigos sobre guerra e fascismo.

Fora do ordinário e amante de coisas por nada óbvias, como o estrangeiro do poema de Baudelaire, que declara amar apenas as nuvens, Umberto Curi resgata a originalidade subversiva do estrangeiro:

o estrangeiro põe-me em contato com uma esfera similar ao ‘numinoso’ - ao tremendum et fascinans. Ele chama-me a um plano onde tudo aparece em sua constitutiva duplicidade, sem mais alguma possibilidade de refúgio na suposta natureza monolítica de palavras e objetos (CURI, 2010CURI, Umberto. Straniero. Milano: Raffaello Cortina Editore, 2010., p.11).

A presença do estrangeiro não apenas abala a linguagem da unicidade, como também instaura e amplia o espaço da troca, do escambo, de uma economia cooperativa movimentada pela curiosidade humana, enfim libertada. Ao acompanhar a reflexão de Todorov, nesta abertura se expressa a capacidade de reconhecer nossa comum humanidade. A visão de si mesmo de um ângulo externo, através dos olhos alheios, garante o julgamento crítico em relação a si próprio e aos outros (TODOROV, 2005, p.37). Isto é: conhecimento.

É interessante notar como a atitude de Levi, na sua prática biográfica ou literária - e a literatura talvez seja sempre este outro ponto de vista, e a autobiografia seja, por definição, um exercício concreto de deslocamento de olhar sobre si mesmo -, apresenta em suas personagens uma resposta (não mediada pela razão) com um alto grau de abertura ao estrangeiro.

A troca humana, portanto, escava fendas sutis até na Babel de Auschwitz. A narração da unicidade de um indivíduo, de seu nome, de sua história de vida, de suas peculiaridades, testemunha a resistência à máquina ideológica dos genéricos e distorcidos “nós” e “eles”, construídos em torno das divisões arbitrárias. Inevitavelmente, a dimensão ético-humanística do escritor continua alertando sobre polarizações e pertencimentos nefastos e politicamente conduzidos sempre prontos a eclodir com violência, em qualquer tempo e espaço.

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  • TRAVERSO, Enzo. Auschwitz e gli intellettuali Bologna: Il Mulino , 2004.
  • *
    Apoio: FAPERJ
  • 1
    “Un barbugliare rozzo e indistinto, un bar-bar animalesco”. Na tradução brasileira bar-bar é traduzido com “blábláblá”, perdendo a referência culta da etimologia de “bárbaro” (LEVI, Primo. A tabela periódica. Trad. Luis Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994LEVI, Primo. A tabela periódica. Trad. Luis Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. , p.87).
  • 2
    A definição de Levi é relativa ao comandante Höss - “il miglior tecnico della strage” - em “Prefazione a R.Höss, Comandante ad Auschwitz”, onde o autor volta a focalizar o comportamento que funciona como alicerce da eliminação de outros seres humanos em certos contextos: a obediência. A tradução nossa de textos é indicada na primeira citação, mas fica implícita nas citações a seguir para o mesmo texto.
  • 3
    Quando não indicado, esta referência bibliográfica refere-se ao vol.1.
  • 4
    Entre setembro e novembro de 1938 foram promulgadas as leis contra a chamada “raça judaica” que visavam excluir das escolas, das instituições e da vida social os italianos e estrangeiros de religião, tradição cultural ou apenas origem judaica.
  • 5
    A propósito de A chave estrela, Lévi-Strauss comentou: “Eu o li com extremo prazer porque não há nada que eu ame mais do que escutar os discursos sobre trabalho. Sob esse perfil, Primo Levi é uma espécie de grande etnógrafo” (LEVI, 1997LEVI, Primo. Se questo è un uomo (Notas de Alberto Cavaglion). Torino: Einaudi , 1997., 2 , p.1588).
  • 6
    Em 1983-1984, Levi traduziu La voie des masques e Le regard éloigné de C.Lévi-Strauss, em colaboração com a irmã Anna Maria.
  • 7
    A citação dantesca explícita (“dar vento”), porém, perde-se na tradução (“libertar-se”).
  • 8
    Por razões ainda não esclarecidas, os indivíduos que já demonstravam uma resignação fatal eram chamados, na gíria do Lager, Muselmann, Muselmänner (literalmente “muçulmano, muçulmanos”). Decidimos utilizar o termo alemão como parte do jargão do Lager e não sua tradução, hoje em dia muito problemática.
  • 9
    “se eu pudesse concentrar numa imagem todo o mal do nosso tempo, escolheria essa imagem que me é familiar: um homem macilento, cabisbaixo, de ombros curvados, em cujo rosto, em cujo olhar, não se possa ler o menor pensamento” (Ibidem). Trata-se de uma imagem que se propõe como paradigma da catástrofe e do século e que embasa as reflexões de Agamben, desenvolvidas em O que resta de AuschwitzAGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz. Trad. Selvino J. Assmann. S.Paulo: Boitempo editorial, 2008..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2018
  • Aceito
    01 Abr 2019
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