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"inquietando as águas": A magia de relembrar o passado em Two Wings to Veil My Face, de Leon Forrest

RESUMO

Escrito durante décadas de intensos debates sobre a possibilidade de se recuperar uma autêntica identidade afro-americana, Two Wings to Veil My Face1 1 N. do T.: O romance Two Wings to Veil My Face [Duas asas para esconder minha face], de Leon Forrest, não tem ainda tradução para a língua portuguesa. é uma reação contra os nativistas que defenderam e celebraram uma verdadeira identidade afro-americana. Os autores deste artigo ilustram a forma pela qual Leon Forrest implementou o realismo mágico para, metaforicamente, desvelar as vozes do passado há muito suprimidas, a fim de construir uma identidade contemporânea. Contudo, o passado ancestral, tal qual representado pelos narradores, não é nem adulterado, nem totalmente puro. Para tanto, os protagonistas relembram e relatam sua horrenda história coletiva e, assim, revelam a cumplicidade de alguns afro-americanos com os proprietários de escravos. Ao relembrar as experiências traumáticas do passado da comunidade, conforme este estudo explicará, o herói do romance, Nathaniel, reinventa sua identidade com base em uma história comunal não censurada e enfatiza o primado dos laços comunais em detrimento de linhas familiares ilusórias.

PALAVRAS-CHAVE:
Leon Forrest; Two Wings to Veil my Face; Elementos mágicos; Comunidade afro-americana; Memória

ABSTRACT

Composed during the decades of intense debates over the possibility of retrieving an authentic African American identity, Two Wings to Veil My face is a reaction against the nativists who argued for and celebrated a genuine African American identity. The authors of this article illustrate that Leon Forrest has implemented magical realism to metaphorically unearth the long suppressed voices of the past in order to construct a contemporary identity. However, the ancestral past, as represented by the narrators, is neither unadulterated nor fully innocent. To this aim, the protagonists remember and relate the horrendous communal history, and thus reveal the complicity of some African Americans with the slave-owners. Through remembering the traumatic experiences of the community's past, as this study will explicate, the hero of the novel, Nathaniel, re-invents his identity based on an uncensored communal history and accentuates the primacy of communal bonds over the illusory family lines.

KEYWORDS:
Leon Forrest; Two Wings to Veil my Face; Magical elements; African American community; Memory

Introdução

Em seus romances, muitos autores afro-americanos, incluindo Toni Morrison, Charles Johnson, Ernest Gaines e Gloria Naylor, buscam reconstruir a história de sua herança afro-americana, mostrando como a prática de relembrar o passado pode ajudar sua etnia no processo de formação de uma identidade. Dessa forma, como Keith Bayerman (2005)BYERMAN, K. Remembering the Past in Contemporary African American Fiction. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2005. afirma, essa geração de escritores afro-americanos se distingue de escritores como Richard Wright, James Baldwin e Ralph Ellison, que representavam o Black Arts Movement [Movimento da Arte Negra] ou o Harlem Renaissance [Renascimento de Harlem] e eram, em comparação à geração de autores anterior, intelectuais menos centrados na história (BAYERMAN, 2005BYERMAN, K. Remembering the Past in Contemporary African American Fiction. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2005., p.1). A Forest County Trilogy [Trilogia do Condado de Forest] de Leon Richard Forrest, que inclui Two Wings to Veil my Face (1983), também se preocupa, sobretudo, com a história da escravidão americana e com a mitologia afro-americana, bem como com a forma pela qual se difundirá a reconstrução de uma nova concepção de afro-americanidade. Este fascinante romance de múltiplas vozes, escrito por Forrest, incorpora a arte de contar histórias a um estilo narrativo e é repleto de alusões à Bíblia, a textos literários e a fenômenos culturais. Em Two Wings, Forrest se preocupa, em especial, em chamar a atenção para a miséria e o sofrimento dos afro-americanos ao longo da história. Central à sua percepção histórica dos afro-americanos é sua crença numa orfandade biológica e cultural. No romance de Forrest, a maioria das personagens é biológica ou emocionalmente orfã - fato esse geralmente revelado quando as personagens embarcam em uma busca por sua história familiar. Essa busca por identidade muitas vezes revela as trágicas marcas de incesto, miscigenação e estupro ocorridos no passado. Ao reconhecer o estado de orfandade afro-americana, Forrest pretende transcender esse passado doloroso e explorar as formas de se reinventarem as identidades dos afro-americanos na América moderna.

O interesse de Forrest em redefinir a identidade dos afro-americanos surgiu no contexto de um debate político acalorado, que se deu por volta da década de 1970, entre os nacionalistas afro-americanos e os individualistas. Enquanto os primeiros enfatizavam a importância da comunidade e da negritude, os últimos enfatizavam a construção de uma identidade afro-americana. Os personagens de Forrest estão muitas vezes divididos entre essas duas tendências extremistas, que, de certa forma, refletem uma incerteza generalizada entre os afro-americanos sobre como definir a si mesmos. Forrest parece ser atraído pela arte de Ralph Ellison, cuja obra Invisible Man [Homem Invisível] provou ser uma crítica severa ao essencialismo inerente a algumas formas artísticas afro-americanas, bem como aos movimentos políticos e filosóficos da época. No entanto, as personagens de Forrest preferem o deleite da comunidade e do patrimônio cultural afro-americano, ao mesmo tempo em que reconhecem o passado do povo afro-americano e sua história de miscigenação cultural na América. Forrest, via de regra, acolhe a diversidade das tradições e culturas da América e aceita o fato de que elas afetaram o povo afro-americano. Assim, ele rejeita a afirmação do Black Arts Movement de que uma cultura afro-americana autêntica seja algo desejável e passível de ser resgatado. A título de exemplo, em uma entrevista para Madhu Dubey, ao descrever seu posicionamento em relação à tradição e cultura afro-americana, Forrest (1996, p.590)FORREST, L.; DUBEY, M. The Mythos of Gumbo: Leon Forrest Talks About Divine Days. Callaloo VOL.19 NO.3, pp.588-602, 1996. observa:

Eu resisto a qualquer aspecto desta cultura [afro-americana] que tenha a ver com pureza. Isso é, acima de tudo, muito antiamericano. E, no entanto, é ao mesmo tempo um cadinho sobre o qual se baseiam muitas das relações raciais e de supremacia branca - essa ideia de pureza racial. Entretanto, certamente não há americanos culturalmente puros, não nesta época, [sic] isso é certo. E, obviamente, a herança, o histórico dos negros é muito complexo, não apenas em termos de linhas de cor, mas em termos de linhas culturais. [...]2 2 N. do T.: Todas as traduções de obras em inglês, não traduzidas ao português, são minhas. 3 3 No original: "I resist anything in this [African American] culture that has to do with purity. That's so anti-American in the first place. And yet at the same time it's a crucible on which much of race relations and white supremacy is based-the idea of purity. But there certainly aren't any pure Americans culturally, not at this time, [sic] that's one thing for sure. And obviously the heritage, the background of blacks is very complex, not just on color lines but lines of culture. [...]". .

Em Two Wings, por meio dos elementos fantásticos temáticos e estilísticos empregados na construção de suas personagens ficcionais, Leon Forrest propõe a possibilidade de ouvir as vozes do passado há muito tempo suprimidas, ao mesmo tempo em que mostra que esse passado ancestral não é nem incontaminado, nem inocente. Para tanto, os protagonistas de Leon Forrest relembram sua devastadora história comunal e, assim, revelam a cumplicidade de alguns afro-americanos para com o sistema escravocrata. Além disso, neste romance, Forrest rejeita a possibilidade de se recuperar uma identidade afro-americana autoindependente. Ao relembrar as experiências traumáticas do passado da comunidade, o jovem herói do romance, Nathaniel, reinventa sua identidade atual com base em uma história comunal trágica, mas sem censura, e celebra a supremacia dos laços comunais em detrimento das linhas familiares ilusórias.

Na saga da família Witherspoon, Two Wings to Veil My Face cobre um período entre a fase final da escravidão e o ano de 1958. O romance é narrado através de histórias que a Vovó Sweetie Reed, de noventa e um anos, conta a seu neto de vinte e um anos, Nathaniel. Ele tem curiosidade em saber por que sua avó não compareceu à cerimônia do funeral de seu avô Jericho W. Witherspoon, há quatorze anos. Para explicar-lhe, Sweetie relembra e relata a história de sua família a partir do "tempo inicial de toda memória" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.6)4 4 No original: "beginning time of all memory". . As memórias de Sweetie são uma mistura de diálogo, encantamentos e sermões, e ela exerce a função de uma historiadora oral que emprega todos os dispositivos retóricos a seu dispor para dar uma imagem da história de sua comunidade tão detalhada quanto possível. Nathaniel também forma um elo entre o passado de sua comunidade negra e sua situação atual. As histórias são interrompidas pelas narrativas de fluxo de consciência de Nathaniel, nas quais ele se lembra do funeral do seu avô, de seus familiares e de seu noivo.

Sweetie narra como seu pai, I. V. Reed, em seu leito de morte, disse-lhe que sua mãe foi concebida quando o mestre Rollins Reed, o senhor dos escravos, estuprou uma escrava chamada Jubill. Então, Sweetie encarna a misteriosa Tia Foisty, a escrava mais velha da plantação e, através dela, conta a história da "Passagem do Meio", juntamente com as queixas dos escravos e sua sobrevivência na América.

Um dos episódios mais importantes do romance é o renascimento do mestre Rollins Reed, realizado pela Tia Foisty. Rollins costumava forçar suas escravas a ter relações sexuais com ele. Como é explicado por I. V. Reed, assim que Rollins sai de sua mansão e visita o quarto de Jubill à meia-noite, I. V. Reed, que era apaixonado por Jubill, planeja se vingar de Shank Haywood, um escravo negro que também desejava Jubill. Então I. V. Reed diz ao escravo Haywood que o mestre Rollins visita sua amante, Jubill. Enfurecido, Haywood ataca o mestre Rollins à meia-noite, quando ninguém, além de I. V. Reed, que estava escondido em uma árvore, podia vê-los. Haywood quase estrangula Rollins até a morte, mas I. V. Reed, ao jogar uma pedra nele, fere-o e, assim, faz com que Haywood deixe Rollins em paz e fuja. I. V. Reed leva o corpo desfalecido de Rollins para a Tia Foisty e inventa uma história. Então, Tia Foisty, através de algumas práticas vodu, ressuscita o mestre Rollins. Alguns dias depois, os patrulheiros encontram e matam o escravo Shank Haywood.

Sweetie também conta a Nathaniel sobre a cruel Senhora da plantação, a Sra. Sylvia Reed, que fez com que Angelina, mãe de Sweetie, escondesse diamantes nos cabelos, quando o Exército da União [Union Army] se aproximava rapidamente deles, em Southlands, no final da Guerra Civil Americana. Três soldados da União quase estupram Angelina, mas ela consegue fugir, pois seus diamantes distraíram os soldados. Entretanto, posteriormente, outro grupo de patrulheiros brancos, que a sequestraram e pretendiam escravizá-la, a estupram e matam - fato esse que acontece ante os olhos de Sweetie e veio como um golpe brutal e duradouro para ela. Os patrulheiros do exército também planejavam matar Sweetie, que estava com sete anos de idade à época, mas Jericho Witherspoon a resgata e a liberta, planejando se casar com sua mãe. Ao descobrir que Angelina está morta, Jericho fica decepcionado, mas depois de alguns anos, ele compra Sweetie, quando ela já havia completado seus quinze anos, e se casa com ela como se fosse uma substituta de sua mãe. Jericho é primeiro um escravo fugido e, posteriormente, um escravo livre, que tinha cinquenta e cinco anos quando se casou com Sweetie. Logo após a emancipação, Jericho consegue subir de patamar social. Ele se torna um advogado bem sucedido e meticuloso, respeitado nas comunidades afro-americanas. Ele chega a viver cento e dezessete anos de idade.

Após os escravos terem sido libertados no sul, I. V. Reed permanece na plantação servindo ao Mestre Rollins, mas Sweetie e Jericho se mudam para o Norte, onde levam uma vida infeliz e sem nenhum filho junto a eles. Quando Sweetie completa 30 anos, Jericho já está com seus setenta anos e traz para casa um filho seu, que se descobre ser Arthur, o pai de Nathaniel. Sweetie explica a Nathaniel que Arthur é o filho bastardo de Jericho com uma mulher chamada Lucasta. Sweetie aceita cuidar de Arthur, mas ela se recusa a continuar vivendo com Jericho devido ao adultério que ele cometeu. Sweetie então cria Arthur como seu próprio filho e passa a tratar o filho dele como se fosse seu neto. O romance termina quando Sweetie dá, a Nathaniel, alguns diamantes como herança.

Danille Taylor-Guthrie (1993)TAYLOR-GUTHRIE, D. Sermons, Testifying, and Prayers: Looking Beneath the Wings in Leon Forrest's Two Wings to Veil My Face. Callaloo, v. 16, n. 9, pp.419-430, 1993. aponta para a dicotomização de documentos orais e escritos em Two Wings e conclui que Nathaniel volta no tempo e consegue atingir a maturidade (TAYLOR-GUTHRIE, 1993TAYLOR-GUTHRIE, D. Sermons, Testifying, and Prayers: Looking Beneath the Wings in Leon Forrest's Two Wings to Veil My Face. Callaloo, v. 16, n. 9, pp.419-430, 1993., p.430). Dana Williams (2002WILLIAMS, D. A. Preachin' and Singin' Just to Make it Over: The Gospel Impulse as Survival Strategy in Leon Forrest's Bloodworth trilogy. African American Review, v. 36, n. 3, pp. 475-85, 2002.), em seu artigo Preachin 'e Singin' Just to Make it over, afirma que Leon Forrest, por meio de seus romances, especialmente Two Wings, "usa o ímpeto do evangelho e seus recursos mágicos de reinvenção como uma forma artística de se abordar o tema que permeia seus romances: a transformação do eu como um ato essencial para a sobrevivência durante períodos de agonia espiritual" (WILLIAMS, 2002WILLIAMS, D. A. Preachin' and Singin' Just to Make it Over: The Gospel Impulse as Survival Strategy in Leon Forrest's Bloodworth trilogy. African American Review, v. 36, n. 3, pp. 475-85, 2002., p.476)5 5 No original: "uses the gospel impulse and its magical use of reinvention as an art form to address the theme that permeates his novels: the transformation of the self as an act essential to survival during spiritual agony". . Keith Byerman, em seu livro Remembering the Past in Contemporary African American Fiction, também especula o fato de que os romances de Forrest, incluindo Two Wings, falam sobre "o resgate do histórico familiar, que pode servir como uma metáfora ou metonímia da história de um grupo, que é o meio mais eficaz para se entender e trabalhar os problemas contemporâneos" (BYERMAN, 2005BYERMAN, K. Remembering the Past in Contemporary African American Fiction. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2005., p.137)6 6 No original: "the recovery of family history, which can serve as metaphor or metonymy of group history, [which] is the most effective means of understanding and working through contemporary problems". . De acordo com Byerman, quando estudiosos afro-americanos começaram a revisitar sua história e garantiram uma posição importante para ela na academia e na cultura popular, Forrest advertia contra qualquer tendência a interpretações ideológicas limitadas sobre a identidade afro-americana (BYERMAN, 2005BYERMAN, K. Remembering the Past in Contemporary African American Fiction. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2005., p.138). Dana Williams (2005)WILLIAMS, D. In the Light of Likeness--transformed: The Literary Art of Leon Forrest. Ohio: Ohio State University. 2005., em seu livro In the Light of Likeness - transformed: The Literary Art of Leon Forrest, chama a atenção dos leitores para a forma como Forrest incorpora o blues em Two Wings para enfatizar sua preocupação com a sobrevivência das comunidades afro-americanas. "No romance de Forrest," escreve Williams, "Sweetie Reed procura essa proteção angelical contra as dores históricas e mundanas, mas é obrigada a emprestar da tradição do blues elementos para superá-las. Para garantir sua cura e incentivar o bem-estar subsequente de Nathaniel no momento atual, ela combina [...] a narrativa escrava com o blues" (WILLIAMS, 2005WILLIAMS, D. In the Light of Likeness--transformed: The Literary Art of Leon Forrest. Ohio: Ohio State University. 2005., p.92)7 7 No original: "In Forrest's novel"; "Sweetie Reed seeks this angelic protection from historical and worldly hurts, but is forced to borrow from the blues tradition in order to overcome them. To ensure her healing and to encourage Nathaniel's subsequent wellness in the contemporary moment, she combines [...] the slave narrative and the blues". . Apesar da incipiência de crítica literária sobre Two Wings de Leon Forrest, os estudiosos que se arriscaram a escrever sobre este livro abordaram diversas questões em suas ricas leituras críticas do romance. No entanto, o que escapou a quase todos foi uma problematização sobre a forma como Forrest se baseou em elementos fantásticos para dar um toque estético às práticas de rememoração e sobrevivência, como retratado no romance. Este artigo pretende mostrar como Leon Forrest empregou o realismo mágico para metaforicamente desvelar as vozes suprimidas do passado a fim de construir uma identidade afro-americana contemporânea (ainda que controversa).

1 Abrindo o jogo: Vovó Sweetie relembra o passado

Em seu livro Yearning: Race, Gender, and Cultural Politics, bell hooks8 8 N. do T.: bell hooks, escrito em minúsculas, é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins. escreve:

A memória não precisa ser um reflexo passivo, uma nostalgia, um anseio de que as coisas sejam como um dia foram. Ela pode funcionar como uma forma de conhecer e aprender com o passado. [...] Pode servir como um catalisador para a autorrecuperação. Estamos falando aqui da autocura coletiva negra" (HOOKS, 2015HOOKS, B. Yearning: Race, Gender and the Cultural Politics. New York and London: Routledge, 2015., p.40)9 9 No original: "Memory need not be a passive reflection, a nostalgia longing for things to be as they once were; it can function as a way of knowing and learning from the past. [...] It can serve as a catalyst for self-recovery. We are talking about collective black self-recovery". .

Mais tarde, no mesmo livro, ela explica que "'nossa luta também é uma luta da memória contra o esquecimento'; uma politização da memória, que distingue a nostalgia - aquele anseio para que algo seja como foi uma vez, uma espécie de ato inútil - da lembrança que serve para iluminar e transformar o presente" (HOOKS, 2015HOOKS, B. Yearning: Race, Gender and the Cultural Politics. New York and London: Routledge, 2015., p.147)10 10 No original: "'our struggle is also a struggle of memory against forgetting'; a politicization of memory that distinguishes nostalgia, that longing for something to be as once it was, a kind of useless act, from that remembering that serves to illuminate and transform the present". . Leon Forrest in Two Wings atesta que a transformação da geração afro-americana contemporânea, representada por Nathaniel, só é possível se o passado for revisitado sem qualquer sensação inútil e enganosa de nostalgia.

Entre as linhas de Two Wings também encontramos uma resistência à lembrança nostálgica do passado. Forrest sugere que essa crônica familiar é uma analogia à história de quase todos os afro-americanos. As vozes e memórias dos mortos são tão reais na casa de Sweetie que ela não pode se desfazer dos objetos pertencentes a um marido que a deixou há cerca de cinquenta anos. "Mas agora, refletia o jovem rapaz," como nos é informado em Two Wings pelo narrador onisciente em terceira pessoa: "assim como a Vovó Sweetie Reed nunca conseguiu se livrar da cama onde ela e Jericho Witherspoon dormiram há tanto tempo, como se fossem uma só carne, ela nunca conseguiu se livrar da memória avassaladora do homem que um dia tanto amou" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.20)11 11 No original: "how Great-Momma Sweetie Reed had never been able to rid herself of the bed where she and Jericho Witherspoon had slept ever so long ago as one, even as she had never been able to rid herself of the warring memory of the man she loved once upon a time". . Ao relembrar o passado e manter memorabilia, como diz Dana Williams, Sweetie "narra suas repetidas experiências de desejos frustrados de ser amada" (WILLIAMS, 2002WILLIAMS, D. A. Preachin' and Singin' Just to Make it Over: The Gospel Impulse as Survival Strategy in Leon Forrest's Bloodworth trilogy. African American Review, v. 36, n. 3, pp. 475-85, 2002., p.481)12 12 No original: "charts her repeated experiences of unfulfilled desires to be loved". . Sweetie conta que nem seu pai, nem o seu avô a trataram carinhosamente, e nem mesmo seu marido, que lhe negou amor conjugal. Ela conta a Nathaniel sobre esse amor não correspondido e esse senso de identidade que os patriarcas de sua sociedade se recusaram a oferecer-lhe. Ela diz a Nathaniel:

Quando I. V. Reed estava em seu leito de morte, voltei para a plantação de Rollins Reed para lhe dizer adeus; há cinquenta e dois anos do dia de hoje; afinal, este era o pai, disse a mim mesma. Não o via desde que havia saído da plantação, vinte e quatro anos antes. Talvez eu apenas quisesse ouvi-lo dizer eu tentei te amar, Sweetie... No entanto, eu sabia que suas palavras seriam uma amarga mentira, talvez eu não tenha voltado por isso; talvez eu só quisesse receber dele o reconhecimento de que era sua filha, coisa que nunca saiu de sua boca enquanto eu estava lá. Eu, por minha vez, empenhei-me em lhe dar toda a demonstração do amor de uma filha, mesmo sabendo que vinha de um coração ferido e dilacerado pelo próprio pai (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.45)13 13 No original: "When I.V. Reed was on his deathbed, I went back to the Rollins Reed plantation to say good-bye; fifty-two years ago to this very day; after all, this was the father, I said to myself. I had not seen him since I left that plantation, twenty-four years before. Maybe I wanted to hear him say just simply I tried to love you, Sweetie.... Yet I knew his word would be a foundling lie, so maybe not even that; but to give me a portion of recognition as his child, that never sprang from his tongue while I was there. In turn I had pledged myself to give out a show of the daughter's gift of feeling, even though I knew it only came from a hurt and father-cut-off heart". .

Sweetie também lamenta a falta de amor em sua vida e seu relacionamento com o avô de Nathaniel, Jericho. Ela era uma mulher "faminta e sedenta do amor" de Jericho (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.262)14 14 No original: "[s]tarved and [was] thirsty for love". . Mas quando Jericho a trai e tem um filho fora do casamento, Sweetie sente que o caso dele com Lucasta "lhe abriu a velha ferida do coração. Despertou-lhe também a insegurança: aquele sentimento de vulnerabilidade e inadequação - trouxe-o à tona novamente" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.268)15 15 No original: " tore open that old healed-over chamber of [Sweetie's] heart. Opened up self-doubt: that vulnerable, inadequate sense. Compromised again". . Mais do que isso, a violência se esconde por trás de todos os aspectos da vida de Sweetie. Ela testemunhou sua mãe ser estuprada e morta ante seus olhos e viu-se vendida como esposa para um homem mais velho. Suas reminiscências refletem o trauma sofrido pelos escravos afro-americanos durante o período da escravidão, devido às atrocidades a que foram submetidos em uma sociedade racista e, às vezes, até mesmo no interior de suas próprias famílias patriarcais. No entanto, ao invés de se vingar de sua comunidade, Sweetie oferece a ela e aos outros o seu amor incondicional. Ela aceita a custódia do filho ilegítimo de seu próprio marido e dá à criança todo o amor e cuidado que uma mãe verdadeira poderia oferecer. Embora tenha se sentido abandonada a maior parte de sua vida, ao contar a Nathaniel suas memórias/histórias, ela busca ensinar-lhe a usar a magia do amor para a reconciliação final e para a salvação de toda a comunidade.

Sua idade avançada e suas histórias antigas ajudam a representar Sweetie Reed como um epítome da sabedoria e da visão da comunidade afro-americana. Para esse feito, no entanto, ela teve que pagar um alto preço. Sofreu a horrível experiência da escravidão e agora enfrenta o resultado dela sob a forma de racismo. Ambas as situações, de acordo com John Cawelti, "destruíram famílias, destruíram muitos indivíduos e criaram terríveis mal-entendidos e separações não apenas entre brancos e negros, mas entre pais e crianças negras e entre homens e mulheres negros" (CAWELTI, 1997CAWELTI, J. Leon Forrest: Introductions and Interpretations. Bowling Green, OH: Bowling Green State University Popular Press, 1997., p.44).16 16 No original: "have disrupted families, destroyed many individuals, and created terrible misunderstandings and separations not only between whites and blacks, but between black parents and children, men and women". Todavia, para Forrest, a reconciliação parece ser incerta. Ele não acredita que as profundas cicatrizes advindas da escravidão sejam fáceis de cicatrizar, mas que a primeira coisa a se fazer a fim de se curar é relembrar as memórias traumáticas do "tempo inicial". Como o fantasma de Jericho diz a Sweetie, "eles precisam se lembrar, se inquietar e se reavivar" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.203; grifo do autor)17 17 No original: "they need remembering and troubling and rekindling". . Isto é aquilo que, em Beloved, Toni Morrison (2004, p.36)MORRISON, T. Beloved. New York: Vintage books, 2004. chama de "rememória"18 18 No original: "rememory". e que Carole Boyce Davies define como "o re-lembrar ou o retorno dos membros díspares da família a uma dolorosa recordação" (DAVIES, 1994DAVIES, C. Black Women, Writing and Identity: Migrations of the Subject. New York: Routledge, 1994., p.17)19 19 No original: "the re-membering or the bringing back together of the disparate members of the family in painful recall". . Sweetie ouve seu marido morto, propõe-se a "inquietar as águas"20 20 No original: "trouble the waters" e dolorosamente revela os segredos familiares e da comunidade para que todos possam transcender as misérias e infelicidades das quais são prisioneiros.

Sweetie relembra o passado a fim de redimir o futuro da comunidade afro-americana. Jericho Witherspoon diz a Sweetie que seu verdadeiro batismo ocorre quando ele estava "banhado por águas turbulentas, rompendo com a calma" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.210)21 21 No original: "bathed in the pool of trouble-faced waters, cracking the calm". . Quando a alma de Jericho pede a Sweetie para revelar o passado, ele compara o ritual da lembrança ao batismo:

Sweetie, quero que você inquiete as águas nesta manhã, com a agitação da angústia, da discórdia, do desconforto, das ansiedades, das frustrações, da provocação, das exasperações; da mentira contada nos templos de sabedoria; o tormento dos sonhadores pérfidos e os horrores dos usurpadores de almas desta vida; enquanto você banha meu corpo com os bálsamos do batismo e da cura nas águas do poço perto do rio (que mais me parece uma piscina rasa), com suas águas que batizam e seu canto, buscando a redenção (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.198; grifo do autor)22 22 No original: "sweetie, I want you to trouble the waters, this morning, with the agitation in the distress, the discord, the discomfort, the anxieties, the frustrations, the provoking, the exasperations; the lying at the building in the temples of wisdom; the torment of the defiled dreamers and the soul-sucking horrors of this life; as you bathe my body with the baptizing and the healing, bathing balms, down at the well near the river (which looks like a shallow pool to me), with your baptizing waters and your singing, trying to redeem". .

Para relembrar o passado, é preciso enfrentar as experiências traumáticas de sua comunidade na história. Uma vez que contar as histórias pode revelar sua própria humilhação, impotência e talvez até sua contribuição para essa experiência traumática, parece ser mais fácil negar que o passado deva ser revelado. Em oposição à tentação de esquecer o passado ou de criar um passado diferente, existe o ímpeto de relembrá-lo, por pior que ele seja. Os sobreviventes de uma experiência traumática são persuadidos a falar das ocorrências que lhes causam horror. Com base na teoria dos traumas, as narrativas reprimidas do passado são lembradas, e o indizível é dito, e o não representável é apresentado (BYERMAN, 2005BYERMAN, K. Remembering the Past in Contemporary African American Fiction. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2005., p.5). Tal qual Cathy Caruth define, o trauma inclui tanto a morte como a sobrevivência e, de fato, "oscila entre crise de morte e sua correlata crise de vida: oscila entre a história da natureza desoladora de um evento e a história da desoladora natureza de sua sobrevivência" (CARUTH, 2016CARUTH, C. Unclaimed Experiences: Trauma, Narrative and History. Baltimore, MD: John Hopkins University Press, 2016., p.7-8; grifo do autor)23 23 No original: "oscillate[s] between the crisis of death and its correlative crisis of life: between the story of the unbearable nature of an event and the story of the unbearable nature of its survival". . Os afro-americanos devem, portanto, enfrentar essa inter-relação entre morte e vida, entre o passado de um evento e seu significado, a fim de reconstruir o presente.

Para curar as cicatrizes psíquicas da escravidão, é preciso enfrentar a realidade, a menos que se deseje viver com uma identidade falsa, exatamente como fizeram os nacionalistas e os nativistas em meados do século XX, que elogiavam o passado e a tradição afro-americana. No entanto, Forrest pretende dar uma forma multidimensional à identidade afro-americana; isto é, em vez de recuperar uma personalidade pura, ele objetiva reinventar uma identidade afro-americana com uma interpretação honesta do passado. Isso é descartado das visões nacionalistas unilaterais que, de acordo com Forrest, são perigosas "quando se aproximam do racismo. [E] então, quando isso acontece, obviamente, geram todos os tipos de danos às pessoas que estão no caminho" e, para evitar isso, é necessário "aumentar a leitura para que você não esteja apenas lendo The Message to the Black Men centenas de vezes, mas esteja lendo mais livros e aprendendo sobre as técnicas de habilidade política que os indivíduos de outros grupos tentaram" (FORREST, 2007FORREST, L.; WARRENS, K. The Mythic City: An Interview with Leon Forrest. In: WILLIMAM, D. (Ed.). Conversations with Leon Forrest. Jackson, MS: University Press of Mississipi, 2007, pp.43-62., p.53)24 24 No original: "when it veers over into racism. [And] then when that happens, obviously, it does all kinds of damage to the people who are on the way up"; "to increase one's reading so that you're not just reading only The Message to the Black Men a hundred times, but you're reading a larger library and learning techniques of political savvy that individuals from other groups have tried". . Ao relembrar um passado traumático pode-se encontrar uma história diferente daquela dos discursos nacionalistas dominantes. As experiências traumáticas reveladas tornam visíveis os marginalizados e os silenciados; mais especificamente, ao lembrar o passado, as feridas psíquicas do passado podem ser diagnosticadas e depois tratadas para a melhoria da nação e da raça.

Two Wings de Leon Forrest retrata duas gerações que se opõem surgidas após a escravidão. Primeiramente, temos a geração que surge imediatamente após a escravidão, que sofreu o racismo sistêmico e era propensa a reprimir completamente o passado. Arthur tenta evitar constantemente que Sweetie relembre o velho passado e evita que ela conte histórias. Quando Sweetie planeja falar sobre o passado para Nathaniel, Arthur responde: "Não vamos levantar defunto com avivamentos passados e com os novos problemas da mente"25 25 No original: "Let's not wake up the dead with old-time revivals and new-time troubles of mind"; . Forrest externaliza o sofrimento psíquico de Arthur e sua resistência em relembrar o passado caracterizando-o com o diabetes e mostrando como Arthur é capaz de tratar temporariamente sua reação a insulina com "barra de chocolate, ou água açucarada ou ainda suco de laranja" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.36)26 26 No original: "candy bar, or sugar water, or orange juice". . "Sentimentos de insegurança podem marcar o momento de problemas na mente e no corpo para Arthur Witherspoon"27 27 No original: "[H]is unsettled feelings could mark the moment of trouble in mind and body for Arthur Witherspoon". e, portanto, ele não pode escutar as lembranças do passado de Sweetie sem se agitar. Quando Sweetie vai visitar o caixão de Jericho na igreja para "perturbar as águas", Nathaniel lembra que "Arthur Witherspoon estava tremendo, e a saliva escorria pelos cantos de sua boca" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.33)28 28 No original: "Arthur Witherspoon was shuddering, saliva streaming down from the sides of his mouth". . Forrest insinua que Vovó Sweetie é incapaz de transmitir o conhecimento e a sabedoria do passado para Arthur porque ele e sua geração querem esquecer os velhos tempos. Eles desejam ter um novo começo com base em falsos pilares. Arthur se empenha em esquecer as misérias da escravidão, idolatra o pai e cria para si e para as próximas gerações uma identidade baseada em uma falsa compreensão da história.

Mas a avó faz de tudo para reconstruir a história por meio de sua narração. De acordo com Lene Brondum, a narração funciona como "uma importante revisão da representação da história" e tornou-se "um meio significativo de revisar a historiografia tradicional, porque concede autoridade à palavra falada como se fosse um relato histórico. Em outras palavras, a narração oral rompe com a história discursiva da hegemonia" (BRONDUM, 1999BRONDUM, L. The Persistence of Tradition: Culture in Works by Julie Dash, Gloria Naylor, and Paule Marshall. In: DIEDRICH, M.; ‎ GATES JR., H.; ‎ PEDERSEN, C. (Ed.). Black Imagination and the Middle Passage. Oxford and New York: Oxford University Press, 1999., p.156)29 29 No original: "an important revision of the representation of history"; "a significant means of revising traditional historiography, because it gives authority to the spoken word as a historical record. In other words, storytelling disrupts the discursive history of hegemony". . Nathaniel representa a segunda geração que Forrest relata em Two Wings. Nathaniel está prestes a cair na mesma armadilha que Arthur, mas Vovó Sweetie Reed o convida a ouvir suas histórias. Sweetie podia ver coisas que os outros, incluindo Arthur, preferiam esquecer: "[...] com seus olhos profundos e assustadores, Vovó Sweetie Reed via coisas que as outras pessoas não podiam ver, e nem ousavam sonhar em ver" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.6)30 30 No original: ""[...] lodged behind those foreknowing, deeply set, haunting eyes of Great-Momma Sweetie Reed, where she saw things other people could not see, dared not dream of seeing". . Sweetie, por um lado, sabe que Nathaniel está crescendo e atingindo sua maturidade e, naturalmente, está em busca de uma identidade para adentrar a sua masculinidade, mas, por outro lado, ela percebe que Arthur não é o homem mais adequado para formar o caráter de Nathaniel. Sweetie deseja recontar todos os lados de sua história sem omitir nenhuma parte a favor de outra. Portanto, ela dá voz a quase todos os personagens principais em sua vida e os deixa falar através dela. Ao contrário de Arthur, o epítome da abordagem nativista da identidade, Sweetie desconstrói a visão que as pessoas têm para com os patriarcas de sua sociedade. Ela relembra I.V. Reed e Rollins Reed e permite que Nathaniel os compreenda e os aceite como eram. Eles são uma parte do passado, que deve ser lembrada, não importa o quão sombria e triste possa ser. Vovó Sweetie conduz Nathaniel tão a fundo na história de sua comunidade que "o quarto parece agora úmido com o calor da voz, dos corpos e dos espíritos espectrais dessas almas perdidas e dos mortos ressurretos. A sala parecia um tanto assustadora. Ele começou a abrir a janela, mas não ousou" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.286)31 31 No original: "the room now seemed steamy with the heat of the voice, bodies and ghostly spirits of those lost souls and the dead brought to life. The room seemed almost funky. He started to open up the window but dared not". . Nathaniel também percebe que a história de sua avó era diferente e mais tenebrosa do que a história que ele estava acostumado a ouvir. Ele indaga: "isso é completamente diferente da história que eu sempre ouvi, Vovó Sweetie. Não é nada do que parecia mas aquelas visões que temos nos pesadelos que nos fazem questionar o prazer de dormir? (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.282)32 32 No original: "this is completely different from the story I've always heard, Momma Sweetie. Is nothing as it seems but the visions we have in nightmares that demands that we question the easy sleeve of sleep?" . Nathaniel compreeende que seu pai é o filho bastardo nascido de uma ligação entre seu avô, Jericho, e uma mulher chamada Lucasta. Ele também descobre que sua bisavó era filha ilegítima de um escravo, Rollins com uma escrava, Jubill. Essas revelações minam aquela visão essencialista de uma identidade afro-americana pura e única. Da mesma forma, talvez pela primeira vez, ele ouve falar sobre a brutalidade selvagem dos e contra os afro-americanos durante a escravidão e percebe como o dono dos escravos separou sem pestanejar as famílias afro-americanas e as vendeu para diferentes plantações, sem nenhum escrúpulo. Nathaniel aprende sobre como os brancos encontravam e matavam os afro-americanos fugitivos e como os donos e as donas das plantações maltratavam as escravas afro-americanas. Mas, acima de tudo, Nathaniel toma consciência do fato de que a comunidade havia sido mais importante do que os laços de sangue para mantê-los unidos. Sweetie recebeu pouco amor de seus pais, mas dá tudo o que ela tem como mãe para uma criança que seu marido gerou com outra mulher fora do casamento.

Apesar das lamentações de Sweetie sobre a vida que levava com Jericho, Nathaniel lembrou-se de seu avô de outra forma. Embora Jericho não tenha sido um bom marido, ele serviu bem à sua comunidade e, enquanto trabalhava como advogado, ele aceitou clientes afro-americanos pobres sem lhes cobrar muito. Apesar de ter vivido por cento e dezessete anos, sua família teve que vender a casa dele para pagar seu funeral, visto que ele doou quase todos os seus bens aos pobres. Desta forma, Forrest continua a flutuar entre o relato que Nathaniel tem de Jericho e as lembranças de Sweetie sobre sua triste infância e sobre seu casamento infeliz.

Ademais, Forrest complementa as narrativas orais de Sweetie com revistas, documentos escritos e cartas pessoais coletadas por ela. Como observa WB Faris (2002)FARIS, W. The Question of the Other: Cultural Critiques of Magical Realism. Anus Head, n.5. n. 2, pp.101-124, 2002., a alternância entre o sistema discursivo oral e a história textual representa uma das características centrais dos romances do realismo mágico, que ao invés de desqualificar a última em favor dos primeiro, busca complementá-los (FARIS, 2002FARIS, W. The Question of the Other: Cultural Critiques of Magical Realism. Anus Head, n.5. n. 2, pp.101-124, 2002., p.103). Da mesma forma, transitando entre a oralidade da narrativa de Sweetie para documentos históricos escritos, Nathaniel corrige as fantasias e imperfeições inerentes à narração oral sem descartar um nível de narrativa ou priorizar o outro. Pelo fato de Sweetie ter de lembrar histórias de pessoas diferentes dos últimos dois séculos e também porque alguns narradores não são confiáveis, como I. V. Reed, que narrou algumas das histórias para ela, elas podem ser imprecisas. Além disso, o ódio de Sweetie para com seu legado nos faz também duvidar de sua confiabilidade. Afinal, Forrest incorpora documentos escritos para melhorar a narrativa de Sweetie. Essa qualidade, de acordo com Hegerfeldt (2005)HEGERFELDT, A. Lies That Tell the Truth: Magic Realism Seen through Contemporary Fiction from Britain. Amsterdam and New York: Rodopi B.V., 2005., diferencia o realismo mágico dos modos românticos de representação. Enquanto os textos românticos frequentemente apresentam a oralidade, os mitos e a imaginação como superiores à textualidade, logos e racionalidade, os textos do realismo mágico encontram um meio termo e questionam a eficácia de cada alternativa quando empregada sozinha (HEGERFELDT, 2005HEGERFELDT, A. Lies That Tell the Truth: Magic Realism Seen through Contemporary Fiction from Britain. Amsterdam and New York: Rodopi B.V., 2005., p.160). No entanto, a protagonista de Forrest, Sweetie, está ciente da interação entre a história oral gravada na memória e os registros históricos escritos. Ela sabe que, para que a voz dos subalternos seja ouvida, eles devem usar tanto a memória oral quanto os textos escritos. Por essa razão, ela exige que Nathaniel registre seus contos em sua memória e escreva as histórias no papel. Vovó Sweetie diz a Nathaniel:

Apenas traga uma caneta e um bloco de notas, e não um lápis, porque muito já foi apagado com o tempo. Lápis indelével também não serve. Escreva tudo à mão, com tinta azul ou preta, em seu caderno, e então tudo será gravado na tábua da sua memória e em seu coração, pois terá sido transferido do seu punho para a sua memória de curto prazo. É hora de deixarmos de escutar e ouvir pela metade e passarmos a ouvir e registrar tudo por escrito (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.7; grifo do autor)33 33 No original: "Just bring along a pen and pad, not a pencil, either, because too much has been erased in time. Nor an indelible pencil. Write it all down in longhand, with blue-black ink on the pad, in your notebook, and then it all will be recorded on the tablet of your memory and in your heart, as it's transformed from your longhand to your short memory. It's time we moved from listening and half hearing to listening and recording in longhand". .

Mais tarde, a tensão entre a oralidade e a textualidade atinge seu ápice, quando Nathaniel abre uma caixa pertencente a Sweetie e encontra nela um ferrótipo com uma inscrição que dizia: "para Jerry, de Lucasta - com todo o amor do meu coração fluindo livremente". Sweetie acredita que a imagem pertence à Lucasta, amante de seu falecido marido. Mas "para Nathaniel, a foto parecia exatamente com fotos que Jericho Witherspoon poderia ter produzido baseado em sua memória, e se enquadrava perfeitamente às descrições de Angelina feitas pela Vovó Sweetie" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.293)34 34 No original: "to Jerry, Lucasta - with the love from my heart, free flowing"; "for Nathaniel the picture looked exactly like the pictures Jericho Witherspoon must have drawn out upon the sleeve of his memory, and fitting those descriptions of Angelina that Great-Momma Sweetie had given". . Enquanto Sweetie insiste que o ferrótipo pertence a Lucasta, Nathaniel supõe que ele é provavelmente uma imagem de Angelina, a mãe de Sweetie, a quem Jericho amava. Assim, cada um apresenta sua própria interpretação do ferrótipo e, desta forma, Forrest, através do simbolismo do ferrótipo, coloca em cheque a eficácia da textualidade de ler o passado de forma incontestável.

Com todos esses argumentos conflitantes em relação à veracidade da narrativa, Leon Forrest afirma que Vovó Sweetie Reed obtém êxito em liberar as vozes silenciadas do passado e também é capaz de moldar o presente de sua comunidade com base nesse passado. Embora Nathaniel às vezes discorde das histórias contadas por sua avó, ele admite que "era mais fácil imaginar que Vovó Sweetie 'tinha os olhos nas costas' e via outros mundos esquecidos e mortos que ele não conseguia ver - que era ver com clareza que a vida do 'tempo inicial' era muito próxima do tempo presente" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.8-9)35 35 No original: "it was easier to imagine Great-Momma Sweetie's eyes in the back of her head seeing other worlds of long-forgotten and dead life that he could not see, that it was to see clearly how the life of the beginning time was so close to the present". . Através da narração de Vovó Sweetie, Nathaniel volta à história da sua comunidade, escuta os mortos e recebe o conhecimento necessário para o seu amadurecimento e para a sua sobrevivência. Depois de ouvir as histórias de Sweetie, ele renasce e começa a reinventar sua identidade com base em sua recém-adquirida sabedoria.

2 "duas asas para cobrir meu rosto, duas asas para me levar para longe daqui": Tia Foisty pratica magia para "fazer futuro"

Vovó Sweetie transmite principalmente a Nathaniel as histórias que I. V. Reed contou a ela. I. V. Reed exigiu que Sweetie relatasse suas histórias a seus próprios filhos e desejava que eles também compartilhassem essas histórias com seus descendentes. A narração de histórias é, de fato, uma maldição que a Tia Foisty lançou sobre I. V. Reed. Após ter se vingado de Shank Haywood ao persuadi-lo a atacar Rollins Reed, I. V. Reed levou o moribundo Rollins à choça da Tia Foisty e pediu a ela que tratasse de seu senhor. I. V. Reed traiu sua própria comunidade, causou a morte violenta do escravo Shank Haywood pelas mãos vingativas de Rollins Reed e fez com que o espírito de Haywood perseguisse sua família para sempre. Por causa de sua terrível trama, I. V. Reed relembra quando Tia Foisty lançou uma maldição sobre ele:

Os escravos me veriam [I. V. Reed] para sempre como um algoz, todos os dias da minha vida. Eles jamais me delatariam - porém sussurrariam meu nome na profundeza de seus corações e nunca confiariam em mim. A única maneira pela qual eu poderia ter esperança na salvação seria contar toda a história em voz alta, antes de morrer, para cada um de meus filhos e cada um dos filhos de meus filhos até o meu último suspiro... Por mim mesmo, não através de terceiros, mas contá-la da minha própria boca (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.139)36 36 No original: "slaves would see me [I.V. Reed] as a bloodhound all my days yet they would never tell on me-but would whisper my name in their heart of hearts and never trust me. The sole way I could ever hope for salvation was to tell the whole story out loud before I died to each of my children and each of their children's children unto my last dying gasp.[...] Me personal, not through any hired third hand, but by my very own lapping tongue". .

Tia Foisty também lançou um feitiço sobre I. V. Reed, fazendo-o dormir para sempre sob a cama de Rollins, mesmo após a abolição da escravatura no sul. Embora nenhuma autoridade externa visível monitorasse a imposição das punições da Tia Foisty a I. V. Reed, ele continuou a servir o Sr. Rollins Reed até o fim de seus dias. Quando em seu leito de morte, I. V. Reed também pede que sua filha, Sweetie, venha e escute suas confissões, tal como Tia Foisty ordenou. Além disso, Sweetie tem que cumprir o que a Tia Foisty ordenou: narrar a história de sua comunidade para seu neto. De fato, uma vez que as pessoas acreditam na maldição da Tia Foisty, elas fazem o que ela profetiza e interpretam seu destino com base no que ela profetiza. É necessário, de acordo com Anne C. Hegerfeldt (2005)HEGERFELDT, A. Lies That Tell the Truth: Magic Realism Seen through Contemporary Fiction from Britain. Amsterdam and New York: Rodopi B.V., 2005., levar os "modos de pensamento não-científicos em consideração, na medida em que eles influenciam as ações das pessoas [...] as pessoas que acreditam na magia permitem que suas crenças guiem suas decisões e seu comportamento, o que significa que a magia pode, de fato, ter um efeito real" (HEGERFELDT, 2005HEGERFELDT, A. Lies That Tell the Truth: Magic Realism Seen through Contemporary Fiction from Britain. Amsterdam and New York: Rodopi B.V., 2005., p.161-162)37 37 No original: "non-scientific modes of thought seriously insofar as they influence people's actions [...] people who believe in magic allow their beliefs to guide their decisions and their behaviour, meaning that magic may have very real effect indeed". . A maldição da Tia Foisty pode não ser cientificamente comprovada, mas é crível, desde que a vejamos do ponto de vista do efeito vitalício que teve para I. V. Reed e para a Vovó Sweetie. Ambos acreditam que, para salvar a comunidade e resgatá-los dos pecados pregressos, eles devem contar as histórias para suas gerações. Assim sendo, devemos evitar examinar o poder sobrenatural da Tia Foisty pelo viés da racionalidade; devemos vê-lo pelo prisma do perene impacto que ela gerou na comunidade em que viveu.

As pessoas acreditavam tão firmemente nos poderes mágicos da Tia Foisty que mesmo os brancos espalhavam rumores sobre seus misteriosos dons. I. V. Reed diz a Sweetie:

Lembrei-me de uma das histórias sobre a Tia Foisty, contada pelos brancos, sobre como ela era tão poderosamente astuta e sensível. Com suas próprias unhas compridas, ela cortou um alçapão no fundo de um navio negreiro durante o caminho, selou-o de volta com seus lábios para que ninguém pudesse contar e, em seguida, nadou, passando por tubarões, os traficantes de escravos e o próprio Satanás (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.124-5)38 38 No original: "I remembered one of the stories 'bout Auntie Foisty, up from the white folks, how she was so powerful cunning and touched. She cut a trapdoor in the hole of the slave ship on the way over with her long nails, sealed it back up with her lips so as no one could tell and then outswam the sharks, the slavers and Satan". .

Embora os brancos tivessem aceitado os poderes mágicos de uma mulher africana, eles contavam histórias relatando que sua magia pagã havia sucumbido ao cristianismo e que ao final ela teve que retornar para a América. I. V Reed continuou:

Mas embora ela estivesse regressando à África - e para nossa surpresa não havia sucumbido a uma tempestade, nos braços de um missionário na costa da Virgínia, que avistou sua terrível figura diante de uma enorme pedra plana, enquanto pescava; pensou que era um anjo caído, cujas asas foram destruídas por um raio - sua luz se dissipou como uma estrela cadente, de mundos e olhos para além deste (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.125)39 39 No original: "[B]ut though she was on her way back to Africa - when low and behold if she ain't delivered up in a storm to the arms of a missionary off the coast of Virginia, who saw her terrible vision in the face of a huge, smooth-faced rock, while out fishing; thought she was a bastard angel, whose wings got shattered by a streak of lightning - its light brought low as one of them lost, shooting stars, from worlds, eyeballs beyond this one". .

I. V. Reed e sua comunidade acreditavam que Tia Foisty conseguiu ressuscitar o seu senhor morto, Rollins Reed, depois de Shank Haywood tê-lo atacado e ferido gravemente. I. V. Reed diz a Sweetie: "Um homem morto! Tia Foisty, no seu interior, sabia que seu mestre havia morrido. Em seguida, envolveu-o na manga de seus braços longos, cuidadosos e sem luto; embalou-o lá; lá renasceu, mas era ainda um bebê na aurora de sua vida" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.143; grifo do autor)40 40 No original: "Dead Man! Auntie Foisty knew your master had died, inside. Then wrapped in the sleeve of her long, mourning-out, caring arms; and was cradled there; reborn there but as yet an infant in the spring". . Foisty ressuscita o homem que é o maior exemplo de malignidade entre os senhores da escravidão. I. V. Reed relembra:

Minha lembrança é dos tempos quando o mestre Reed era um perseguidor desenfreado de seus negros. Eu me lembro quando ele os chicoteava logo pela manhã e continuava até o anoitecer não suportar mais a sombra do luar; ele esfregava pimenta vermelha em seu chicote; outras vezes colocava cera de vela quente nas feridas sangrentas e nas cicatrizes criadas do açoite anterior que ele mesmo executara... Adorava atacar as escravas... - Desde a sola de seus pés até o topo de sua cabeça, Rollins Reed era batizado em pura vilania e crueldade (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.86)41 41 No original: "My remembrance is back to when Master Reed was an unleashed bloodhound to his niggers. I recollect when he'd whip them soon up in the morning till nightfall can't stand moonlight's shadow; he'd shake down hot red peppers into their wound lashes; other times drop hot wax from candles into their bleeding sores and scabs, left there from the master's earlier lashes... Love to go cutting after slave women... -From the soles of his feet to the temple of his crown Rollins Reed was baptized in pure meanness and cruelty". .

Tia Foisty trabalha para salvar um diabólico dono de escravos. Mas ela não o ajudava com a finalidade de trair sua comunidade; ao contrário, ela aproveitou a oportunidade para alterar a hierarquia de poder nas plantações (BYERMAN, 2005BYERMAN, K. Remembering the Past in Contemporary African American Fiction. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2005., p.142). Enquanto nas relações tradicionais mestre-escravo, o mestre é quem define e dá nome e identidade ao escravo, nesta história Tia Foisty mantém a posição de mestre, inverte a hierarquia e reinventa a identidade do mestre. Tia Foisty traz Rollins Reed de volta à vida para purificar sua natureza perversa. Ao fazê-lo, ela, que representa e preserva a história e a cultura afro-americana, pretende reformular a identidade do mestre, ou seja, da do colonizador, valendo-se da magia de seu patrimônio cultural.

Tia Foisty é uma prova viva das conexões com a tradição africana. Ela foi transportada para a América durante a Passagem do Meio e foi "parteira do mestre Rollins e da metade dos escravos da plantação de Reed" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.108)42 42 No original: "midwife to the Master Rollins and half the slaves on the Reed plantation". . Assim, ela incorpora a memória oral de todo o período de escravidão, incluindo negros e brancos. I. V. Reed relembra a magnífica memória de Tia Foisty:

A mente da Tia Foisty parece ficar mais afiada, mais flexível e mais profunda a cada experiência de seus dias passados na plantação. Tanto é que o próprio Mestre Rollins se dobra perante ela ao se lembrar da perfeição dos registros antigos do Mestre nos livros de colheita [...] que seu pai, o velho Rollins Reed, manteve por cinquenta anos, no começo. Os livros foram parcialmente queimados em um incêndio, e, então, a quem recorreram? À Tia Foisty, que nem sequer sabia ler ou escrever; perguntando a ela até mesmo por quanto cada escravo havia sido vendido, a hora, o dia e ano do leilão. Na maioria das vezes, ela não tinha certeza sobre essas questões de dinheiro, mas sabia bem para onde cada um deles havia sido vendido [...] quando foi que vieram a este mundo e como dele saíram: sabia tudo de trás para frente e de frente para trás (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.111-112)43 43 No original: "Auntie Foisty's mind seems to get sharper, more supple, deeper with each fork-turning in the long woods of her days; so much so, Master Rollins himself bends to her for recollecting 'bout the rightness of Old Master's records on the crop books [...] what his pappy, Old Man Rollins Reed, kept fifty-odd years before, in the beginning time. Those books partly burned in a fire, so who do they turn on, Auntie Foisty, who can't even read or write; even asking her what each slave was sold for, hour, day and year of the auction. Most of the time she ain't for sure about the money part of it; but knows where each and every one of 'em was sold off to [...] when they come into this world and how they went out: backwards and forwards". .

Como Byerman (1997)BYERMAN, K. The Flesh Made Word: Family Narrative in Two Wings to Veil My Face. In: CAWELTI, J. Leon Forrest: Introductions and Interpretations. Bowling Green, OH: Bowling Green State University Popular Press, 1997, pp.199-215. afirma, "[Tia Foisty] conhece não os registros supostamente neutros feitos com marcas de tinta, mas o traço humano por detrás de cada anotação. Ela sabe como os escravos morreram em vez de apenas quando. Ela conhece o todo em vez de saber meramente valores econômico" (BYERMAN, 1997BYERMAN, K. The Flesh Made Word: Family Narrative in Two Wings to Veil My Face. In: CAWELTI, J. Leon Forrest: Introductions and Interpretations. Bowling Green, OH: Bowling Green State University Popular Press, 1997, pp.199-215., p.205-206; grifo do autor)44 44 No original: ""[Auntie Foisty] knows, not the putatively neutral record of the ink marks, but the human traces behind those marks. She knows how slaves died rather than just when. She knows the whole, instead of merely its economic significance". . Mesmo os brancos recorrem a sua memória, que já provou ser mais confiável do que os registros escritos pelos brancos. No entanto, ela evita recordar os valores econômicos dos escravos, optando por exprimir a maneira atroz pela qual o Mestre Rollins Reed tratou os escravos e como os levou a leilão.

Embora Tia Foisty tenha se convertido ao cristianismo depois de ter sido levada para a América, ela não se distanciou de seus laços com o sistema de crença tradicional africano. Como Taylor-Guthrie afirma, Tia Foisty é um elo direto entre os dois continentes (1993, p.426). Ela se esforça para "parir" uma nova geração de homens brancos através de seus dons mágicos. Durante seis dias, ela pratica o vodu no Mestre Rollins a fim de dar nova forma a seu corpo e alma. I.V. Reed relembra:

Tia Foisty permaneceu ali com o mestre Rollins Reed por seis dias e toda vez que eu ia espiar lá dentro, eu podia vê-la levantando-o de um buraco profundo na terra com aqueles seus longos braços que saíam de dentro de sua túnica preta, poderosos como as duas asas de um anjo batendo para cima e para baixo, para cima e para baixo e para Cima e para Baixo - como se ela estivesse exercitando os músculos do corpo dele para fortalecer os tecidos e as inclinações daquela alma... enquanto as agitadas asas faziam o som de um trovão, eu a ouvia dizer vez após outra, a cada movimento que fazia para dar forma ao corpo dele, trechos de uma canção: o Anjo possui duas asas para cobrir meu rosto, o anjo possuem duas asas para me levar para longe daqui (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.124)45 45 No original: "Auntie Foisty stayed out there with Master Rollins Reed for six days and every time I'd go out there and peep in I could see her lifting him up out of a deep hole in the earth by the will of those whipping long arms spread inside of her black tunic, powerful as two angels' flapping wings; up and down, up and down and Up and Down - like she's exercising his body muscles to strengthen up his soul tissues and tendencies ... as the flapping cloaklike wings made the sound of a thunderclap I heard her saying over and over again, with each motion and movement she's using to shape up his body, words of the song: Angel got two wings to veil my face, angel got two wings to fly me away". .

Tia Foisty cria poções de cura e pratica rituais de vodu para mudar a natureza de Rollins, que é a representação metafórica de todos os brancos proprietários de escravos da América. "Eu também ouvi a Tia Foisty", relembra I. V. Reed, "dizendo, a cada vez que pegava o mestre Rollins de dentro da terra até os seus braços: Por que nos atormenta com mais aflição, Sinhô Roddy?" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.124; grifo do autor). E, finalmente, ela obtém êxito. Quando Rollins recupera sua consciência, ele prova ser menos severo e ríspido com os escravos. I. V. Reed relembra o que Rollins contou às pessoas sobre os sonhos que teve enquanto esteve morto:

ele [Rollins] viu dois anjos em um feixe de luz e lutava com um deles e como um o sufocava [...] e o outro levanta seu corpo e diz ao mestre para mudar sua forma de vida e parar de tentar sufocar os negros, parar de açoitá-los [...] parar de beber e fornicar [...] para se render às águas do Jordão; para dormir com sua esposa à noite, ler a Bíblia e deixar Stigwood Bloodworth [...] vir e pregar em voz alta para nós, negros, à luz da fogueira (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.127-128)46 46 No original: "he [Rollins] seen two angels in a pool of light and was wrestling with one of them and how one was choking him down [...] and the other lifts his body and told the master to change his ways and stop trying to choke the niggers down so, and stop lashing them [...] and to stop drinking and fornicating [...] to surrender to the waters of Jordan; to sleep with his wife at night and read the Bible and let Stigwood Bloodworth [...] come around and preach out loud to us darkies by firelight". .

Após este incidente, qualquer ato de gentileza ou compaixão que o Mestre demonstrava na plantação era creditado à magia da Tia Foisty. Sua conjuração serviu não para matar, mas para trazer a vida. Ela usa seu poder para ajudar toda a comunidade, sejam negros ou brancos. Ela poderia ter deixado o mestre Rollins para trás e tomado parte num processo antagônico, mas decidiu curar Rollins de sua monstruosidade. No entanto, Tia Foisty castigou I. V. Reed pela perversidade que ele mostrou para com Shank Haywood, e, assim ela o amaldiçoou a dormir para sempre sob a cama de Rollins. Desta forma, ela pretendia lembrar Rollins e I. V. Reed de seu passado. Por conseguinte, Tia Foisty define o passado ao lembrar a condição dos escravos, reestrutura o presente ao ressuscitar Rollins Reed e delineia o futuro por meio do passado resgatado. A maldição de Foisty, em outras palavras, teve impacto duplo: puniu I. V. Reed, fazendo com que ele confessasse seus pecados e delitos e, acima de tudo, ajudou a transmitir as memórias das colônias de escravos para as próximas gerações americanas.

O voduísmo de Foisty é a força motriz por detrás da crescente ênfase do romance sobre os laços comunais. Sua herança cultural afro-americana, que envolve práticas de cura - que não são compreendidas por meio da lógica do estado de espírito ocidental e, portanto, são vistas como "magia" - estimula não a "recuperação" de um passado falso, mas a reinvenção de uma identidade baseada em uma compreensão mais clara da história da comunidade afro-americana. Vovó Sweetie Reed, que herdou as poderosas retomadas de consciência da memória de Tia Foisty, lembra-se - ou, pelo menos, pretende lembrar-se de - todos os detalhes de sua vida. Ao relembrar o passado, Sweetie desconstrói o sentido ideal de laços familiares que idolatram a figura paterna e propõe-se a reconceituar a percepção do passado das futuras gerações afro-americanas. "Em particular, outrora e agora", Nathaniel pondera, "ela ainda estava em guerra com seu pai, com I. V. Reed e com o marido do qual se separara, Jericho Witherspoon... Você poderia salvar o mundo, ou pelo menos uma parte dele; mas você também pode se perder e perder sua alma no círculo interno da família" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.18)47 47 No original: "privately, then and now"; "she was still at war with her father, I.V. Reed and her estranged husband, Jericho Witherspoon ... You could save the world, at least a piece of it; but you could also lose your way and your soul in the inner circle of the family". . No entanto, quando Vovó Sweetie dá os diamantes antigos a Nathaniel no final do romance, ela revela que, apesar de não ter laços de sangue com Nathaniel, ela o considera como o herdeiro legítimo de sua herança e de sua memória afro-americana, e, através deste ato, imprime nele o respeito e a preferência pelos vínculos comunais em detrimento de laços familiares.

Além disso, Forrest destaca a supremacia da comunidade sobre a família, colocando uma enorme ênfase na orfandade em seu livro Two Wings. Forrest usa a orfandade como uma metáfora para retratar a condição afro-americana na América. Ele incita historiadores e estudiosos de culturas a criarem identidades por meio da recuperação de todas as vozes silenciadas, mesmo que elas revelem os pecados que afro-americanos cometeram ou sua cumplicidade em crimes durante a era da escravidão. No romance, uma história familiar que Nathaniel recebe como algo estável e linear acaba por se tornar repleta de duplicidade, criminalidade, crueldade e solidão, quando a Vovó Sweetie Reed a reconta. Mas esse terrível relato do passado, como sugere Forrest, deve abrir caminho para a criação de um novo Nathaniel e, posteriormente, de uma nova identidade afro-americana. Nathaniel, depois de ouvir as histórias de sua avó, viria a se responsabilizar por sua comunidade em vez de continuar idolatrando, de olhos vendados, uma linhagem familiar falsa, dilacerada por estupros e agressões.

Conclusão: "olhando para si mesmo através do espelho"48 48 No original: "looking in to the mirror for yourself"

Nathaniel torna-se consciente e atento à história de sua comunidade e reconhece sua verdadeira herança. Ele se torna a personificação de uma geração de meados do século XX, que está em busca de uma identidade por meio da recuperação da história de sua comunidade. Por outro lado, Forrest sugere que a intenção de Vovó Sweetie ao contar histórias é mais do que apenas revelar os erros cometidos a ela no passado. Ela sabe que tem o dever de estruturar a personalidade da futura comunidade afro-americana. Consequentemente, a narração de Sweetie é uma manobra mútua da qual Nathaniel participa para incorporá-la e reinterpretá-la no contexto de sua sociedade contemporânea. Nathaniel percebe que em "suas feridas, seus erros e sua história", ele pode ver todos os erros cometidos a toda a comunidade afro-americana. "Eu olho para você no espelho", Nathaniel especula, "e conheço todas as minhas mágoas, meus erros, minha história, nossa história e o que deu errado desde o início" (FORREST, 1983FORREST, L. Two Wings to Veil My Face. New York: Random House, 1983., p.21)49 49 No original: "Eu olho para você no espelho"; "e conheço todas as minhas mágoas, meus erros, minha história, nossa história e o que deu errado desde o início". . Nathaniel "se olha no espelho" que Sweetie coloca na frente dele e encontra seu verdadeiro eu e sua verdadeira comunidade. Para tal, Two Wings, como um romance do realismo mágico, obscurece a fronteira entre o mágico e o real e utiliza também elementos mágicos, como a comunicação com os mortos e o vodu, para questionar a dicotomia entre o passado e o presente. O discurso de Leon Forrest, em Two Wings, subverte o passado do passado com destreza, de modo a dar boas vindas e celebrar a presença do "passado" na consciência e na memória da geração contemporânea.

  • 1
    N. do T.: O romance Two Wings to Veil My Face [Duas asas para esconder minha face], de Leon Forrest, não tem ainda tradução para a língua portuguesa.
  • 2
    N. do T.: Todas as traduções de obras em inglês, não traduzidas ao português, são minhas.
  • 3
    No original: "I resist anything in this [African American] culture that has to do with purity. That's so anti-American in the first place. And yet at the same time it's a crucible on which much of race relations and white supremacy is based-the idea of purity. But there certainly aren't any pure Americans culturally, not at this time, [sic] that's one thing for sure. And obviously the heritage, the background of blacks is very complex, not just on color lines but lines of culture. [...]".
  • 4
    No original: "beginning time of all memory".
  • 5
    No original: "uses the gospel impulse and its magical use of reinvention as an art form to address the theme that permeates his novels: the transformation of the self as an act essential to survival during spiritual agony".
  • 6
    No original: "the recovery of family history, which can serve as metaphor or metonymy of group history, [which] is the most effective means of understanding and working through contemporary problems".
  • 7
    No original: "In Forrest's novel"; "Sweetie Reed seeks this angelic protection from historical and worldly hurts, but is forced to borrow from the blues tradition in order to overcome them. To ensure her healing and to encourage Nathaniel's subsequent wellness in the contemporary moment, she combines [...] the slave narrative and the blues".
  • 8
    N. do T.: bell hooks, escrito em minúsculas, é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins.
  • 9
    No original: "Memory need not be a passive reflection, a nostalgia longing for things to be as they once were; it can function as a way of knowing and learning from the past. [...] It can serve as a catalyst for self-recovery. We are talking about collective black self-recovery".
  • 10
    No original: "'our struggle is also a struggle of memory against forgetting'; a politicization of memory that distinguishes nostalgia, that longing for something to be as once it was, a kind of useless act, from that remembering that serves to illuminate and transform the present".
  • 11
    No original: "how Great-Momma Sweetie Reed had never been able to rid herself of the bed where she and Jericho Witherspoon had slept ever so long ago as one, even as she had never been able to rid herself of the warring memory of the man she loved once upon a time".
  • 12
    No original: "charts her repeated experiences of unfulfilled desires to be loved".
  • 13
    No original: "When I.V. Reed was on his deathbed, I went back to the Rollins Reed plantation to say good-bye; fifty-two years ago to this very day; after all, this was the father, I said to myself. I had not seen him since I left that plantation, twenty-four years before. Maybe I wanted to hear him say just simply I tried to love you, Sweetie.... Yet I knew his word would be a foundling lie, so maybe not even that; but to give me a portion of recognition as his child, that never sprang from his tongue while I was there. In turn I had pledged myself to give out a show of the daughter's gift of feeling, even though I knew it only came from a hurt and father-cut-off heart".
  • 14
    No original: "[s]tarved and [was] thirsty for love".
  • 15
    No original: " tore open that old healed-over chamber of [Sweetie's] heart. Opened up self-doubt: that vulnerable, inadequate sense. Compromised again".
  • 16
    No original: "have disrupted families, destroyed many individuals, and created terrible misunderstandings and separations not only between whites and blacks, but between black parents and children, men and women".
  • 17
    No original: "they need remembering and troubling and rekindling".
  • 18
    No original: "rememory".
  • 19
    No original: "the re-membering or the bringing back together of the disparate members of the family in painful recall".
  • 20
    No original: "trouble the waters"
  • 21
    No original: "bathed in the pool of trouble-faced waters, cracking the calm".
  • 22
    No original: "sweetie, I want you to trouble the waters, this morning, with the agitation in the distress, the discord, the discomfort, the anxieties, the frustrations, the provoking, the exasperations; the lying at the building in the temples of wisdom; the torment of the defiled dreamers and the soul-sucking horrors of this life; as you bathe my body with the baptizing and the healing, bathing balms, down at the well near the river (which looks like a shallow pool to me), with your baptizing waters and your singing, trying to redeem".
  • 23
    No original: "oscillate[s] between the crisis of death and its correlative crisis of life: between the story of the unbearable nature of an event and the story of the unbearable nature of its survival".
  • 24
    No original: "when it veers over into racism. [And] then when that happens, obviously, it does all kinds of damage to the people who are on the way up"; "to increase one's reading so that you're not just reading only The Message to the Black Men a hundred times, but you're reading a larger library and learning techniques of political savvy that individuals from other groups have tried".
  • 25
    No original: "Let's not wake up the dead with old-time revivals and new-time troubles of mind";
  • 26
    No original: "candy bar, or sugar water, or orange juice".
  • 27
    No original: "[H]is unsettled feelings could mark the moment of trouble in mind and body for Arthur Witherspoon".
  • 28
    No original: "Arthur Witherspoon was shuddering, saliva streaming down from the sides of his mouth".
  • 29
    No original: "an important revision of the representation of history"; "a significant means of revising traditional historiography, because it gives authority to the spoken word as a historical record. In other words, storytelling disrupts the discursive history of hegemony".
  • 30
    No original: ""[...] lodged behind those foreknowing, deeply set, haunting eyes of Great-Momma Sweetie Reed, where she saw things other people could not see, dared not dream of seeing".
  • 31
    No original: "the room now seemed steamy with the heat of the voice, bodies and ghostly spirits of those lost souls and the dead brought to life. The room seemed almost funky. He started to open up the window but dared not".
  • 32
    No original: "this is completely different from the story I've always heard, Momma Sweetie. Is nothing as it seems but the visions we have in nightmares that demands that we question the easy sleeve of sleep?"
  • 33
    No original: "Just bring along a pen and pad, not a pencil, either, because too much has been erased in time. Nor an indelible pencil. Write it all down in longhand, with blue-black ink on the pad, in your notebook, and then it all will be recorded on the tablet of your memory and in your heart, as it's transformed from your longhand to your short memory. It's time we moved from listening and half hearing to listening and recording in longhand".
  • 34
    No original: "to Jerry, Lucasta - with the love from my heart, free flowing"; "for Nathaniel the picture looked exactly like the pictures Jericho Witherspoon must have drawn out upon the sleeve of his memory, and fitting those descriptions of Angelina that Great-Momma Sweetie had given".
  • 35
    No original: "it was easier to imagine Great-Momma Sweetie's eyes in the back of her head seeing other worlds of long-forgotten and dead life that he could not see, that it was to see clearly how the life of the beginning time was so close to the present".
  • 36
    No original: "slaves would see me [I.V. Reed] as a bloodhound all my days yet they would never tell on me-but would whisper my name in their heart of hearts and never trust me. The sole way I could ever hope for salvation was to tell the whole story out loud before I died to each of my children and each of their children's children unto my last dying gasp.[...] Me personal, not through any hired third hand, but by my very own lapping tongue".
  • 37
    No original: "non-scientific modes of thought seriously insofar as they influence people's actions [...] people who believe in magic allow their beliefs to guide their decisions and their behaviour, meaning that magic may have very real effect indeed".
  • 38
    No original: "I remembered one of the stories 'bout Auntie Foisty, up from the white folks, how she was so powerful cunning and touched. She cut a trapdoor in the hole of the slave ship on the way over with her long nails, sealed it back up with her lips so as no one could tell and then outswam the sharks, the slavers and Satan".
  • 39
    No original: "[B]ut though she was on her way back to Africa - when low and behold if she ain't delivered up in a storm to the arms of a missionary off the coast of Virginia, who saw her terrible vision in the face of a huge, smooth-faced rock, while out fishing; thought she was a bastard angel, whose wings got shattered by a streak of lightning - its light brought low as one of them lost, shooting stars, from worlds, eyeballs beyond this one".
  • 40
    No original: "Dead Man! Auntie Foisty knew your master had died, inside. Then wrapped in the sleeve of her long, mourning-out, caring arms; and was cradled there; reborn there but as yet an infant in the spring".
  • 41
    No original: "My remembrance is back to when Master Reed was an unleashed bloodhound to his niggers. I recollect when he'd whip them soon up in the morning till nightfall can't stand moonlight's shadow; he'd shake down hot red peppers into their wound lashes; other times drop hot wax from candles into their bleeding sores and scabs, left there from the master's earlier lashes... Love to go cutting after slave women... -From the soles of his feet to the temple of his crown Rollins Reed was baptized in pure meanness and cruelty".
  • 42
    No original: "midwife to the Master Rollins and half the slaves on the Reed plantation".
  • 43
    No original: "Auntie Foisty's mind seems to get sharper, more supple, deeper with each fork-turning in the long woods of her days; so much so, Master Rollins himself bends to her for recollecting 'bout the rightness of Old Master's records on the crop books [...] what his pappy, Old Man Rollins Reed, kept fifty-odd years before, in the beginning time. Those books partly burned in a fire, so who do they turn on, Auntie Foisty, who can't even read or write; even asking her what each slave was sold for, hour, day and year of the auction. Most of the time she ain't for sure about the money part of it; but knows where each and every one of 'em was sold off to [...] when they come into this world and how they went out: backwards and forwards".
  • 44
    No original: ""[Auntie Foisty] knows, not the putatively neutral record of the ink marks, but the human traces behind those marks. She knows how slaves died rather than just when. She knows the whole, instead of merely its economic significance".
  • 45
    No original: "Auntie Foisty stayed out there with Master Rollins Reed for six days and every time I'd go out there and peep in I could see her lifting him up out of a deep hole in the earth by the will of those whipping long arms spread inside of her black tunic, powerful as two angels' flapping wings; up and down, up and down and Up and Down - like she's exercising his body muscles to strengthen up his soul tissues and tendencies ... as the flapping cloaklike wings made the sound of a thunderclap I heard her saying over and over again, with each motion and movement she's using to shape up his body, words of the song: Angel got two wings to veil my face, angel got two wings to fly me away".
  • 46
    No original: "he [Rollins] seen two angels in a pool of light and was wrestling with one of them and how one was choking him down [...] and the other lifts his body and told the master to change his ways and stop trying to choke the niggers down so, and stop lashing them [...] and to stop drinking and fornicating [...] to surrender to the waters of Jordan; to sleep with his wife at night and read the Bible and let Stigwood Bloodworth [...] come around and preach out loud to us darkies by firelight".
  • 47
    No original: "privately, then and now"; "she was still at war with her father, I.V. Reed and her estranged husband, Jericho Witherspoon ... You could save the world, at least a piece of it; but you could also lose your way and your soul in the inner circle of the family".
  • 48
    No original: "looking in to the mirror for yourself"
  • 49
    No original: "Eu olho para você no espelho"; "e conheço todas as minhas mágoas, meus erros, minha história, nossa história e o que deu errado desde o início".
  • Translated by Livia Cremonez - liviashy@gmail.com

REFERÊNCIAS

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  • BYERMAN, K. The Flesh Made Word: Family Narrative in Two Wings to Veil My Face. In: CAWELTI, J. Leon Forrest: Introductions and Interpretations. Bowling Green, OH: Bowling Green State University Popular Press, 1997, pp.199-215.
  • CAWELTI, J. Leon Forrest: Introductions and Interpretations. Bowling Green, OH: Bowling Green State University Popular Press, 1997.
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  • WILLIAMS, D. In the Light of Likeness--transformed: The Literary Art of Leon Forrest. Ohio: Ohio State University. 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2017
  • Aceito
    25 Mar 2018
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