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Distúrbios do sono na epilepsia do lobo temporal

Sleep disorders in temporal lobe epilepsy

Resumos

A presença de distúrbios do sono e macroestrutura do sono foi avaliada em 39 pacientes com epilepsia do lobo temporal (ELT). Sonolência foi a queixa mais frequente (85%), seguida por despertares noturnos (75%), história de crise epiléptica durante o sono (69%) e dificuldade de iniciar o sono (26%). As parassonias, síndrome de pernas inquietas, apnéia de sono e movimentos periódicos de membros inferiores foram os distúrbios de sono mais frequentes. Principais alterações da arquitetura de sono foram: fragmentação do sono, aumento do número de mudanças de estágios (100%) e do tempo acordado após o início do sono (77%) e redução do sono REM (92%). Houve correlação inversa entre a escala de sonolência de Epworth e o teste de latências múltiplas de sono (p < 0,05). Concluímos que pacientes com ELT apresentam um sono fragmentado, aumento do numero de mudanças de estágios, de despertares noturnos e do tempo acordado após o início do sono com redução do sono REM. Sonolência diurna foi uma das principais queixas dos pacientes com ELT.

sono; epilepsia do lobo temporal; sonolência; polissonografia


The objective of this study was to evaluate sleep macrostructure and sleep disturbance in a group of 39 patients with temporal lobe epilepsy (TLE). Patients completed questionnaires to evaluate their sleep and subjective daytime sleepiness (Epworth Sleepiness Scale [ESS]) and undergone Polysomnography and Multiple Sleep Latency Test (MSLT). Daytime sleepiness was the most frequent complaint (85%), followed by wakefulness during sleep, history of seizures during sleep (75%) and initial insomnia (26%). Parassomnias (67%), obstructive sleep apneas (13%), restless legs syndrome (15%) and periodic limb movements (5%) were the most frequent sleep disorders. The most frequent changes of sleep patterns were: sleep architecture fragmentation (100%), decreased amount of REM sleep (92%) and increase in time awake after sleep onset (77%). There were significative correlations between the ESS and the MSLT (p<0,05). In conclusion, TLE patients have fragmented sleep with increased sleep stages shifts, increased number of awakenings and in time awake after sleep onset. REM sleep was decreased. Daytime sleepiness was the most frequent complaint in TLE patients.

sleep; temporal lobe epilepsy; sleepiness; polysomnography


Distúrbios do sono na epilepsia do lobo temporal

Sleep disorders in temporal lobe epilepsy

Cláudia Ângela Vilela de AlmeidaI,II; Otávio Gomes LinsII; Salustiano Gomes LinsI,II; Sílvia LaurentinoI; Marcelo Moraes ValençaI

IServiço de Neurologia e Neurocirurgia, Departamento de Neuropsiquiatria, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife PE, Brasil

IILaboratórios Integrados de Neurofisiologia e Sono (LINS), Recife PE, Brasil

RESUMO

A presença de distúrbios do sono e macroestrutura do sono foi avaliada em 39 pacientes com epilepsia do lobo temporal (ELT). Sonolência foi a queixa mais frequente (85%), seguida por despertares noturnos (75%), história de crise epiléptica durante o sono (69%) e dificuldade de iniciar o sono (26%). As parassonias, síndrome de pernas inquietas, apnéia de sono e movimentos periódicos de membros inferiores foram os distúrbios de sono mais frequentes. Principais alterações da arquitetura de sono foram: fragmentação do sono, aumento do número de mudanças de estágios (100%) e do tempo acordado após o início do sono (77%) e redução do sono REM (92%). Houve correlação inversa entre a escala de sonolência de Epworth e o teste de latências múltiplas de sono (p < 0,05). Concluímos que pacientes com ELT apresentam um sono fragmentado, aumento do numero de mudanças de estágios, de despertares noturnos e do tempo acordado após o início do sono com redução do sono REM. Sonolência diurna foi uma das principais queixas dos pacientes com ELT.

Palavras-chave: sono, epilepsia do lobo temporal, sonolência, polissonografia.

ABSTRACT

The objective of this study was to evaluate sleep macrostructure and sleep disturbance in a group of 39 patients with temporal lobe epilepsy (TLE). Patients completed questionnaires to evaluate their sleep and subjective daytime sleepiness (Epworth Sleepiness Scale [ESS]) and undergone Polysomnography and Multiple Sleep Latency Test (MSLT). Daytime sleepiness was the most frequent complaint (85%), followed by wakefulness during sleep, history of seizures during sleep (75%) and initial insomnia (26%). Parassomnias (67%), obstructive sleep apneas (13%), restless legs syndrome (15%) and periodic limb movements (5%) were the most frequent sleep disorders. The most frequent changes of sleep patterns were: sleep architecture fragmentation (100%), decreased amount of REM sleep (92%) and increase in time awake after sleep onset (77%). There were significative correlations between the ESS and the MSLT (p<0,05). In conclusion, TLE patients have fragmented sleep with increased sleep stages shifts, increased number of awakenings and in time awake after sleep onset. REM sleep was decreased. Daytime sleepiness was the most frequent complaint in TLE patients.

Key words: sleep, temporal lobe epilepsy, sleepiness, polysomnography.

Várias evidências indicam haver uma relação íntima entre a epilepsia e o ciclo sono-vigília. Efeitos facilitadores e inibidores do sono sobre a epilepsia têm sido relatados1-2. Uma ação protetora do sono se revela pela maior ocorrência de crises epilépticas após a privação de sono3. Por outro lado um efeito facilitador do sono é evidenciado em algumas circunstâncias: a) algumas síndromes epilépticas se manifestam primariamente durante o sono ou durante o despertar4; b) ocorrência de um aumento do número de descargas interictais durante o sono, particularmente o sono NREM5 e c) pela relação existente entre produção de fusos de sono e descargas epilépticas6.

Alterações do sono são observadas nos pacientes com crises generalizadas e também naqueles com crises parciais7-8. Estas alterações podem ser causadas pelas crises epilépticas que interferem diretamente sobre a circuitaria neuronal envolvida no ciclo sono-vigília, pelo uso de drogas antiepilépticas (DAE) e pela presença de um distúrbio primário de sono, como a apnéia obstrutiva de sono4. Os distúrbios primários de sono são relativamente frequentes na população geral não epiléptica e podem coexistir com a epilepsia, causando implicações importantes no seu manuseio. A fragmentação e privação de sono, bem como a hipoxia associada aos distúrbios respiratórios do sono, podem facilitar a ocorrência de crises epilépticas. O uso de DAE pode piorar as apnéias de sono pela redução do tônus muscular das vias aéreas superiores9 e causar sonolência como efeito colateral.

O presente estudo visa avaliar a presença de distúrbios de sono e a macroestrutura de sono em um grupo de pacientes com epilepsia do lobo temporal (ELT).

MÉTODO

Foram estudados 39 pacientes com ELT provenientes do ambulatório de epilepsia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, no período de maio a novembro de 2002. Os pacientes foram diagnosticados com base na história clínica, eletroecefalograma (EEG) interictal e exame de neuroimagem pela ressonância magnética (RM), preenchendo os critérios para crises parciais complexas da Liga Internacional contra Epilepsia10 O exame do encéfalo pela RM foi considerado normal ou mostrava a presença de esclerose hipocampal (EH). A idade dos pacientes variou entre 14 e 50 anos (32±11anos) sendo 17 pacientes do sexo masculino. Os dados demográficos, os detalhes relevantes de sua avaliação neurológica e medicação usada no momento da investigação são apresentados na Tabela 1. Todos os pacientes consentiram espontaneamente em participar deste estudo. As DAE foram mantidas por razões éticas.

Os pacientes responderam a um questionário geral sobre os seus hábitos e possíveis distúrbios de sono, à escala de sonolência de Epworth (ESE), e foram submetidos a uma polissonografia (PSG) e a um teste de latências múltiplas de sono (TLMS). Os exames foram realizados no laboratório de sono dos Laboratórios Integrados de Neurofisiologia e Sono, Recife, PE.

A ESE avalia a sonolência subjetiva (a probabilidade do paciente adormecer em situações monótonas). É uma escala com oito itens, com um total de escores variando entre 0 e 24 pontos. Um escore maior do que 10 pontos é consistente com uma sonolência excessiva11.

As PSG foram realizadas em um polígrafo digital de 32 canais (marca Cadwell). Os registros iniciaram entre as 22:00 e 24:00h, obedecendo ao horário regular de deitar de cada paciente. O EEG foi obtido com 19 eletrodos colocados de acordo com o sistema internacional 10-20 de colocação de eletrodos (FP1, FP2, F7, F3, FZ, F4, F8, T3, C3, CZ, C4, T4, T5, P3, PZ, P4, T6, O1 e O2) com eletrodo de referência colocado em FPZ. Reconstruções computadorizadas de montagens bipolares e referenciais médias foram possíveis. Um eletrodo terra foi colocado na região frontal. O filtro do EEG de passa-alta foi de 0,53 Hz e o filtro de passa-baixa de 35 Hz e a sensibilidade foi de 7mV/mm. A impedância foi mantida abaixo de 5.000W. Foram utilizados outros canais para eletrooculograma (EOG) bilateral, eletromiografia (EMG) submentoniana, eletrocardiograma (ECG), fluxo aéreo, esforço respiratório, EMG tibial anterior bilateral, oximetria de pulso, frequência cardíaca e posição do paciente. Os exames foram arquivados em disco rígido para análise posterior. Os traçados foram estagiados por análise visual em épocas de 30s de acordo com os critérios do manual de estagiamento de Rechtschaffer e Kales12. Os seguintes parâmetros de sono foram avaliados: latência de sono (tempo em minutos que vai do início da monitorização até a primeira época de sono), latência REM (intervalo de tempo decorrido entre a primeira época de estágio 1 até a primeira época de sono REM), o tempo total de sono (TTS), o período total de sono (PTS); intervalo de tempo que vai da primeira época de sono até o último despertar pela manhã incluindo o período acordado após o início do sono, a eficiência de sono [(ES; relação entre o tempo total de sono e o período total de sono (ES = TTS/PTS x 100)] e os percentuais dos estágios de sono: acordado após o início do sono (WASO: wake after sleep onset), estágio 1, estágio 2, sono de ondas lentas (estágios 3 e 4) e de sono REM. Os percentuais dos estágios de sono foram calculados a partir do PTS. Um índice de apnéia e/ou hipopnéia (IAH) menor que 5/hora foi considerado normal; entre 5 e 15/hora, apnéia leve; entre 16 e 30/hora, apnéia moderada e acima de 30/hora, apnéia grave. Um índice de movimentos periódicos de membros inferiores menor que 5/hora foi considerado normal; entre 5 e 25/hora, leve; entre 26 e 50/hora, moderado e acima de 50/hora, grave.

O TLMS é um teste neurofisiológico padrão que avalia a sonolência diurna de uma forma objetiva. Este exame consiste de cinco registros com duração de 20 minutos, a intervalos de duas horas e é solicitado ao paciente que tente dormir. O TLMS foi realizado de preferência no dia seguinte à PSG e iniciado cerca de duas a três horas após o despertar pela manhã. Foram utilizados quatro canais para EEG (C3-A2, C4-A1, O1-A2 e O2-A1), dois canais para EOG e um canal para EMG submentoniano. Os filtros e a sensibilidade foram os mesmos utilizados na PSG. O TLMS foi estagiado por análise visual de acordo com os critérios padrões do manual de estagiamento de Rethchasfer e Kales12. Foram medidas as latências médias para o início do sono (do apagar das luzes até a primeira época de sono) e a latência para o sono REM. No TLMS é considerada sonolência grave ou intensa a latência média de sono menor que 5 minutos; sonolência moderada, a latência entre 5 e 10 minutos; sonolência leve, a latência entre 11 e 15 minutos e ausência de sonolência patológica, uma latência entre 15 e 20 minutos.

A lateralização da zona epileptógena foi baseada no EEG e/ou no lado da presença da EH. Os dados são apresentados como média ± desvio padrão.

RESULTADOS

A Tabela 2 mostra os dados relacionados com os principais distúrbios de sono encontrados nos pacientes epilépticos com base na avaliação da história clínica através de um questionário geral sobre os hábitos e distúrbios de sono e das PSGs.

A queixa mais frequentemente referida pelos pacientes foi sonolência diurna, observada em 85% deles. Setenta e nove porcento dos pacientes referem que acordam durante a noite e 69% relataram que apresentam crises epilépticas durante o sono. Dez pacientes (26%) referiram dificuldade para iniciar o sono (insônia inicial). Entre os distúrbios de sono, as parassonias foram as mais frequentes. Sessenta e sete porcento dos pacientes tinham algum tipo de parassonia. As mais frequentes foram sonilóquios, pesadelos, bruxismo e despertar confuso.

Cinco pacientes tinham apnéia obstrutiva de sono. O paciente Nº 2, com 50 anos de idade, sexo masculino, queixava-se de sonolência diurna importante que se intensificou nos dois últimos meses e que não estava associada com modificações na medicação. Este paciente ganhou cerca de 5 kg em um ano. A PSG mostrou roncos de elevada sonoridade e um IAH de 18/hora, mas em decúbito dorsal este índice subiu para 58/hora. A microarquitetura de sono estava fragmentada, sendo registrados 196 microdespertares. Outras três pacientes apresentaram um IAH >5/hora, as pacientes Nº 1 e Nº 31, ambas com 50 anos de idade, se encontravam na menopausa e a paciente Nº 33 que apresentava excesso de peso. O paciente Nº 36, com 44 anos, portador de hipertensão arterial sistêmica fez cirurgia para tratamento de roncos e apnéias. Na PSG o IAH foi < 5/hora.

Dois pacientes apresentaram um índice de movimentos periódicos acima de 5/hora não associados com microdespertares e seis pacientes apresentaram síndrome de pernas inquietas, 50% destes apresentaram dificuldade para iniciar o sono. Apesar de dois pacientes apresentarem história de paralisia de sono, nenhum deles preencheu os critérios para o diagnóstico de narcolepsia. Nenhum dos pacientes tem distúrbio de comportamento de sono REM.

A Figura 1 mostra a relação linear entre os escores da ESE e as latências médias de sono obtidas durante o TLMS. Havendo uma correlação significativa entre as duas variáveis (p=0,0480; r2 0,1016; slope – 0,4013±0,1962). O escore médio da ESE foi de 8,02 ± 4,09 (DP) e a latência média para o início do sono do TLMS de 12,79 ± 5,14 min. Apenas um paciente apresentou um episódio de início do sono através de sono REM (SOREMP), com uma latência média de 15 min. Catorze pacientes (36%) apresentaram sonolência excessiva de acordo com os critérios da ESE. Os escores do TLMS mostram que dois pacientes apresentaram sonolência grave, 11 pacientes (28%) apresentaram sonolência moderada, 10 pacientes (26%) apresentaram sonolência leve e 16 pacientes (41%) não apresentaram sonolência.


A Figura 2 mostra os valores isolados dos parâmetros de sono das PSGs dos pacientes epilépticos comparados com os dados de normatização de PSG utilizados em nosso laboratório de sono. A Tabela 3 mostra a frequência das anormalidades encontradas nos parâmetros de sono das PSG dos pacientes com ELT. Estes pacientes com ELT apresentaram uma arquitetura de sono fragmentada, com aumento do número de despertares noturnos. A Figura 3a mostra o exemplo de um hipnograma de um paciente com ELT e EH direita. Este paciente de 23 anos de idade teve uma latência de sono de 54 min, permaneceu 60 minutos acordado após o início do sono e apresentou uma eficiência de sono de 81%. A latência para o sono REM foi de 266 min e o percentual de sono REM de apenas 7%. A Figura 3b mostra o exemplo de um hipnograma de uma paciente de 25 anos de idade com ELT e apnéia de sono. Note que a arquitetura de sono está muito fragmentada por breves despertares. A Figura 3c mostra o exemplo do hipnograma de um voluntário normal com 25 anos de idade, onde a latência de sono foi de 30s, a eficiência de sono de 96% e o percentual de sono REM de 22%.





Dois dos nossos pacientes apresentaram crises epilépticas durante os registros polissonográficos. A paciente Nº 38 apresentou três crises parciais complexas na noite da PSG durante a transição sono-vigília e uma outra crise durante o estágio 2 no TLMS. Esta paciente apresentou uma latência prolongada para o início do sono e para o sono REM, a arquitetura de sono estava fragmentada, com aumento do tempo acordado após o início do sono e aumento do estágio 1, com redução dos percentuais de sono REM e do sono de ondas lentas. O paciente número 22 apresentou uma crise parcial com generalização secundária durante o estágio 2. Este paciente suspendeu a medicação no dia do exame e repetiu sua PSG em outra ocasião.

DISCUSSÃO

Os resultados dos parâmetros de sono das PSG dos nossos pacientes com ELT mostraram uma estrutura de sono fragmentada com um número aumentado de despertares noturnos e de mudanças de estágios. A latência para o início do sono está normal na maioria dos pacientes e a latência REM está prolongada em mais de 1/3 dos pacientes. O tempo acordado após o início do sono está aumentado e o percentual de sono REM reduzido. Outras alterações observadas foram: redução na eficiência de sono, aumento dos estágios de sono superficial (estágios 1 e 2 NREM) e redução de sono de ondas lentas (estágios 3 e 4 NREM). A epilepsia pode alterar a arquitetura e microarquitetura de sono. As alterações mais frequentemente observadas por Bacia et al.13 no padrão de sono de pacientes epilépticos foram: um prolongamento para o início do sono e para o primeiro episódio de sono REM, uma instabilidade dos estágios de sono e ausência de fusos de sono. Segundo Mendez e Radtke14, pacientes epilépticos apresentam anormalidades múltiplas durante o sono, entre elas um aumento da latência de sono REM, um sono fragmentado, um aumento de despertares e de mudanças de estágios e um aumento nos estágios 1 e 2 de sono NREM. Baldy-Moulinier15 observou em pacientes com ELT um aumento de mudanças de estágios com vários despertares e um aumento na duração do sono superficial com relação aos indivíduos normais. Ele também observou que estas alterações na arquitetura de sono eram independentes das crises noturnas.

Os pacientes que apresentaram uma estrutura de sono mais desorganizada, com maior fragmentação da arquitetura de sono, redução do percentual de sono de ondas lentas e prolongamento das latências para o início do sono e para o sono REM, e um menor percentual de sono REM apresentavam em sua grande maioria EH e tendiam a apresentar um pior controle das crises. Esses dados são compatíveis com os achados observados por Manni et al.16 em um grupo de 14 pacientes com epilepsia parcial fazendo uso de carbamazepina. Os pacientes apresentavam um padrão de sono noturno instável, com alterações na continuidade do sono. Os pacientes com um pobre controle das crises tendiam a apresentar maiores alterações na estabilidade do sono, comparadas com os pacientes com melhor controle clínico. Pacientes epilépticos também mostraram menos sono REM e latência REM mais prolongada comparadas com controles normais, sendo os valores do REM mais alterados naqueles pacientes que apresentavam um pior controle.

Apenas um dos nossos pacientes, o Nº 22, apresentou uma quantidade de sono REM nos limites superiores da normalidade, com uma redução da latência do sono REM. Este paciente estava deprimido, com idéias de suicídio e um escore do teste de Beck de 38 pontos, compatível com uma depressão grave. O encurtamento da latência REM e um aumento do percentual do sono REM são achados polissonográficos descritos em pacientes com depressão17.

As DAE podem alterar a estrutura do sono, além de serem causa importante de sonolência diurna nos pacientes epilépticos. Uma sonolência leve frequentemente é vista no início do tratamento com DAE, devido ao efeito sedativo destas drogas. Geralmente a sonolência diminui com o passar do tempo devido ao efeito de tolerância. A prevalência da sonolência excessiva é significativamente maior nos pacientes com esquemas de politerapia.

A relação entre sono e epilepsia é influenciada pelo tratamento farmacológico18. O fenobarbital é considerada a DAE com maior efeito sedativo19. O fenobarbital encurta a latência do sono, diminui o sono REM, diminui o número de despertares e aumenta o sono NREM (principalmente o estágio 2) e os fusos de sono. A fenitoína reduz a latência de sono e os estágios 1 e 2, aumenta sono de ondas lentas e não produz nenhum efeito sobre o sono REM20. O ácido valpróico aumenta o tempo total de sono e diminui os despertares. Os benzodiazepínicos reduzem a latência do sono, diminuem os estágios 3 e 4, prolongam a latência e diminuem a quantidade do sono REM, aumentam o estágio 2 e a densidade dos fusos 21. A carbamazepina produz uma melhora na continuidade do sono, diminuição na fragmentação do sono, um aumento do tempo total de sono e dos estágios 3 e 4 e um encurtamento da latência de sono. Apesar das DAE serem implicadas como causa de despertares e instabilidade do sono, algumas DAE como a carbamazepina e o ácido valpróico poderiam ter um efeito estabilizante no sono dos pacientes epilépticos22.

Touchon et al.23 observaram em pacientes com ELT recém-diagnosticados e livres de medicação um aumento de despertares, de mudanças de estágios e de tempo acordados após o início do sono, comparados com pacientes diagnosticados há mais de cinco anos e que eram tratados com DAE. Após tratamento com carbamazepina por um mês, estes pacientes apresentaram melhora na estabilidade do sono, porém os dois grupos de pacientes epilépticos apresentaram um aumento no número e na duração dos despertares, mudanças de estágios e redução na eficiência de sono quando comparados com controles normais. Drake et al.24 observaram em um grupo de pacientes epilépticos que estavam recebendo medicação antiepiléptica em níveis terapêuticos, uma redução no tempo total de sono, aumento de despertares e prolongamento da latência de sono em pacientes com crises parciais quando comparados com pacientes com epilepsia generalizada. Havia redução de sono REM e prolongamento de sua latência nos pacientes com crises parciais. Os dois grupos apresentavam redução de sono REM. Kohsaka25 observou uma diminuição na eficiência do sono e um aumento no percentual de despertares em pacientes epilépticos tratados e não tratados com DAE. Crises epilépticas durante o sono podem afetar a sua organização. Bazil et al.26 observaram uma redução de sono REM em pacientes com crises parciais complexas do lobo temporal, particularmente quando elas ocorrem durante o sono, mas também quando elas ocorrem no dia anterior.

Os distúrbios de sono são comuns na população geral. Cerca de 1/3 da população adulta dos Estados Unidos apresentam queixas de sono27. Os distúrbios de sono podem coexistir com vários distúrbios neurológicos, inclusive epilepsia. A co-morbidade neste caso tem implicações significativas no diagnóstico, diagnóstico diferencial e manuseio destes pacientes. Os diagnósticos polissonográficos encontrados por Mallow et al.28 em um grupo de 37 pacientes epilépticos adultos encaminhados para PSG foram: apnéia obstrutiva de sono, narcolepsia, síndrome de sono insuficiente com possível hipersonia idiopática e crises noturnas não reconhecidas previamente. A maioria dos pacientes tratados para apnéia obstrutiva de sono ou outros distúrbios de sono apresentaram uma melhora na sonolência ou no controle das crises. Mallow et al.29 encontraram uma prevalência elevada (33%) de apnéia obstrutiva de sono em pacientes com epilepsia refratária ao tratamento clínico, principalmente entre pacientes do sexo masculino, com idade mais avançada e naqueles que apresentavam crises epilépticas durante o sono.

Treze porcento dos nossos pacientes apresentaram apnéia obstrutiva de sono. Os fatores predisponentes de apnéia de sono observados nestes pacientes foram roncos altos, sonolência diurna, idade acima de 40 anos, menopausa, obesidade e história de hipertensão arterial sistêmica.

A influência recíproca entre epilepsia e síndrome de apnéia de sono pode agravar o prognóstico das duas afecções. A hipóxia e a fragmentação do sono causada pelas apnéias repetidas poderiam diminuir o limiar convulsivo dos pacientes. O tratamento com DAE pode causar disfunção respiratória durante o sono, ou agravar uma síndrome de apnéia obstrutiva de sono latente ou pré-existente. É de se esperar que o tratamento da síndrome de apnéia de sono melhore o controle das crises nestes pacientes30. A associação entre distúrbios respiratórios do sono e epilepsia deve ser investigada naqueles pacientes que apresentam sonolência diurna excessiva, roncos altos e principalmente se estão enquadrados dentro do grupo de maior risco de apresentar apnéia de sono.

Além da apnéia obstrutiva de sono, outros distúrbios de sono foram observados em nossos pacientes epilépticos, dentre eles as parassonias (sonilóquios, sonambulismo, terror noturno, bruxismo, despertar confuso), que são condições benignas e apresentam uma prevalência elevada na população geral31. No diagnóstico diferencial as parassonias devem ser identificadas, pois muitas vezes são confundidas com automatismos nas crises parciais complexas. Estes distúrbios devem ser reconhecidos e corrigidos adequadamente, pois podem ser causa de fragmentação da arquitetura de sono e de insônia inicial.

Sonolência diurna é a queixa de sono mais frequentemente encontrada nos pacientes com epilepsia, tendo sido referida por 85% dos nossos pacientes. Consideramos sonolência excessiva uma necessidade imperiosa de dormir em horas e condições ambientais inadequadas. A sonolência diurna subjetiva pode ser avaliada por escalas visuais ou questionários, sendo a ESE uma das mais conhecidas. A sonolência objetiva pode ser avaliada pelo TLMS e o teste de manutenção da vigília. Nós analisamos a relação entre os escores da ESE e das latências médias de sono no TLMS em nossos pacientes com ELT. A ESE mostrou que 36% dos pacientes apresentaram um escore maior que 10, compatível com uma sonolência grave, enquanto que o TLMS mostrou que 59% dos pacientes apresentaram uma latência média de sono menor que 15 minutos, 5% apresentando sonolência grave, 28% sonolência moderada e 26% sonolência leve. Os escores da ESE correlacionaram-se negativamente com os escores do TLMS. Porém, nem sempre houve uma relação entre a sensação de sonolência referida pelo paciente com a tendência de adormecer no TLMS.

CONCLUSÃO

As principais alterações da arquitetura de sono encontradas nos pacientes com ELT foram: fragmentação da arquitetura de sono, aumento do número de despertares e de mudanças de estágios, aumento do tempo acordado após o início do sono e redução do sono REM. Aumento da latência do sono e do sono REM, aumento do percentual dos estágios 1 e 2 NREM e redução do sono de ondas lentas foram outras alterações também encontradas.

Os distúrbios de sono podem coexistir com epilepsia e devem ser diagnosticados, diferenciados das crises epilépticas e tratados adequadamente para diminuir a fragmentação do sono, melhorando assim, o controle das crises epiléptica nestes pacientes. Os principais distúrbios de sono encontrados foram: as parassonias, apnéia obstrutiva de sono, movimentos periódicos de membros inferiores e síndromes de pernas inquietas.

A sonolência diurna é uma das principais queixas dos pacientes com ELT. Ela pode ser causada pelos efeitos agudos das crises epilépticas durante o sono (causando despertares e fragmentando o sono); pelos efeitos crônicos da epilepsia na arquitetura de sono (fragmentação da macro e microestrutura de sono e aumento do tempo acordado após o início do sono); pelas DAE e a co-existência de um distúrbio primário de sono (i.e., distúrbio respiratório de sono, síndrome de pernas inquietas, movimentos periódicos de membros inferiores, insônia, narcolepsia). Além destas, outras causas devem ser lembradas como higiene de sono inadequada e a co-morbidade de distúrbios psiquiátricos comuns nos pacientes com ELT, particularmente depressão com ou sem manifestações psicóticas.

Recebido 26 Fevereiro 2003, recebido na forma final 23 Junho 2003. Aceito 12 Julho 2003

Dra. Cláudia Ângela Vilela de Almeida - Rua Manuel Almeida 172 - 52011-140 Recife PE - Brasil. E-mail: claudiangela@hotmail.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2003

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2003
  • Revisado
    23 Jun 2003
  • Aceito
    12 Jul 2003
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