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O quarto de Ceci: paisagem, natureza-morta e desejo em O guarani, de José de Alencar* * Este artigo foi desenvolvido durante um período como Visiting Scholar no Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Chicago, Estados Unidos, graças a uma Bolsa de Pesquisa no Exterior concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP (Processo 17/22998-4).

Ceci´s room: landscape, still life and desire in José de Alencar´s O guarani

Resumo

Este artigo explora duas linhas contrastivas e complementares de representação da natureza em O guarani (1857), de José de Alencar, que são a paisagem e a natureza-morta, em especial esta última. Gênero que atinge seu clímax no século 17 nos Países Baixos, a natureza-morta passa ao primeiro plano da pintura ao valorizar características como a domesticidade, o apego ao detalhe e, sobretudo, a repressão do desejo, conforme apontam os estudos de Svetlana Alpers, Meyer Schapiro e Jacqueline Labbe. Do ponto de vista formal, o objeto representado necessita ser retirado de seu contexto original e inserido em uma nova teia de relações. Ora, todos esses aspectos estão presentes na descrição do quarto de Ceci no capítulo inicial, onde a atenção às “coisas mínimas” e às “miniaturas”, para retomarmos os termos de Araripe Jr., imprime tamanha força ao desejo que ele se irradia para todo o romance e se torna elemento central para movimentar sua engrenagem narrativa.

Palavras-chave:
Século X IX,; Romantismo; descrição; desejo; narrativa

Abstract

This article explores two contrastive and complementary lines of representation of nature in José de Alencar's novel, O guarani (1857), namely landscape and still life. A genre that reached its climax in the 17th Century in The Netherlands, still life comes to the forefront of painting by valuing characteristics such as domesticity, attachment to detail and, above all, repression of desire, as pointed out by Svetlana Alpers, Meyer Schapiro and Jacqueline Labbe. From a formal point of view, the represented object needs to be removed from its original context and inserted into a new web of relations. All these aspects are present in the description of Ceci's room in the opening chapter, where attention to the “minimal things” and “miniatures” (Araripe Jr.), gives such a force to desire that it permeates the whole novel and becomes a central element to move its narrative gear.

Keywords:
19th Century; Romanticism; description; desire; narrative

Résumé

Cet article explore deux lignes de repré-sentation contrastives et complémentaires de la nature dans O guarani (1857), de José de Alencar: le paysage et la nature morte, en particulier cette dernière. La nature morte est un genre qui atteint son apogée au XVIIe siècle aux Pays-Bas, quando elle valorise des caractéristiques telles que la domesticité, l'attachement au détail et, surtout, la répression du désir, comme l’ont souligné Svetlana Alpers, Meyer Schapiro et Jacqueline Labbe. Du point de vue formel, l'objet représenté doit être retiré de son contexte d'origine et inséré dans un nouveau réseau de relations. Tous ces aspects sont présents dans la description de la chambre de Ceci dans le chapitre d'ouverture, où l'attention aux "choses minimales" et aux "miniatures" (Araripe Jr.), donne une telle force au désir qu´il rayonne dans le roman tout entier et devient élément central pour mouvementer son engrenage narratif.

Mots-clés:
Siècle XIX; Romantisme; description; désir; narrative

Paisagem

As primeiras linhas do capítulo de abertura de O guarani nos lançam de chofre no centro da questão já a partir de seu título, “Cenário”. Visto do alto e a longa distância - “de um dos cabeços da serra dos órgãos” -, o Paquequer gradualmente se aproxima do espectador à medida que toma corpo em sua descida tumultuosa. “Engrossado com os mananciais, que recebe de seu curso de dez léguas, torna-se rio caudal” para enfim lançar-se “rápido sobre o leito”, “espumando”, “enchendo a solidão com o estampido de sua carreira”. Por fim, “precipita-se de um só arremesso, como o tigre sobre uma presa” até adormecer “numa linda bacia que a natureza formou”. Então o leitor observa a vegetação basta que o margeia, feita “das arcarias de verdura e dos capitéis formados pelos leques das palmeiras”.

Pictoricamente, estamos diante da construção de uma paisagem, entendida como “uma acumulação, uma aglomeração de partes isoladas até que, na última fase, o segmento particular é abordado de um ponto privilegiado ou outro qualquer e todos os detalhes são arranjados segundo a lógica espacial”1 1 “Landscape appeared as an accumulation, a conglomeration of isolated parts until, in the last phase, the particular segment is approached from some vantage-point or other and all the details are arranged according to space-logic” Cf. Friëdlander, 1949, 18. , como a define Max Friëdlander. George Simmel vai na mesma direção ao definir paisagem como a operação realizada pela consciência de seleção e unificação de elementos dispersos2 2 “La consicence doit avoir, au-delà des éléments, un nouvel ensemble, une nouvelle unité, non liés aux significations particulières des premiers ni composés de leur somme mécaniquement, pour que commence le paysage”. Cf. Simmel, 1988, p. 369. . Inerente a tal processo de seleção e unificação, está o de estabelecer limites com a finalidade de produzir um todo autônomo e particular3 3 “Un extrait de la nature [...] autonomisé. [...] La nature, qui dans son être et dans son sens profonds ignore tout de l´individualité, se trouve remaniée par le regard humain - qui la divise et recompose ensuite des unités particulières - en ces individualités qu´on baptise paysages”. Cf. Simmel, 1988, p. 370. .

Um todo autônomo que se ergue diante dos olhos do leitor a partir de um detido trabalho de seleção e delimitação de elementos dispersos na natureza, a paisagem alencarina, nos parágrafos seguintes, está pronta para se aproximar da “esplanada”, onde vimos “uma coisa que chamaremos de jardim”, “dois grandes armazéns ou senzalas” e uma “cabana de sapé”. A esplanada antecede o lar dos Mariz, de arquitetura simples, “grosseira”, mas sólida. Descrita enquanto elemento arquitetônico, a vegetação serve de transição para a esplanada e para o espaço civilizado encravado no meio da mata, “casa larga e espaçosa, construída sobre uma eminência e protegida de todos os lados por uma muralha de rocha cortada a pique”.

Acompanhando o longo travelling de que se compõe esse capítulo inaugural, abrimos então “a pesada porta de jacarandá” e enfim penetramos “no interior da habitação”. Lá está a “sala principal” com o oratório em anexo, ocupando cinco parágrafos. Espaço público por excelência no interior do espaço privado que é a habitação, lá convivem os membros da família e seus raríssimos convivas. Em pouco mais de uma linha, somos apresentados muito brevemente aos “aposentos interiores” para, então, chegarmos ao fim do capítulo através da detida descrição de aproximadamente seis parágrafos e meio do último espaço da casa: o cômodo “que revela a presença de uma mulher”.

Graficamente, o travelling que dá corpo a esse capítulo inicial se configura como um desenho em forma de cunha, que parte do espaço aberto e elevado para se encerrar no rés-do-chão, em um espaço recôndito e oculto aos olhares de estranhos. Basta dizer que esse último cômodo, que saberemos mais adiante tratar-se do quarto de Ceci, é limitado em seu extremo por um “fosso profundo” ou “precipício” (ALENCAR, 1958, p. 172ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406.), repleto de “aranhas venenosas” e “répteis enormes” (ALENCAR, 1958, p. 176ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406.). Arma-se, assim, um conjunto de planos horizontais e verticais que enfatizam a dimensão espacial do capítulo, uma estratégia de apresentação que combina dois modos de aproximação contrastivos e complementares e que poderiam ser classificadas de “mapa” e “tour” - a primeira, uma aproximação eminentemente panorâmica, portanto vista do alto; a segunda, avança pelo interior da casa (Ryan).

Esse recurso não é de modo algum estranho à ficção produzida no século XIX, de que Balzac é o exemplo mais contumaz: ela ocorre, por exemplo, em La grenadière - embora limitada ao exterior da propriedade -, em Eugénie Grandet - onde, em contraste, a descrição detém-se justamente no interior da propriedade4 4 Vejam-se, por exemplo, a descrição da sala, a intimidade de Eugénie no jardim, “le petit banc de bois” ou como a “la maison est l´image de sa vie”. Cf. Honoré de Balzac. Eugénie Grandet. Paris: Livre de Poche, 1987, p. 23, p. 77-78, p. 249-251 e p. 269. - e, sobretudo, na celebrada abertura de Le père Goriot. Michel Butor nos sugere, em um texto instigante, como Balzac adota no início desse romance o ponto de vista de um pintor, encontrando “todos os problemas de enquadramento, de composição e de perspectiva”, deslocando-se da fachada da pensão Vauquer até seus aposentos mais recônditos5 5 Vale citar todo o trecho do crítico francês: “Assim Balzac, descrevendo-nos a pensão Vauquer, começa por impregnar-nos com a cor parda [...]. Depois ele nos instala na rua, expondo-nos o que veríamos. [...]. Uma vista frontal [...] completada pela vista dos outros lados; depois o interior, ele nos mostra quais são as comunicações entre os diferentes locais do andar, levantando uma espécie de planta de arquiteto, de vista horizontal, ou mais exatamente, de corte [...], antes de inventariar o mobiliário de cada cômodo, mais ou menos identificável, os objetos da sala de jantar tendo perdido quase toda individualidade, estando amalgamados na sujeira, na densidade da atmosfera mais parda aqui do que em outra parte qualquer [...]”. Cf. Michel Butor, 1974, p. 43. .

Também Chateaubriand lança mão desse recurso em Atala tanto no que diz respeito ao ponto de vista elevado quanto à composição em planos horizontais. Dizem Bourneuf e Ouellet que “o observador de Chateaubriand descobre um panorama destacado, como se fosse visto de uma elevação; nada lhe escapa do conjunto e o seu olhar pode mover-se à vontade” e, “através do jogo das linhas, aqui horizontais e verticais, o escritor compõe os grandes traços do seu quadro” (BOURNEUF; OUELLET, 1976, p. 143, p. 144 e p. 145BOURNEUF, Roland, OUELLET, Réal. “O espaço”. In: O universo do romance. Trad. José Carlos Seabra Pereira. Coimbra: Almedina, 1976, p. 130-168., respectivamente).

Assim como nos autores citados, a composição do espaço no primeiro capítulo de O guarani não se esgota em um jogo de linhas, mas incorpora outros elementos que complexificam a paisagem. Para além das alegorias que a remetem ao reino animal (“tapir”, “tigre”) ou à História (relação senhor-escravo)6 6 Flora Süssekind, por exemplo, fala da “propositada historicização de rios e rochas na descrição inicial [através da feudalização das relações]” (Süssekind, 2006, 200). Alfredo Bosi menciona que “o processo europeu de dominação vai assimilar os dados da natureza [em O guarani]: desenhará na selva formas góticas e clássicas fazendo o rio correr no meio de arcarias e verduras e de capiteis formados por leques de palmeiras” (BOSI, 1995, p. 187). Gilberto Freyre explica que o “paisagismo eloquente” de Alencar seria uma “crítica indireta a todo um sistema socioeconômico: o patriarcal e escravocrático das casas-grandes e dos sobrados” (FREYRE, 1987, p. 125). , relação já tão estudada, a natureza é apanhada nos parágrafos iniciais em seu volume (“fio d´água”, “engrossado”, “rio caudal”) e dinamismo (“torna-se”, “saltando”, “enroscando-se”, “se espreguiçar”).

Natureza-morta

Porém, se nos detivermos no último cômodo da casa, que fecha o longo travelling que combina linhas verticais e horizontais - ou o movimento de “mapa” e “tour” -, nos damos conta de que a representação da natureza persiste com insistência, ainda que a essa altura da narrativa estejamos mergulhados no interior da civilização, que é a casa dos Mariz. Ou talvez exatamente por isso: porque, na verdade, se trata aqui de outra natureza, de uma natureza desprovida de sua seiva vital, reduzida a uma casca, em que a energia e a potência vistas de há pouco desapareceram por completo.

Essa mudança crucial de que é objeto a representação da natureza entre o início e o fim do primeiro capítulo é visível no reino mineral, que perde a pujança de “um dos cabeços da Serra dos Órgãos” para metamorfosear-se em objetos decorativos, como o “crucifixo em alabastro” pendente da parede e sob o qual repousa “um escabelo de madeira dourada”. Igualmente, vê-se sobre a cômoda uma “coleção de curiosidades minerais de cores mimosas e formas esquisitas”.

Isso ocorre também com o reino animal, que, se antes se prestara a metáfora para a exuberância do fluxo impetuoso das águas, está agora desprovido de vida. Pois o que desponta no quarto de Ceci são “lindas peças de nossas aves, enlaçadas em grinaldas e festões pela orla do teto e pela cúpula do cortinado”; tais peças descansam “sobre um tapete de peles de animais selvagens”, e junto à janela encontramos um “traste que à primeira vista não se podia definir” e que descobrimos ser uma “espécie de leito ou sofá de palha matizada de várias cores e entremeada de penas negras e escarlates”.

Mas é no último parágrafo que toma corpo o exemplo mais impactante desse novo modo de representar a natureza. Se até então ela se apresentara metonimicamente, desmembrada em “peles” ou “penas”, agora surge diante dos olhos do leitor um ser apresentado em sua perfeição e integridade, exceto pela vida que lhe falta por completo:

“Uma garça real empalhada, prestes a desatar o voo, segurava com o bico a cortina de tafetá azul que ela abria com aponta de suas asas brancas e, caindo sobre a porta, vendava esse nino da inocência aos olhos profanos”.

A garça é uma metáfora da morte, ou do estado em que a natureza se encontra reduzida no interior do aposento da donzela: uma natureza morta, em termos não apenas ontológicos mas também pictóricos. Não é casual que a ênfase no volume no início do capítulo dê vez à luz como elemento essencial de composição, exibindo aos olhos do leitor uma variada palheta de cores: o branco do alabastro, o “dourado” da madeira do escabelo, as “cores mimosas” dos minerais, a “palha matizada de várias cores”, o negro e o escarlate das penas, o “azul” da cortina de tafetá e o branco, particularmente, das asas da garça real.

Nas Notas que se seguem ao final da narrativa, já desde a primeira edição de O guarani há uma série de referências aos cronistas coloniais e, sobretudo, a Varnhagen, cuja História Geral do Brasil, publicada entre 1854 e 1857, se tornou um divisor de águas na apreensão de nosso passado colonial. De forma exemplar, um dos cronistas mais referidos pelo escritor cearense é Gabriel Soares de Sousa, cujo Tratado descritivo do Brasil foi pela primeira vez publicado na íntegra pelo próprio Varnhagen, que também atribuiu sua autoria. Apesar da proliferação de refências, não constam nas Notas verbetes que possam esclarecer o leitor acerca das passagens acima citadas do primeiro capítulo. Mas, se consultarmos diretamente Gabriel Soares, veremos que as linhas iniciais que abrem o capítulo LXXXI de seu Tratado descrevem uma das aves que povoam a fauna brasileira:

Ao longo dos rios de água doce se criam mui formosas garças, a que o gentio chama uratinga, as quaes são brancas, e tamanhas como as de Hespanha. Têm as pernas longas, pescoço e bico mui comprido, pernas e pés amarelos, e têm entre os encontros um molho de plumas, que lhe chegam à ponta do rabo, que são mui alvas e formosas, e para estimar; e são estas garças muito magras, e criam no chão junto da água (SOUSA, 1851, p. 227SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. Francisco Adolpho de Varnhagen (Org.). Rio de Janeiro: Laemmert, 1851.).

Nesse recorte que Gabriel Soares faz, observa-se a mesma elegância e a mesma delicadeza que Alencar irá atribuir ao pássaro. O processo em ambos é o mesmo, a descrição, mas no cronista há certo encantamento do viajante que se depara com uma espécia nova e que esforça por apanhá-la em sua exuberância para o deleite do olhar do Outro, algo naturalmente acentuado pelo uso do presente do indicativo. Já em Alencar a ave é primeiramente definida enquanto passado - “empalhada” -, o oposto do olhar que vislumbra potencialidades. A garça de Alencar é algo que, em sua essência, já não é mais; porém, suprema ironia, está “prestes a desatar o voo”.

Esse quadro que encerra o capítulo inicial nos remete a um motivo ancestral da pintura, que é a natureza-morta. Utilizada para representar objetos inanimados - um vaso ou um cesto, por exemplo - mas também flores e animais, ela deve, contudo, necessariamente removê-los de seu contexto original. Assim, “a pintura de uma maçã pendendo de uma árvore em contraste com o céu azul não é uma natureza-morta”7 7 “Natural objects must be removed from their natural context. A picture of an apple hanging on a tree against a background of sky is not a still-life”. Cf. McCoubrey, 1958, p. 3-4. ; junte-se a isso um aspecto relacional pois o objeto representado jamais deve estar só, mas sim “no meio de muitos outros”8 8 “Il est là, c´est tout, au millieu de beaucoup d´autres”. Cf. Barthes, 1964, p. 20. - isto é, uma maçã sozinha não seria nada mais do que um estudo isolado.

Talvez a abordagem mais arrojada sobre o gênero seja a de Svetlana Alpers, que mescla as investigações semiológicas de Barthes e um amplo panorama histórico da arte a uma profunda investigação sobre as mutações por que passava a ciência no século XVII. Em A arte da descrição, ela se pergunta por que a natureza-morta atingiu seu ápice na pintura holandesa daquele período, e acaba por encontrar várias respostas que se interligam. Em primeiro lugar, foi um modo de resistência e afirmação contra a pintura italiana e contra a crítica de arte nela inspirada, as quais privilegiariam a narratividade em detrimento da descrição9 9 “To a remarkable extent the study of art and its history has been determined by the art of Italy and its study. [...] Italian art and the rhetorical evocation of it has not only defined the practice of central tradition of Western artists, it has also determined the study of their works. [...] In the Renaissance this world was a stage on which human figures performed significant actions based on the texts of the poets. It is a narrative art. And the ubiquotous doctrine ‘ut pictura poesis’ was in order to explain and legitimize images through their relationship to prior and hallowed texts. [...] A major theme of this book id that central aspects of seventeenth-century Dutch art - and indeed of the northern tradition of which it is part - can be best understood as being an art of describing as distinguished from the narrative art of Italy”. Cf. Alpers, 1984, XIX, XIX e XX, respectivamente. . Sob tal ponto de vista “narrativo”, por assim dizer, a natureza-morta é considerada “ora sem sentido” (já que nenhum texto é narrado), ora “naturalmente inferior”10 10 “Meaningless” e “inferior by nature”. Cf. Alpers, 1984, p. XXI. , dado que o que se está representanto é fruto das observações atentas de um ambiente prosaico e doméstico, e não “a imitação de ações humanas significativas”, de caráter mitológico, religioso ou histórico11 11  “The Dutch present their pictures as describing the world seen rather than as imitations of significant human actions”. Cf. Alpers, 1984, XXV. .

Fruto, portanto, de um substrato que combinava avanços substanciais em ciência experimental e em tecnologia, a natureza-morta holandesa do século XVII privilegiou o aspecto visual e descritivo: “Tudo é pintado - de insetos e flores a nativos brasileiros em tamanho real e as atividades domésticas dos habitantes de Amsterdã”12 12  “And everything is pictured - from insects and flowers to Brazilian natives in full-life size to the domestic arrangements of Amsterdammers”. Cf. Alpers, 1984, p. XXV. . Pintores exemplares de que fala Alpers, Albert Eckhout e Frans Post viveram no Brasil na primeira metade do século XVII a convite de Maurício de Nassau. Ambos tomaram como objetos de representação a natureza brasileira e, de forma complementar, retrataram-na seja vista de longe, enquanto paisagem, seja vista de perto e em detalhe, enquanto natureza-morta.

Ênfase na descrição visual do objeto, o qual também deve ser retirado de seu contexto original e inserido em uma nova teia de relações: todos esses aspectos que caracterizam a natureza-morta encontram-se realizados plenamente no aposento de Ceci que o narrador de O guarani pinta.

Existem outras possibilidades para o gênero que precisam ser exploradas aqui, contudo.

Sob uma ótica diferente daquela proposta por Alpers, Meyer Schapiro não privilegia a relação da natureza-morta com a tradição pictórica italiana, mas o aspecto da domesticidade, sob um ponto de vista fortemente psicanalítico. Se os elementos de que ela é feita pertencem a “campos de valor específicos”, como “o privado, o doméstico, o gustatório, o convival, o artístico, a vocação e o hobby, o decorativo e suntuoso”, eles consitutem, portanto, “um mundo de coisas, a natureza transposta ou transformada para o homem” (SCHAPIRO, 2010, p. 64SCHAPIRO, Meyer. A arte moderna: século XIX e XX - ensaios escolhidos. Trad. Luís Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Edusp, 2010.) e “trazem à consciência a complexidade do fenomenal e a sutil inter-relação da percepção com o artifício na representação” (SCHAPIRO, 2010, p. 61SCHAPIRO, Meyer. A arte moderna: século XIX e XX - ensaios escolhidos. Trad. Luís Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Edusp, 2010.). Tomando como fulcro as naturezas-mortas de Cézanne, ele mostra como as maçãs são uma metáfora para “um sentido erótico latente, uma simbolização inconsciente de um desejo reprimido” (SCHAPIRO, 2010, p. 51SCHAPIRO, Meyer. A arte moderna: século XIX e XX - ensaios escolhidos. Trad. Luís Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Edusp, 2010.), que remeteria ao “velho desejo de um suave mundo familiar” (SCHAPIRO, 2010, p. 70SCHAPIRO, Meyer. A arte moderna: século XIX e XX - ensaios escolhidos. Trad. Luís Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Edusp, 2010.), de uma “sociedade cuidadosamente organizada de coisas perfeitamente submissas” (SCHAPIRO, 2010, p. 73SCHAPIRO, Meyer. A arte moderna: século XIX e XX - ensaios escolhidos. Trad. Luís Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Edusp, 2010.).

De maneira inesperadamente complementar, uma série de revisões críticas sobre a natureza-morta procurou apanhá-la sob a ótica dos gender studies, segundo a qual a representação da paisagem sublime, a partir da segunda metade do século XVIII, teria se prestado a uma afirmação de valores intrinsecamente masculinos, enquanto a natureza-morta, por sua vez, reafirmaria uma escala de valores convencionalmente associados à mulher.

Norman Bryson, por exemplo, analisa uma pintura histórica de Jean-Louis David (“Les licteurs rapportent à Brutus les corps de ses fils”, de 1789) procurando associar a representação das mulheres, que ocupa a metade direita da tela, à “materialização de tudo o que esse sistema de representação recusa: domesticidade, rotina, reparação”13 13 “The still life of the women is the embodiment of everything that this system of political values refuses: domesticity, routine, repair”. Cf. Bryson, 1990, p. 157. . Aqui não estamos de modo algum longe da definição de natureza-morta em Cézanne proposta por Schapiro, entendida como uma metáfora para o desejo reprimido e a tentativa de submissão desse mundo - o mundo necessariamente da mulher, se adotarmos a perspectiva de Bryson - à idealização de um “suave mundo familiar”.

Na mesma linha, Jacqueline Labbe associa o ponto de vista elevado a partir do qual se constroem as paisagens e “a capacidade de abstrair” na literatura romântica a “características definidoras da masculinidade”14 14 “The ability to abstract”; “defining characteristics of masculinity”. Cf. Labbe, 1998, p. IX. . Em contrapartida, a característica definidora da feminilidade seria “a falta de capacidade para a razão”15 15 “A perceived inability to reason, are also distinctly gendered, defining and representing femininity”. Cf. Labbe, 1998, p. IX. , definição que relegaria a mulher a um confinamento que esta deve convencer-se a aceitar, de modo a ser mantida sob controle. Politicamente ressignificado, o ponto de vista superior que caracteriza a paisagem romântica refletiria uma posição social igualmente superior pois aquele que é capaz de ver a partir de cima seria o mais capacitado para comandar e governar. Assim, “a visão de cima representa tanto um ideal quanto um privilégio”16 16 “The prospect view is both an ideal and a privilege”, Cf. Labbe, 1998, p. XI. .

Transitando constantemente entre estética e política, Labbe defende que tal “símbolo culturalmente poderoso”17 17 “A culturally powerful symbol”. Cf. Labbe, 1998, X. que ela se propõe a desmistificar em seu livro encontra suas origens nas teorizações sobre o sublime da segunda metade do século XVIII, como as de Burke e Kant, e em poemas como “Tintern Abbey”, de Wordsworth. Tal interpretação da paisagem vista de cima (“landscape”), enquanto lugar social e culturalmente legitimador, traz implicações profundas à representação estética, pois tende a valorizar o geral e a denigrir o detalhe”18 18 “[...] valorizes the general and denigrates the detail”. Cf. Labbe, 1998, p. XI. . Assim, conclui, o campo de visão atribuído à mulher pela visão do alto masculina“constrói o feminino através de sua associação com o detalhe, a particularidade”19 19 “[It] constructs the feminine through its association with detail, particularity”. Cf. Labbe, 1998, p. XV. , e espaços fechados ou isolados tornam-se lugares necessariamente associados à mulher, de que seriam exemplos o jardim, o recanto e o quarto.

De fato, o historiador Georges Duby lembra como o “quarto das damas” na França medieval simbolizava o espaço do confinamento e da repressão, visto que a “feminilidade representava o perigo” a que se tentava expurgar através do “desterro” no quarto, impenetrável que não ao seu senhor (DUBY, 2009, p. 88DUBY, Georges. “A vida privada nas casas aristocráticas da França feudal - Convívio”. In: DUBY, Georges (org.), História da vida privada: da Europa feudal à Renascença, vol. 2.Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 52-94.). Tal inviolabilidade do quarto das damas obcecava os cavaleiros, cujas prerrogativas cessavam diante da porta trancada.

Não é difícil localizar esses pequenos e significativos espaços fechados em O guarani. Assim é o quarto da donzela, como vimos, mas também o é, ainda no primeiro capítulo, o pequeno jardim descrito em três parágrafos, onde “parecia que a natureza se havia feito menina e se esmerara em criar por capricho uma miniatura”. Tudo ali implica simulação, a começar de sua definição: “era uma imitação graciosa de toda a natureza rica, vigorosa e esplêndida, que a vista abraçava do alto do rochedo”. Em meio às várias espécies da região recolhidas, corre “um fio d´água”, “fingindo um rio” - “tudo isso a mão do homem tinha criado no pequeno espaço com uma arte e graça admiráveis”. Não é por coincidência que o jardim, como viremos a saber mais adiante, “entestava com o gabinete de Cecília” (ALENCAR, 1958, p. 76ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406.), como um seu refúgio ao ar livre.

A cena do banho, já no capítulo 11 da primeira parte, é também emblemática. “Cecília tinha chegado a uma latada de jasmineiros que havia à borda d´água, e que lhe servia de casa de banho” (ALENCAR, 1958ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406., p. 91). Vedado a todo olhar e vigiado de longe por Peri, o recanto enfim se abre para o banho da donzela:

“Então afastando as ramas dos jasmineiros que ocultavam inteiramente a entrada, Cecília penetrou naquele pequeno pavilhão de verdura e examinou se as folhas estavam bem embastidas, se não havia alguma fresta por onde o olhar do dia penetrasse” (ALENCAR, 1958, p. 91ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406.). Em meio a esse espaço à beira d´água protegido e vedado ao olhar, ressurge a imagem da ave que encerra o capítulo inicial, desta vez diretamente associada à donzela: “atirou-se à agua como um passarinho [...]. Parecia uma dessas garças brancas” (ALENCAR, 1958, p. 92ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406.).

Por fim, no “Epílogo”, Peri cria em meio à floresta selvagem outro “retiro impenetrável” para proteger a heroína:

O índio, antes de partir, circulou a alguma distância o lugar onde se achava Cecília, de uma corda de pequenas fogueiras feitas de louro, de canela, urataí e outras árvores aromáticas [...] Cecília devia pois ficar tranquila como se estivesse em um palácio; e de fato era um palácio de rainha do deserto esse sombrio cheio de frescura a que a relva servia de alcatifa, as folhas de dossel, as grinaldas em flores de cortinas, os sabiás de orquestra, as águas de espelho, e os raios do sol de arabescos dourados. (ALENCAR, 1958ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406., p. 382).

Araripe Jr. já havia destacado com argúcia como a originalidade de sua obra resistia justamente “na subordinação da natureza bravia à beleza feminil, na transformação de tudo quanto cerca a mulher, ainda mesmo o enorme e o repelente, no mimo, na graça, na candura”. Para ele, “o autor de Iracema amava mais a natureza nas suas miniaturas do que na magnitude que arrebata o espírito através do espaço”. E, em outra passagem, acentua que o romancista se comprazia em “chamar a atenção para coisas mínimas” (ARARIPE Jr., 1978, p. 55, p. 53 e p. 93ARARIPE JR .. “José de Alencar - perfil literário”. In: BOSI, Alfredo (org.), Araripe Jr.: teoria, crítica e história literária. São Paulo: Edusp, 1978, p. 35-96 (“Sob o signo de Alencar”)., respectivamente).

No entanto, as “miniaturas”, as “coisas mínimas” associadas ao espaço da mulher sugerem mais que mimo, graça ou candura, mas antes imitação, fingimento, rígido controle, subordinação, ocultação e, no limite, morte.

Espaço, descrição e narrativa

A descrição do quarto de Ceci, desdobrada nos demais espaços referidos acima, ocupa lugar privilegiado ao constituir-se em um “verdadeiro sistema solar, dotado de um poderoso foyer de atração”, se tomarmos de empréstimo a caracterização utilizada por Roland Bourneuf ao estudar a topografia do romance “Le ventre de Paris”, de Zola20 20 “Du point de vue espatial, l´oeuvre est constituée comme un véritable système solaire, doté d´un foyer d´attraction puissant”. Cf. Bourneuf, 1970, p. 83. .

Intimamente associada ao espaço, a descrição pode provocar, contudo, um efeito anestesiante sobre o andamento da narrativa na medida em que suas virtudes se resumiriam somente, na melhor das hipóteses, a “um esplêndido exemplo de virtuosismo literário”, a crermos em Lukács quando analisa a cena de uma corrida de cavalos no romance Naná, também de Zola. Essa descrição, como tantas outras do escritor naturalista francês, exerceria um papel acessório no romance porque o ponto de vista adotado não é o de um participante da intriga, mas apenas o de um observador. Em consequência, ela deixa de imprimir dinâmica à narrativa, visto que “os acontecimentos da corrida são apenas debilmente ligados ao entrecho e poderiam facilmente ser suprimidos” (LUKÁCS, 1965LUKÁCS, Georg. “Narrar ou descrever?” In: Ensaios sobre literatura. Tradução de Leandro Konder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 43-94., p. 43 e p. 44, respectivamente). Lukács prossegue nessa linha ao retirar-lhe qualquer valor ontológico, subliminarmente associando-a à natureza-morta: “o método descritivo é inumano. Que ele se manifeste na transformação do homem em natureza morta [...] é só um sintoma artístico de tal inumanidade”21 21 Cfe. Lukács, 1965, 76. Sob diferente perspectiva, mas chegando a conclusão parecida, Marc-Eli Blanchard entende a natureza-morta como “um desafio à narratividade” e um “louvor às virtudes da descrição”. Cf. Blanchard, 1981, p. 277 (“still life is a challenge to narrativity and constitutes a praise of the virtues of description”). .

Lukács, no entanto, não se mostra convincente nessa passagem pois, ao mesmo tempo em que rebaixa a descrição, atribui valor significativo a trechos em princípio descritivos de outros romances, como o Robinson Crusoé, de Defoe. Para desatar esse no górdio que ele mesmo propõe, busca então resgatar-lhe algum valor ao subordiná-la a dois outros planos. O primeiro é o narrativo, pois a descrição só irá se tornar “poeticamente significativa por força do seu nexo com a ação narrada” (algo, de resto, em desacordo com sua afirmação de pouco antes, segundo a qual “desaparecem, no estilo descritivo, todas as conexões épicas”). Em segundo lugar, Lukács inscreve a descrição no plano normativo: “As coisas só têm vida poética enquanto relacionadas com acontecimentos de destinos humanos” (LUKÁCS, 1965LUKÁCS, Georg. “Narrar ou descrever?” In: Ensaios sobre literatura. Tradução de Leandro Konder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 43-94., p. 72-73).

Ora, ao analisarmos O guarani, nos encontramos aparentemente em um beco sem saída porque o ponto de vista adotado na descrição é seguramente o de um observador, e não o de um participante, como se depreende dos trechos do romance aqui citados. Contudo, encontramos no romance os dois encadeamentos apontados por Lukács, isto é, tanto o nexo narrativo quanto o normativo. É o primeiro que nos interessa mais de perto, pois a descrição na obra de Alencar se mostra determinante não apenas para a caracterização do espaço, mas também como elemento decisivo para movimentar sua engrenagem narrativa, ou aquilo que Propp chamou, em um estudo clássico, da combinação de funções e sequência.

Espaço privilegiado para onde converge o foco do narrador, o quarto de Ceci será também o espaço para onde irão convergir os olhares dos três jovens do romance - Álvaro, Peri e Loredano - sintetizados no título do capítulo oito da primeira parte: “Três linhas”:

A esta hora, havia naquele lugar três homens bem diferentes pelo seu caráter, pela sua posição e pela sua origem, que entretanto tinham uma mesma ideia. Separados pelos costumes e pela distância, os seus espíritos quebravam essa barreira moral e física, e se reuniam num só pensamento, convergindo para um mesmo ponto como os raios de um círculo. Sigamos pois cada uma das linhas traçadas por essa existência, que mais cedo ou mais tarde hão de cruzar-se no seu vértice (ALENCAR, 1958, p. 73ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406., grifo nosso).

O ponto ou vértice para o qual convergem olhares e pensamentos, “como os raios de um círculo”, é o “tênue reflexo de luz que esclarecia o quarto de Cecília” (ALENCAR, 1958, p. 75ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406.):

Assim, era esse o ponto onde irradiavam aquelas três linhas partidas de pontos tão diferentes. De maneira por que estavam colocados, [Álvaro, Loredano e Peri] formavam um verdadeiro triângulo, cujo centro era a janela frouxamente iluminada (ALENCAR, 1958, p. 77ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406.).

Objetificada assim como a natureza desprovida de seiva que a cerca em seus aposentos, paralisada assim como supõe a descrição da natureza-morta de seu quarto, Ceci desperta os desejos mais ou menos recônditos - o sublimado de Peri, o cortês de Álvaro e o escancaradamente libidinoso de Loredano:

“Loredano desejava; Álvaro amava; Peri adorava. O aventureiro daria a vida para gozar; o cavalheiro arrostaria a morte para merecer um olhar; o selvagem se mataria, se preciso fosse, só para fazer Cecília sorrir” (ALENCAR, 1958ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406., p. 79).

De forma aparentemente paradoxal, o espaço minuciosamente descrito dos aposentos de Ceci, e onde impera a natureza-morta, é o espaço que desperta o desejo dos três personagens e faz mover a narrativa:

Todos eles arriscavam ou iam arriscar sua vida, unicamente para tocarem com a mão o umbral da gelosia [do quarto]; e entretanto nem um pesava o perigo que ia correr; nem julgava que sua vida valesse a pena de mercadejar por ela um prazer (ALENCAR, 1958ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406., p. 77).

O aposento de Ceci, centro irradiador do desejo, volta à cena de forma contundente já quando o romance se aproxima de seu final. Esse espaço restrito, oculto e aparentemente inexpugnável é o que irá provocar uma sequência de ações espetaculares e decisivas para o andamento da narrativa, tais como Álvaro deixando a prenda para a amada no umbral da janela, Loredano maldosamente empurrando-a para o valado, a intrépida descida de Peri para recuperá-la, e sobretudo a sedição capitaneada pelo anti-herói, culminando na invasão do quarto de Ceci durante a noite, na tentativa de sequestrá-la e, sugestivamente, violá-la:

Cecília dormia envolta nas roupas do seu leito. [...] O talho de sua anágua abrindo-se deixava entrever um colo de linhas puras, mais alvo que a cambraia; e com a ondulação que a respiração branda imprimia ao seu peito, desenhavam-se sob a lençaria diáfana os seios mimosos. [...] Havia porém nesssa beleza adormecida uma expressão indefinível, um quer que seja de tão casto e inocente, que envolvia esse menina no seu sono tranquilo e parecia afugentar dela um pensamento profano. [...] Loredano aproximou-se, tremendo, pálido e ofegante. [...] O que sentiu quando seu olhar ardente caiu sobre o leito, é difícil dizer, é talvez mesmo difícil de compreender. Foi a um só tempo suprema ventura e horrível suplício (ALENCAR, 1958ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406., p. 242-3)

A tremenda força de que o romanesco se reveste em Alencar atinge um de seus picos nessa cena, em que o espaço da natureza-morta é conspurcado pela mais vital das forças humanas, o desejo:

A paixão brutal o devorava escaldando-lhe o sangue nas veias e fazendo saltar-lhe o coração; entretanto o aspecto dessa menina que não tinha para sua defesa senão a sua castidade, o encadeava. Sentia que o fogo queimava-lhe o seio; sentia que seus lábios tinham sede de prazer; [...] apenas o olhar cintilava e as narinas dilatadas aspiravam as emanações voluptuosas de que estava empreganada a sua atmosfera. [...] Era o anjo em face do demônio; era a mulher em face da serpente; a virtude em face do vício (ALENCAR, 1958ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406., p. 243).

A consumação física do ato é impedida pela intervenção de Peri, no momento em que “a mão que se adiantava e ia tocar o corpo de Cecília” (ALENCAR, 1958, p. 251ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406.). Mas o espaço tão a custo preservado do mundo externo, esse já fora destruído pelo gesto de Loredano, prenunciando a destruição de todo o espaço circundante que acabará por ocorrer nas páginas finais: da casa, da rocha, da floresta.

Sem o desejo que orbita obstinadamente em torno da descrição do quarto da donzela, onde se encontra uma “natureza transposta ou transformada para o homem” em que pulsa um “sentido erótico latente” - conforme a interpretação de Meyer Schapiro sobre a natureza-morta -, não haveria o enredo de O guarani tal como o conhecemos hoje. Soterrado debaixo do aspecto de domesticidade atribuído à mulher, conforme aponta Norman Bryson (“reprimido”, diria Meyer Schapiro), associado ao detalhe como elemento determinante para construir a representação da mulher (Labbe), o desejo avulta, a partir da descrição, como elemento decisivo para movimentar a engrenagem narrativa do romance, impelindo-a para a frente. Como lembra Peter Brooks, “o desejo está sempre no início de uma narrativa, frequentemente em um estado de despertar inicial”22 22 “Desire is always there at the start of a narrative, often in a state of initial arousal”. Cf. Brooks, 1992, p. 38. .

É em tal passagem, que conclui em alta voltagem uma sequência de ações, que se dá à perfeição o que Brooks chama de “a conjunção da narrativa do desejo e o desejo da narrativa”23 23 “[...] the conjunction of the narrative of desire and the desire of narrative”. Cf. Brooks, 1992, p. 48. . O desejo precisa ser consumado, e a ação que culmina na invasão do quarto de Ceci pelo vilão é exemplo perfeito da tentativa de realizá-lo. Porém, a possiblidade de consumação do desejo que não pode ser satisfeito é o que leva à precipitação vertiginosa do romance em direção a seu final, através da cenográfica cena do incêndio e da explosão da casa dos Mariz, promovendo a sublimação do desejo através da extinção do espaço onde ele deveria se dar24 24 Note-se como Peri recompõe pronta e imperceptivelmente o quarto da donzela, desordenado após a tentativa de violação: “Depois desse primeiro desvelo, o índio restabeleceu a ordem no aposento; deitou a roupa na cômoda, fechou a gelosia e as abas da janela, lavou as nódoas de sangue que ficaram impressas na parede e no soalho; e tudo isso com tanta solicitude, tão sutilmente, que não perturbou o sono da menina”. (ALENCAR, 1958, p. 252). .

Não é casual que, extinta a sociedade ficcional de que herói e donzela faziam parte, ambos são subitamente lançados de volta à natureza. Não a qualquer natureza, mas sim para a mesma que abre as linhas iniciais do romance: a paisagem. Nesta, onde o fluxo da água, tão presente nos parágrafos iniciais do romance e totalmente ausente na descrição da natureza-morta, volta a correr com ímpeto: “E sumiu-se no horizonte”.

Liberta da natureza-morta onde desperta o desejo e entregue à natureza enquanto paisagem, Ceci só é livre, porém, na medida em que sua liberdade se realiza pela mão do herói, Peri, o que não deixa de ser uma forma de autonomia, ainda que tutelada.

Referências

  • ALENCAR, José de. O guarani Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406.
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  • SÜSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
  • *
    Este artigo foi desenvolvido durante um período como Visiting Scholar no Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Chicago, Estados Unidos, graças a uma Bolsa de Pesquisa no Exterior concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP (Processo 17/22998-4).
  • 1
    “Landscape appeared as an accumulation, a conglomeration of isolated parts until, in the last phase, the particular segment is approached from some vantage-point or other and all the details are arranged according to space-logic” Cf. Friëdlander, 1949FRIEDLÄNDER, Max. J. Landscape, portrait, still-life: their origin and development. Translated from German by R. F. C. Hull. Oxford: Bruno Cassirer, 1949., 18.
  • 2
    “La consicence doit avoir, au-delà des éléments, un nouvel ensemble, une nouvelle unité, non liés aux significations particulières des premiers ni composés de leur somme mécaniquement, pour que commence le paysage”. Cf. Simmel, 1988SIMMEL, Georg. “Philsophie du paysage”. In: La tragédie de la culture et autres éssais. Traduction S. Comille et P. Ivernel. Paris, Marseille: Rivages, 1988, p. 369-375., p. 369.
  • 3
    “Un extrait de la nature [...] autonomisé. [...] La nature, qui dans son être et dans son sens profonds ignore tout de l´individualité, se trouve remaniée par le regard humain - qui la divise et recompose ensuite des unités particulières - en ces individualités qu´on baptise paysages”. Cf. Simmel, 1988SIMMEL, Georg. “Philsophie du paysage”. In: La tragédie de la culture et autres éssais. Traduction S. Comille et P. Ivernel. Paris, Marseille: Rivages, 1988, p. 369-375., p. 370.
  • 4
    Vejam-se, por exemplo, a descrição da sala, a intimidade de Eugénie no jardim, “le petit banc de bois” ou como a “la maison est l´image de sa vie”. Cf. Honoré de Balzac. Eugénie Grandet. Paris: Livre de Poche, 1987, p. 23, p. 77-78, p. 249-251 e p. 269.
  • 5
    Vale citar todo o trecho do crítico francês: “Assim Balzac, descrevendo-nos a pensão Vauquer, começa por impregnar-nos com a cor parda [...]. Depois ele nos instala na rua, expondo-nos o que veríamos. [...]. Uma vista frontal [...] completada pela vista dos outros lados; depois o interior, ele nos mostra quais são as comunicações entre os diferentes locais do andar, levantando uma espécie de planta de arquiteto, de vista horizontal, ou mais exatamente, de corte [...], antes de inventariar o mobiliário de cada cômodo, mais ou menos identificável, os objetos da sala de jantar tendo perdido quase toda individualidade, estando amalgamados na sujeira, na densidade da atmosfera mais parda aqui do que em outra parte qualquer [...]”. Cf. Michel Butor, 1974BUTOR, Michel. “O espaço no romance”. In: Repertório. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 39-46., p. 43.
  • 6
    Flora Süssekind, por exemplo, fala da “propositada historicização de rios e rochas na descrição inicial [através da feudalização das relações]” (Süssekind, 2006SÜSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui. São Paulo: Companhia das Letras, 2006., 200). Alfredo Bosi menciona que “o processo europeu de dominação vai assimilar os dados da natureza [em O guarani]: desenhará na selva formas góticas e clássicas fazendo o rio correr no meio de arcarias e verduras e de capiteis formados por leques de palmeiras” (BOSI, 1995BOSI, Alfredo. “Um mito sacrificial: o indianismo de Alencar”. In: Dialética da colonização. 3a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 176-193., p. 187). Gilberto Freyre explica que o “paisagismo eloquente” de Alencar seria uma “crítica indireta a todo um sistema socioeconômico: o patriarcal e escravocrático das casas-grandes e dos sobrados” (FREYRE, 1987FREYRE, Gilberto. “Reinterpretando José de Alencar”. In: Vida, forma e cor. Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 119-139., p. 125).
  • 7
    “Natural objects must be removed from their natural context. A picture of an apple hanging on a tree against a background of sky is not a still-life”. Cf. McCoubrey, 1958MCCOUBREY, John W. Studies in French Still-Life painting, theory and criticism: 1660-1860. Dissertation in the Department of Fine Arts, University of Michigan, Ann Arbor, March 1958., p. 3-4.
  • 8
    “Il est là, c´est tout, au millieu de beaucoup d´autres”. Cf. Barthes, 1964BARTHES, Roland. “Le monde-objet”. In: Essais critiques. Paris: Seuil, 1964, p. 19-28., p. 20.
  • 9
    “To a remarkable extent the study of art and its history has been determined by the art of Italy and its study. [...] Italian art and the rhetorical evocation of it has not only defined the practice of central tradition of Western artists, it has also determined the study of their works. [...] In the Renaissance this world was a stage on which human figures performed significant actions based on the texts of the poets. It is a narrative art. And the ubiquotous doctrine ‘ut pictura poesis’ was in order to explain and legitimize images through their relationship to prior and hallowed texts. [...] A major theme of this book id that central aspects of seventeenth-century Dutch art - and indeed of the northern tradition of which it is part - can be best understood as being an art of describing as distinguished from the narrative art of Italy”. Cf. Alpers, 1984ALPERS, Svetlana. The art of describing: Dutch art in the seventeenth century. Chicago, London: The University of Chicago Press, 1984., XIX, XIX e XX, respectivamente.
  • 10
    “Meaningless” e “inferior by nature”. Cf. Alpers, 1984ALPERS, Svetlana. The art of describing: Dutch art in the seventeenth century. Chicago, London: The University of Chicago Press, 1984., p. XXI.
  • 11
    “The Dutch present their pictures as describing the world seen rather than as imitations of significant human actions”. Cf. Alpers, 1984ALPERS, Svetlana. The art of describing: Dutch art in the seventeenth century. Chicago, London: The University of Chicago Press, 1984., XXV.
  • 12
    “And everything is pictured - from insects and flowers to Brazilian natives in full-life size to the domestic arrangements of Amsterdammers”. Cf. Alpers, 1984ALPERS, Svetlana. The art of describing: Dutch art in the seventeenth century. Chicago, London: The University of Chicago Press, 1984., p. XXV.
  • 13
    “The still life of the women is the embodiment of everything that this system of political values refuses: domesticity, routine, repair”. Cf. Bryson, 1990BRYSON, Norman. Looking at the over looked: four essays on still life painting. Cambridge: Harvard University Press, 1990., p. 157.
  • 14
    “The ability to abstract”; “defining characteristics of masculinity”. Cf. Labbe, 1998LABBE, Jacqueline M. Romantic visualities: landscape, gender and Romanticism. London: Palgrave Mcmillan, 1998., p. IX.
  • 15
    “A perceived inability to reason, are also distinctly gendered, defining and representing femininity”. Cf. Labbe, 1998LABBE, Jacqueline M. Romantic visualities: landscape, gender and Romanticism. London: Palgrave Mcmillan, 1998., p. IX.
  • 16
    “The prospect view is both an ideal and a privilege”, Cf. Labbe, 1998LABBE, Jacqueline M. Romantic visualities: landscape, gender and Romanticism. London: Palgrave Mcmillan, 1998., p. XI.
  • 17
    “A culturally powerful symbol”. Cf. Labbe, 1998LABBE, Jacqueline M. Romantic visualities: landscape, gender and Romanticism. London: Palgrave Mcmillan, 1998., X.
  • 18
    “[...] valorizes the general and denigrates the detail”. Cf. Labbe, 1998LABBE, Jacqueline M. Romantic visualities: landscape, gender and Romanticism. London: Palgrave Mcmillan, 1998., p. XI.
  • 19
    “[It] constructs the feminine through its association with detail, particularity”. Cf. Labbe, 1998LABBE, Jacqueline M. Romantic visualities: landscape, gender and Romanticism. London: Palgrave Mcmillan, 1998., p. XV.
  • 20
    “Du point de vue espatial, l´oeuvre est constituée comme un véritable système solaire, doté d´un foyer d´attraction puissant”. Cf. Bourneuf, 1970, p. 83.
  • 21
    Cfe. Lukács, 1965, 76. Sob diferente perspectiva, mas chegando a conclusão parecida, Marc-Eli Blanchard entende a natureza-morta como “um desafio à narratividade” e um “louvor às virtudes da descrição”. Cf. Blanchard, 1981BLANCHARD, Marc Eli. On still life. Yale French Studies, n. 61, 1981, p. 276-298., p. 277 (“still life is a challenge to narrativity and constitutes a praise of the virtues of description”).
  • 22
    “Desire is always there at the start of a narrative, often in a state of initial arousal”. Cf. Brooks, 1992BROOKS, Peter. “Narrative desire”. In: Reading for the plot: design and intention in narrative. Cambridge/London: Harvard University Press, 1992, p. 37-61., p. 38.
  • 23
    “[...] the conjunction of the narrative of desire and the desire of narrative”. Cf. Brooks, 1992BROOKS, Peter. “Narrative desire”. In: Reading for the plot: design and intention in narrative. Cambridge/London: Harvard University Press, 1992, p. 37-61., p. 48.
  • 24
    Note-se como Peri recompõe pronta e imperceptivelmente o quarto da donzela, desordenado após a tentativa de violação: “Depois desse primeiro desvelo, o índio restabeleceu a ordem no aposento; deitou a roupa na cômoda, fechou a gelosia e as abas da janela, lavou as nódoas de sangue que ficaram impressas na parede e no soalho; e tudo isso com tanta solicitude, tão sutilmente, que não perturbou o sono da menina”. (ALENCAR, 1958ALENCAR, José de. O guarani. Obra completa, v. II (romance histórico). Org. M. Cavalcanti Proença. Rio: José Aguilar, 1958, p. 27-406., p. 252).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2019
  • Aceito
    31 Ago 2019
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