Acessibilidade / Reportar erro

Polifonia de vozes não guiadas: uma leitura bakhtiniana de O caçador de pipas de Hosseini

RESUMO

Mikhail Bakhtin, filósofo Russo, nos forneceu uma variedade de conceitos para apreciar e analisar um romance. Este estudo é uma tentativa de explorar os níveis mais profundos do romance O caçador de pipas, de Khaled Hosseini, usando a ferramenta intelectual bakhtiniana da polifonia. Afirmamos que o romance é polifônico, pois está repleto de vozes de inúmeros personagens, e seu enquadramento narrativo acentua ainda mais essa diversidade de perspectivas. O romance desafia a sabedoria convencional que afirma que o autor ou narrador sempre tem a última palavra. Embora a voz do narrador vacile e tropece em muitas cenas confusas, as vozes de alguns personagens emergem e permanecem firmes em alguns casos. Este artigo oferecerá uma exposição e análise metódica do livro O caçador de pipas sob a perspectiva do Bakhtinismo, a fim de reconhecer o estilo antiautoral que celebra o pluralismo (polifonia).

PALAVRAS-CHAVE:
Bakhtin; Polifonia; Khaled Hosseini; O caçador de pipas

ABSTRACT

The Russian philosopher Mikhail Bakhtin had given a variety of concepts to appreciate and analyze a novel. In this study, there is an attempt to apply the Bakhtinian intellectual tool of polyphony to unearth the deeper layers of Khaled Hosseini’s novel The Kite Runner. We argue that the novel is polyphonic through and through since it reverberates with multiple voices of various characters, and the novel’s narrative structure also supports this multiplicity of viewpoints. The novel defies the traditional path of having the final word from the author or the narrator. In many situations, the narrator’s voice struggles and fumbles with confusion, but the voices of some of the characters come up clearly and remain firm on certain aspects. This paper will provide a systematic exposition and an analysis of the novel The Kite Runner from the Bakhtinian lens to appreciate the anti-authorial mode where pluralism (polyphony) is celebrated.

KEYWORDS:
Bakhtin; Polyphony; Khaled Hosseini; The Kite Runner

A essência da polifonia consiste justamente no fato de que as vozes, aqui, permanecem independentes e, como tais, combinam-se numa unidade de ordem superior à da homofonia.

Mikhail Bakhtin

Introdução

Depois que seus escritos foram traduzidos para o inglês e reconhecidos por acadêmicos do Ocidente, Bakhtin ganhou destaque nas ciências humanas, nas disciplinas de teoria literária e diversas outras áreas afins. Devido à forma poderosa como Khaled Hosseini retratou o Afeganistão nos seus livros, principalmente em O caçador de pipas1 1 HOSSEINI, Khaled. O caçador de pipas. Tradução de Maria Helena Rouanet, Nova Fronteira, 2005. , ele tornou-se extremamente conhecido. O caçador de pipas de Hosseini será analisado neste artigo utilizando as teorias da polifonia bakhtinianas. Alguns exemplos com trechos da obra são apresentados e analisados à luz desse conceito para estabelecer esse romance como de natureza polifônica. O caçador de pipas é comercialmente bem-sucedido e aclamado pela crítica. Na crítica de San Francisco Chronicles (2003), ele é descrito como “um primeiro romance maravilhoso... a história de dois meninos que são amigos no Afeganistão e uma história incrível cultural. É um romance clássico que te cativa completamente”2 2 No original: “a marvelous first novel... the story of two young boys who are friends in Afghanistan, and an incredible story of the culture. It's an old-fashioned kind of novel that really sweeps you away”. .

O romance O caçador de pipas apresenta uma narrativa que conduz os leitores a uma tumultuada jornada emocional. A maior parte da história se passa no Afeganistão, mas também há breves cenas nos Estados Unidos da América e no Paquistão. Os personagens do romance passam por turbulências pessoais, políticas e sociais e se enquadram muito bem na história que se estende por várias décadas, trazendo os temas da culpa, da redenção e da amizade. O caçador de pipas é uma história muito cativante que é narrada principalmente por Amir, um jovem Pashtun privilegiado da (classe dominante). Amir tem um relacionamento complicado com Hassan, um garoto servo Hazara (classe minoritária) que na verdade é meio-irmão de Amir, mas isso só é revelado muito mais tarde no romance. Amir e Hassan compartilharam um forte vínculo na infância e ambos gostavam muito da competição de pipas, que era bem popular nas ruas de Kabul. A traição de Amir prejudicou o relacionamento deles, lançando uma nuvem de culpa e remorso sobre ele. Devido à turbulência política no Afeganistão, Amir e seu pai mudaram-se para os Estados Unidos, onde Amir se tornou um escritor de sucesso e se casou. No entanto, após Amir receber um telefonema de um amigo da família, Rahim Khan, ele decide retornar ao Afeganistão e enfrentar seu passado. Amir salva o filho de Hassan do Talibã e leva-o para os EUA como reparação pela traição ao seu melhor amigo. O livro conta uma história inspiradora de rupturas e resiliência pessoais e sociais.

Este livro deu aos leitores uma visão da sociedade e da cultura afegã. A emocionante história de Amir e Hassan também retrata a crise atual do país: “O primeiro livro de Khaled Hosseini, O caçador de pipas, retrata não apenas o desenvolvimento espiritual de um indivíduo, mas também a história da alma de uma nação e de seu sofrimento” (Du, 2017DU, Juan. (2017). A Journey of Self-Actualization of Amir in The Kite Runner. English Language and Literature Studies. http://dx.doi.org/10.5539/ells.v7n3p90. Accessed on 25 October, 2023.
http://dx.doi.org/10.5539/ells.v7n3p90...
, p. 92)3 3 Em inglês: “The Kite Runner is Khaled Hosseini’s debut novel, which shows not only a person’s spiritual growth, but also the history of the soul of a nation, and of a country’s suffering”. . Nesse romance, muitas ideologias são apresentadas e essas ideologias não se fundem na consciência autoral. Hosseini criou um mundo polifônico em seu romance onde várias ideologias não fundidas se misturam sem serem influenciadas pela força autoral central. A síntese de múltiplas ideologias deste romance baseia-se no conceito de polifonia. O conceito de polifonia foi proposto depois que Bakhtin observou que as obras de Dostoiévski são iluminadas por múltiplas vozes e comentou em sua obra seminal Problemas da poética de Dostoiévski sobre as obras de Dostoiévski serem polifônicas.

À semelhança do Prometeu de Goethe, Dostoiévski não cria escravos mudos (como Zeus), mas pessoas livres, capazes de colocar-se lado a lado com seu criador, de discordar dele e até rebelar-se contra ele. A multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de Dostoiévski (2018, p. 4)4 4 BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018. .

As obras de Dostoiévski são polifônicas porque múltiplas vozes distintas estão ali presentes, segundo Bakhtin. Isto se refere a vozes que apresentam muitas ideologias e desafiam a autoridade de uma única noção autoral, em vez de uma infinidade de personalidades distintas. O princípio proeminente da escrita de Dostoiévski é “[a]firmar o “eu” do outro não como objeto mas como outro sujeito” (Bakhtin, 2018, p. 10)5 5 Para referência, ver nota 4. . Como resultado, os personagens de Dostoiévski são desenvolvidos de tal forma que não estão simplesmente repetindo os pensamentos do autor. Em vez disso, comprometem-se a expressar as suas próprias percepções e ideologias não dirigidas. A representação de ideologias não dirigidas por vários personagens serve de base para o conceito de polifonia. Bakhtin acreditava que um personagem pode ser tão forte quanto um autor ao expressar perspectivas de forma independente.

A voz do herói sobre si mesmo e o mundo é tão plena como a palavra comum do autor; não está subordinada à imagem objetificada do herói como uma de suas características, mas tampouco serve de intérprete da voz do autor. Ela possui independência excepcional na estrutura da obra, e é como se soasse ao lado da palavra do autor, coadunando-se de modo especial com ela e com as vozes plurivalentes de outros heróis (2018, p. 5)6 6 Para referência, ver nota 4. .

Os romances podem ser dissecados usando o recurso da polifonia para revelar o universo que o autor criou, um universo em que cada voz, mansa ou robusta, permanece distinta e não se funde nem se subordina a uma única perspectiva. Cada voz tem seu peso, filosofia e validade no desenvolvimento de um romance, portanto todas contribuem significativamente para a criação da obra. Essas vozes conversam entre si e com o narrador ao mesmo tempo, mas não são governadas por nenhuma autoridade.

Analisar qualquer obra através das lentes bakhtinianas da polifonia fornece a base para a compreensão de uma infinidade de ideologias livres de garras autorais e também ajuda a visualizar os numerosos pontos de vista a partir dos quais um romance é produzido. Estas vozes frequentemente entram em conflito e se contradizem, resultando numa comoção melódica que não pode ser silenciada pela voz do autor. O conceito de polifonia rejeita forças autoritárias e torna-se aplicável em muitas situações sociais atuais; “as questões levantadas pela questão da polifonia têm um amplo significado geral...” (Dentith, 1995DENTITH , Simon. Bakhtinian Thought: An Introductory Reader. Routledge, 1995., p. 41)7 7 No original: “the issues raised by the question of polyphony have a wide general significance”. . Portanto, a explicação de Bakhtin sobre o conceito de polifonia serve de base para a interpretação do romance O caçador de pipas.

A literatura crítica sobre a obra de Hosseini tem sido associada a algumas ideologias centrais representadas pelo autor ou narrador e, como resultado, tem sido impossível compreender objetivamente as vozes que oferecem perspectivas de forma independente. Nessas abordagens, ignora-se a pluralidade de vozes e consciências não fundidas e tudo é interpretado dentro dos limites do universo monológico, no qual uma única consciência autoral está no centro. Esse método de análise de O caçador de pipas é incapaz de apreciar o conceito polifônico de arquitetura criativa do romance. Além disso, restringe o esforço para compreender as vozes em interação que representam filosofias distintas. Muitas teorias críticas importantes foram usadas para analisar O caçador de pipas, variando do pós-colonial à psicanálise e dos estudos diaspóricos aos estudos do trauma. Contudo, um exame mais aprofundado do romance a partir de análises bakhtinianas abre a porta para um território até então desconhecido. Como destaca Bakhtin no ensaio Epos e romance (Sobre a metodologia do estudo do romance)” (1993)8 8 BAKHTIN, Mikhail. Epos e romance. (Sobre a metodologia do estudo do romance). In: BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. 3. ed. São Paulo: UNESP, 1993. Este ensaio tem uma nova tradução, mais completa, com o título “O romance como gênero literário”: BAKHTIN, Mikhail. O romance como gênero literário. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance III: o romance como gênero literário. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2019. p. 65-112. , o romance é um gênero que continua evoluindo, permanece inacabado e aberto a múltiplas interpretações. O caçador de pipas manifesta a multiplicidade e proporciona um terreno fértil para uma variedade de perspectivas. As vozes que emergem de forma independente em O caçador de pipas são patriarcais, feministas, religiosas, antirreligiosas, racistas e marginais. Essas vozes serão discutidas detalhadamente neste artigo.

1 Polifonia de vozes não guiadas

Em O caçador de pipas, o leitor é apresentado a uma cacofonia de inúmeras consciências, cada uma com sua própria realidade, ao invés de um mundo criado pelo autor a partir de um único ponto de vista. É interessante identificar cada fio ideológico com que um texto é tecido. Essas divergências ideológicas são apresentadas por diferentes personagens. Às vezes, até mesmo uma única consciência serve como base incessante para essas ideologias conflitantes. Segundo Bakhtin, os textos polifônicos se opõem às obras monológicas, onde tudo é conduzido pela perspectiva de um único autor. O monologismo é uma característica comum dos escritos tradicionais, em que a ideologia transcendental é retratada com tal força, que outras consciências simplesmente se integram a ela e um mundo é criado. “equivalente a uma consciência autoral singular e unificada'” (2018, p .6)9 9 Para referência, ver nota 4. .

Nas obras monológicas, a perspectiva e a ideologia do autor permanecem centrais, enquanto as vozes de muitos personagens ou se fundem nessa ideologia dominante ou permanecem ignoradas, inconsequentes e ansiando pela vida. Por outro lado, um trabalho dialógico polifónico proporciona um terreno, se não igual, mas frutífero para que todas as ideologias prosperem e, pelo menos, se tornem visíveis. “Em outras palavras, não se trata de um discurso monológico, constituído apenas da voz do autor-criador, mas de um campo fértil para as representaçõese misturasde vozes e enunciações” (Araújo; Araújo, 2022ARAÚJO, Nádia Barros de; ARAÚJO, André Luis de. “The Heterodiscursivity in Fantastic Narratives of Social Tradition”. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, vol. 18, no. 1, Dec. 2022, pp. Port. 87-111 / Eng. 84, https://revistas. pucsp. br/index. php/bakhtiniana/article/view/58248. Accessed on 15 July, 2023.
https://revistas. pucsp. br/index. php/b...
, p. 95)10 10 Em português: ARAÚJO, Nádia Barros de; ARAÚJO, André Luis de. “A heterodiscursividade em narrativas fantásticas da tradição oral. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, vol. 18, no. 1, Dec. 2022, Port. 87-111 / Eng. 84-11, https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/58248/41277 accesso em 15 July, 2023. . Frequentemente, os romances polifônicos são tratados sistematicamente como monológicos pelos críticos. Um poderoso campo magnético da consciência autoral contém as perspectivas oferecidas por diversas consciências. Isto força os críticos a restringirem o seu foco a um ou dois temas e ideologias potentes que devoram impiedosamente todas as outras ideologias independentes.

No livro O caçador de pipas, os personagens são retratados como sujeitos soberanos em vez de objetos controlados pelo autor, iluminando-os com consciência livre. Em vez de fazer do narrador e dos personagens seus porta-vozes, Hosseini foi capaz de vê-los e descrevê-los como outros. Isso não significa que os personagens com suas ideologias individuais emerjam da estrutura coesiva do romance e criem uma proliferação de ideias confusas, levando ao caos. Pelo contrário, a independência de personagens com certas ideologias é devidamente incorporada na visão artística do autor para criar um plano coeso e “a coerência e a integridade de sua poética" (Bakhtin, 2018, p. 6)11 11 Para referência, ver nota 4. . Hosseini combina perspectivas diversas e contraditórias na unidade da construção novelística. Na verdade, ele abriu um espaço considerável para todos os tipos de vozes no universo textual do romance. Os personagens criados por Hosseini são moldados de uma forma que lhes permite transmitir fortemente suas opiniões em diversas circunstâncias, sem serem influenciados pelas habilidades transcendentais do escritor ou contador de histórias. A sociedade e os cenários diversos do romance não podem ser transmitidos adequadamente pela voz de um único autor ou narrador. Devido à variedade de perspectivas, o novo ambiente polifônico está repleto de múltiplas vozes, muitas das quais contraditórias. A seção a seguir oferece uma descrição detalhada desses pontos de vista conflitantes.

2 Vozes contestantes

O romance desperta um forte sentimento de outrem e cria um conflito entre as vozes que diferem em ideologia. Ao examinar atentamente essas vozes, o leitor pode compreender fatos que vão além da intenção e da descrição do autor. Embora o autor tenha criado esses personagens apenas para atribuir papéis significativos no desenvolvimento da trama, os leitores ainda podem identificar as ideologias desses personagens examinando de perto suas palavras e ações nas diversas situações, ideologias que o autor-criador pode não ter pretendido originalmente apresentar. Por exemplo, Hosseini pode não ter pretendido que houvesse fortes discursos antirreligiosos e raciais. Em muitas ocasiões, até o narrador fica em um dilema, embora alguns personagens sejam muito diretos ao expressar suas opiniões. Bakhtin disse: “(...)como se o herói não fosse objeto da palavra do autor, mas veículo de sua própria palavra, dotado de valor e poder plenos” (2018, p. 3)12 12 Para referência, ver nota 4. .

O pai (Baba) do protagonista e narrador, Amir, expressa fortes ideias antirreligiosas. Quando Amir contou ao pai o que havia aprendido sobre o pecado com um mulá (sacerdote) na escola, seu pai percebeu imediatamente que ele estava confuso, “Pelo que vejo, você está confundindo (...)” (Hosseini, 2005, p. 16)13 13 Para referência, ver nota 1. . E explicou o que ele pensa sobre religiões e mulás: “Tudo o que sabem fazer é ficar desfiando aquelas contas de oração e recitando um livro escrito em uma língua que às vezes nem entendem” (Hosseini, 2005, p. 16)14 14 Para referência, ver nota 1. . Baba representa a voz da razão e explica a Amir que o pecado real é “uma variação do roubo” (Hosseini, 2005, p. 17)15 15 Para referência, ver nota 1. . Baba refere-se aos mulás como “macacos hipócritas” e “idiotas barbudos” para expressar sua opinião sobre eles. Ele prossegue comentando que, se existe mesmo um Deus, em algum lugar por aí, espero que ele tenha coisas mais importantes para fazer do que se preocupar com o fato de eu (Baba) beber uísque ou comer carne de porco. Essas observações deixam claro que Baba questiona seriamente a existência de Deus e o papel da religião.

Quando prestamos atenção aos sinais que os personagens empregam, compreendemos consciente ou inconscientemente a ideologia que está por trás deles. Como disse Simon Denith,

assim que estivermos no domínio dos significados, também seremos levados, quer queiramos ou não, para o domínio da ideologia. Dito de outra forma, os significados veiculados pelos signos, sejam eles linguísticos ou não - embora a linguagem seja o que importa aqui - nos remetem ao mundo dos valores e são, portanto, ideológicos (1995, p. 22)16 16 No original: “as soon as we are in the domain of meanings, we are also carried, willy-nilly, into the domain of ideology. That is to say, the meanings carried by signs, whether of language or not—though it is language we are interested in here—take us into the world of values and are therefore ideological”. .

Rahim Khan, outro personagem, representa a voz da religião e tem grande influência sobre Amir. Ele acredita genuinamente na misericórdia e compaixão divina. Ele escreve uma carta para Amir e menciona: “Sei que, no fim, Deus vai perdoar. Vai perdoar a seu pai, a mim e também a você” (Hosseini, 2005, p. 211)17 17 Para referência, ver nota 1. . O uso de expressões como “compaixão divina" e “há um jeito de ser bom de novo” por Rahim Khan reflete sua inclinação em relação à religião. Amir, o narrador, fica no meio-termo e representa a dúvida e o dilema moral-religioso: “Dividido entre baba e os Mulás da escola, ainda não sabia muito bem o que pensar a respeito de Deus” (Hosseini, 2005, p. 41)18 18 Para referência ver nota 1. .

Volóchinov resume essa relação entre palavras e ideologia em seu livro Marxismo e filosofia da linguagem: “As categorias de avaliação ideológica (falso, verdadeiro, correto, justo, bom, etc.) podem ser aplicadas a qualquer signo. O campo ideológico coincide com o campo dos signos. Eles podem ser equiparados. Onde há signo, há também ideologia” (2017, p. 10)19 19 VOLÓCHINOV, Valentin. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017. . Essas ideologias religiosas e antirreligiosas estão livres de qualquer orientação autoral, pois o narrador, Amir, é incapaz de ter uma forte certeza religiosa. No livro, o autor Khaled Hosseini não impõe uma interpretação dogmática da religião. Em vez disso, ele estabelece um terreno mais introspectivo para que seus personagens expressem suas crenças religiosas de maneira direta. Hosseini, através de sua narrativa, não apoia nem refuta ideias religiosas, mas dá aos seus personagens a liberdade de compreender a religião à medida que investigam e se envolvem com ela nos contextos sociopolíticos instáveis do Afeganistão. Assim, a visão do autor sobre a religião é aberta, convidando à reflexão e permitindo que os personagens opinem livremente sobre o assunto. Essa representação da pluralidade de perspectivas faz de O caçador de pipas um romance polifônico de muitas vozes onde os personagens transmitem livremente suas ideologias sem serem guiados pelo autor ou narrador.

Amir também fala em nome da classe dominante Pashtun, que sempre procura dominar as minorias étnicas do Afeganistão, e também encarna ideias racistas. Certa vez, Amir refletiu que, por mais próximos que ele e Hassan sejam afinal, ele nunca o considera um amigo: “O curioso é que também nunca pensei em Hassan, e eu, como amigos (...) Afinal de contas, eu era Pashtun, e ele, Hazara (...)” (Hosseini, 2005, p. 22)20 20 Para referência, ver nota 1. . Amir, que está em uma posição de poder, prevê o futuro de Hassan com indiferença. Quando Hassan faz uma pergunta muito válida sobre a história de Amir, ele a rejeita e pensa: “Mas o que é que ele entende disso, esse hazara analfabeto? Ele nunca vai passar de um cozinheiro. Como ousa criticar você?” (Hosseini, 2005, p. 28)21 21 Para referência, ver nota 1. .

Amir gostava de ter vantagem sobre Hassan, sendo seu mestre e sendo membro da classe dominante. Amir tentou testar e provocar Hassan inúmeras vezes, como na vez, enquanto brincava, Hassan disse a ele que comeria terra em vez de mentir para ele, e Amir se divertiu ao saber disso. Amir estava bem ciente de sua crueldade para com Hassan, mas sempre se imaginou como tendo licença para fazê-lo. Ele confessa ter sido mau com Hassan: “Mas havia algo de fascinante - embora de um jeito doentio - em implicar com Hassan. Era um pouco como brincar de torturar insetos. Só que, agora, ele era a formiga e eu é que estava segurando a lupa” (Hosseini, 2005, p. 41-42)22 22 Para referência, ver nota 1. . Na verdade, depois de testemunhar a violação de Hassan, Amir escolheu o silêncio e o isolamento e tentou justificar as suas ações argumentando que o sacrifício de Hassan era essencial para conquistar o coração de seu pai: “nada era de graça nesse mundo. Talvez Hassan fosse o preço que eu tinha que pagar, o cordeiro que tinha de sacrificar, para conquistar Baba... Ele era apenas um hazara, não era?” (Hosseini, 2005, p. 58)23 23 Para referência, ver nota1. . Amir emprega as metáforas “formiga” e “cordeiro” para Hassan, demonstrando sua perspectiva em relação a seu melhor amigo porque um pensamento racista se enraizou em seu coração.

O ponto de vista do personagem principal, que também é o narrador, sobre as minorias, difere do de Hosseini. Isso torna o romance dialógico, que é o resultado de vários pontos de vista diferentes. Como resultado, Hosseini não tenta tornar-se a última fonte da verdade. Em vez disso, ele coloca seus personagens em cenários sociais que os forçam a expressar suas ideias. Assim como Bakhtin também confirma que “no homem sempre há algo, algo que só ele mesmo pode descobrir” (2018, p. 58)24 24 Para referência, ver nota 4. , certas verdades só podem ser reveladas por determinados personagens com uma ideologia particular.

Sem libertar as vozes da sua perspectiva, Hosseini é incapaz de retratar adequadamente o sofrimento e o caos no Afeganistão. Como resultado de sua tentativa de reduzir a possibilidade de alienação de qualquer ponto de vista, o enredo do romance está repleto de muitas ideologias não dirigidas. Sendo um autor afegão-americano, Hosseini é obrigado a tornar o romance polifônico e dialógico, portanto precisa de certos personagens para expressar o que não conseguiu vivenciar pessoalmente. “Hosseini apresenta O caçador de pipas ao leitor norte-americano de uma maneira que demonstra sua intenção de não assumir a propriedade de algo que não teve a oportunidade de experimentar” (O’ Brien, 2021, p. 56)25 25 No original: “Hosseini presents The Kite Runner to the Western reader in a form which indicates a desire on his part not to claim ownership over that which he did not experience”. .

Por outro lado, alguns críticos do romance O caçador de pipas também apontam que a narrativa desta obra é construída a partir de um ponto de vista eurocêntrico, e que esta perspectiva de Hosseini minimizou e ignorou a rica história e cultura do Afeganistão. A forma como a sociedade e a cultura Afegã é retratada no livro influencia muito a forma como os outros veem e formam estereótipos. Hosseini apresentou e serviu o Afeganistão como desejado pelo Ocidente porque tem uma influência significativa do Ocidente por ser um escritor americano nascido no Afeganistão.

Ele promove um estereótipo do Afeganistão em discursos, na mídia e em diferentes narrativas. No contexto desta representação do Afeganistão como um país de homens-bomba e de opressão feminina, a arte de Hosseini pouco faz para se opor a esse tipo de recurso. Ele afirma que suas narrativas são representações da dura realidade, mas na verdade são baseadas em reportagens de jornais e em sua própria imaginação, pois ele está fisicamente distante de sua terra natal. Suas narrativas, centradas no Ocidente, apresentam uma imagem estereotipada bárbara e selvagem do Oriente (Shubhi; Sneha; Vikash; Rehana, 2019SHUBHI; VIKASH, Sneha; RACHNA; SHAHLA Rehana. Does Hosseini Portray Western-Centric View of Afghanistan in His Novels? Explore-Journal of Research, vol. XI no.2., 2019, pp. 1-7, https://patnawomenscollege.in/upload/Explore%20vol%20XI%202/detal/d1-min.pdf. Accessed on 25 October, 2023.
https://patnawomenscollege.in/upload/Exp...
, p. 1-2)26 26 No original: “In speeches, in the media, and in various narratives, a stereotypical image of Afghanistan is propagated by him. Situated within this portrayal of Afghanistan as a country of suicide bombers and female oppression, Hosseini's work does little to counter this kind of discourse. He claims that his narratives are the representations of the stark reality, but they are actually based on newspaper reports and his own imagination as he is physically distant from his homeland. His narratives are Western-centric and present a barbaric and savage stereotypical picture of the East”. .

É assim que algumas interpretações críticas de O caçador de pipas, de Hosseini, apontam seu preconceito ao retratar a sociedade afegã. A representação no romance é desprovida da apreciação da riqueza de uma cultura antiga. Ele destaca os problemas e complexidades da sociedade afegã através de uma perspectiva ocidental. No entanto, é importante observar que o autor se esforça ao permitir que várias vozes expressem diferentes perspectivas sobre as complicadas circunstâncias sociopolíticas do Afeganistão.

Uma perspectiva autoritária é incapaz de transmitir a complexidade de uma história intensa. Um romance polifônico é caracterizado por um jogo livre de pontos de vista que podem divergir da perspectiva do autor e do narrador em vários aspectos, incluindo patriarcado, religião e minorias. Assef, um jovem valentão que acabou se transformando em um cruel Oficial do Talibã, é um dos personagens do livro O caçador de pipas. Ele assume a voz de todas as coisas malévolas e desumanas. Ele estupra Hassan e considera que é seu direito, já que ele pertence à classe dominante. Quando um de seus amigos fica assustado e chama o estupro de um ato pecaminoso, ele defende suas ações dizendo que “não vejo que pecado pode haver em dar uma boa lição em um burro desrespeitoso...É só um hazara” (Hosseini, 2005, p. 57)27 27 Para referência, ver nota 1. . Assef é um racista declarado que não mede palavras ao expressar suas opiniões contra as minorias. Ele descreve o ponto de vista do Talibã, tendo o maior orgulho de todas as suas ações de crueldade. Ele justifica que a limpeza étnica e a vontade de Deus são as razões por trás do assassinato de minorias pelo Talibã: “deixar as balas voarem, sem qualquer culpa ou remorso, tendo plena consciência de ser uma pessoa virtuosa, boa e decente...sabendo que está realizando o trabalho de Deus...entregues aos cachorros, carne de cachorro para cachorros” (Hosseini, 2005, p. 194-195)28 28 Para referência, ver nota 1. . Ele descreve para Amir como o Talibã vê o Afeganistão, como uma mansão magnífica cheia de lixo, e que é seu dever limpar o lixo desta mansão. Assef usa palavras como, “macacos hipócritas”, “cachorro” e “lixo” para retratar os Hazaras, mostrando claramente sua ideologia racista. Uma pluralidade de vozes apresenta o outro lado da moeda, onde as opiniões que contradizem o autor também permanecem visíveis. No contexto dos livros de Dostoiévski, Bakhtin afirma que eles são restringidos pelos personagens que descobrem sua verdade através do discurso com outras verdades: “Uma só voz nada termina e nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida, o mínimo de existência” (2018, p. 252)29 29 Para referência, ver nota 1. .

No romance, há fortes visões patriarcais e também é criado pouco espaço para acomodar vozes feministas. Hosseini não fornece quaisquer pontos de vista sobre o patriarcado que sejam mencionados explicitamente. No entanto, alguns elementos e temas podem ser interpretados como a intenção do autor de fornecer alguns aspectos da sociedade afegã relacionados às normas patriarcais. Mais uma vez, ele não está se tornando didático sobre o patriarcado, mas definitivamente levantando questões sobre ele, mas, ao mesmo tempo, os personagens estão expressando com muita clareza suas noções que são influenciadas pelo patriarcado. O pai do narrador expressa opiniões patriarcais ao falar sobre a timidez do filho. Ele não gosta do fato de o filho não ser como ele, por não se interessar por esportes masculinos como o futebol e por não ser capaz de se defender de agressores. Baba também detesta a obsessão de Amir em ler os livros dia e noite e sua falta da coragem que um menino deveria ter. Nas palavras de Baba, “ele nunca revida. Nunca. Ele apenas (...) abaixa a cabeça (...)” (Hosseini, 2005, p. 20)30 30 Para referência, ver nota 1. .

O patriarcado estabelece, assumidamente, atributos específicos considerados masculinos, que um homem deveria ter sempre. Bell Hooks, em seu ensaio “Understanding Patriarchy” [Entendendo o patriarcado] (2004HOOKS, Bell. Understanding Patriarchy. In: HOOKS, Bell. The Will to Change: Men, Masculinity and Love. Washington Square Press, 2004. pp. 28-42.), menciona como o patriarcado é uma doença social, espera que homens e mulheres cumpram os seus papéis de gênero, e qualquer tipo de desvio é visto de forma crítica. O pai do narrador também expressa o desejo de fazer do filho um homem de verdade de acordo com os padrões estabelecidos pela sociedade. Baba expressou seu desapontamento com seu filho porque “Um menino que não sabe se defender vai se tornar um homem incapaz de enfrentar o que quer que seja” (Hosseini, 2005, p. 20)31 31 Para referência, ver nota 1. .

Ele também diz a Rahim Khan que, se ele não tivesse testemunhado sua esposa dando à luz seu filho, ele nunca acreditaria que um garoto tão fraco pudesse ser seu filho. Rahim Khan desafia a ideia de papéis fixos de gênero que devem ser cultivados nas crianças desde o nascimento. Ele diz que uma criança deve encontrar o seu próprio caminho e eles “não são cadernos de colorir. Você não tem de preenchê-lo com suas cores favoritas” (Hosseini, 2005, p. 20)32 32 Para referência, ver nota 1. . O conceito patriarcal espera que homens e mulheres se comportem de maneiras específicas na sociedade, e ir contra os padrões estabelecidos não é visto de forma positiva. Soraya, esposa de Amir, enfrentou críticas por ser uma mulher afegã extrovertida. Até Amir acredita que a sociedade permite que um homem tenha maiores privilégios do que uma mulher. Nas suas próprias palavras, “pais e filhos podiam falar livremente sobre as mulheres. Pais e filhos podem falar abertamente sobre mulheres. Mas nenhuma garota afegã, pelo menos nenhuma garota afegã decente e mohtaram - perguntaria algo a seu pai sobre um rapaz” (Hosseini, 2005, p. 107)33 33 Para referência, ver nota 1. .

Butler fez uma observação correta em seu livro Gender Trouble [Problemas de gêneros] (2006), de que a mulher tem que atender a certas expectativas da sociedade para provar que é decente e pagar o alto preço caso se desvie do caminho estabelecido. Assim, há uma representação de vozes contestadoras no romance, e isso dá ao leitor uma boa oportunidade de mergulhar fundo nas ideologias escondidas nas palavras de vários personagens. Em seu livro Mikhail Bakhtin: criação de uma prosaísca, Saul Morson e Cary Emerson (2008)34 34 Tradução de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Edusp, 2008. comentam e analisam extensivamente o conceito de polifonia. Eles destacam que a polifonia permite uma variedade de perspectivas, e essa é a beleza da natureza complexa do ser humano.

No romance, Soraya se torna a voz feminista e diz o que pensa de forma aberta e corajosa. Ela conta a Amir, que antes de se casar com ele, se envolveu em um escândalo, por ter fugido com um homem afegão aos dezoito anos e causado imensa dor a seus pais. Ela reconhece os erros e os aceita com franqueza na frente de Amir. No entanto, por ser uma mulher, a sociedade implacável a castiga repetidamente. Devido à forma como a sociedade funciona, uma mulher que perde a sua dignidade não pode ser perdoada, enquanto um homem pode sair facilmente de tais circunstâncias. Soraya desabafa com Amir ao criticar o tratamento injusto dado a ela por causa de seu sexo. Segundo ela, os homens podem se comportar de maneira imprudente, mas não as mulheres, eles podem ir a boates e engravidar suas namoradas, mas se as mulheres fizerem isso, serão consideradas sem moral: “Ah! são apenas homens se divertindo! Já eu cometo um erro e, de repente, todo mundo está falando de nang e namoos (honra e orgulho)” (Hosseini, 2005, p. 129)35 35 Para referência, ver nota 1. . Soraya passa a compreender as restrições impostas às mulheres em sua sociedade como resultado disso. Além disso, segundo Beauvoir (2015BEAUVOIR, Simone de. The Second Sex. Vintage Classics, London, 2015.) é razoável que as mulheres no futuro se sintam frustradas com as limitações que lhes são impostas devido ao seu gênero. O fato de uma voz feminina forte estar encontrando um lugar entre tantas vozes é surpreendente. Estas múltiplas vozes estão numa luta constante e incessante para alcançar uma posição de destaque. Uma vez identificadas as diversas vozes do romance, é crucial observar como a estrutura narrativa aprecia igualmente a sua natureza polifónica.

3 Arquitetura polifônica

A análise da arquitetônica do romance faz com que o pesquisador entenda como as diferentes partes que formam a narrativa contribuem para o todo. No processo de tornar o romance coeso, o autor tenta juntar todas as peças para dar-lhe a sensação de um todo unificado. A arquitetura de um romance polifônico é construída e projetada para permitir que inúmeras ideologias e perspectivas floresçam sem serem influenciadas por seu criador. Como um romance polifônico possui uma multiplicidade de ideologias livres, há também colaboradores invisíveis que ajudam a criar o espaço social onde elas podem se tornar visíveis. Dinâmicas socioculturais, elementos linguísticos e situações espaço-temporais estão entre essas contribuições. O caçador de pipas entrelaça histórias sobre a amizade de dois meninos, a agitação social e política no Afeganistão, a vida dos imigrantes na América, o trauma geracional e a redenção. Hosseini integra várias linhas de histórias e permite expressões de múltiplos pontos de vista neste romance. O principal objetivo do romance é combinar essas diferentes linhas de histórias com diferentes vozes. A necessidade de tornar o romance polifônico vem da verdadeira representação dos aspectos socioculturais heterogêneos do Afeganistão. São diversas vozes, em vez de uma única voz autoral, para representar as complexidades da sociedade afegã. Esta seção disseca o romance a fim de compreender como sua arquitetura suporta sua natureza polifônica.

A composição polifônica do texto torna-se essencial quando o romance tem o espírito de uma diversidade de pontos de vista. Para criar um cosmos literário polifônico, a linearidade temporal e espacial deve ser flexibilizada. Diferentes linhas de tempo e espaço estão entrelaçadas e conectadas na trama e na narrativa para oferecer às vozes uma verdadeira independência. Em um romance com narrativa multivocal como O caçador de pipas, existem numerosos caminhos no tempo e no espaço para representar todas as diversas vozes. A variedade espacial do romance, ambientada no Afeganistão, no Paquistão e nos Estados Unidos, ajuda a apresentar múltiplas vozes misturadas com perspectivas únicas. A representação não linear do tempo integra todas as vozes do passado ao presente. O romance passa por inúmeras mudanças do presente para o passado e vice-versa para reconhecer todas as diferentes vozes. Tanto a polifonia quanto o cronotopo enfatizam a interconexão. Diversas vozes são incorporadas em obras polifônicas, e uma voz torna-se importante em relação a outra. A conectividade de tempo e espaço dentro do cenário narrativo é representada pelo cronotopo. A narrativa com elementos polivocais depende de uma variedade de situações espaço-temporais. Bakhitn introduziu o conceito de cronotopo e afirmou que existe uma ligação inseparável entre tempo e espaço na obra literária que permite que eventos se desdobrem e vozes interajam. Toda obra literária tem seu cronotopo único.

No cronotopo artístico-literário ocorre a fusão dos indícios espaciais e temporais num todo compreensivo e concreto. Aqui o tempo condensa-se, comprime-se, torna-se artisticamente visível; o próprio espaço intensifica-se, penetra no movimento do tempo, do enredo e da história (Bakhtin, 1993, p. 211)36 36 BAKHTIN, Formas de tempo e de cronotopo no romance. Ensaios de poética histórica. In: BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. 3. ed. São Paulo: UNESP, 1993. Este ensaio tem uma nova tradução, mais completa, com o título “O romance como gênero literário”: BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: o romance como gênero literário. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2019. p. 11-217. .

A polifonia representa vozes livres e o cronotopo ajusta o tempo e o espaço para acomodar esta diversidade de perspectivas. A dinâmica espacial e temporal cria um ambiente no qual a polifonia pode ser reproduzida. A dependência mútua dessas duas partes gera o significado contextual do texto. Através da sua representação do tempo e de espaço, o cronotopo incorpora contextos culturais e históricos. A polifonia permite que múltiplos pontos de vista surjam a partir desse cenário. As diversas vozes com diferentes ideologias em O caçador de pipas têm como tema alguns eventos históricos importantes, como a queda da monarquia afegã, a invasão soviética e a ascensão do Talibã.

Várias vozes, como vozes religiosas, antirreligiosas, patriarcais, feministas, racistas e vozes de minorias frágeis, são muito bem incorporadas ao desenvolver um cronotopo específico. O cronotopo dos acontecimentos influencia a vida dos personagens e os ajuda a expressar suas perspectivas não guiadas. No romance ocorreu um desses eventos, quando Amir e seu pai estavam migrando do Afeganistão para o Paquistão após a invasão soviética. Eles foram parados por soldados russos em seu caminho para o Paquistão, e um dos soldados exigiu a entrega de uma mulher do grupo em troca de permissão para que passassem; então Baba pronunciou estas palavras: “A guerra não nega a decência. Pelo contrário, exige isso, muito mais que os tempos de paz” (Hosseini, 2005, p. 84)37 37 Para referência, ver nota 1. . Este cenário de tempo e espaço revela a perspectiva de uma vítima de guerra. Outro exemplo do cronotopo único, a “Competição de pipas” nas ruas de Cabul, serve como uma arena simbólica onde alguns personagens importantes confrontam o seu lado mais sombrio. Neste cenário específico são apresentados alguns dos pontos de vista mais intensos dos personagens. Hassan expressou as noções de servidão e sacrifício. Enquanto corre para pegar a pipa, após a vitória de Amir, ele diz: “Por você faria isso mil vezes” (Hosseini, 2005, p. 51)38 38 Para referência, ver nota1. . No entanto, Amir percebeu o quão egocêntrico ele era e disse: “realmente desejei ser covarde” (Hosseini, 2005, p. 58)39 39 Para referência, ver nota1. . Fortes insultos racistas também foram lançados nesta situação. Quando Kamal diz: “Que hazzara mais leal... Leal como um cachorro” (Hosseini, 2005, p. 55)40 40 Para referência, ver nota1. . Os temas de lealdade, traição, crescimento pessoal e perspectivas intensas de alguns dos personagens estão interligados de forma eficiente neste cronotopo. Os cenários do cronotopo da casa de Baba em Cabul, na cidade de Peshawar no Paquistão, em um bairro na Califórnia, na residência de um oficial Talibã em Cabul e em muitos outros locais na linha do tempo da era pré-soviética até o pós-Talibã, proporcionam ambientes ricos para a polifonia.

Assim como a arquitetura espacial e temporal, a arquitetura linguística do romance também contribui significativamente para a natureza polifônica de O caçador de pipas. O uso da linguagem no romance pode ser observado e apreciado graças à teoria da linguagem de Bakhtin. Os pensamentos de Bakhtin sobre a linguagem não apenas antecipam muitos pensamentos do mundo moderno, mas também oferecem algumas maneiras fascinantes e únicas de apreciar a linguagem no processo de interação e comunicação. Ele acredita que a linguagem é importante porque é usada nas expressões cotidianas. Descobrir como as falas dos personagens podem transmitir suas opiniões é fascinante. Assim, Bakhtin confirma a linguagem como fenômeno social: “A forma e o conteúdo estão unidos no discurso, entendido como fenômeno social - social em todos os seus momentos - desde a imagem sonora até os estratos semânticos mais abstratos” (Bakhtin, 2002, p. 71)41 41 BAKHTIN, Mikhail. O discurso no romance. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. 3. ed. São Paulo: UNESP, 1993. Este ensaio tem uma nova tradução: BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, posfácio e notas e glossário de Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2019. p. 19-242. .

A estrutura narrativa de O caçador de pipas é na primeira pessoa. Amir, o protagonista, é um narrador em primeira pessoa. Amir usa narração em primeira pessoa para explicar seus pensamentos, emoções, preconceitos e conflitos. Amir se concentra em seus feitos passados; para dar sentido às suas falas, ele inclui as falas de outros personagens e, por fim, mostra suas perspectivas. Certos pontos de vista, como a perspectiva de Assef sobre as minorias, ocasionalmente entram em conflito com a posição de Amir como narrador. A inclusão de múltiplas vozes livres em sua narração contribui para a natureza polifônica do romance. A diversidade de perspectivas convive com diversas expressões linguísticas para permanecer intimamente ligada à sua identidade sociocultural. No ensaio “O discurso no romance”, Bakhtin forneceu o conceito de heteroglossia, argumentando que características extralinguísticas como identidade social, ideologias e contexto dão forma à linguagem

E é graças a este plurilinguismo social e ao crescimento em seu solo de vozes diferentes que o romance orquestra todos os seus temas, todo seu mundo objetal, semântico, figurativo e expressivo. O discurso do autor, os discursos dos narradores, os gêneros intercalados, os discursos das personagens não passam de unidades básicas de composição com a ajuda das quais o plurilinguismo se introduz no romance. Cada um deles admite uma variedade de vozes sociais e de diferentes ligações e correlações (sempre dialogizadas em maior ou menor grau) (Bakhtin, 1993, p. 74-75)42 42 Para referência, ver nota 40. .

Idiomas como dari, pashto e inglês são apresentados pelos personagens do romance O caçador de pipas para criar um ambiente multilíngue que promove a expressão polifônica. O romance usa muitas expressões dessas línguas para fornecer um cenário rico e vibrante que ajuda a retratar com precisão a cultura afegã. Palavras como qurama, manto pakora, kolchas, bolani, kabuuli (alimentos em dari e pasto); Salam, Kodha hafiz, mashallah (saudações e elogios comuns em persa) etc. e muitas outras desse tipo são integradas na narração sem esforço. A heterogeneidade da sociedade afegã é apresentada através da diversidade linguística. Além disso, as expressões usadas pelos personagens confirmam suas ideologias. No romance, idioleto e socioletos são responsáveis pela heteroglossia e criam um ambiente linguístico adequado para a polifonia. Baba, o pai de Amir na obra, tem firmes opiniões antirreligiosas, e isso fica evidente nas palavras que ele usa para transmitir essas ideias. Ao explicar a Amir sobre o “pecado”, ele descarta a explicação dada pelo mulá (sacerdote) e diz ao filho que o único pecado que um humano não deve cometer é o roubo de diferentes tipos e então ele elabora, “Quando você mata um homem, está roubando uma vida, está roubando da esposa o direito de ter um marido, roubando dos filhos um pai. Quando mente, está roubando de alguém o direito de saber a verdade. Quando trapaceia, está roubando o direito à justiça” (Hosseini, 2005, p. 17)43 43 Para referência, ver nota 1. . O idioleto de Assef mostra os seus firmes pontos de vista racistas e talibânicos. Ele diz: “O Afeganistão é a terra dos pashtuns ... e não esse nariz achatado aqui. Essa gente polui a nossa terra... sujam o nosso sangue” (Hosseini, 2005, p. 32)44 44 Para referência, ver nota 1. . A individualidade linguística dos personagens adequando-se à sua ideologia acrescenta cores à estrutura polifônica do romance. Bakhtin comentou que “A língua (. . .) nunca é única. Ela é única somente como sistema gramatical abstrato de formas normativas, abstraída das percepções ideológicas concretas que a preenche e da contínua evolução histórica da linguagem viva (Bakhtin, 1993, p. 96)45 45 Para referência, ver nota 40. .

Como diferentes classes sociais estão representadas na sociedade afegã, diferentes personagens envolvidos, em diferentes camadas sociais, empregam socioletos diferentes. Esses socioletos estão intimamente ligados às identidades sociais dos personagens. Hassan, o humilde menino Hazara que também é empregado da família de Amir, mostra total submissão em sua comunicação em quase todas as situações. Ao longo do romance, ele liga para seu amigo Amir, que ele chama de Agha, termo usado na língua local para indicar posição superior e respeito. Ele continua repetindo no romance: “Por você, faria isso mil vezes” (Hosseini, 2005, p. 51)46 46 Para referência, ver nota 1. . Isso mostra sua servidão e dedicação a Amir e sua família. Por outro lado, Amir, que era amigo de Hassan, descarta imediatamente esta realidade para confirmar o seu estatuto social superior; ao ser confrontado por Assef, ele diz: “ele não é meu amigo...ele é meu empregado” (Hosseini, 2005, p. 33)47 47 Para referência, ver nota 1. .

Bakhtin também se concentra na natureza dialógica dos enunciados, onde um enunciado se torna significativo em relação aos enunciados passados e antecipa enunciados futuros no mesmo contexto. A teoria do dialogismo é bastante semelhante à teoria da intertextualidade contemporânea. O dialogismo estabelece conexões entre os enunciados presentes, passados e futuros. A intertextualidade estabelece a ideia da interconectividade do texto atual, com textos passados e futuros. A intertextualidade é usada no livro O caçador de pipas. O uso dessa técnica torna o romance dialógico, pois utiliza referências culturais, literárias e históricas para tornar os enunciados diversos e relacionados a elementos passados. O uso de várias alusões por Amir dá significado à estrutura multiperspectiva do romance. Amir se inspira na história de Rostam e Sohrab do épico Persa Shahnameh. A história corre paralela à história do romance, uma vez que também se centra na traição e na redenção. Existem muitas referências de filmes, tais como, Três homens em conflito [The Good, the Bad and the Ugly] e Sete homens e um destino [Magnificent Seven], etc. Quando Hassan e seu pai estavam saindo da casa de Amir, Amir lembrou-se da trama típico dos filmes indianos e comentou: “Se fosse um daqueles filmes indianos que Hassan e eu víamos juntos, eu agora correria lá para fora, com os pés descalços chapinhando no chão molhado. Iria atrás do carro... gritando para que parassem. Tiraria Hassan do banco de trás e lhe diria que sentia muito” (Hosseini, 2005, p. 80)48 48 8 Para referência, ver nota 1. . Assim, o uso da intertextualidade faz com que todo o romance seja dialógico e com múltiplas vozes.

A estrutura de um romance é fundamental para torná-lo um texto polifônico. A interação de vozes e perspectivas acrescenta profundidade ao romance O caçador de pipas. A natureza polifônica do romance é sustentada por sua estrutura de forma muito sutil. As circunstâncias espaciais e temporais, bem como a variedade de técnicas de expressão inspiradas em elementos socioculturais, tornam a arte do romance adequada à polifonia.

Conclusão

A análise utilizando os conceitos Bakhtinianos gera uma compreensão diferenciada do romance O caçador de pipas. Na história do romance celebra-se a multidão de vozes, pois Bakhtin diz que um romance “é uma diversidade social de tipos de linguagens organizadas artisticamente, às vezes de línguas e de vozes individuais” (Bakhtin, 1993, p. 74)49 49 Para referência, ver nota 40. . Essa compreensão permite ao pesquisador mergulhar nas notáveis profundezas do romance e detectar coisas além do óbvio. Em O caçador de pipas, há uma representação objetiva das personalidades como alguém diferente, sem fundi-las na voz e no propósito do autor. Muitas personalidades diferentes são reunidas para formar um espetáculo de múltiplas perspectivas no romance. O autor ou narrador tem pouco controle sobre inúmeras vozes, tais como religiosas, antirreligiosas, feministas, racistas e patriarcais. Uma perspectiva autoritária é incapaz de transmitir a complexidade de uma história intensa de trauma, culpa e redenção baseada numa cultura e região desconhecidas do mundo exterior. No entanto, alguns críticos disseram que Hosseini projetou um estilo ocidental na narração da história que ocorre no Afeganistão. Mas uma característica que torna um romance polifônico é que ele evita contar a história apenas de seu ponto de vista, pois ele luta com a dupla identidade de fazer parte e estar fora dela. É por isso que Hosseini incorporou diversas vozes livres e permitiu que a perspectiva de Amir (narrador) fosse abalada pelas perspectivas conflitantes de outros personagens.

Utilizando os conceitos de polifonia de Bakhtin para analisar a famosa obra de Hosseini, O caçador de pipas, delineia-se uma maneira de analisar um romance de forma delicada para que as diferentes ideologias que não são sustentadas por nenhuma força autoral possam ser compreendidas. Estas várias ideias entram em conflito e tentam desestabilizar-se mutuamente para ganhar poder, mesmo que apenas por um curto período de tempo.

O caçador de pipas é uma história que deixa uma impressão indelével na mente do leitor, levando-o a interpretar a história com diferentes perspectivas. A abordagem bakhtiniana da polifonia permite uma análise única do romance.

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, Mikhail. Discourse in the Novel. In: BAKHTIN, Mikhail. The Dialogic Imagination: Four Essays. Transl. Caryl Emerson; Michael Holquist. Austin: University of Texas Press,1981a. pp. 259-422.
  • BAKHTIN, Mikhail. Forms of Time and of the Chronotope in the Novel. Notes toward a Historical Poetics. In: BAKHTIN, Mikhail. The Dialogic Imagination: Four Essays. Transl. Caryl Emerson; Michael Holquist. Austin: University of Texas Press,1981b. pp. 84-258.
  • BAKHTIN, Mikhail. Epic and Novel. Toward a Methodology for the Study of the Novel. In: The Dialogic Imagination: Four Essays. Transl. Caryl Emerson; Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1981c. pp. 30-83.
  • BAKHTIN, M. Problems of Dostoevsky’s Poetics. Edited and translated by Caryl Emerson; introduction by Wayne C. Booth. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1984.
  • ARAÚJO, Nádia Barros de; ARAÚJO, André Luis de. “The Heterodiscursivity in Fantastic Narratives of Social Tradition”. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, vol. 18, no. 1, Dec. 2022, pp. Port. 87-111 / Eng. 84, https://revistas. pucsp. br/index. php/bakhtiniana/article/view/58248 Accessed on 15 July, 2023.
    » https://revistas. pucsp. br/index. php/bakhtiniana/article/view/58248
  • BEAUVOIR, Simone de. The Second Sex. Vintage Classics, London, 2015.
  • BUTLER, Judith. Gender Trouble. Routledge, 2006.
  • DENTITH , Simon. Bakhtinian Thought: An Introductory Reader. Routledge, 1995.
  • DU, Juan. (2017). A Journey of Self-Actualization of Amir in The Kite Runner. English Language and Literature Studies. http://dx.doi.org/10.5539/ells.v7n3p90 Accessed on 25 October, 2023.
    » http://dx.doi.org/10.5539/ells.v7n3p90
  • HOOKS, Bell. Understanding Patriarchy. In: HOOKS, Bell. The Will to Change: Men, Masculinity and Love. Washington Square Press, 2004. pp. 28-42.
  • HOSSEINI, Khaled. The Kite Runner. Bloomsburry Publishing, London, 2007 (Print).
  • MORSON, Gary Saul; CARYL Emerson. Mikhail Bakhtin: Creation of a Prosaics. Stanford University Press, 1990.
  • O’BRIEN, S. Translating Trauma in Khaled Hosseini’s The Kite Runner. In: O’ Brien, Trauma and Fictions of the “War on Terror,” Routledge, 2021. pp. 36-66. https://doi.org/10.4324/9781003172215-1-2 Accessed on 25 October, 2023.
    » https://doi.org/10.4324/9781003172215-1-2
  • PRAISE for The Kite Runner. Princeton Book Review. n.d. https://www.princetonbookreview.com/book_pages/discussion/kite-runner-praise.php Accessed on 28 January, 2024.
    » https://www.princetonbookreview.com/book_pages/discussion/kite-runner-praise.php
  • SHUBHI; VIKASH, Sneha; RACHNA; SHAHLA Rehana. Does Hosseini Portray Western-Centric View of Afghanistan in His Novels? Explore-Journal of Research, vol. XI no.2., 2019, pp. 1-7, https://patnawomenscollege.in/upload/Explore%20vol%20XI%202/detal/d1-min.pdf Accessed on 25 October, 2023.
    » https://patnawomenscollege.in/upload/Explore%20vol%20XI%202/detal/d1-min.pdf
  • VOLOŠINOV, V. Marxism and the Philosophy of Language. Translated by Ladislav Matejka and I. R. Titunik. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1986.
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
    HOSSEINI, Khaled. O caçador de pipas. Tradução de Maria Helena Rouanet, Nova Fronteira, 2005.
  • 2
    No original: “a marvelous first novel... the story of two young boys who are friends in Afghanistan, and an incredible story of the culture. It's an old-fashioned kind of novel that really sweeps you away”.
  • 3
    Em inglês: “The Kite Runner is Khaled Hosseini’s debut novel, which shows not only a person’s spiritual growth, but also the history of the soul of a nation, and of a country’s suffering”.
  • 4
    BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018.
  • 5
    Para referência, ver nota 4.
  • 6
    Para referência, ver nota 4.
  • 7
    No original: “the issues raised by the question of polyphony have a wide general significance”.
  • 8
    BAKHTIN, Mikhail. Epos e romance. (Sobre a metodologia do estudo do romance). In: BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. 3. ed. São Paulo: UNESP, 1993. Este ensaio tem uma nova tradução, mais completa, com o título “O romance como gênero literário”: BAKHTIN, Mikhail. O romance como gênero literário. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance III: o romance como gênero literário. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2019. p. 65-112.
  • 9
    Para referência, ver nota 4.
  • 10
    Em português: ARAÚJO, Nádia Barros de; ARAÚJO, André Luis de. “A heterodiscursividade em narrativas fantásticas da tradição oral. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, vol. 18, no. 1, Dec. 2022, Port. 87-111 / Eng. 84-11, https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/58248/41277 accesso em 15 July, 2023.
  • 11
    Para referência, ver nota 4.
  • 12
    Para referência, ver nota 4.
  • 13
    Para referência, ver nota 1.
  • 14
    Para referência, ver nota 1.
  • 15
    Para referência, ver nota 1.
  • 16
    No original: “as soon as we are in the domain of meanings, we are also carried, willy-nilly, into the domain of ideology. That is to say, the meanings carried by signs, whether of language or not—though it is language we are interested in here—take us into the world of values and are therefore ideological”.
  • 17
    Para referência, ver nota 1.
  • 18
    Para referência ver nota 1.
  • 19
    VOLÓCHINOV, Valentin. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.
  • 20
    Para referência, ver nota 1.
  • 21
    Para referência, ver nota 1.
  • 22
    Para referência, ver nota 1.
  • 23
    Para referência, ver nota1.
  • 24
    Para referência, ver nota 4.
  • 25
    No original: “Hosseini presents The Kite Runner to the Western reader in a form which indicates a desire on his part not to claim ownership over that which he did not experience”.
  • 26
    No original: “In speeches, in the media, and in various narratives, a stereotypical image of Afghanistan is propagated by him. Situated within this portrayal of Afghanistan as a country of suicide bombers and female oppression, Hosseini's work does little to counter this kind of discourse. He claims that his narratives are the representations of the stark reality, but they are actually based on newspaper reports and his own imagination as he is physically distant from his homeland. His narratives are Western-centric and present a barbaric and savage stereotypical picture of the East”.
  • 27
    Para referência, ver nota 1.
  • 28
    Para referência, ver nota 1.
  • 29
    Para referência, ver nota 1.
  • 30
    Para referência, ver nota 1.
  • 31
    Para referência, ver nota 1.
  • 32
    Para referência, ver nota 1.
  • 33
    Para referência, ver nota 1.
  • 34
    Tradução de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Edusp, 2008.
  • 35
    Para referência, ver nota 1.
  • 36
    BAKHTIN, Formas de tempo e de cronotopo no romance. Ensaios de poética histórica. In: BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. 3. ed. São Paulo: UNESP, 1993. Este ensaio tem uma nova tradução, mais completa, com o título “O romance como gênero literário”: BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: o romance como gênero literário. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2019. p. 11-217.
  • 37
    Para referência, ver nota 1.
  • 38
    Para referência, ver nota1.
  • 39
    Para referência, ver nota1.
  • 40
    Para referência, ver nota1.
  • 41
    BAKHTIN, Mikhail. O discurso no romance. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. 3. ed. São Paulo: UNESP, 1993. Este ensaio tem uma nova tradução: BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, posfácio e notas e glossário de Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2019. p. 19-242.
  • 42
    Para referência, ver nota 40.
  • 43
    Para referência, ver nota 1.
  • 44
    Para referência, ver nota 1.
  • 45
    Para referência, ver nota 40.
  • 46
    Para referência, ver nota 1.
  • 47
    Para referência, ver nota 1.
  • 48
    8 Para referência, ver nota 1.
  • 49
    Para referência, ver nota 40.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O título do artigo é adequado ao que ele desenvolve e seus objetivos são claramente expressos. Além disso, o desenvolvimento do trabalho está em conformidade com a teoria proposta e seu/sua autor/a demonstra conhecimento da teoria de Bakhtin. O texto é claro e coeso. Por outro lado, penso que o autor, ao propor uma leitura polifônica e carnavalesca do romance em questão de Hosseini, reproduz a visão eurocêntrica em relação à cultura do povo afegão, cultura em que é ambientada a narrativa da história. O autor, Hosseini, intensifica os conflitos étnicos no Afeganistão, como a sobreposição, em especial, dos Pashtuns sobre os Hazaras. Em verdade, os meios de comunicação ocidentais, filmes e livros de massa, em especial os estadunidenses, têm servido como intensificadores do contexto cultural predominante que surgiu durante a época das expansões marítimas. Os árabes são um exemplo recente dos Outros que têm sido alvo da soberania e ira do homem branco. Nesse contexto o/a articulista é pouco crítico ao examinar o discurso de Hosseini em O caçador de pipas. Acredito que o autor deveria rever a exaltação com que analisa O caçador de pipas e inserir uma crítica à visão que o autor da narrativa tem em relação ao povo do Afeganistão. APROVADO COM SUGESTÕES [Revisado]

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    16 Out 2023

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

O artigo procura analisar o romance O caçador de pipas, de Khaled Hosseini, a partir dos conceitos de polifonia e carnavalização. Embora o tema do artigo seja relevante para os estudos bakhtinianos e para a literatura afegão-americana, há alguns elementos que precisam ser levados em consideração. Aqui estão alguns:

  • 1. O texto discute dois conceitos complexos e tenta analisar um romance baseado neles. Porém, como os conceitos precisam ser bem explicados para que o leitor possa compreender a linha de pensamento do autor, a discussão teórica ultrapassa a análise do romance. Isso fica muito claro na seção intitulada “Quebra de hierarquias”, pois a obra literária é pouco examinada.

  • 2. O leitor deveria receber um resumo do romance na introdução. Sem isso, parece que o autor presume que todo leitor do jornal leu o romance.

  • 3. O autor tenta mostrar que o romance é polifônico e assim traz trechos do romance que retratam vozes “independentes”. Porém, se forem independentes, a voz do autor-criador deve ser destacada para que possamos perceber o quão independentes são. Em outras palavras, como a voz dos personagens difere da voz do autor-criador se a voz deste não é desvelada no artigo? É necessário ressaltar que os romances são variáveis no discurso e na voz, mas, como é apontado no artigo, isso é diferente de ser polifônico.

  • 4. Nesse sentido, para que a análise seja mais bem compreendida, os trechos do romance devem ser analisados arquitetonicamente; isto é, as passagens devem ser analisadas em relação ao seu conteúdo, material e forma. No artigo, como o material e a forma não são analisados, os trechos do romance são utilizados como ilustrações ou exemplos do conteúdo e não propriamente como dados a serem analisados.

  • 4. O autor deverá seguir as orientações da revista em termos de formatação e citação.

  • 5. O texto necessita de revisão linguística.

  • 5. Deve haver frases de ligação entre as seções.

Em suma, acredito que se o autor tivesse se concentrado apenas em um conceito (por exemplo, polifonia) e analisado o romance em termos do projeto estético e da posição axiológica do autor-criador em relação ao conteúdo, bem como à arquitetura do romance, ele teria provado com mais sucesso que o romance é de fato polifônico. APROVADO COM RESTRIÇÕES [Revisado]

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    17 Out 2023

Review III

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Review III

O artigo apresentou melhorias em relação à versão anterior. Por exemplo, agora traz um resumo da trama, que ajuda o leitor a compreender melhor a análise e aponta alguns elementos materiais das passagens do romance para analisar ou destacar. Contudo, acredito que o artigo poderia focar em um conceito (seja polifonia ou carnavalesco) para que a análise pudesse abranger mais situações em que a polifonia e o carnavalesco estão presentes no romance. A análise do carnavalesco é curta e baseia-se apenas na derrubada de hierarquias. O artigo também necessita de revisão linguística e deve seguir as diretrizes de formatação da revista. Por exemplo, não há necessidade de apresentar a referência de um livro em nota de rodapé, pois ela está listada na seção Referências. APROVADO COM SUGESTÕES

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    15 Nov 2023

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2023
  • Aceito
    15 Fev 2024
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com