Acessibilidade / Reportar erro

Publicamos para encontrar camaradas** ** O texto faz parte de uma pesquisa em andamento sobre a história das publicações de artista no Brasil, realizada com apoio parcial da Fapemig.

We publish to find comrades

Publicamos para encontrar camaradas

Resumos

Artigo a respeito das revistas de artista publicadas no Brasil no período de 1952 a 1988, no qual se mostra a formação de uma rede de colaboradores que perpassa a maioria das publicações, com destaque ao papel que tiveram as revistas para o surgimento dos livros de artista. O artigo é resultado de um mapeamento inédito das revistas, realizado com o objetivo de montar uma exposição dedicada ao tema. Esse tipo de produção, ignorado por boa parte da historiografia brasileira, até mesmo em estudos sobre os livros de artista, é fundamental para entender o fenômeno atual das publicações de artista.

revista de artista; arte postal; poesia visual


Article about artist’s magazines published in Brazil from 1952 to 1988, showing the formation of a network of collaborators that runs through most publications, highlighting the role that magazines had for the emergence of artist’s books. The article is the result of an unpublished mapping carried out with the objective of organizing an exhibition dedicated to the theme. This type of production, ignored by much of Brazilian historiography, even in studies on artist’s books, is fundamental to understanding the current phenomenon of artist’s publications.

Artist’s Magazines; Mail Art; Visual Poetry


Artículo acerca de las revistas de arte publicadas en Brasil en el período entre 1952 y 1988, en lo cual se presenta la formación de una red de colaboradores que atraviesa la mayor parte de las publicaciones, con especial énfasis al papel que jugaron las revistas para el surgimiento de los libros de artista. El artículo resulta del mapeo inédito de las revistas hecho con el propósito de organizar una exhibición dedicada a lo tema. Ese tipo de producción, ignorado por grande parte de la historiografía brasileña, hasta en estudios sobre los libros de artistas, es central para comprender el fenómeno actual de las publicaciones de artistas.

revista de artista; arte postal; poesía visual


A publicação de um livro ou revista é um empreendimento editorial que envolve um custo significativo, o domínio de conhecimento especializado a respeito das tarefas que envolvem suas diversas etapas de produção e o apoio de uma logística de distribuição. No Brasil, fazer livros é um desafio maior do que em outros países, e no caso dos livros de artista, a situação não é muito diferente do livro tradicional: além dos problemas de distribuição, até a década de 1990 não havia quase nenhum incentivo do governo, e o mercado de arte ainda era incipiente, com poucos museus e galerias de arte, se pensarmos nos espaços fora do eixo Rio-São Paulo. Ou seja, mesmo que os artistas decidissem publicar por conta própria, precisavam enfrentar o problema de fazer os livros e revistas chegarem ao seu público.

As revistas, que enfrentam problemas semelhantes ao dos livros, têm a vantagem de poder contar com uma rede formada pelos seus colaboradores, que também podem auxiliar a pagar os custos de produção. Este texto mostra como se formou uma rede de artistas e poetas, de norte a sul do país, que publicaram seus livros e revistas apesar de todas as dificuldades, criando seu próprio circuito de produção e distribuição. A maioria dos artistas que se envolveram com a publicação de revistas também publicaram livros, de modo que a revista é uma espécie de laboratório para pensar a arte impressa. O texto destaca, ainda, a importância das revistas para a consolidação de uma cena artística de vanguarda, enquanto alternativa à ausência de espaços para esse tipo de trabalho – poemas visuais, registros de performances e obras de arte conceitual.

Em meio à recente industrialização do país, promovida em meados do século passado, artistas e poetas realizaram, em 1956, a Exposição de Arte Concreta, no recém-criado Museu de Arte Moderna de São Paulo, cujo catálogo foi publicado em forma de artigo na revista de arquitetura Módulo. Entre os participantes da mostra estavam os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, que formaram, com Décio Pignatari, o grupo Noigandres, que veiculava seus poemas concretos e suas ideias em uma revista de mesmo nome, uma brochura de pequeno formato, mais parecida com um livro. O poeta Décio Pignatari (1927-2012) teve o seu livro-poema “Life” publicado como um encarte no nº 4 da revista, que adotou um formato diferente das edições anteriores – ao invés do volume encadernado, de tamanho modesto, optaram por um portfólio em grande formato contendo poemas-cartazes.Depois de editarem cinco números da Noigandres, entre 1952 e 1962, os poetas concretos lançaram outra revista, chamada Invenção, que também teve apenas cinco números , lançados entre 1962 e1967. Outro livro-poema de Décio Pignatari, Organismo, foi publicado originalmente em 1960 e reeditado como encarte da revista Invenção nº ٥, em ١٩٦٧. A partir do terceiro número, a revista passou a ser publicada com o selo “edições Invenção”. Com esse mesmo nome, foram publicados diversos livros de poetas concretos, a maioria nos anos 60 e 70.1 1 . O grupo cuidava de todos os aspectos da edição: da impressão à distribuição – boa parte dava-se de mão em mão. As primeiras publicações não eram vendidas, mas distribuídas a intelectuais e interessados. A partir de Invenção, os livros começaram a ser vendidos em algumas poucas livrarias paulistanas que aceitavam as obras em consignação. Foram publicados livros de Pedro Xisto (Vogaláxias, 1966, e Logogramas, 1967), Marco Antonio Amaral Rezende (Aumente sua renda, 1969), Edgard Braga (Algo, 1971, e Tatuagens, 1976), Augusto de Campos (Colidouescapo, 1971), Ronaldo Azeredo (poema avulso sem título “catapérolas”, 1971), Florivaldo Menezes (Inverso, 1972), Julio Plaza e Augusto de Campos (Caixa Preta, 1975).

Outro grupo de vanguarda, menos conhecido no campo das artes visuais, mesmo no Brasil, é o poema/processo, fundado por Wlademir Dias-Pino, Neide e Alvaro de Sá e Moacy Cirne em 1967. O poema/processo divulgou suas ideias e seus trabalhos em três revistas diferentes, editadas por seus membros – Ponto, lançada em 1967, Processo, em 1968, e Vírgula, 1972, as duas últimas com apenas um número cada. Como característica comum, eram revistas-envelope (fig. 1), em alguns casos, contendo envelopes menores para reunir o conjunto de trabalhos de cada participante, com cartões postais, livretos grampeados ou folhas avulsas. O livro Alfabismo, de Alvaro de Sá, fez parte das revistas Ponto e Processo, mas também circulou como peça autônoma, assim como o livro Brasil Meia-meia, de Wlademir Dias-Pino – uma colagem a partir de fotografias mostrando a repressão e a agressão aos que se manifestavam contra o regime, uma crítica aos abusos dos militares –, foi publicado no primeiro número da revista Ponto. O uso sistemático que fizeram da troca de correspondência com artistas de outras regiões do Brasil e até mesmo do exterior, e a própria escolha de imprimir revistas em envelopes os coloca como pioneiros da Arte Correio no Brasil, numa época em que a expressão ainda era desconhecida. Dias-Pino manteve correspondência com o argentino Edgardo Vigo, editor da revista Hexagono, bem como com o uruguaio Clemente Padin, chegando a fazer uma edição conjunta das revistas Ponto e Ovum 10, dedicada ao poema/processo.

Figura 1
: Wlademir Dias-Pino (ed.), Vírgula, 1972. Tipografia, 24 x 17 cm. Fotografia: William Allen

Inspirados em publicações como Noigandres e Invenção, os poetas Torquato Neto e Waly Salomão elaboraram, em 1971, o projeto de uma revista capaz de revelar a produção poética experimental do Brasil da época, influenciada pelo Tropicalismo e pela contracultura. Em formato grande (27 x 36 cm), Navilouca2 2 .“Navilouca”é uma palavra-poema criada por Waly Salomão, inspirada na Stultifera Navis (nau dos insensatos), descrita por Michel Foucault no livro História da Loucura. apresentava-se já na capa como “edição única”, funcionando como uma antologia de poetas experimentais. No entanto, o grupo não conseguiu reunir os recursos necessários para imprimir e distribuir a sua criação. Torquato morreu em 1972, sem conseguir ver a revista publicada. Com a intermediação de Caetano Veloso, Waly conseguiu que André Midani, executivo da Polygram, apoiasse a ideia. Navilouca foi finalmente lançada em 1974 e oferecida como brinde de Natal a clientes da gravadora. Ela contou com participação dos poetas concretos, do cineasta Ivan Cardoso, dos artistas plásticos Hélio Oiticica e Lygia Clark, entre outros.

O mesmo grupo que participou da Navilouca realizou outra revista, que também teve apenas uma edição, a Polem, lançada em 1974. Editada no Rio de Janeiro pelo poeta Duda Machado, ficou conhecida como uma revista de poesia experimental, que agregava artistas normalmente classificados pela crítica historiográfica em correntes separadas, a saber: os concretos, que iniciaram suas pesquisas na década de 1950 (Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos), os tropicalistas de 1960 (Torquato Neto, Rogério Duarte, Caetano Veloso e Hélio Oiticica) e os marginais da década de 1970 (Waly Salomão, Chacal, Ivan Cardoso, Luiz Otávio Pimentel). Além deles, participaram artistas plásticos como Waltercio Caldas, Antonio Dias, Iole de Freitas, Rubens Gerchman, Carlos Vergara e Regina Vater. O projeto gráfico da revista foi feito por Ana Maria de Araújo, viúva de Torquato Neto, que havia diagramado a Navilouca.

A Polem inaugurou no Brasil um tipo de intervenção feita por artistas que se tornaria comum décadas depois, os chamados “ensaios gráficos”, que consistem em trabalhos criados especificamente para determinada revista, ao invés de uma simples reprodução de uma obra existente. Antonio Dias e Iole de Freitas fizeram, cada um, um trabalho que ocupa uma página dupla, jogando com a ideia de espelhamento da página (A ilustração da Arte e Duelo, elo, respectivamente). Waltercio Caldas, por sua vez, participou com um trabalho chamado O Colecionador, uma etiqueta adesiva com a palavra FIM colada em uma das páginas.3 3 . As etiquetas também foram usadas em gravuras e múltiplos criados no mesmo ano.

Entre os colaboradores da Polem estava o poeta e engenheiro eletrônico baiano Erthos Albino de Souza, que publicou, com recursos próprios, a revista Código. O primeiro número da publicação não tinha nome, mas estampava na capa um poema de Augusto de Campos formado de uma só palavra que acabou se tornando o logotipo da revista. Ela teve 12 edições (entre 1974 e 1986) e reuniu poetas que deram continuidade ao projeto verbivocovisual, com intensa participação dos poetas concretos em todos os números, incluindo edições especiais sobre os 30 anos da poesia concreta, publicada em 1986, uma edição sobre os 50 anos de Augusto de Campos e outra sobre os poemas e traduções de José Lino Grünewald. O sexto número da revista era um trabalho autônomo, em formato portfólio, com desenhos de Décio Pignatari “psicografando” Oswald de Andrade. Erthos depois se tornaria também editor pelas edições Código, como é o caso de um livro de Pedro Xisto impresso em tipografia e de Vocogramas, de Décio Pignatari, formado por diagramas de voz produzidos na locução de sílabas.

Motivados pelo exemplo da revista Código, dois jovens de Pirajuí, no interior de São Paulo, Omar Khouri e Paulo Miranda, decidem publicar sua própria revista, em 1975, com mais ênfase na poesia visual e grande participação de artistas como colaboradores. Artéria tem como característica, em seus primeiros números, o uso de formatos diversos para cada edição e a ideia de uma revista como exposição portátil, o que a aproxima, em alguns momentos, da revista estadunidense Aspen. O segundo número, por exemplo, consistia em uma sacola plástica contendo trabalhos impressos em tipografia, carimbo, serigrafia; o terceiro número (fig. 2), lançado em 1977, era uma caixa de fósforos impressa com o nome Art3ria, depois veio uma fita k7, em edição dedicada à poesia sonora e às poéticas experimentais da voz, em 1980, e a quinta edição, novamente com folhas avulsas, em tamanhos diversos, totalmente impressa em serigrafia pelos participantes, em 1991.4 4 . A revista Artéria é a única mencionada neste artigo que ainda está na ativa: publicou o décimo primeiro número em ٢٠١٦ e está em fase de preparação do número seguinte.

Figura 2
: Carlos Valero, Art3ria, 1977. Tipografia, 4,5 x 5,5 cm, Coleção Livro de Artista, UFMG, Belo Horizonte.

Em São Paulo, o casal de artistas Julio Plaza e Regina Silveira teve participação importante no cenário das publicações de artistas no Brasil. Depois de passar uma temporada residindo em Porto Rico como professores convidados, trouxeram para o Brasil a experiência que ganharam com a organização de mostras de Mail Art. Eles editaram, entre 1973 e 1974, três números de On/Off com trabalhos de Amélia Toledo, Ubirajara Ribeiro, Mario Ishikawa, Evandro Carlos Jardim, Donato Ferrari, Donato Chiarella, além dos próprios trabalhos. A revista circulava de mão em mão, distribuída entre amigos. Muitos participantes eram artistas que lecionavam na FAAP, “cada um fazia sua parte, imprimindo onde pudesse, por isso as páginas são de tamanhos algo diferentes”5 5 . SILVEIRA, Regina. Depoimento. In: Arte: Novos Meios/ Multimeios - Brasil 70/80. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado, 2010. Reedição do catálogo da exposição realizada no Museu de Arte Brasileira/FAAP em 1985. . O primeiro6 6 . O primeiro número contou com Amélia Toledo, Cláudio Pons, Cláudio Ferlauto, Cláudio Tozzi, Donato Chiarella, Evandro Carlos Jardim, Guta, Julio Plaza, Mario Ishikawa, Regina Silveira e Ubirajara Ribeiro. e terceiro números7 7 . Participaram do terceiro número A. C. Sparapan, Amélia Toledo, Anésia Pacheco Chaves, Artur Matuck, Donato Chiarella, Donato Ferrari, Fábio M. Leite, Fernando Lemos, Gabriel Borba, Gerson Zanini, Guta, Julio Plaza, Mario Ishikawa, Mirian Chiaverini, Regina Silveira, Roberto Keppler e Ubirajara Ribeiro. são folhas avulsas dentro de um envelope e o segundo número é um conjunto de cartões postais.8 8 . Anésia Pacheco Chaves, Amélia Toledo, Cláudio Tozzi, Evandro Carlos Jardim, Fred Forest, Julio Plaza, Regina Silveira, Vera Chaves Barcellos.

Julio Plaza, artista espanhol radicado no Brasil, teve destacada atuação como designer gráfico em livros de outros artistas, como curador de mostras baseadas no modelo de Arte Postal (envio de trabalhos pelo correio, sem júri, sem devolução das obras), incluindo a Bienal de São Paulo (da qual foi curador adjunto em edição que teve Walter Zanini como curador). Além de colaborador assíduo das revistas Código e Artéria, realizou trabalhos em colaboração com Augusto de Campos9 9 . Considerando a presença em acervos e a participação em exposições no Brasil e no exterior, talvez os livros Poemóbiles (1974) e Caixa Preta (1975), publicados pela dupla, estejam entre os mais famosos livros de artista do Brasil. , tornando-se também editor de uma revista, Qorpo Estranho, publicada entre 1976 e 1982, junto com o poeta Régis Bonvicino. Autodenominada “uma revista de invenção”, a publicação contou com um “número zero”, a revista Poesia em Greve, editada em 1975 por Lenora de Barros, Pedro Tavares de Lima e Régis Bonvicino, com projeto gráfico de Julio Plaza. Qorpo Estranho teve três números, sendo que, no último, mudou de nome, passando a se chamar Corpo Extranho (Fig. 3).

Figura 3
: Julio Plaza e Régis Bonvicino (ed.), Corpo Extranho, 1982. Offset, 11 x 20 cm, Coleção Livro de Artista, UFMG, Belo Horizonte.

Regina Silveira foi colaboradora de diversas revistas publicadas nos anos 1970, tendo participado em quase todas edições da revista Artéria; seu livro, The Art of Drawing, de seis páginas, foi republicado integralmente, como ensaio gráfico, na revista Corpo Extranho; um desenho de Regina Silveira que faz parte da série Topografias aparece na capa do quarto número da revista Código, de 1980. “Topografias” também é o nome de uma exposição que a artista realizou em Amsterdã, onde apresentou um livreto em formato sanfona que ela havia auto-editado em offset dois anos antes e que foi produzido em nova edição, utilizando-se carimbos, e publicado pela editora Stempelplaats, de Aart Barneveld, companheiro de Ulises Carrión.10 10 . Regina Silveira foi a primeira artista brasileira a publicar um livro pela editora de Barneveld, que só editava livros feitos com carimbos, em tiragem de 100 exemplares. No ano seguinte, também publicaram pela Stempelplaats os brasileiros Cláudio Goulart (Passport), Leonhard Frank Duch (Muro de Protestos) e Paulo Bruscky (Rubber Book). Regina também participou da revista Ephemera, editada em Amsterdã por Carrión e dedicada a trabalhos que circulavam pelo correio, como selos, carimbos, postais, adesivos, poemas visuais etc.

Outra artista que manteve contato com Ulises Carrión, Vera Chaves Barcellos, de Porto Alegre, fazia parte do grupo Nervo Óptico. A seu convite, o artista mexicano fez uma exposição individual em Porto Alegre no espaço alternativo que o grupo mantinha no centro da cidade, onde realizou sua famosa conferência sobre a nova arte de fazer livros. O grupo editou, de abril de 1977 a setembro de 1978, treze edições de um boletim no formato de um pequeno cartaz; cada edição era dedicada a um artista do grupo, exceto o primeiro, o oitavo e o décimo números, que foram obras coletivas. O cartazete Nervo Óptico nº 10 é o único em formato diferente dos outros, uma folha A3 dobrada ao meio que foi inserida na nona edição do periódico Ephemera, de 1978. Essa edição da revista foi impressa em papel amarelo ouro, em contraste com o papel branco do encarte feito pelos brasileiros. Nela, ainda, foram publicados trabalhos de Silvio Spada, Regina Silveira e Leonhard Frank Duch.

Uma edição especial sobre o Brasil foi publicada ainda em 1978 (Ephemera nº ١٢, Special Issue Brazil). No ano seguinte, Carrión fez uma exposição com quatro artistas brasileiros que se tornaram mais conhecidos internacionalmente do que em seu próprio país: Paulo Bruscky, Leonhard Frank Duch, Unhandeijara Lisboa, Jota Medeiros. Barneveld e Carrión editaram o periódico Rubber, dedicado à arte feita com carimbos. A edição de fevereiro (volume 2, número 2, 1979) era dedicada aos quatro artistas brasileiros e consistia, ao mesmo tempo, no catálogo da mostra (fig. 4). A capa reproduzia a primeira edição da revista Karimbada, editada em João Pessoa, na Paraíba, entre 1978 e 1979, por Unhandeijara Lisboa.

Figura 4
: Aart Barneveld e Ulises Carrión (ed.), Rubber, 1979. Offset, 14 x 20 cm, Coleção Livro de Artista, UFMG, Belo Horizonte.

Karimbada teve três números, que circulavam apenas pelo correio, com tiragem de 150 exemplares, e apresentava trabalhos realizados com carimbos. A capa era um envelope impresso em tipografia com o logotipo da revista ocupando toda a largura do seu lado maior e espaços em branco para o carimbo do número da edição e o endereço do destinatário. Era uma revista do tipo assembling, em que o editor podia definir um tema, o formato e até mesmo a técnica de impressão e os colaboradores enviavam uma quantidade pré-determinada de trabalhos impressos. Trata-se de um modelo colaborativo de produção, muito parecido com o das convocatórias de arte postal, sendo adotado também por outras revistas brasileiras.

Esse tipo de revista também era chamada de revista-envelope, pois as folhas não eram encadernadas e vinham agrupadas em um envelope, como na revista On/Off. A maioria das revistas-envelope publicadas no Brasil foram editadas por integrantes do poema/processo e outros artistas ligados à poesia experimental, tornando-se mais comuns entre os que participavam do circuito de arte-postal. O envelope com folhas avulsas foi escolhido porque permitia acrescentar novos trabalhos – no caso das revistas do poema/processo, a edição podia ter variações em seu conteúdo de um exemplar para outro, o que se observou também em outras revistas no formato assembling. A distribuição dos exemplares era feita mão a mão ou pela rede de contatos da arte postal.

Como o próprio nome indica, a revista Experiências, que durou de 1974 a 1976, trazia projetos experimentais, incluindo o uso de suportes e técnicas de impressão diversas. Cada envelope vinha com 15 trabalhos e a tiragem era de 300 exemplares. Teve como editores os poetas Samaral e João Carlos Sampaio e reuniu trabalhos de arte postal e do poema/processo. Foram colaboradores da revista o argentino Horacio Zabala, o pernambucano Paulo Bruscky e o baiano Almandrade, entre outros.

No Rio Grande do Norte, Falves Silva e Anchieta Fernandes, ligados ao poema/processo, editaram, entre 1970 e 1975, uma revista-envelope chamada Projeto. A maioria das edições eram dedicadas à obra de um único artista, como se fossem um trabalho autônomo.11 11 . A palavra “revista” dificilmente aparece em algum lugar nas edições da Projeto, o que dificulta o trabalho de identificação da quantidade de números publicados. O livro Projeto/Zero (1973), de Bosco Lopes, por exemplo, seria um número da revista?

Devido à sua circulação restrita, alguns poemas que foram publicados em folhas avulsas na Projeto foram depois incluídos em antologias, como é o caso dos poemas “não ao não” e “pornô gráfico”, de Dailor Varela, publicados como Projeto nº١ e Projeto nº ٥ e depois republicados no livro Babel, de 1975. Um dos números mais conhecidos da revista apresenta um trabalho de Moacy Cirne chamado Poema para ser rasgado, de 1973, constituído por três folhas de papel colorido com picotes formando linhas diagonais, enquanto o oitavo número trazia os chamados “perfuration poems”, de Falves Silva, série de oito folhas perfuradas produzida em 1975. Outro artista de Natal, Rio Grande do Norte, Jota Medeiros editou cinco números da Povis, nome criado pela contração das palavras “poema” e “visualidade”. Todas as edições foram feitas em conjunto com a Projeto, mas cada revista manteve sua numeração própria.

O artista recifense Paulo Bruscky foi editor convidado do décimo número da revista Commonpress, de 1977, um projeto artístico criado pelo artista polonês Pawel Petasz nesse mesmo ano que radicalizou o modelo de revista colaborativa do tipo assembling: ela tinha como característica convidar, a cada edição, um membro da rede internacional de arte postal para ser o editor, ou seja, o responsável por definir um tema, o formato, número de páginas e o tipo de encadernação.12 12 . PERKINS, Stephen. Commonpress. In: BOIVENT, Marie (org.). Revues d’artistes: une sélection. Rennes: Lendroit Galerie/Editions Provisoires, 2008. Depois de fazer a edição brasileira da Commonpress utilizando xerografia, Paulo Bruscky editou no formato assembling os Multipostais, uma publicação com grande participação de artistas estrangeiros. Como o nome indica, essa publicação, que teve oito números entre 1978 e 1996, reunia trabalhos no formato de cartão postal.

Paulo Bruscky também foi editor da revista Punho, publicada entre 1973 e 1996, que teve quatro números nos anos 1970 impressos com mimeógrafo manual, que funcionava com papel carbono e álcool. Por causa da ditadura militar, a posse de um mimeógrafo era controlada pela polícia e o uso não autorizado podia ser motivo para prisão, pois havia censura e controle da informação. Bruscky formou com Daniel Santiago uma parceria que durou alguns anos, em que assinavam como Equipe Bruscky & Santiago. Juntos publicaram vários trabalhos conceituais em anúncios classificados, pois esse é um espaço do jornal que não custa tão caro quanto as seções publicitárias e permite a inserção de pequenos textos poéticos, que foram depois republicados na Revista Classificada, em 1978. Essa revista, que contou com apenas um número (fig. 5), foi impressa em fotocópias no papel em formato ofício, grampeada e distribuída pelo correio; ela possuía poucas páginas, mas reuniu anúncios feitos por diversos artistas na seção de classificados.

Figura 5
: Equipe Bruscky & Santiago, Revista Classificada, 1978. Fotocópia, 22 x 32 cm, Coleção Livro de Artista, UFMG, Belo Horizonte.

O poeta Glauco Mattoso distribuiu pelo correio folhas datilografadas e copiadas com máquinas de xerox que imitavam a diagramação de uma página de jornal, material chamado ironicamente de Jornal Dobrabil, um trocadilho com o Jornal do Brasil. As folhas dobradas eram enviadas a amigos e intelectuais escolhidos. Os textos, de tom irônico e jocoso, muitas vezes em forma de aforismos, tratavam de temas que eram tabus na época, como homossexualidade e liberdade de expressão. O Jornal Dobrabil também divulgava poemas visuais feitos em máquina de escrever, chamados “datilogramas”. Cada edição era composta por uma única folha tamanho A4, impressa na frente e no verso.

Como pode ser percebido pelos exemplos acima, a maioria dos artistas que mais se envolveram com a publicação de livros de artista nos anos 1970 também foram editores ou colaboradores de revistas. Os primeiros trabalhos de Lenora de Barros foram todos publicados primeiro em revistas de poesia (Poesia em Greve e Zero à Esquerda) e só foram expostos em galeria muitos anos depois. Anna Bella Geiger, que participou do conselho editorial da Qorpo Estranho nº 2, também publicou um trabalho no jornal Viva Há Poesia, em 1979, que tinha como editor o poeta Villari Herrmann e como editor de arte Julio Plaza. Mario Ishikawa, artista que se destacou por seus trabalhos com xerografia e carimbos e que participou da On/Off, colaborou também na revista Malasartes, editada entre 1975 e 1976 por um grupo de artistas e críticos no Rio de Janeiro.13 13 . Em alguns livros especializados e em bancos de dados sobre as publicações de artistas, os editores das revistas brasileiras costumam ser identificados de forma equivocada. O jornalista Mário de Aratanha recebe crédito como editor de Malasartes, apesar de não ter participado efetivamente da revista. Aqui, cabe uma explicação: é que a legislação brasileira exigia que todo boletim informativo, jornal ou revista tivesse como editor um jornalista responsável pela publicação, com diploma universitário e registro profissional, para responder perante as autoridades. Revistas como Malasartes, com tiragem de 5.000 exemplares e circulação em livrarias, tinham como responsável um editor convidado, um amigo jornalista que aceitava ceder o seu nome para atender à exigência legal, sem, contudo, participar do processo editorial. A lei brasileira foi criada como uma forma de controle da informação e, por isso, a maioria das revistas que circulavam no circuito alternativo ignoravam essa exigência.

A revista Malasartes surgiu com uma proposta bem definida e contava com patrocínio que permitiria a publicação de três números (fig. 6). Diferentemente das outras revistas mencionadas até aqui, ela veiculava também anúncios de empresas e grupos parceiros, como a Molduraria Rex, do artista Wesley Duke Lee, e do Almanaque Biotônico Vitalidade, uma revista do grupo Nuvem Cigana, que publicava livros de “poesia marginal”, nome com que ficaram conhecidos os livros de jovens poetas que utilizavam a linguagem coloquial em livretos que eram impressos em mimeógrafos e vendidos nos bares e nas filas de cinema. Um dos editores da Malasartes, o poeta Bernardo Vilhena, também era editor do Almanaque.

Figura 6
: Rubens Gerchman, página da revista Malasartes nº 1, 1975. Offset, 23 x 32 cm, Coleção Livro de Artista, UFMG, Belo Horizonte.

Uma parte do grupo que editou a Malasartes reuniu-se quatro anos depois para fazer A Parte do Fogo, um jornal independente em grande formato, propositalmente de difícil manuseio. A publicação teve como editores os artistas Cildo Meireles, José Resende, Tunga e Waltercio Caldas junto com os críticos João Moura Jr., Paulo Venâncio Filho, Paulo Sergio Duarte e Rodrigo Naves. O editorial da publicação defende um programa voltado a produzir um espaço até então inexistente para a “ação” do trabalho de arte e do pensamento sobre arte. Trata-se de um dos textos de intervenção produzidos pela geração que desponta na virada dos anos 1960 para os 1970 disposta a colocar em pauta as condições da produção de arte no Brasil em pleno momento de transição política.14 14 . MEIRELES, Cildo; RESENDE, José; MOURA JUNIOR, João; VENANCIO FILHO, Paulo; SERGIO DUARTE, Paulo; NAVES, Rodrigo; BRITO, Ronaldo; TUNGA; CALDAS, Waltercio. A parte do fogo. In: BASBAUM, Ricardo. Arte contemporânea brasileira: [texturas, dicções, ficções, estratégias]. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.

Alguns artistas que participaram do corpo editorial da Malasartes já tinham experiência anterior com publicação independente, sendo que outros tornaram-se editores de outras revistas depois que a Malasartes acabou. José Resende fez parte do Grupo Rex nos anos 1960 e publicou cinco edições do jornal Rex Time, entre 1966 e 1967, ao lado de Nelson Leirner, Wesley Duke Lee, Geraldo de Barros, Carlos Fajardo e Frederico Nasser. Tunga, que foi colaborador da Malasartes e editor de A parte do Fogo, editou, no Rio de Janeiro, quatro números da revista Nove com seu irmão Gonçalo de Mello Mourão, entre 1969 e 1970.

O paulista Luiz Paulo Baravelli editou a revista que teve mais edições no período, Arte em São Paulo, publicada mensalmente entre setembro de 1981 e setembro de 1987, com um total de 37 números. A tiragem média variava de 500 a 1500 exemplares por número, que eram distribuídos por espaços culturais, galerias, bancas de revista e bibliotecas. Para garantir sua autonomia enquanto editor, Baravelli comprou uma pequena impressora offset usada, uma máquina de escrever e outros equipamentos auxiliares.15 15 . PROENÇA, Luiza. Por que e para que uma revista de arte e cultura?: Arte em São Paulo (1982-1987). Recibo 80: um dossiê sobre arte brasileira. Recife, ano 13, nº 18, dez. 2015. Disponível em: <https://traplev.hotglue.me/?r80>. Acesso em: 3 de outubro 2018. A revista era editada de forma quase artesanal, redigida em uma máquina de escrever elétrica e impressa em offset em uma cor, com capa de papel cartão impressa em tipografia e encadernação em espiral. Em sua sexta edição, em 1982, foi publicada a primeira aproximação teórica do tema do livro de artista no Brasil, o texto “O livro como forma de Arte”, de Julio Plaza. No artigo, escrito de memória a partir de uma palestra de Ulises Carrión na Pinacoteca de São Paulo, Plaza retoma ideias do artista mexicano (“um livro é uma sequência de espaços”). O texto ainda é importante referência sobre livros de artista no Brasil, tendo como destaque uma análise da produção do próprio autor.

Todos os textos da Arte em São Paulo foram escritos por artistas convidados: Alex Vallauri, pioneiro do graffitti, escreveu um depoimento sobre o assunto. A revista também abriu espaço para outras formas de contribuição: alguns artistas realizaram trabalhos gráficos especialmente para a publicação, como Alex Flemming, Almandrade, Bernardo Krasniansky, Marco do Valle, Mário Ishikawa e Nelson Leirner.

No Rio de Janeiro, o artista Eduardo Kac desenvolveu trabalhos que uniam body art, design, resistência política, performance, ativismo, fotografia e poesia. Criador do movimento Arte Pornô, Kac publicou a revista Escracho, em 1983, com contribuições de Glauco Mattoso, Hudinilson Jr, Otavio Roth e outros. A capa da revista apresentava o que Kac chamava de “pornograma”, um tipo de obra que “desenvolve, até os limites mais amplos, a identificação que o Pornismo fazia do corpo como um novo meio e material para a criação poética”16 16 . KAC, Eduardo. O Movimento de Arte Pornô: a Aventura de uma Vanguarda nos Anos 80. Ars, São Paulo, ano 11, nº 22, dez. 2013, p. 31-51. .

Além de Eduardo Kac, os membros principais do movimento eram Glauco Mattoso, Teresa Jardim, Braulio Tavares, Leila Míccolis, Hudinilson Jr., Tadeu Jungle, Cynthia Dorneles e Cairo Trindade. O grupo lançou três edições da revista Gang, todas impressas em papel jornal. Em uma de suas ações mais famosas, uma passeata em que convidaram o público a se despir na praia de Ipanema, foi distribuída uma revista em quadrinhos chamada Porno Comics, desenhada por Ota, cartunista que depois se tornaria editor da edição brasileira da revista de humor Mad.

Tadeu Jungle, autor de um pequeno livro chamado Suruba, foi colaborador da revista Escracho com um poema visual feito em caligrafia. Junto com Walter Silveira – ambos, àquela época, ainda estudantes de comunicação na Universidade de São Paulo –, Jungle criou a revista Caspa, em 1979. A partir de 1980, os dois tornaram-se colaboradores da revista Artéria, fazendo parte da equipe de produção que auxiliava a imprimir, em serigrafia, os exemplares da revista.

Depois de publicar o número quatro da Artéria em formato de fita cassete, os editores Omar Khouri e Paulo Miranda chegaram em um impasse sobre o formato do número seguinte e decidiram publicar outra revista antes de continuar, surgindo a Zero à Esquerda, em 1981. Seu logotipo, assim como aconteceu na revista Código, também é um poema. A revista, uma verdadeira exposição portátil (fig. 7), era formada por um conjunto de trabalhos avulsos em diversos formatos, papéis e técnicas de impressão (serigrafia, offset, tipografia, carimbo), reunidos em uma caixa de papelão com um adesivo colado trazendo o nome da publicação e a palavra“zero”espelhada, escrita apenas em letras maiúsculas (fig. 8), de modo que a letra “o” se confundisse com a cifra “0” e ficasse de fato no lado esquerdo, ideia do poeta Walter Silveira. O nome da editora, Nomuque, é uma referência ao tipo de trabalho editorial, realizado com técnicas artesanais, feitas “no muque”, com a participação ativa dos colaboradores (Carlos Valero, Júlio Mendonça, Omar Khouri, Paulo Miranda, Sonia Fontanezi, Tadeu Jungle, Walter Silveira, Zéluiz)17 17 . A revista teve edições que foram impressas em serigrafia no corredor do apartamento de um de seus editores. Outro trabalho publicado pelas edições Nomuque, a revista Zero à Esquerda. foi quase toda impressa em serigrafia no Aster, um centro de estudos de arte no bairro de Perdizes, em São Paulo. .

Figura 7
: Omar Khouri e Paulo Miranda (ed.), Zero à Esquerda, 1981. Trabalhos soltos em diversos formatos, papéis e técnicas de impressão (serigrafia, offset, tipografia, carimbo), 52 x 28 cm, Coleção Livro de Artista, UFMG, Belo Horizonte.

Figura 8
: Omar Khouri e Paulo Miranda (ed.), Zero à Esquerda, 1981. Capa em serigrafia sobre papelão, 52 x 28 cm, Coleção Livro de Artista, UFMG, Belo Horizonte.

O modelo de revista em portfólio, com folhas avulsas, inspirou, anos depois, a dupla Gilberto José Jorge e Omar Guedes Abigalil, responsáveis pela Agráfica, criada em 1987, revista em grande formato (32 x 47 cm), com 20 poemas-cartazes, todos impressos em serigrafia nas oficinas do estúdio gráfico Entretempo por Omar Guedes, reconhecido na época como um dos melhores serígrafos do Brasil.18 18 . KHOURI, Omar. Revistas na Era Pós-Verso: Revistas Experimentais e Edições Autônomas de Poemas no Brasil dos anos 70 aos 90. Cotia: Ateliê Editorial, 2003. Agráfica foi idealizada pelo poeta Gilberto José Jorge, que fez uma exigência aos artistas e poetas convidados a participarem da publicação: todos os trabalhos deveriam ter a fatura caligráfica. Ao lado de poemas do pioneiro do poema caligráfico, o poeta Edgard Braga, foram publicados trabalhos de jovens artistas influenciados por ele, como Walter Silveira, que assinava com o pseudônimo Walt B. Blackberry.

Entre os colaboradores de Agráfica estava o jovem Arnaldo Antunes, um dos editores de outra revista de poesia visual, Almanak 80, surgida em 1980, impressa em offset como um volume fino, grampeado. Já o segundo número da revista aparece com o nome ligeiramente modificado, Almanak 81 - Kataloki, em formato paisagem, encadernação em espiral, com mais páginas do que o anterior. E no último número, contando com oito editores, foi feita uma das maiores revistas de invenção, Atlas - Almanak 88, com dezenas de colaboradores ocupando 144 páginas de grande formato (30,5 x 44,5 cm), de modo que cada uma delas mais parecia um cartaz. Os editores almejavam fazer a “revista das revistas”19 19 . Participaram como colaboradores poetas e artistas que também foram editores de outras revistas: Gil José Jorge (Agráfica), Duda Machado (Polem), Walter Silveira (Caspa); Régis Bonvicino (Qorpo Estranho); Décio Pignatari (Invenção); Erthos Albino de Souza (Código); Regina Silveira (On/Off); Tadeu Jungle (Caspa); Waly Salomão (Navilouca). e conseguiram reunir todos os poetas e artistas, ou a maior parte deles, que haviam participado das revistas dos anos 1970 e 1980.20 20 . Artistas plásticos que participaram do Almanak 88: Mario Ramiro, León Ferrari, Edgard Braga, Jac Leirner, Tunga, Anna Muylaert, Livio Tragtenberg, Hélio Oiticica, Regina Silveira, André Vallias, Go, Nuno Ramos, José Simão & Luciano Figueiredo, Marcelo Dolabela, Fernando Zarif, Júlio Bressane, Alex Cerveny, Guto Lacaz, Renato de Cara, José Thomaz Brum, Aldo Fortes, Carlos Matuck, Aguilar, Laura Vinci, Alberto Marsicano.

A formação de uma rede de colaboradores de diferentes áreas de atuação (poetas, escritores, músicos, artistas plásticos, cineastas), como procuramos demonstrar aqui, é uma característica predominante das publicações realizadas nos anos 1970 e 1980, quando parecia haver mais trânsito entre as linguagens artísticas. O cenário artístico era mais precário do que o atual, havia poucas revistas acadêmicas e grandes dificuldades para realizar uma publicação às próprias custas, o que explica a falta de periodicidade e a grande quantidade de revistas que não chegaram ao segundo número. Mesmo assim, cada revista que surgia era um estímulo para o aparecimento de uma nova publicação, como demonstração de uma possibilidade de existência, mesmo com recursos limitados.

Muitos artistas aprenderam a fazer revistas fazendo, assumindo, em alguns casos, todas as funções – redator, diagramador, editor de arte, impressor, distribuidor –; eles não eram profissionais de artes gráficas antes de se tornarem editores, como é comum acontecer. Ao lado de revistas com apresentação gráfica mais profissional, impressas em offset, temos as revistas de arte-postal publicadas em fotocópia, montadas com cola e tesoura. O que as define como revistas de artista não é o formato, a técnica de impressão ou a tiragem, mas a coerência de sua proposta em relação a outros trabalhos do artista, que enxerga a revista como espaço de experimentação, mais do que um simples veículo de divulgação dos trabalhos.

A rede de colaboradores e editores hoje em dia não é tão evidente, pois a maioria das revistas de artista publicadas nas duas primeiras décadas deste século são iniciativas de artistas mais jovens, que não participaram das revistas publicadas no período anterior. Uma exceção é o artista Ricardo Basbaum, que participou da revista Orelha, uma publicação coletiva que teve apenas uma edição, em 1987, com projeto gráfico de Luciano Figueiredo, o mesmo que fez a Navilouca. Basbaum foi um dos editores da revista Item, que circulou no período entre 1995 e 2003. A crise econômica na década de 1990 teve um impacto considerável na indústria gráfica em geral, que produziu, em 1992, um terço do volume de livros publicados uma década antes.21 21 . HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: EdUSP, 2005. O mesmo fenômeno pode ser percebido nas publicações de artista: algumas deixaram de circular e surgiram poucas revistas novas.

Ao visitar as feiras de publicação realizadas recentemente em diversas capitais brasileiras, percebemos que o foco mudou das revistas para os zines e os livros de artista. No entanto, o mesmo impulso se mantém – publicar ainda é uma forma de promover encontros e um chamado à participação dos leitores para que se tornem também autores.

Bibliografia

  • HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: EdUSP, 2005.
  • KAC, Eduardo. O Movimento de Arte Pornô: a Aventura de uma Vanguarda nos Anos 80. Ars, São Paulo, ano 11, nº 22, dez. 2013, p. 31-51.
  • KHOURI, Omar. Revistas na Era Pós-Verso: Revistas Experimentais e Edições Autônomas de Poemas no Brasil dos anos 70 aos 90. Cotia: Ateliê Editorial, 2003.
  • MEIRELES, Cildo; RESENDE, José; MOURA JUNIOR, João; VENANCIO FILHO, Paulo; SERGIO DUARTE, Paulo; NAVES, Rodrigo; BRITO, Ronaldo; TUNGA; CALDAS, Waltercio. A parte do fogo. In: BASBAUM, Ricardo. Arte contemporânea brasileira: [texturas, dicções, ficções, estratégias]. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
  • PERKINS, Stephen. Commonpress. In: BOIVENT, Marie (org.). Revues d’artistes: une sélection. Rennes: Lendroit Galerie/Editions Provisoires, 2008.
  • PROENÇA, Luiza. Por que e para que uma revista de arte e cultura?: Arte em São Paulo (1982-1987). Recibo 80: um dossiê sobre arte brasileira. Recife, ano 13, nº 18, dez. 2015. Disponível em: <https://traplev.hotglue.me/?r80>. Acesso em: 3 de outubro de 2018.
    » https://traplev.hotglue.me/?r80
  • SILVEIRA, Regina. depoimento. In: Arte: Novos Meios/ Multimeios - Brasil 70/80. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado, 2010. Reedição do catálogo da exposição realizada no Museu de Arte Brasileira/FAAP em 1985.
  • **
    O texto faz parte de uma pesquisa em andamento sobre a história das publicações de artista no Brasil, realizada com apoio parcial da Fapemig.
  • 1
    . O grupo cuidava de todos os aspectos da edição: da impressão à distribuição – boa parte dava-se de mão em mão. As primeiras publicações não eram vendidas, mas distribuídas a intelectuais e interessados. A partir de Invenção, os livros começaram a ser vendidos em algumas poucas livrarias paulistanas que aceitavam as obras em consignação. Foram publicados livros de Pedro Xisto (Vogaláxias, 1966, e Logogramas, 1967), Marco Antonio Amaral Rezende (Aumente sua renda, 1969), Edgard Braga (Algo, 1971, e Tatuagens, 1976), Augusto de Campos (Colidouescapo, 1971), Ronaldo Azeredo (poema avulso sem título “catapérolas”, 1971), Florivaldo Menezes (Inverso, 1972), Julio Plaza e Augusto de Campos (Caixa Preta, 1975).
  • 2
    .“Navilouca”é uma palavra-poema criada por Waly Salomão, inspirada na Stultifera Navis (nau dos insensatos), descrita por Michel Foucault no livro História da Loucura.
  • 3
    . As etiquetas também foram usadas em gravuras e múltiplos criados no mesmo ano.
  • 4
    . A revista Artéria é a única mencionada neste artigo que ainda está na ativa: publicou o décimo primeiro número em ٢٠١٦ e está em fase de preparação do número seguinte.
  • 5
    . SILVEIRASILVEIRA, Regina. depoimento. In: Arte: Novos Meios/ Multimeios - Brasil 70/80. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado, 2010. Reedição do catálogo da exposição realizada no Museu de Arte Brasileira/FAAP em 1985., Regina. Depoimento. In: Arte: Novos Meios/ Multimeios - Brasil 70/80. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado, 2010. Reedição do catálogo da exposição realizada no Museu de Arte Brasileira/FAAP em 1985.
  • 6
    . O primeiro número contou com Amélia Toledo, Cláudio Pons, Cláudio Ferlauto, Cláudio Tozzi, Donato Chiarella, Evandro Carlos Jardim, Guta, Julio Plaza, Mario Ishikawa, Regina Silveira e Ubirajara Ribeiro.
  • 7
    . Participaram do terceiro número A. C. Sparapan, Amélia Toledo, Anésia Pacheco Chaves, Artur Matuck, Donato Chiarella, Donato Ferrari, Fábio M. Leite, Fernando Lemos, Gabriel Borba, Gerson Zanini, Guta, Julio Plaza, Mario Ishikawa, Mirian Chiaverini, Regina Silveira, Roberto Keppler e Ubirajara Ribeiro.
  • 8
    . Anésia Pacheco Chaves, Amélia Toledo, Cláudio Tozzi, Evandro Carlos Jardim, Fred Forest, Julio Plaza, Regina Silveira, Vera Chaves Barcellos.
  • 9
    . Considerando a presença em acervos e a participação em exposições no Brasil e no exterior, talvez os livros Poemóbiles (1974) e Caixa Preta (1975), publicados pela dupla, estejam entre os mais famosos livros de artista do Brasil.
  • 10
    . Regina Silveira foi a primeira artista brasileira a publicar um livro pela editora de Barneveld, que só editava livros feitos com carimbos, em tiragem de 100 exemplares. No ano seguinte, também publicaram pela Stempelplaats os brasileiros Cláudio Goulart (Passport), Leonhard Frank Duch (Muro de Protestos) e Paulo Bruscky (Rubber Book).
  • 11
    . A palavra “revista” dificilmente aparece em algum lugar nas edições da Projeto, o que dificulta o trabalho de identificação da quantidade de números publicados. O livro Projeto/Zero (1973), de Bosco Lopes, por exemplo, seria um número da revista?
  • 12
    . PERKINSPERKINS, Stephen. Commonpress. In: BOIVENT, Marie (org.). Revues d’artistes: une sélection. Rennes: Lendroit Galerie/Editions Provisoires, 2008., Stephen. Commonpress. In: BOIVENT, Marie (org.). Revues d’artistes: une sélection. Rennes: Lendroit Galerie/Editions Provisoires, 2008.
  • 13
    . Em alguns livros especializados e em bancos de dados sobre as publicações de artistas, os editores das revistas brasileiras costumam ser identificados de forma equivocada. O jornalista Mário de Aratanha recebe crédito como editor de Malasartes, apesar de não ter participado efetivamente da revista. Aqui, cabe uma explicação: é que a legislação brasileira exigia que todo boletim informativo, jornal ou revista tivesse como editor um jornalista responsável pela publicação, com diploma universitário e registro profissional, para responder perante as autoridades. Revistas como Malasartes, com tiragem de 5.000 exemplares e circulação em livrarias, tinham como responsável um editor convidado, um amigo jornalista que aceitava ceder o seu nome para atender à exigência legal, sem, contudo, participar do processo editorial. A lei brasileira foi criada como uma forma de controle da informação e, por isso, a maioria das revistas que circulavam no circuito alternativo ignoravam essa exigência.
  • 14
    . MEIRELESMEIRELES, Cildo; RESENDE, José; MOURA JUNIOR, João; VENANCIO FILHO, Paulo; SERGIO DUARTE, Paulo; NAVES, Rodrigo; BRITO, Ronaldo; TUNGA; CALDAS, Waltercio. A parte do fogo. In: BASBAUM, Ricardo. Arte contemporânea brasileira: [texturas, dicções, ficções, estratégias]. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001., Cildo; RESENDE, José; MOURA JUNIOR, João; VENANCIO FILHO, Paulo; SERGIO DUARTE, Paulo; NAVES, Rodrigo; BRITO, Ronaldo; TUNGA; CALDAS, Waltercio. A parte do fogo. In: BASBAUM, Ricardo. Arte contemporânea brasileira: [texturas, dicções, ficções, estratégias]. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
  • 15
    . PROENÇAPROENÇA, Luiza. Por que e para que uma revista de arte e cultura?: Arte em São Paulo (1982-1987). Recibo 80: um dossiê sobre arte brasileira. Recife, ano 13, nº 18, dez. 2015. Disponível em: <https://traplev.hotglue.me/?r80>. Acesso em: 3 de outubro de 2018.
    https://traplev.hotglue.me/?r80...
    , Luiza. Por que e para que uma revista de arte e cultura?: Arte em São Paulo (1982-1987). Recibo 80: um dossiê sobre arte brasileira. Recife, ano 13, nº 18, dez. 2015. Disponível em: <https://traplev.hotglue.me/?r80>. Acesso em: 3 de outubro 2018.
  • 16
    . KACKAC, Eduardo. O Movimento de Arte Pornô: a Aventura de uma Vanguarda nos Anos 80. Ars, São Paulo, ano 11, nº 22, dez. 2013, p. 31-51., Eduardo. O Movimento de Arte Pornô: a Aventura de uma Vanguarda nos Anos 80. Ars, São Paulo, ano 11, nº 22, dez. 2013, p. 31-51.
  • 17
    . A revista teve edições que foram impressas em serigrafia no corredor do apartamento de um de seus editores. Outro trabalho publicado pelas edições Nomuque, a revista Zero à Esquerda. foi quase toda impressa em serigrafia no Aster, um centro de estudos de arte no bairro de Perdizes, em São Paulo.
  • 18
    . KHOURIKHOURI, Omar. Revistas na Era Pós-Verso: Revistas Experimentais e Edições Autônomas de Poemas no Brasil dos anos 70 aos 90. Cotia: Ateliê Editorial, 2003., Omar. Revistas na Era Pós-Verso: Revistas Experimentais e Edições Autônomas de Poemas no Brasil dos anos 70 aos 90. Cotia: Ateliê Editorial, 2003.
  • 19
    . Participaram como colaboradores poetas e artistas que também foram editores de outras revistas: Gil José Jorge (Agráfica), Duda Machado (Polem), Walter Silveira (Caspa); Régis Bonvicino (Qorpo Estranho); Décio Pignatari (Invenção); Erthos Albino de Souza (Código); Regina Silveira (On/Off); Tadeu Jungle (Caspa); Waly Salomão (Navilouca).
  • 20
    . Artistas plásticos que participaram do Almanak 88: Mario Ramiro, León Ferrari, Edgard Braga, Jac Leirner, Tunga, Anna Muylaert, Livio Tragtenberg, Hélio Oiticica, Regina Silveira, André Vallias, Go, Nuno Ramos, José Simão & Luciano Figueiredo, Marcelo Dolabela, Fernando Zarif, Júlio Bressane, Alex Cerveny, Guto Lacaz, Renato de Cara, José Thomaz Brum, Aldo Fortes, Carlos Matuck, Aguilar, Laura Vinci, Alberto Marsicano.
  • 21
    . HALLEWELLHALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: EdUSP, 2005., Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: EdUSP, 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    4 Dez 2019
  • Aceito
    22 Mar 2020
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Depto. De Artes Plásticas / ARS, Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, 05508-900 - São Paulo - SP, Tel. (11) 3091-4430 / Fax. (11) 3091-4323 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ars@usp.br