Acessibilidade / Reportar erro

O encontro clínico como ato bakhtiniano prototípico

RESUMO

O encontro clínico, como relação inter-humana entre o(a) paciente e seu médico(a), constitui-se na arena onde um embate entre as visões de mundo desses agentes pode se dar. Classicamente, estuda-se o encontro clínico a partir de uma perspectiva externalista, extrínseca ao evento em si, que visa desfechos quantificáveis. Bakhtin, em seus textos iniciais, elabora uma filosofia do ato que se ajusta de maneira notável à complexidade do encontro clínico. Ao unir elementos de epistemologia, gnosiologia, axiologia e ontologia em sua arquitetônica de um mundo construído intersubjetivamente, Bakhtin fornece-nos um modelo de estudo quase perfeito para o encontro clínico. Defenderemos nesse artigo, portanto, que a compreensão do encontro clínico tomado como ato bakhtiniano responsável traz novas e interessantes perspectivas para o entendimento desse peculiar evento a partir de dentro, além de abrir caminhos para um tipo de medicina mais ético e humano.

PALAVRAS-CHAVE:
Ato responsável; Encontro Clínico; Bakhtin; Medicina baseada em evidências

ABSTRACT

The clinical encounter, as an inter-human relationship between the patient and their doctor, constitutes the arena where a clash between the worldviews of these agents can occur. Traditionally, the clinical encounter has been studied from an externalist perspective, extrinsic to the event itself, focusing on quantifiable outcomes. In his early texts, Bakhtin develops a philosophy of the act that remarkably suits the complexity of the clinical encounter. By combining elements of epistemology, gnoseology, axiology, and ontology in his architecture of a world constructed intersubjectively, Bakhtin provides us with an almost perfect model for studying the clinical encounter. Therefore, in this article, we argue that understanding the clinical encounter as a responsible Bakhtinian act brings new and interesting perspectives to the understanding of this peculiar event from within, while also paving the way for a more ethical and humane type of medicine.

KEYWORDS:
Responsible Act; Clinical Encounter; Bakhtin; Evidence-Based Medicine

Introdução

O encontro entre profissionais da Saúde e pacientes tem sido concebido como um encontro diádico, caracterizado por assimetrias de poder e pelo embate entre o conhecimento científico, racional e autoritário, e as relações privadas carregadas de valores pessoais. No entanto, como afirma, Carl May (2007MAY, C. The Clinical Encounter and the Problem of Context. Sociology; vol. 41, n.1, p.29-45, Feb 2007., p.29-30), a modernidade tardia acaba por trazer um conjunto de tensões entre a produção de identidades individuais e a produção de fatos sobre grupos e populações que, particularmente nos últimos anos, passaram a ser compreendidas por meio de disputas e negociações no âmbito da matriz epistemológica da prática médica contemporânea, qual seja, a medicina baseada em evidências (MBE). Tais tensões podem, segundo May, ser divididas em dois grandes grupos:

Individualização: caracterizada por um progressivo abandono do paternalismo médico e da objetificação do paciente, em busca de uma prática clínica centrada no indivíduo enfermo, na qual as experiências e perspectivas de seus problemas de saúde são qualitativamente relacionadas e levadas em consideração nas decisões sobre o gerenciamento das doenças.

Agregação: caracterizada pela mobilização de evidências sobre grandes populações de sujeitos experimentais e levada à cabo pelo exercício da MBE, na qual o conhecimento quantitativo é mobilizado no intuito de orientar o manejo da doença que, por sua vez, é mediado por diretrizes clínicas e outros sistemas de conduta prática que estruturam a prestação de cuidados de saúde.

O processamento (produção, publicação, uso e crítica) das evidências bem como a própria MBE tornaram-se centrais nos debates sobre relações institucionais, políticas públicas e mesmo práticas médicas cotidianas; a tal ponto de a própria MBE abandonar seu escopo inicial e tornar-se modelo de racionalidade para outras áreas (POMPILIO, 2006POMPILIO, C. E. As evidências em evidência. Diagnóstico & Tratamento; vol. 11, n. 1, p.16-17, 2006.). De qualquer forma, reside nela e na sua visão da prática clínica a arena do debate. Quando surgiu oficialmente em 1992, o parágrafo de abertura do artigo inaugural foi:

Um novo paradigma para a prática médica está surgindo. A medicina baseada em evidências desencoraja a intuição e a experiência clínica e fisiopatológica não sistemáticas como fundamentos suficientes para tomada de decisão; e enfatiza o escrutínio de evidências [a partir] de pesquisas clínicas. A medicina baseada em evidências requer novas habilidades do médico, incluindo busca eficiente de literatura e a aplicação de regras formais de prova avaliando a literatura clínica (GUYATT, 1992GUYATT, G. and EVIDENCE BASED WORKING GROUP. Evidence-Based Medicine: A New Approach to Teaching the Practice of Medicine. JAMA; vol. 268, n. 17, p.2420-25; nov 4 1992., p.2420)1 1 Todas as traduções, salvo referido, são nossas. Aqui, com algumas modificações. No original: “A new paradigm for medical practice is emerging. Evidence-based medicine de-emphasizes intuition, unsystematic clinical experience, and pathophysiologic rationale as sufficient grounds for clinical decision making and stresses the examination of evidence from clinical research. Evidence- based medicine requires new skills of the physician, including efficient literature searching and application of formal rules of evidence evaluating the clinical literature” (GUYATT, 1992, p.2420). .

A promessa de uma nova racionalidade médica que substituísse a anterior (baseada em experiências individuais e no raciocínio fisiopatológico, também este individualizante), apesar de abalar as estruturas da velha medicina, não foi capaz de eliminar a singularização atávica entranhada na razão analítica dos médicos. Estava instaurada a oposição descrita acima. Autoridade versus alteridade. De fato, de um lado, a individualidade, o privado, o caso clínico, a experiência pessoal; e de outro, o coletivo das populações, o público, o impessoal, as casuísticas e a cada vez mais colossal literatura médica. Tudo isso é o que está em jogo durante o encontro clínico, seja do médico para com o paciente, seja do médico e do paciente consigo mesmos, as vozes que se pronunciam são a vozes da cultura (entendida enquanto ciência, filosofia e estética) e da vida.

Defenderemos nesse artigo que Mikhail Bakhtin (1895-1975), em especial nos textos de sua juventude, a saber, “Arte e responsabilidade” (1919) e Para uma filosofia do ato responsável (1920), nos quais esboça sua prima philosophia (nunca publicada integralmente), tem uma proposta consistente endereçada a esse impasse clínico. Ao elaborar uma teoria centrada no agir concreto dos indivíduos e na ideia de ato responsável, Bakhtin é capaz de propor uma alternativa de fundamento ético para as questões identitárias e tecnocientíficas presentes no encontro clínico. Entretanto, é preciso, inicialmente, examinarmos sumariamente a trajetória da medicina, de disciplina divinatória à potência científica dos dias de hoje.

1 A laicização médica

A arte dos hipocráticos representou uma mudança radical na prática da medicina. Novos modos de pensamento deixados pela filosofia dos pré-socráticos surgiram como explicação para os fenômenos naturais. A linguagem dos mitos já não dava conta de explicar a realidade da pólis. As mudanças na relação do homem grego com a religião e seus mitos, bem como mudanças no mundo social e político, foram o contexto para as transformações na medicina. Assim, a iatriké techné acompanhou a “laicização” do pensamento no mundo grego antigo. Como ressalta Ferreira:

Os médicos hipocráticos, ao se distanciarem da medicina miraculosa dos templos, fizeram parte desta corrente de pensamento laico (...); temos uma expressão disto na conhecida passagem sobre a epilepsia, logo no início do tratado médico A doença sagrada: “Eis aqui o que há acerca da doença dita sagrada: não me parece ser de forma alguma mais divina nem mais sagrada do que as outras, mas tem a mesma natureza que as outras enfermidades e a mesma origem. Os homens, por causa da inexperiência e da admiração, acreditaram que sua natureza e sua motivação fosse algo divino, porque ela em nada se parece com as outras doenças” (FERREIRA, 2019FERREIRA, MLLP. Juramento de Hipócrates e logos epitáfios: o éthos clássico. 108 f. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas-USP, 2019., p.15-16).

Uma revolução de tal magnitude deveria ser controlada de alguma maneira. A necessidade de uma uniformidade mínima de conduta (prática e comportamental), bem como a constituição de um elo profissional (que era antes determinado pela conexão religiosa do clã dos Asclepíades, justamente do qual os hipocráticos, naquele momento, procuravam se libertar) demandava uma nova deontologia e, nesse contexto, o Juramento de Hipócrates é, ainda hoje, considerado um marco quanto ao advento da ética, particularmente da ética médica. A medicina é, portanto, uma prática inerentemente moral o que significa que não é possível desmembrar as questões “O que é a medicina?” e “O que a medicina deve ser?”. É por essa razão que a medicina não pode ser nunca ciência médica aplicada. A avaliação do que deve ser feito na medicina tem que ser buscada dentro da própria prática na análise de sua estrutura ontológica (SVENAEUS, 2020, p.54).

A medicina surge assim como prática de base moral, cenário que resiste mesmo diante dos exíguos resultados técnicos obtidos até meados do século XVIII, quando o discurso científico assume o controle, concedendo à medicina resultados sucessivamente melhores e permitindo-lhe ocupar posições cada vez mais importantes no contexto das sociedades modernas. A tal ponto, que autores como Michel Foucault podem falar da influência de “instituições do saber e do poder médicos” e parafrasear Fichte ao dizer que vivemos sob “estados médicos abertos” onde a inserção do discurso médico já não tem mais limites (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, M. Crise da medicina ou crise da antimedicina. Verve; n. 18, p.167-194; 2010. Disponível em:http://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/view/8646. Acesso em 9 de abril, 2023.
http://revistas.pucsp.br/index.php/verve...
, p.186).

Tal estado de coisas desencadeou reações as mais variadas cujos reflexos ainda hoje vemos e que vão desde movimentos antimedicina como a Nêmese Médica de Ivan Illich (1975ILLICH, I. A expropriação da saúde: nêmesis médica. Tradução de José Kosinski de Cavalcanti. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.) e o culto ao que se convencionou chamar de “medicinas alternativas” (LOUHIALA, 2010LOUHIALA, P. There Is No Alternative Medicine. Medical Humanities; vol. 36, n. 2, p.115-7, Nov 30, 2010.), incluindo as vertentes de doutrinas negacionistas e anticiência; até a reações de dentro da própria racionalidade médica geralmente concebidas como processos de humanização, para citar apenas alguns exemplos. Em relação a estas últimas, várias iniciativas foram propostas com intuito de minimizar as alegadas “mecanização” e impessoalidade com que os profissionais da Saúde, em especial médicos, começaram a tratar quem buscava seus serviços, principalmente a partir da década de 70. Por mais difuso e inespecífico que o conceito de humanização possa ser, afinal é sempre o humano o “alvo” das ações médicas, há frequentemente a menção, por um lado, à

experiência vivida pelos profissionais da saúde, que se encontram, cotidianamente, com os exemplos mais eloquentes das causas e sintomas da desumanização; por outro, da frustração dos doentes, desiludidos diante da incapacidade do aparato científico-tecnológico de lhes entregar o que prometeram. Sem esquecer, aliás, a “estocada” final neste contexto, desferida pela indiferença ou mesmo desprezo humano por parte dos profissionais que, na falência dos recursos técnicos, apresentam-se ainda mais ineptos no exercício das virtudes humanas (GALLIAN, 2012, p.8).

É importante reter aqui a ideia de que a guinada cientificista que tanto êxito prático trouxe à medicina foi, após uma latência de poucas décadas (final do século XIX até final da Segunda Guerra, ou seja, pouco mais de 50 anos), traduzida como afastamento progressivo dos profissionais da Saúde de seus pacientes e que esse processo, que se intensificou com a incorporação de tecnologias cada vez mais complexas, foi concebido como desumanização das práticas médicas por um setor da sociedade, crítico a essas transformações. Uma revolução profunda que gerou contramovimentos na maioria dos quais as tentativas em melhorar o cuidado médico foram consequente e coerentemente traduzidas como projetos de humanização.

2 A oposição

A fonte desse raciocínio é a ideia, algo ingênua, de que o pensamento científico trabalha com um tipo de teoria do conhecimento cuja base é a relação sujeito-objeto. Ora, se os médicos para exercerem bem uma profissão fortemente embasada em conceitos científicos devem tornar-se bons cientistas, naturalmente pacientes sob seus cuidados serão objetos de seus estudos e ações. Além disso, a ciência exige uma especialização crescente dada a complexidade de seus objetos e a medicina não escapou dessa tendência (SRIVASTAVA, 2020SRIVASTAVA, R. The Spread of Super-Specialisation Is an Alarming Problem of Modern Medicine. The Guardian, 18 Feb 2020. Disponível em https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/feb/18/the-spread-of-super-specialisation-is-an-alarming-problem-of-modern-medicine. Acesso em 9 de abril, 2023.
https://www.theguardian.com/commentisfre...
). Fredrik Svenaeus (2000SVENAEUS, F. The Hermeneutics of Medicine and the Phenomenology of Health: Step towards a Philosophy of Medical Practice. 1st ed. Springer Netherlands vol. 5; 2000., p.37) é literal em delimitar o problema: “Tais traços podem ser sumarizados em duas características principais: objetificação (redução do paciente a um objeto biofisiológico) e especialização (particionamento do ‘objeto’ entre diferentes especialidades médicas)”. Ao fim e ao cabo, o que estamos pretendendo entender são as mudanças ocorridas na relação médico-paciente a partir da completude da penetração do discurso científico de base galileana nas práticas médicas. Ainda segundo Svenaeus:

Desde o advento da medicina moderna por volta de 1800, e da prática médica moderna na década de 1880, (...) houve resistência e relutância em aceitar as novas ideias e técnicas. Houve, desde o início, um receio geral de que a abordagem científica arruinasse a arte da medicina, as habilidades práticas e a sabedoria do médico(a) de família experiente, que mantém contato próximo a seus pacientes e conhece além da história de seus problemas pessoais, sua patologia somática (SVENAEUS, 2000SVENAEUS, F. The Hermeneutics of Medicine and the Phenomenology of Health: Step towards a Philosophy of Medical Practice. 1st ed. Springer Netherlands vol. 5; 2000., p.40-4; itálicos do autor).

No entanto, paradoxalmente, a literatura que procura compreender o fenômeno do encontro clínico é relativamente escassa. Como dissemos em outro lugar, no encontro clínico,

caracterizado como a relação inter-humana entre o(a) paciente (eventuais acompanhantes inclusos) e seu médico(a), estão em jogo, a um só tempo, o estado-da-arte da ciência biomédica, valores ético-morais e o ambiente sociocultural no interior do qual ele transcorre, de maneira tal que seus coparticipantes ao estabelecer “um nexo de escolhas e prioridades” muito particular (PELLEGRINO & THOMASMA, 1981PELLEGRINO, E. D. and THOMASMA, D. C. The Philosophical Foundations of Medical Practice: Toward a Philosophy and Ethics of the Health Profession. New York: Oxford University Press, 1981., p.26-28) - nexo este, cujo horizonte decisório tem como norte o télos da restituição de um estado de bem-estar indissociável do conceito vigente de saúde -, desvelam, hic et nunc, a constituição própria da medicina (POMPILIO, 2016POMPILIO, C. E. Comunicação em saúde: Habermas e Lévinas no consultório. Via Atlântica, n. 29, p.51-77; 2016., p.53).

Em geral, as publicações sobre o assunto se ocupam não do encontro clínico em si, mas dos efeitos que tal encontro teria em termos de desfechos duros como satisfação e autonomia dos pacientes, bem como a saúde e/ou a aderência ao tratamento.

Como parte desse movimento de contenção do poderio médico, há que se notar também o surgimento concomitante da Bioética como disciplina cada vez mais presente na formação do médico. Edmund Pellegrino divide didaticamente a evolução da Bioética em três períodos. Inicialmente (1960 - 1972) um período chamado de protobioética onde a linguagem dos valores humanos era contraposta à percepção da desumanização da medicina devido ao crescente poderio da ciência e da tecnologia. O foco era educacional e a forma como isso era realizado, teórica e disciplinar. O segundo período (1972 - 1985), chamado de ético propriamente dito ou de bioética filosófica, parte do princípio de que tendo em vista o enfrentamento de dilemas cada vez mais complexos interpostos pela tecnologização do cuidado, surge a necessidade de uma formalização da linguagem e da matriz filosófica responsável para lidar com eles. Como diz Pellegrino:

(...) os sujeitos do discurso centraram-se no substrato teórico da bioética - principialismo, deontologia, utilitarismo, virtude, casuística, feminismo, cuidado, narrativa ou alguma combinação de teorias. (...) A ética clínica apareceu como um ramo aplicado da bioética e, mais recentemente, a política social, a ética organizacional e os métodos de fazer ética ocuparam os filósofos (PELLEGRINO, 1999PELLEGRINO, E. D. The Origins and Evolution of Bioethics: Some Personal Reflections. Kennedy Institute of Ethics Journal; vol. 9, n. 1, p.73-88; 1999. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/18612. Acesso em 9 de abril, 2023.
https://muse.jhu.edu/article/18612...
, p.82).

Por fim, o terceiro estágio, batizado por Pellegrino como bioética global (1985 - até o presente), consiste na ampliação dos escopos para além das especialidades médicas como Direito, Religião, Antropologia, Economia, Ciência Política, Psicologia entre outras. De maneira geral, a estruturação do movimento bioético na matriz da racionalidade médica se enquadra nas tentativas de oposição ao cientificismo desenfreado e de retorno às bases da medicina como arte essencialmente ética desde os seus primórdios.

3 Protótipo do ato responsável: Bakhtin fala aos profissionais da Saúde

Mikhail Bakhtin, seja pela confusão editorial, no Brasil e no exterior, que envolve suas publicações, seja por seu estilo algo fragmentário, é praticamente desconhecido dos formadores de opinião na área médica, filósofos da medicina, acadêmicos ou médicos praticantes em geral, sendo muito mais acolhido nas Letras, em especial como filósofo da linguagem. Entretanto, a principal razão para isso talvez seja mesmo a publicação relativamente recente de suas ideias a respeito da filosofia moral, em especial do ensaio Para uma filosofia do ato responsável (doravante, PFA). Apesar de escrita no início dos anos 20, esta obra só foi publicada em russo em 1986, sendo traduzida para o inglês apenas em 1993. A edição em inglês, organizada por Marc Holquist, gerou em nosso meio uma tradução provisional realizada por Carlos Faraco e Cristovão Tezza de livre acesso. A edição brasileira “oficial” só foi publicada em 2010 (BOENAVIDES, 2020). Com todas essas dificuldades, não é de se estranhar que a ideia de uma “filosofia primeira”, baseada em uma ontologia do ato, passassem despercebidas ao público ligado ao meio médico. Tentaremos aqui fazer um paralelo dessas ideias tendo como base a PFA com vistas a aplicação e compreensão, sob o olhar bakhtiniano, do encontro clínico como ato responsável. Como método, seguiremos a ordem de argumentação da PFA (em que pese o fato de que, como diz Adail Sobral (2019, p.29), o texto “é denso e extremamente dialogado, repetitivo no tratamento de ideias”. Para isso, utilizaremos a terceira edição da versão brasileira cuja tradução a partir do italiano ficou a cargo de Valdemir Miotello e Carlos Faraco (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020.).

Os dois mundos e a delimitação do problema

Logo de início, Bakhtin esclarece a separação dos mundos entre o pensamento teórico-discursivo e as vivências irrepetíveis da realidade histórica:

A característica que é comum ao pensamento teórico discursivo (nas ciências naturais e na filosofia), à representação-descrição histórica e à percepção estética e que é particularmente importante para nossa análise, é esta: todas essas atividades estabelecem uma separação de princípio entre o conteúdo-sentido de um determinado ato-atividade e a realidade histórica de seu existir, sua vivência realmente irrepetível. (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.42).

Tal argumento culmina na conclusão de que: “(...) dois mundos se confrontam, dois mundos absolutamente incomunicáveis e mutuamente impenetráveis: o mundo da cultura e o mundo da vida”. (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.43).

Bakhtin chama de mundo da cultura o mundo que compreende a filosofia, as ciências naturais e a estética. O mundo da vida é o mundo em que vivemos e morremos, em que teorizamos (filosofia e ciências) e contemplamos (estética), no qual consideramos a alteridade do outro e onde atos responsáveis que dão sentido às nossas existências ocorrem. No curto, porém poderoso, ensaio de 1919, “Arte e Responsabilidade” (BAKHTIN, 2011BAKHTIN, M. Arte e responsabilidade. In: Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 6.ed. Editora WMF Martins Fontes, 2011. p.XXXIII-XXXIV., p.XXXIII-XXXIV), que muitos comentadores consideram como parte do projeto desenvolvido na PFA, Bakhtin argumenta a favor da unificação dos três campos da cultura humana - a ciência, a arte e a vida - na “unidade do sujeito”. A ideia é que se tentarmos apreender um evento mediante as categorias teóricas, ou do conhecimento histórico ou mesmo apenas por intuição estética, veremos que tal evento é, por este tipo de metodologia, indeterminável. No primeiro caso (teórico),

conhecemos o sentido abstrato, mas perdemos o fato singular do efetivo cumprir-se histórico do evento; no segundo (histórico), conhecemos o fato histórico, mas perdemos o sentido; no terceiro (estético), temos tanto a existência do fato quanto o seu sentido, [bem] como o momento de sua individualização, mas perdemos a nossa posição em relação a ele, perdemos a nossa participação respondente àquilo a que somos chamados” (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.64).

Ou seja, tal apreensão tornar-se-á forçosamente mecânica, o que para Bakhtin significa que se trata de uma assimilação constituída pela interação de elementos que, apesar do contato e da proximidade, mantêm o isolamento dos dois mundos, não se constituindo numa unidade de sentido. Isso acontece, sobretudo, porque “a condição essencial para [que] essa integração [ocorra] não está na ciência, na arte ou na vida tomadas isoladamente, ou de modo parcial, mas na criação de um todo de sentido mediante o agir responsável do sujeito” (SOBRAL, 2020SOBRAL, A. A filosofia primeira de Bakhtin: roteiro de leitura comentado. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2020., p.26). Bakhtin chama de crise da cultura essa separação entre os mundos e a solução proposta para esse problema é sua filosofia do ato como “assunção de responsabilidade pelo sujeito” (SOBRAL, 2020, p.26). Apenas o indivíduo em sua singularidade pode ser esse ente responsável e isso só vai ocorrer na práxis, na vida cotidiana. Ou, dito de outro modo, “[A] divisão criada entre dois mundos mutuamente impermeáveis só pode ser superada na vida quando conhecemos, escolhemos, agimos, criamos, construímos mundos onde a própria vida se torna objeto de um determinado domínio da cultura” (PONZIO, 2015PONZIO, A. Philology and Philosophy in Mikhail Bakhtin. Philology [Internet]. Jan 2015; vol. 1, n. 1, p.121-50. Disponível em http://www.ingentaconnect.com/content/10.3726/78000_121. Acesso em 9 de abril, 2023.
http://www.ingentaconnect.com/content/10...
, p.128). Aqui, é fundamental reter a metáfora da construção.

O Jano bifronte e as duas verdades

A pergunta então se converte em: como descrever essa unicidade e singularidade de um mundo que não pode ser abstraído em sistemas teóricos sem que se perca seu sentido? Sim, por que, se por um lado,

resulta óbvio que o conhecimento deva ser necessariamente conhecimento do geral, procedendo por conceitos, por classificações, (...) nos quais o singular, de um modo ou de outro, reaparece sob a forma de indivíduo identificado pelo pertencimento a este ou àquele conjunto, a este ou àquele gênero (PONZIO, 2020PONZIO, A. A concepção bakhtiana do ato como dar um passo. In: BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar (Org). Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020, p.9-38., p.16-17);

por outro, trata-se também de uma questão eminentemente identitária pois lida com o

reconhecimento da diferença singular de cada um, pelo fato de que a organização social mesma (...) funciona sobre a base de classificações, de fechamentos, de atribuições de pertencimento, recorre ao gênero, ao universal como condição da identificação, da diferenciação, da individuação (PONZIO, 2020PONZIO, A. A concepção bakhtiana do ato como dar um passo. In: BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar (Org). Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020, p.9-38., p.17).

Bakhtin responde que o mundo não é abstratamente “sistemático”, mas concretamente “arquitetônico” pois valoramos, conjecturamos e contemplamos a partir de coordenadas espaço-temporais que são as nossas, a partir do lugar único que cada indivíduo ocupa, sem, portanto, podermos ser substituídos, sem a possibilidade de alegar desculpas, pois cada indivíduo é um centro irradiador participativo e responsável. Ele usa frequentemente a palavra edinstvennji com o significado de “singular, único, irrepetível, excepcional, incomparável, sui generis” para descrever esse momento especial vinculado à responsabilidade moral e à ética do ato. Por outro lado, as ocorrências “repetíveis” e/ou generalizáveis são também vinculadas a uma responsabilidade, todavia denominada especial e associada a uma honestidade (no sentido de coerência intelectual) teórica. Bakhtin se aproveita do fato de que a língua russa parece ser a única entre as línguas europeias a possuir dois termos para descrever a verdade: istina e pravda. Istina incorpora o conceito de realidade absoluta - o que realmente existe em contraste com o que é imaginário ou irreal. Na língua russa, a palavra istina marca o aspecto ontológico dessa ideia, significando autoidentidade absoluta e, portanto, exatidão, genuinidade e autoigualdade. Pravda não é apenas “verdade”, mas pode, também, ser traduzida por “justiça”, e nunca é usada para designar uma verdade científica. Istina tem a ver com as questões do “ser” e pravda com o “dever ser”. Pravda como verdade de um evento, portanto, não é separável do “quem” concreto, agente real, tampouco do “onde” concreto que, juntos, especificam o conhecimento. Por essa razão, não é generalizável tal como istina, pelo contrário, é focal, irrepetível e única.

Para a medicina, em especial, talvez seja oportuno nesse momento introduzir a distinção entre corpo e organismo. O indivíduo não pode ser meramente reduzido a uma “entidade puramente biológica, confinado à esfera das necessidades fisiológicas e no qual o [seu] corpo mesmo tenha sido suplantado pela abstração do organismo e a sua unidade tenha sido substituída pela divisão em órgãos” (PONZIO, 2020PONZIO, A. A concepção bakhtiana do ato como dar um passo. In: BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar (Org). Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020, p.9-38., p.23). O corpo, nossa perspectiva sobre o mundo, fonte de sentimentos e conhecimento, não é redutível à economia dos órgãos a não ser por uma abstração radical totalmente desvinculada da realidade vivente. Nesse sentido, istina poderia ser entendida com um tipo de “verdade do organismo”, pois responde pela objetificação de suas partes, pela generalização de seus processos e pela compartimentalização de seu funcionamento, abrindo espaço não só para o estudo e compreensão como para intervenções, pois permite um certo distanciamento do agente. Pravda, por sua vez, seja por relacionar-se à integralidade do indivíduo, seja por ressaltar suas características singulares, é indissociável de uma concepção moral do corpo, e demanda não só uma ética profissional como uma Bioética, fundamental para condução de pesquisas na área. É importante ressaltar ainda que essa concepção da unidade do indivíduo como organismo tem repercussões fundamentais no conceito de saúde que operacionaliza não apenas políticas públicas, mas também consultas privadas, além de embasar práticas de saúde em geral. É característica da teoria bioestatística da saúde, por exemplo, tratar o corpo como organismo (BOORSE, 1977) ao dizer que “saúde é a ausência de doenças” e o fato de alguém estar doente ou não, sob esse aspecto, converte-se numa constatação meramente empírica em geral traduzida por termos provenientes do vocabulário científico (i.e. estatístico, fisiopatológico ou anatomopatológico). Só por essa perspectiva, já é possível circunscrever o enclausuramento de ações tomadas no âmbito de uma linguagem voltada apenas à tradução de aspectos técnicos de uma relação que, como dissemos, é diádica. Além disso, tomando como base tal fragmentação, física e vernacular, fica difícil localizarmos o nível hierárquico onde a doença ocorre pois, a todo momento, alguma célula ou mesmo segmento de DNA vai apresentar um defeito o que, pela definição empírica, caracteriza a doença. Tal constatação leva a conclusões bizarras como a de que todo organismo deve estar, em algum nível, doente2 2 Aqui é impossível não lembrar de Hofrat Behrens, o conselheiro áulico, médico-chefe do sanatório Berghof de A montanha mágica, de Thomas Mann. Para ele, todas as pessoas eram tuberculosas em potencial. A figura de Behrens representa o médico arrebatado pela ciência da época que, no entanto, tinha ainda resultados muito ruins. .

É tentador correlacionar tais imagens com os mundos conflitantes de médicos e pacientes. É comum, em função da eloquência do discurso científico, o médico procurar trazer o diálogo para o “mundo da cultura” (científico), tal fato consistindo já em um afastamento da realidade concreta do encontro. É comum o médico esquivar-se da árdua responsabilidade moral e ética do ato, refugiando-se na confortável responsabilidade especial e honestidade teórica da ciência e da tecnologia. Ou como bem resumiu um velho professor de medicina: “O médico esforça-se por conseguir dados objetivos sobre as doenças dos pacientes, mas eles insistem em contar a história de seus sofrimentos”.

Se não é possível descrever essa “arquitetônica” feita de valores particulares e de um espaço-tempo vivenciado por cada indivíduo a partir de um ponto de vista objetivo (ou seja, desvinculado, abstrato, puramente cognitivo), porque isso simplificaria, empobreceria e mistificaria o encontro, “tal compreensão também não pode ser baseada na empatia, o que também seria um empobrecimento na medida em que reduz a relação entre duas posições mutuamente externas e não intercambiáveis a uma visão única” (PETRILLI, 2016PETRILLI, S. Dialogue, Responsibility and Literary Writing: Mikhail Bakhtin and His Circle. Semiotica; 2016, n. 213, p.307-43. Disponível em: https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2015-0094/html. Acesso em 10 de abril, 2023.
https://www.degruyter.com/document/doi/1...
)3 3 Numa passagem bastante literária da PFA, Bakhtin explica que a empatia total é impossível porque “[S]e eu me perdesse verdadeiramente no outro (neste caso, no lugar de dois participantes, haveria um só - com o consequente empobrecimento do existir), ou seja, se eu cessasse de existir na minha singularidade, então este momento do meu não-existir não poderia nunca se tornar momento de minha consciência” (BAKHTIN, 2020, p.63). . A interpretação-compreensão do indivíduo único pressupõe um ponto de vista que é externo, “extralocalizado”, exotópico, outro, diferente e ao mesmo tempo não indiferente ao outro, portanto participativo, responsivo à alteridade (PETRILLI, 2016). Para o filósofo russo, a única maneira de unir os dois mundos é por meio do

ato da atividade de cada um e o mundo em que tal ato realmente (...) tem lugar. O ato da atividade de cada um, da experiência que cada um vive, olha, como um Jano bifronte, em duas direções opostas: para a unidade objetiva de um domínio da cultura e para a singularidade irrepetível da vida que se vive (...) (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.43).

No encontro clínico, ato bakhtiniano prototípico, estão em jogo a um só tempo os dois mundos, ou seja, o mundo “grande” 4 4 No contexto de uma crítica ao psicologismo como forma também teórica de abordar o mesmo assunto, Bakhtin afirma que “tornamos o mundo teórico grande (o mundo como objeto do conjunto das ciências, de toda a cognição teórica) um momento do mundo teórico pequeno (a realidade psíquica como objeto da cognição psicológica)”. (BAKHTIN, 2020, p.56). E completa: “O sujeito da primeira é o mundo como totalidade, e o sujeito da segunda é o sujeito singular acidental” (BAKHTIN, 2020, p.109). da cultura que compreende, no nosso caso, a ciência biomédica, onde estão todos os pacientes teóricos, os participantes dos estudos e ensaios clínicos, e o “pequeno” mundo da vida individual daquelas duas pessoas que ali se encontram com um objetivo comum. É interessante notar também que Bakhtin explicitamente afirma que “a irretocável correção técnica do ato não resolve ainda a questão de seu valor moral” (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.46). Não basta apenas acertar acuradamente o diagnóstico ou tratamento. É preciso algo mais. Contudo, ele não desvaloriza de modo algum o saber científico, mas ressalta que sua função é complementar e derivada em relação à presença responsável do sujeito no ato. Tal percepção é sutil e capta exatamente um problema grave relativamente comum em muitos serviços médicos: a medicina protocolar e guiada por diretrizes. De novo, não se trata de desvalorizar o conhecimento que propicia protocolos e guias terapêuticos. Eles são extremamente úteis e verdadeiros (istina). Trata-se, sobretudo, de considerá-los insuficientes em caracterizar integralmente o procedimento ético intersubjetivo que está em jogo ali. Mas, a força do argumento bakhtiniano não se resume a esse aspecto somente.

O sujeito descarnado

Bakhtin, na sequência do texto, passa a empreender uma crítica a Kant, sensu lato, ao dizer que não é possível derivar uma ética a partir de um sujeito que é transcendental. Kant defende que o momento do juízo é o momento da atividade de nossa razão pois somos nós que produzimos as categorias de síntese que permitem o conhecimento. Entretanto, para Bakhtin esse elemento transcendente a priori

não superou a sua separação e mútua impenetrabilidade [entre os mundos], e para essa atividade transcendente foi preciso inventar um sujeito puramente teórico, historicamente inexistente, uma consciência em geral, uma consciência científica, um sujeito gnosiológico (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.48).

Tal sujeito fantasmático “deveria a cada vez encarnar-se em um ser humano real, efetivo, pensante para incorporar-se, com o mundo todo do existir que lhe é inerente enquanto objeto de seu conhecimento, no existir do evento histórico real, simplesmente como seu momento” (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.49). E conclui enfaticamente: “Qualquer que seja a tentativa de superar o dualismo entre consciência e vida, entre o pensamento e a realidade concreta singular é, do interior do conhecimento teórico, absolutamente sem esperança” (BAKHTIN, 2020, p.49). Se levarmos em conta o exposto sobre a Bioética e a forma “teórica” como são conduzidos os estudos a respeito do ato do encontro clínico, encontraremos ecos preocupantes nessa advertência contundente de Bakhtin. Não é possível derivar uma ética somente a partir de fundamentos teóricos. A separação dos mundos tendo em vista o ato responsável só é conseguida por meio de uma artificialização desse sujeito encarnado. “O mundo teórico se obtém por uma abstração que não leva em conta o fato da minha existência singular e do sentido moral deste fato que se comporta como ‘se eu não existisse’” (BAKHTIN, 2020, p.52). Essa afirmação encontra ecos em avaliações fenomenológicas do encontro clínico como a empreendida por Fredrik Svenaeus. Avaliações que levam em consideração o fato de que a ética desse peculiar encontro só pode ocorrer na práxis, no fluxo do próprio encontro, chegando mesmo ao ponto de questionar se é possível a existência de uma teoria da Bioética (SVENAEUS, 2000SVENAEUS, F. The Hermeneutics of Medicine and the Phenomenology of Health: Step towards a Philosophy of Medical Practice. 1st ed. Springer Netherlands vol. 5; 2000., p.168).

A crítica ao teoricismo

Para Bakhtin, portanto, sob o epíteto teoricismo (ou teoreticismo) estão englobadas todas as formas em que a capacidade de compreensão do ato responsável, singular e único, pela via da generalização e da ausência individual são forçadas ao limite ou, nas palavras dele “as várias tentativas de reunir o conhecimento teórico e a vida em sua irrepetibilidade, concebendo esta última segundo categorias biológicas, econômicas, [médicas, diríamos], etc.: ou seja todas as várias tentativas de tipo pragmatista” (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.57). Não adianta converter uma teoria em outra. A única forma de conseguir tal integração, como dissemos acima, é partir do ato em si, não de sua transcrição teórica, já que é o ato que se desenvolve realmente no existir. Para Bakhtin, “[A] razão teórica em sua totalidade não é senão um momento da razão prática, isto é, da razão decorrente da direção moral de um sujeito único no evento do existir singular” (BAKHTIN, 2020, p.59). Tal linha de raciocínio desfere um golpe fatal nas formas como o encontro clínico tem sido estudado desde então. A conclusão inapelável é que não o estudamos corretamente, ou seja, a partir do interior do próprio evento, o que é perturbador5 5 Com honrosas exceções, ver por exemplo Balint, 1972, Fenstein, 1967, Szasz & Hollender, 1956, além de Mishler, 1984, pela via narrativa. . Mais adiante na obra, ao destacar a impossibilidade da empatia total (algo bastante valorizado na prática médica)6 6 Ver nota 3 acima. , Bakhtin escreve: “Por mais que eu conheça a fundo uma determinada pessoa, assim como eu conheço a mim mesmo, devo, todavia, compreender a verdade (pravda) da nossa relação recíproca, a verdade (pravda) do evento uno e único que nos une, do qual nós participamos” (BAKHTIN, 2020, p.65). Tal postura é oposta àquela que se dá no mundo da tecnologia, a saber, um mundo “que conhece sua própria lei imanente a que se submete em seu impetuoso e irrestrito desenvolvimento, não obstante já há tempo tenha se furtado à tarefa de compreender a finalidade cultural desse desenvolvimento” (BAKHTIN, 2020, p.49), aqui em nítida aproximação ao Heidegger em relação à autonomização da técnica. Bakhtin afirma que “[U]ma vez reconhecido o valor da verdade científica (istina) em todos os atos do pensamento científico, eu sou já submetido à sua lei imanente: quem diz a, deve dizer b, c e assim todo o alfabeto” (BAKHTIN, 2020, p.89). Insistindo ainda em dizer que

[Q]uanto mais próximo se está da unidade teórica (constância de conteúdo ou identidade repetitiva), tanto mais a singularidade individual é pobre e genérica, reduzindo-se a inteira questão à unidade do conteúdo, e a unidade última resulta ser um possível conteúdo vazio e idêntico a si mesmo (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.95).

Ora, isso se coaduna perfeitamente com a alienação moral do médico em relação à evidência científica. O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, aluno de Heidegger, se ocupou desse assunto em uma série de ensaios a respeito da medicina e suas práticas, reunidos numa interessantíssima coletânea publicada no Brasil sob o título de O caráter oculto da saúde (2006). A pergunta sobre a qual Gadamer se debruça diz respeito aos problemas relativos à possibilidade real de a ciência fundamentar, plena e satisfatoriamente, a vida social com bases racionais (ou, na linguagem bakhtiniana, culturais). Sua resposta aponta para a direção de um paradoxo de difícil solução: “quanto mais racionais as formas de organização da vida são modeladas, tanto menos é praticada e ensinada a capacidade racional de julgamento”, ou ainda “quanto mais intensivamente a área de aplicação é racionalizada, mais falta o próprio exercício do juízo e, com isso, a experiência prática no seu verdadeiro sentido” (GADAMER, 2006GADAMER H. G. O caráter oculto da saúde. Petrópolis: Editora Vozes; 2006. [Em especial o capítulo I. Teoria, Técnica e Prática, p.9-38.). Para Gadamer, a capacidade racional de julgamento está mais próxima do conceito kantiano de juízo e por racionalização, ele entende a vinculação da conduta a uma matriz teórica, que no caso da medicina, seria a ciência biomédica. Na clínica, a decisão prática confronta os dois tipos de conhecimento porque é muito difícil saber se a aplicação de uma regra geral a um caso específico é correta e ao mesmo tempo justa. Isso resulta em uma tensão irredutível a qualquer processo de tomada de decisão que envolva conhecimento estruturado. Há, entretanto, esferas de comportamento prático nas quais esta dificuldade não culmina em um conflito crítico. É exatamente este o caso da experiência técnica, isto é, a tecnologia e suas aplicações. Neste sentido, quando o conhecimento científico é voltado ao fazer (know-how vs. knowledge), minimiza-se a tensão da decisão prática pois o conflito existente entre uma escolha e outra passa a ser avalizado pela ciência, ou seja, passa a ser racionalizado cientificamente, utilizando-se de uma validação que é aceita tacitamente, mesmo que não se trate exatamente do caso em questão. Bakhtin e Gadamer abordam o mesmo assunto por perspectivas diferentes. Este último, pelo lado da epistemologia, o primeiro, pelo da ética. Gadamer, contudo, percebeu e explorou essa constituição mestiça da medicina e seu modus operandi contemporâneo. Bakhtin, apesar de não utilizar a medicina como exemplo, usa o idioma da ética, que, além de se articular perfeitamente com o discurso gadameriano, faz todo sentido do ponto de vista médico.

A cura

O lugar que ocupamos é único e é a partir dele que o mundo infinito do conhecimento possível deve ser acessado. Entretanto,

ao invés de incorporar todo o conhecimento teórico possível do mundo na vida real a partir de si, como reconhecimento responsável, (...) procuramos inserir a nossa vida real no contexto teórico possível, reconhecendo nela como essenciais somente os seus momentos universais, ou entendendo-a como um pequeno fragmento de espaço e de tempo do grande conjunto espacial e temporal, ou ainda dando-lhe uma interpretação simbólica” (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.110).

É possível inferir aqui que nos é autorizado desempenhar qualquer papel, médico(a), enfermeiro(a), paciente, etc, desde que não nos despojemos de nossa responsabilidade e não abandonemos a singularidade que nos caracteriza pois, para

enraizar o ato, a participação pessoal de uma existência singular e de um objeto singular deve estar em primeiro plano, já que se você é representante de um grande todo, você o é, sobretudo, pessoalmente. E este mesmo grande todo, por sua vez, não é composto de aspectos gerais, mas de momentos individuais concretos (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.113).

Ao profissional médico cabe ajustar os vetores desses conhecimentos e dessa presença. Quem deve moldar as atitudes e condutas do profissional não são artigos científicos, diretrizes ou evidências. Estas servem como generalizações vazias e categorizações artificiais. Para enraizarmos o ato, o encontro clínico, é preciso a participação pessoal, intransferível e irrepetível nele.

Considerações finais

Procuramos desenvolver nesse artigo a ideia de que o encontro clínico, enquanto núcleo canônico da medicina, consiste (ou deveria consistir, no mais das vezes) num peculiar evento tal como Mikhail Bakhtin o descreve em sua obra Para uma filosofia do ato responsável. A proposta seria, pois, reconhecer a participação singular do sujeito, de seu não-álibi, como maneira de reafirmá-lo como "ativamente responsável" pelos seus atos na concretização irrepetível do momento - quase que heraclitiano - desse evento. Bakhtin usa o conceito de centro valorativo para descrever o horizonte de sentido que parte de mim constituindo valores e significados e do qual toda temporalidade e espacialidade igualmente advêm, determinando o mundo como “um todo arquitetônico estável e concreto”. Tal centro valorativo não entra necessariamente em conflito com o componente histórico universal (no nosso caso, ciência médica) nem com os valores de um possível interlocutor (paciente), porque são centros valorativos distintos. Também não há risco de relativismo porque, segundo Bakhtin, a verdade pura e eterna (istina) só se concretiza como momento encarnado naquilo que ele chama de existir-evento. Para ele, toda a validade extratemporal do mundo teórico da verdade (istina) só se alicerça na historicidade real do existir-evento. É apenas um momento dela, se convertendo a posteriori em um tipo de verdade muito especial (pravda), situada, contextualizada e construída. “Todavia, a contraposição habitual entre a verdade eterna e a nossa temporalidade imperfeita possui um sentido não teórico” (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.55-56). Um certo sabor axiológico, segundo Bakhtin, no qual podemos ter a tendência de atribuir à verdade eterna um valor positivo e à nossa temporalidade efêmera, uma tonalidade negativa. Isso é bem característico da medicina em geral, e do encontro clínico, em particular. Entretanto, é preciso insistir que tal pensamento “penitente” se desenvolve apenas dentro da arquitetônica do existir-evento onde ocorre o fatídico ato. Nunca fora dele, e é isso o que assevera sua existência secundária e não primordial. É o ato responsável quem precede tais juízos e não o contrário. A citação abaixo parece resumir de maneira brilhante a assunção do encontro clínico como ato bakhtiniano prototípico:

O ato - considerado não a partir de seu conteúdo, mas na sua própria realização - de algum modo conhece, de algum modo possui o existir unitário e singular da vida; orienta-se por ele e o considera em sua completude - seja no seu aspecto conteudístico, seja na sua real facticidade singular; do interior, o ato não vê somente um contexto único mas também o único contexto concreto, o contexto último, com o qual relaciona tanto o seu sentido assim como o seu fato, em que procura realizar responsavelmente a verdade (pravda) única, seja do fato seja do sentido, na sua unidade concreta. Por isso é necessário, evidentemente, assumir o ato não como um fato contemplado ou teoricamente pensado do exterior, mas assumido do interior, na sua responsabilidade (BAKHTIN, 2020BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020., p.79-80).

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, M. Arte e responsabilidade. In: Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 6.ed. Editora WMF Martins Fontes, 2011. p.XXXIII-XXXIV.
  • BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Org Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020.
  • BOENAVIDES, D. L. P. Publicação e recepção das obras do Círculo de Bakhtin no Brasil: a consolidação da análise dialógica do discurso. Bakhtiniana, Revista de Estudos do Discurso, 2022 vol. 17, n. 4, p.104-31. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2176-4573p56378 Acesso em 9 de abril, 2023.
    » https://doi.org/10.1590/2176-4573p56378
  • BOORSE, C. Health as a Theoretical Concept. Philosophy of Science, vol. 44, n. 4, p.542-73. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/186939 Acesso em 12 de abril, 2023.
    » https://www.jstor.org/stable/186939
  • FEINSTEIN, A. Clinical Judgement. Baltimore, Willian & Wilkins, 1967.
  • FERREIRA, MLLP. Juramento de Hipócrates e logos epitáfios: o éthos clássico. 108 f. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas-USP, 2019.
  • FOUCAULT, M. Crise da medicina ou crise da antimedicina. Verve; n. 18, p.167-194; 2010. Disponível em:http://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/view/8646 Acesso em 9 de abril, 2023.
    » http://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/view/8646
  • GADAMER H. G. O caráter oculto da saúde. Petrópolis: Editora Vozes; 2006. [Em especial o capítulo I. Teoria, Técnica e Prática, p.9-38.
  • GALLIAN D. M. C., PONDE L. F., RUIZ, R. Humanização, humanismos e humanidades: Problematizando Conceitos e Práticas no Contexto da Saúde no Brasil. Medica Review International Medical Humanities Review / Revista Internacional de Humanidades Médicas [Internet]; vol. 1, n. 1, p.5-15, 5 de março, 2012. Disponível em: https://journals.eagora.org/revMEDICA/article/view/1293 Acesso em 2 de abril, 2023.
    » https://journals.eagora.org/revMEDICA/article/view/1293
  • GUYATT, G. and EVIDENCE BASED WORKING GROUP. Evidence-Based Medicine: A New Approach to Teaching the Practice of Medicine. JAMA; vol. 268, n. 17, p.2420-25; nov 4 1992.
  • ILLICH, I. A expropriação da saúde: nêmesis médica. Tradução de José Kosinski de Cavalcanti. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
  • LOUHIALA, P. There Is No Alternative Medicine. Medical Humanities; vol. 36, n. 2, p.115-7, Nov 30, 2010.
  • MAY, C. The Clinical Encounter and the Problem of Context. Sociology; vol. 41, n.1, p.29-45, Feb 2007.
  • PELLEGRINO, E. D. and THOMASMA, D. C. The Philosophical Foundations of Medical Practice: Toward a Philosophy and Ethics of the Health Profession. New York: Oxford University Press, 1981.
  • PELLEGRINO, E. D. The Origins and Evolution of Bioethics: Some Personal Reflections. Kennedy Institute of Ethics Journal; vol. 9, n. 1, p.73-88; 1999. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/18612 Acesso em 9 de abril, 2023.
    » https://muse.jhu.edu/article/18612
  • PETRILLI, S. Dialogue, Responsibility and Literary Writing: Mikhail Bakhtin and His Circle. Semiotica; 2016, n. 213, p.307-43. Disponível em: https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2015-0094/html Acesso em 10 de abril, 2023.
    » https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2015-0094/html
  • POMPILIO, C. E. As evidências em evidência. Diagnóstico & Tratamento; vol. 11, n. 1, p.16-17, 2006.
  • POMPILIO, C. E. Comunicação em saúde: Habermas e Lévinas no consultório. Via Atlântica, n. 29, p.51-77; 2016.
  • PONZIO, A. A concepção bakhtiana do ato como dar um passo. In: BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. 3.ed. Augusto Ponzio e GEGE/UFSCar (Org). Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2020, p.9-38.
  • PONZIO, A. Philology and Philosophy in Mikhail Bakhtin. Philology [Internet]. Jan 2015; vol. 1, n. 1, p.121-50. Disponível em http://www.ingentaconnect.com/content/10.3726/78000_121 Acesso em 9 de abril, 2023.
    » http://www.ingentaconnect.com/content/10.3726/78000_121
  • SOBRAL, A. A filosofia primeira de Bakhtin: roteiro de leitura comentado. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2020.
  • SRIVASTAVA, R. The Spread of Super-Specialisation Is an Alarming Problem of Modern Medicine. The Guardian, 18 Feb 2020. Disponível em https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/feb/18/the-spread-of-super-specialisation-is-an-alarming-problem-of-modern-medicine Acesso em 9 de abril, 2023.
    » https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/feb/18/the-spread-of-super-specialisation-is-an-alarming-problem-of-modern-medicine
  • SVENAEUS, F. The Hermeneutics of Medicine and the Phenomenology of Health: Step towards a Philosophy of Medical Practice. 1st ed. Springer Netherlands vol. 5; 2000.
  • SZASZ, TS & HOLLENDER, MH. The Basic Models of the Doctor-Patient Relationship.Archives of Internal Medicine, n. 97, p.585-592, 1956. Disponível em http://dx.doi.org/10.1001/archinte.1956.00250230079008 Acesso em 10 de abril, 2023.
    » http://dx.doi.org/10.1001/archinte.1956.00250230079008
  • 1
    Todas as traduções, salvo referido, são nossas. Aqui, com algumas modificações. No original: “A new paradigm for medical practice is emerging. Evidence-based medicine de-emphasizes intuition, unsystematic clinical experience, and pathophysiologic rationale as sufficient grounds for clinical decision making and stresses the examination of evidence from clinical research. Evidence- based medicine requires new skills of the physician, including efficient literature searching and application of formal rules of evidence evaluating the clinical literature” (GUYATT, 1992, p.2420).
  • 2
    Aqui é impossível não lembrar de Hofrat Behrens, o conselheiro áulico, médico-chefe do sanatório Berghof de A montanha mágica, de Thomas Mann. Para ele, todas as pessoas eram tuberculosas em potencial. A figura de Behrens representa o médico arrebatado pela ciência da época que, no entanto, tinha ainda resultados muito ruins.
  • 3
    Numa passagem bastante literária da PFA, Bakhtin explica que a empatia total é impossível porque “[S]e eu me perdesse verdadeiramente no outro (neste caso, no lugar de dois participantes, haveria um só - com o consequente empobrecimento do existir), ou seja, se eu cessasse de existir na minha singularidade, então este momento do meu não-existir não poderia nunca se tornar momento de minha consciência” (BAKHTIN, 2020, p.63).
  • 4
    No contexto de uma crítica ao psicologismo como forma também teórica de abordar o mesmo assunto, Bakhtin afirma que “tornamos o mundo teórico grande (o mundo como objeto do conjunto das ciências, de toda a cognição teórica) um momento do mundo teórico pequeno (a realidade psíquica como objeto da cognição psicológica)”. (BAKHTIN, 2020, p.56). E completa: “O sujeito da primeira é o mundo como totalidade, e o sujeito da segunda é o sujeito singular acidental” (BAKHTIN, 2020, p.109).
  • 5
    Com honrosas exceções, ver por exemplo Balint, 1972, Fenstein, 1967, Szasz & Hollender, 1956, além de Mishler, 1984, pela via narrativa.
  • 6
    Ver nota 3 acima.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O artigo “O encontro clínico como ato bakhtiniano prototípico” é um texto de caráter multidisciplinar que articula, adequadamente, a área da saúde (medicina) aos estudos do discurso. Com uma reflexão original sobre a prática da medicina baseada numa ética calcada na filosofia bakhtiniana, o artigo contribui para ambos os campos do conhecimento - saúde e discurso. O texto, que possui título coerente com o conjunto do trabalho, na busca de cumprir com o objetivo que se propõe, contempla a complexidade do encontro clínico, fornecendo uma forma de compreensão desse encontro por meio de seu entendimento enquanto ato bakhtiniano responsável, trazendo novas e interessantes perspectivas desse evento, abrindo caminhos para a reflexão por uma medicina mais ética e humana. Por fim, o texto está bem escrito, possuindo linguagem clara e coerente, correta do ponto de vista gramatical e adequada para um trabalho científico. Levando em conta os argumentos acima apresentados, RECOMENDA-SE a publicação do presente artigo, apenas considerando alguns poucos e pequenos ajustes que foram indicados ao longo do texto. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    15 Maio 2023

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2023
  • Aceito
    21 Jul 2023
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com